RE - 1812 - Sessão: 13/10/2020 às 14:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto pelo DIRETÓRIO MUNICIPAL DO MOVIMENTO DEMOCRÁTICO BRASILEIRO (MDB) de FREDERICO WESTPHALEN contra a sentença do Juízo Eleitoral da 94ª ZE, a qual desaprovou as contas relativas ao exercício financeiro de 2017, em razão (1) do recebimento de recursos de fonte vedada, de autoridades públicas e de pessoas jurídicas, nas quantias de R$ 19.708,20 e R$ 350,00, respectivamente, bem como (2) de recursos de origem não identificada no valor de R$ 285,00. A decisão determinou o recolhimento ao Tesouro Nacional do total de R$ 20.343,20, acrescido de multa de 10%, e a suspensão de novas quotas do Fundo Partidário pelo prazo de 3 (três) meses (fls. 350-364).

Em suas razões, sustenta o recorrente, quanto aos recursos de origem não identificada, ser falha imputável à Caixa Econômica Federal, a qual teria deixado de fornecer as cópias dos recibos de depósito. Aduz, em relação aos recursos de fonte vedada, que deve haver a aplicação retroativa do art. 31, inc. V, da Lei n. 9.096/95, com a redação trazida pela Lei n. 13.488/17, bem como a aplicação da anistia prevista no art. 55-D, introduzido na Lei n. 9.096/95 pela Lei n. 13.831/19. Menciona que alguns cargos não se enquadrariam no conceito de autoridade. Requer o provimento do recurso e pugna pela aprovação das contas.

Nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral manifestou-se pelo conhecimento e desprovimento do recurso (fls. 368-379v.).

É o relatório.

VOTO

Admissibilidade.

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

Mérito.

O recurso foi interposto contra a desaprovação das contas do MDB de Frederico Westphalen, relativas ao exercício financeiro de 2017, em razão do recebimento de recursos de fonte vedada, de autoridades públicas e de pessoas jurídicas, nas quantias de R$ 19.708,20 e R$ 350,00, respectivamente, bem como de recursos de origem não identificada no valor de R$ 285,00. Ainda, foi determinado o recolhimento ao Tesouro Nacional do montante de R$ 20.343,20, acrescido de multa de 10%, e a suspensão de novas quotas do Fundo Partidário pelo prazo de 3 (três) meses.

À análise.

1. Anistia. Art. 55-D da Lei n. 9.096/95.

Inicialmente, o recorrente vindica a aplicação da anistia constante no art. 55-D, introduzido na Lei n. 9.096/95 pela Lei n. 13.831/19.

Contudo, como bem assentado pela sentença, esta Corte Eleitoral já se manifestou sobre a existência de vício no referido instituto, tendo reconhecido, à unanimidade, a sua inconstitucionalidade:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO DE 2015. DESAPROVAÇÃO. MATÉRIA PRELIMINAR ACOLHIDA. INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 55-D DA LEI N. 9.096/95, INCLUÍDO PELA LEI N. 13.831/19. MÉRITO. RECEBIMENTO DE RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA E DE FONTE VEDADA. PORCENTAGEM REPRESENTATIVA DAS IRREGULARIDADES DIANTE DA TOTALIDADE DOS RECURSOS ARRECADADOS NO PERÍODO. AFASTADA A APLICAÇÃO DOS POSTULADOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. MANUTENÇÃO DO JUÍZO DE DESAPROVAÇÃO. REDUZIDO O PERÍODO DE SUSPENSÃO DO FUNDO PARTIDÁRIO. AFASTADA A CONDIÇÃO DE QUE A SANÇÃO SUBSISTA ATÉ QUE OS ESCLARECIMENTOS SEJAM ACEITOS PELA JUSTIÇA ELEITORAL. PROVIMENTO PARCIAL.

