RE - 3480 - Sessão: 02/03/2020 às 17:00

RELATÓRIO

Cuida-se de recurso de apelação interposto pela UNIÃO (ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO), em sede de cumprimento de sentença, contra decisão do Juízo Eleitoral da 124ª Zona – Alvorada que indeferiu pedido de nova penhora via BACENJUD e determinou a extinção do feito (fl. 309-v.).

Em suas razões (fls. 313-318), a recorrente sustenta não ocorrida a prescrição intercorrente, pois não teria havido a suspensão do processo pelo prazo legal de um ano, conforme exigido. Aduz que o início do prazo somente passaria a fluir após prévia intimação. Ainda, alega que a demora na execução se deu em razão de ato imputável ao Poder Judiciário e que a União em momento algum se quedou inerte. Pugna, ao final, pelo conhecimento e provimento do recurso, de modo a ser cassada a sentença.

Intimada (fl. 320), a agremiação partidária ofereceu contrarrazões (fl. 323), nas quais requer o desprovimento do recurso interposto pela UNIÃO.

Com vista dos autos, a Procuradoria Regional Eleitoral opinou pelo provimento do recurso (fls. 327-331).

É o relatório.

VOTO

O recurso é tempestivo e comporta conhecimento.

Note-se que os autos do processo aportaram na Advocacia-Geral da União em 23.8.2019, sexta-feira, consoante registro eletrônico estampado à fl. 312, e o recurso foi interposto no dia 27.8.2019, terça-feira, sendo indiscutível sua tempestividade, observado o prazo estipulado pelo § 1º, art. 52 da Resolução TSE n. 23.546/17.

Presentes os demais requisitos, merece conhecimento.

No mérito, a irresignação da UNIÃO reside no fato de o Juízo Eleitoral ter julgado extinto o feito, apesar dos esforços envidados para satisfazer o crédito e sem que tenha sido previamente ouvida, com fundamento na constatação de que as providências requeridas pelo exequente caracterizariam o que a jurisprudência denomina "espumeira processual".

Nas razões decisórias, consta que o credor se limitara “a articular diligências infrutíferas, apenas para fins de movimentação mecânica do feito, quando resta claro que não se mostra possível prosseguir na satisfação do crédito" (fl. 309 e v.).

O título executivo que funda a presente execução foi constituído por decisão judicial transitada em julgado, em data de 11.9.2014 (fl. 149), proferida em sede de prestação de contas, em que o PTB de Alvorada foi condenado ao recolhimento de R$ 43.275,06 (quarenta e três mil, duzentos e setenta e cinco reais e seis centavos), porquanto o montante fora recebido de fonte vedada.

Inicialmente, cumpre esclarecer que, em que pese o enunciado cuidar de multa eleitoral, ressai nítido do texto que a dívida não se revestindo de caráter tributário, como no caso sob exame, seu prazo prescricional será decenal.

A matéria já se encontra sumulada pelo Tribunal Superior Eleitoral, por meio do verbete n. 56, que dispõe:

A multa eleitoral constitui dívida ativa de natureza não tributária, submetendo-se ao prazo prescricional de 10 (dez) anos, nos moldes do art. 205 do Código Civil.

Na hipótese, tratando-se de cumprimento de sentença iniciado sob a égide do CPC de 2015, o reconhecimento do fenômeno prescricional depende da observância do procedimento e dos prazos previstos nos §§ 1º, 2º, 4º e 5º, art. 921, do Estatuto, que disciplinam a prescrição intercorrente no âmbito das dívidas cíveis.

Dessa forma, não localizados bens penhoráveis, cumpriria ao magistrado observar o regramento previsto no art. 921, inc. III e parágrafos, do CPC, conforme explicita o escólio de Araken de Assis (Manual de Execução. 18. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016, p. 442):

O fundamento da prescrição no curso do processo, isto é, da prescrição intercorrente, localiza-se na necessidade social de não expor o executado, indefinidamente, aos efeitos da litispendência.96 E, ademais, harmoniza-se com o direito fundamental processual à duração razoável do processo.

A última forma desse assunto resulta do art. 921, §§ 1.º, 4.º e 5.º, c/c art. 924, V. Inexistindo bens penhoráveis (art. 921, III), o juiz suspenderá a execução pelo prazo de um ano, reza o art. 921, § 1.º, no curso do qual não fluirá a prescrição intercorrente, e, findo este, determinará o arquivamento dos autos (art. 921, § 1.º), sem baixa na distribuição, podendo os autos serem desarquivados, a qualquer tempo, surgindo bens penhoráveis (art. 921, § 3.º). E uma vez transcorrido o prazo de um ano do art. 921, § 1.º, fluirá o prazo prescricional (v.g., no caso do cheque, é brevíssimo, a teor do art. 59 da Lei 7.357/1985). Vencido o prazo, ouvidas as partes (art. 921, § 5.º), o juiz extinguirá a execução com fundamento na prescrição intercorrente (art. 924, V).