1. Incidente de inconstitucionalidade suscitado pelo Procurador Regional Eleitoral. 1.1. O art. 55-D da Lei n. 9.096/95, norma legal objeto do aludido incidente, incluído pela Lei n. 13.831/19, assinala a anistia das devoluções, cobranças ou transferências ao Tesouro Nacional que tenham como causa as doações ou contribuições efetuadas, em anos anteriores, por servidores públicos os quais exerçam função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, desde que filiados a partido político. Ausência de notícia de que tenha havido oferecimento dos dados relativos à previsão de estimativa de impacto orçamentário e financeiro quando da tramitação da proposta legislativa prevendo a renúncia da receita. Omissão que afronta a exigência constitucional incluída pela EC n. 95/16 no art. 113 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. A legislação infraconstitucional igualmente exige seja comprovado o impacto orçamentário e financeiro à concessão de benefício que gere a diminuição de receita da União, nos termos do art. 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal e arts. 114 e 116 da Lei n. 13.707/18. 1.2. A anistia das verbas consideradas como oriundas de fontes vedadas - benefício instituído em causa própria e sem qualquer finalidade pública subjacente - atenta ao princípio da moralidade administrativa e desvirtua a natureza jurídica do instituto. 1.3. Vício de inconstitucionalidade formal e material. Acolhimento da preliminar. Afastada, no caso concreto, a aplicação do art. 55-D da Lei n. 9.096/95, incluído pela Lei n. 13.831/19. (...) (grifo nosso)

(...)

(TRE/RS, Incidente de Arguição de Inconstitucionalidade, RE 35-92.2016.6.21.0005, Rel. Des. Eleitoral Gerson Fischmann, DEJERS de 23.08.2019.)

 

Assim, correta a sentença, no tópico.

2. Fontes vedadas.

2.1. Valores oriundos de pessoas jurídicas.

Igualmente, mostra-se irreparável a decisão recorrida ao concluir como irregular o recebimento de recursos de fontes vedadas de pessoas jurídicas. A unidade técnica constatou que houve doações de parte das empresas Mecatell Mat. Elétricos Ltda, CNPJ 05.024.183/0001-07, e Transportes Luiz Botton, CNPJ 03.766.403/0001-34, no valor total de R$ 350,00

O art. 12, inc. II, da Resolução TSE n. 23.464/15 veda a possibilidade de doação de pessoa jurídica a partidos políticos, in verbis:

Art. 12. É vedado aos partidos políticos e às suas fundações receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, doação, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive por meio de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

(...)

II – pessoa jurídica;

 

Logo, impõe-se o recolhimento da quantia ao Tesouro Nacional, conforme o disposto no art. 14, § 1º, da Resolução TSE n. 23.464/15.

2.2. Valores oriundos de autoridade.

No ponto, foi constatado que a agremiação partidária recebeu recursos de detentores de cargo de chefia ou direção demissíveis ad nutum da Administração Pública: Diretor-Geral, Chefe de Setor, Coordenador de Setor, Encarregado de Serviços Gerais, Secretário Municipal, Chefe de Turma e Oficial de Gabinete.

O montante total alcançou R$ 19.708,20, conforme demonstrado às fls. 301-304, o que desobedeceu à legislação de regência aplicável à época dos fatos, a redação original do art. 31, inc. V, da Lei n. 9.096/95.

Uma das alegações do MDB de Frederico Westphalen é que os cargos de “Encarregado de Serviços Gerais” e “Oficial de Gabinete” não poderiam ser considerados como de “autoridades”, pois destituídos de poder de decisão.

Ocorre que a agremiação não logrou rebater a fundamentação constante na sentença, fl. 345v., de que a inclusão de tais cargos como fonte vedada foi realizada com suporte em informações prestadas, via ofício, pela Prefeitura de Frederico Westphalen, sobre os ocupantes dos cargos mencionados exerceram funções de chefia, ou direção, durante o ano de 2017.

Dessa forma, não merece reparo o reconhecimento do valor total, no item, da ordem de R$ 19.708,20, até mesmo porque todas as doações, ao que consta nos autos, ocorreram antes de 06.10.2017, data inicial de vigência da Lei n. 13.488/17.

Explico.

As contas relativas ao exercício de 2017 devem ser examinadas de acordo com as regras previstas na Resolução TSE n. 23.464/15, vigente ao tempo dos fatos, conforme estipula o inc. III do § 3º do art. 65 da Resolução TSE n. 23.546/17, até mesmo porque este Tribunal  se posiciona firmemente pela irretroatividade das disposições legais, e faz preponderar os princípios do tempus regit actum, da isonomia e da segurança jurídica.