Na mesma linha, colaciono a lição da doutrina conjunta de Guilherme Marinoni, Daniel Mitidiero e Sérgio Cruz Arenhart (Novo curso de processo civil. Vol. II. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 994):

De todo modo, o início do cômputo do prazo de prescrição intercorrente só se dá após um ano da paralisação do processo por não serem localizados bens penhoráveis, se não houver manifestação do exequente (art. 921, §§ 1º e 4.°). Assim, não localizados bens penhoráveis, o processo pode ficar paralisado por um ano, sem que nesse prazo corra a prescrição. Findo esse prazo, tem início o cômputo do lapso de prescrição intercorrente e, verificada a sua ocorrência e depois de ouvidas as partes em quinze dias, pode-se reconhecer essa causa de extinção da execução.

O mesmo entendimento é sufragado pela jurisprudência do STJ:

RECURSO ESPECIAL. CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO. AUSÊNCIA DE BENS PASSÍVEIS DE PENHORA. SUSPENSÃO DO PROCESSO. INÉRCIA DO EXEQUENTE. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. INOCORRÊNCIA. ATO PROCESSUAL ANTERIOR AO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. MANUTENÇÃO DA SEGURANÇA JURÍDICA. NECESSIDADE DE PRÉVIA INTIMAÇÃO DO EXEQUENTE PARA DAR ANDAMENTO AO FEITO PARA INÍCIO DA CONTAGEM DO PRAZO PRESCRICIONAL.

1. A prescrição intercorrente ocorre no curso do processo e em razão da conduta do autor que, ao não prosseguir com o andamento regular ao feito, se queda inerte, deixando de atuar para que a demanda caminhe em direção ao fim colimado.

2. No tocante ao início da contagem desse prazo na execução, vigente o Código de Processo Civil de 1973, ambas as Turmas da Seção de Direito Privado sedimentaram a jurisprudência de que só seria possível o reconhecimento da prescrição intercorrente se, antes, o exequente fosse devidamente intimado para conferir andamento ao feito.

3. O Novo Código de Processo Civil previu regramento específico com relação à prescrição intercorrente, estabelecendo que haverá a suspensão da execução "quando o executado não possuir bens penhoráveis" (art. 921, III), sendo que, passado um ano desta, haverá o início (automático) do prazo prescricional, independentemente de intimação, podendo o magistrado decretar de ofício a prescrição, desde que, antes, ouça as partes envolvidas. A sua ocorrência incorrerá na extinção da execução (art. 924, V).

4. O novel estatuto trouxe, ainda, no "livro complementar" (arts. 1.045-1.072), disposições finais e transitórias a reger questões de direito intertemporal, com o fito de preservar, em determinadas situações, a disciplina normativa já existente, prevendo, com relação à prescrição intercorrente, regra transitória própria: "considerar-se-á como termo inicial do prazo da prescrição prevista no art. 924, inciso V [prescrição intercorrente], inclusive para as execuções em curso, a data de vigência deste Código" (art. 1.056).

5. A modificação de entendimento com relação à prescrição intercorrente acabaria por, além de surpreender a parte, trazer-lhe evidente prejuízo, por transgredir a regra transitória do NCPC e as situações já consolidadas, fragilizando a segurança jurídica, tendo em vista que o exequente, com respaldo na jurisprudência pacífica do STJ, estaria ciente da necessidade de sua intimação pessoal, para fins de início do prazo prescricional.

6. Assim, seja em razão da segurança jurídica, seja pelo fato de o novo estatuto processual estabelecer dispositivo específico regendo a matéria, é que, em interpretação lógico-sistemática, tem-se que o atual regramento sobre prescrição intercorrente deve incidir apenas para as execuções ajuizadas após a entrada em vigor do CPC/2015 e, nos feitos em curso, a partir da suspensão da execução, com base no art. 921.

7. Na hipótese, como o deferimento da suspensão da execução ocorreu sob a égide do CPC/1973 (ago/1998), há incidência do entendimento jurisprudencial consolidado no sentido de que não tem curso o prazo de prescrição intercorrente enquanto a execução estiver suspensa com base na ausência de bens penhoráveis (art. 791, III), exigindo-se, para o seu início, a intimação do exequente para dar andamento ao feito.