Nesses termos, colaciono o seguinte julgado:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS ANUAL. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO DE 2015. PRELIMINAR. MANUTENÇÃO DOS DIRIGENTES PARTIDÁRIOS NO POLO PASSIVO. ILEGITIMIDADE NÃO CONFIGURADA. MÉRITO. RECEBIMENTO DE DOAÇÕES DE FONTES VEDADAS. ALTERAÇÃO LEGISLATIVA. PERMITIDA A CONTRIBUIÇÃO DE FILIADOS. INAPLICABILIDADE AO CASO CONCRETO. APLICAÇÃO DA LEGISLAÇÃO VIGENTE À ÉPOCA DOS FATOS. PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA. MANUTENÇÃO DO JUÍZO DE IRREGULARIDADE DA DOAÇÃO. REDUÇÃO DO PRAZO DE SUSPENSÃO DO RECEBIMENTO DAS QUOTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. PARCIAL PROVIMENTO.

(...)

3. A Lei n. 13.488/17, publicada em 06.10.17, alterou a redação do art. 31 da Lei n. 9.096/95 - Lei dos Partidos Políticos -, excluindo a vedação de doação de pessoa física que exerça função ou cargo público demissível ad nutum, desde que filiada ao partido beneficiário.

4. Inaplicabilidade ao caso concreto. Incidência da legislação vigente à época dos fatos. Prevalência do princípio da segurança jurídica e da paridade de armas no processo eleitoral, em detrimento da aplicação pontual da retroatividade in bonam partem. Manutenção do juízo de irregularidade das contribuições advindas de cargos demissíveis ad nutum, ainda que os contribuintes sejam filiados à agremiação.

(...)

6. Provimento parcial.

(TRE-RS; Recurso Eleitoral n. 14-97, Relator: Dr. Luciano André Losekann, julgado em 04.12.2017, por unanimidade.) (Grifei.)

 

Na espécie, observo que, no quadro apresentado pelo órgão técnico (fls. 301-304), não foram identificadas doações efetuadas após 06.10.2017, como bem pontuou o douto Procurador Regional Eleitoral em sua manifestação:

Efetivamente, a Lei n. 13.488/17, publicada em 06.10.17, alterou a redação do art. 31 da Lei n. 9.096/95 – Lei dos Partidos Políticos -, excluindo a vedação de doação de pessoa física que exerça função ou cargo público demissível ad nutum, desde que filiada ao partido beneficiário do recurso.

No caso, observa-se das certidões de filiação partidária acostadas aos autos que apenas cinco pessoas encontram-se regularmente filiadas ao MDB no ano de 2017. São elas: i) Andreia Henn Rizzotto – Data da Filiação: 15/08/2017 -, à fl. 326; ii) Camila Dalan – Data da Filiação: 16/08/2017 – à fl. 328; iii) Lea Elizabeth Tomschke – Data da Filiação: 15/08/2017 – à fl. 335; iv) Márcia Regina Hibner Semeler – Data da Filiação: 16/08/2017 -, à fl. 337; e v) Rosemari Aparecida Brandalizzi de Bona – Data da Filiação: 12/08/2017 – à fl. 341.

Não obstante isso, como se observa da tabela de contribuições colacionada no Relatório Conclusivo, item “b”, às fls. 301-304, todas as contribuições registradas em nome das cinco pessoas físicas acima nominadas foram efetuadas em data anterior a 06.10.2017. (Grifei.)

Assim, configurado o recebimento de recursos oriundos de fonte vedada no valor de R$ 19.708,20, a agremiação deverá efetuar a devolução da importância ao Tesouro Nacional.

A grei deverá fazer o recolhimento da quantia total de R$ 20.158,20 ao Tesouro Nacional, frente o recebimento de valores oriundos de pessoas jurídicas e de autoridades, em contrariedade ao disposto nos incs. II e  IV do art. 12 da Resolução TSE n. 23.464/15.

3. Recursos de origem não identificada.

Sustenta o recorrente, quanto aos recursos de origem não identificada, que a falha é de ser imputada à Caixa Econômica Federal, a qual teria deixado de fornecer as cópias dos recibos de depósito.

Acrescenta, ainda, jurisprudência de que cabe a aprovação das contas com ressalvas, mediante a aplicação dos princípios da insignificância, da proporcionalidade e da razoabilidade, tendo em vista o valor ínfimo dos recursos de origem não identificada ante a totalidade dos recursos recebidos.

Ocorre que a Resolução TSE n. 23.464/15 é clara ao estabelecer que o recebimento de recursos por depósitos bancários deve ser realizado de forma individualizada, com os dados de CPF do depositante, e que cabe ao partido diligenciar para que o aporte de recursos financeiros seja sempre efetuado na forma disposta na normatização legal.

Art. 13. É vedado aos partidos políticos receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, recursos de origem não identificada.

Parágrafo único. Constituem recursos de origem não identificada aqueles em que:

I – o nome ou a razão social, conforme o caso, ou a inscrição no CPF do doador ou contribuinte, ou no CNPJ, em se tratando de partidos políticos ou candidatos:

a) não tenham sido informados; ou

b) se informados, sejam inválidos, inexistentes, nulos, cancelados ou, por qualquer outra razão, não sejam identificados;

II – não haja correspondência entre o nome ou a razão social e a inscrição no CPF ou CNPJ informado; e

III – o bem estimável em dinheiro que tenha sido doado ou cedido temporariamente não pertença ao patrimônio do doador ou, quando se tratar de serviços, não sejam produtos da sua atividade.

 

Destarte, descabe imputar à instituição bancária a responsabilidade pelo recebimento de depósitos em desacordo com a legislação aplicável. Caberia à grei atuar conforme o art. 11, § 3º, bem como o art. 14, caput e § 1º, todos da Resolução TSE n. 23.464/15, que dispõem sobre o estorno ao doador e o recolhimento ao Tesouro Nacional dos valores indevidos ou provenientes de fonte vedada ou não identificada.

Ademais, a invocação dos princípios da insignificância, da proporcionalidade e da razoabilidade quanto aos recursos de origem não identificada é de ser sopesada em conjunto com as demais irregularidades, até mesmo porque se trata de comportamento a ser objetivamente cumprido.

A jurisprudência deste Tribunal pacificou o entendimento de que a carência de identificação da fonte originária do recurso na própria operação bancária é falha que impede o controle da Justiça Eleitoral sobre eventuais fontes vedadas e prejudica a transparência das declarações contábeis:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. DIRETÓRIO ESTADUAL. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2015. AFASTADA A PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA DE DIRIGENTE PARTIDÁRIO. MÉRITO. LICITUDE DAS DOAÇÕES REALIZADAS POR DETENTORES DE MANDATO ELETIVO. VEREADOR. DEPUTADO ESTADUAL. FALTA DE IDENTIFICAÇÃO DO CPF DE CONTRIBUINTES NOS EXTRATOS BANCÁRIOS. REPASSE DE RECURSOS DO FUNDO PARTIDÁRIO A ÓRGÃO IMPEDIDO DE RECEBER VALORES DESSA RUBRICA. INOBSERVÂNCIA DA APLICAÇÃO DO PERCENTUAL DE PROMOÇÃO À PARTICIPAÇÃO POLÍTICA DAS MULHERES. SUSPENSÃO DAS QUOTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. DESAPROVAÇÃO DAS CONTAS.

(...)

3. Emprego de verbas de origem não identificada. Valores depositados em espécie e na conta da agremiação, sem a identificação do CPF do contribuinte. Irregularidade que enseja o recolhimento do montante indevidamente utilizado ao Tesouro Nacional.

(...)

7. Desaprovação.

(TRE-RS, PC 54-16, deste relator, julgado em 10.10.2018, publicado no DEJERS n. 187, de 15.10.2018, p. 4-5.) (Grifei.)

 

Indiscutível, portanto, a caracterização de recurso de origem não identificada em relação aos valores percebidos pelo partido político, via depósito bancário, sem a indicação do doador ou contribuinte, cabendo a determinação de seu recolhimento no valor de R$ 285,00, ao Tesouro Nacional.

4. Conclusão.

As irregularidades totalizam R$ 20.343,20, quantia que representa 65,44% do total da arrecadação financeira do exercício de 2017, R$ 30.657,90.

Dessa forma, mostra-se adequada, razoável e proporcional a manutenção da decisão recorrida, de desaprovação das contas; e, nos termos do 14, caput, da Resolução TSE n. 23.546/17, a quantia de R$ 20.343,20 deve ser recolhida ao Tesouro Nacional.

Ainda, a multa fixada pelo juízo a quo, no percentual de 10%, afigura-se também proporcional e razoável à natureza, ao montante absoluto e ao percentual da falha em relação à receita obtida pelo partido político, bem como a sanção de suspensão da distribuição de quotas do Fundo Partidário pelo prazo de 3 (três) meses.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo desprovimento do recurso.