8. Recurso especial provido.

(REsp n. 1620919/PR, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 10.11.2016, DJe 14.12.2016.)

Evidencia-se, portanto, que, na espécie, não localizados bens passíveis de penhora, o prazo prescricional somente teria início após o período de suspensão de um ano a que alude o § 4º do art. 921 do CPC, pressuposto não observado na decisão recorrida, o que destitui de fundamento jurídico a extinção do processo.

Assim, ainda que se cogite sobre o início do curso do lapso prescritivo e se admita que os requerimentos para realização de diligências que se mostraram infrutíferas em localizar bens do devedor não têm o condão de suspender ou interromper o prazo de prescrição intercorrente (EDcl no AgRg no AREsp n. 594.062/RS, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 19.3.2015, DJe 25.3.2015), não se vislumbra o decurso do decênio sequer entre a deflagração do cumprimento de sentença e a decisão extintiva do processo a justificar a extinção do feito.

Outra hipótese que ensejaria a extinção do processo sem resolução de mérito demandaria a inatividade da Advocacia-Geral da União no exercício de sua função, a caracterizar o abandono da causa. Todavia, uma análise atenta dos autos torna claro que não houve inatividade prolongada da União.

In casu, conforme relatado na decisão, cópia dos autos foi encaminhada à Advocacia-Geral da União em 14.7.2015, para cobrança dos valores devidos, e a UNIÃO promoveu o cumprimento da sentença em 12.11.2015 (fls. 159-162), sendo o devedor intimado em 1º.12.2015 (fl. 169). Portanto, está afastada a extinção do processo sem resolução de mérito por inatividade, a caracterizar o abandono da causa, de acordo com o art. 485, inc. III e § 1º, do CPC:

Art. 485. O juiz não resolverá o mérito quando:

III. por não promover os atos e as diligências que lhe incumbir, o autor abandonar a causa por mais de 30 (trinta) dias;

§ 1º Nas hipóteses descritas nos incisos II e III, a parte será intimada pessoalmente para suprir a falta no prazo de 5 (cinco) dias.

Após a efetivação da penhora, via BacenJud, no valor de R$ 16.510,62 (dezesseis mil, quinhentos e dez reais e sessenta e dois centavos), em 1º.6.2016 (fls. 178-180), ocorreu a celebração de Termo de Acordo de Parcelamento entre as partes em 22.06.2016, prevendo que o valor exequendo, então atualizado em R$ 75.149,74 (setenta e cinco mil, cento e quarenta e nove reais e setenta e quatro centavos), seria pago em 60 (sessenta) prestações mensais e fixas de R$ 783,72 (setecentos e oitenta e três reais e setenta e dois centavos) referentes ao débito principal, R$ 103,65 (cento e três reais e sessenta e cinco centavos) relativos à multa do art. 523, § 1º, do CPC, e R$ 114,01 (cento e quatorze reais e um centavo) referentes aos honorários advocatícios (fls. 184-189).

O acordo foi homologado pelo juízo em 06.7.2016, com sobrestamento dos autos até o término do pagamento integral das parcelas ou mediante rescisão (fl. 204).

Em 28.8.2017, a União veio informar que a agremiação havia pago, de forma parcial, duas parcelas do acordo, a primeira em 14.7.2016 e a segunda em 15.8.2016.

Nos termos do art. 199, inc. II, do Código Civil, a prescrição não ocorre enquanto não vencido o prazo, razão pela qual o lapso prescricional teria ficado suspenso, no tocante ao saldo, de julho a setembro de 2016, conforme disposto na cláusula quarta do acordo.

Com a ausência de pagamento por parte do executado, a União deu seguimento à execução, requerendo a penhora também pelo sistema RenaJud (fl. 246). Efetuado o bloqueio de valor insuficiente para a satisfação do crédito em 05.02.2018 (fl. 257), e convertido em renda o valor bloqueado, a União requereu consulta ao sistema InfoJud dos últimos cinco anos (fl. 282), efetivada cerca de cinco meses depois, e restou infrutífera (fl. 295). Novamente intimada, a União requereu a inscrição do executado no cadastro de inadimplentes mantido pelo SERASA (fl. 297), providência afinal cumprida (fl. 305). Após novamente intimada, a União, tendo em vista o transcurso de doze meses, requereu nova pesquisa pelo sistema BacenJud, pedido que redundou na decisão ora recorrida.

No caso, ante a constatação de inexistência de bens penhoráveis do executado, percebe-se que o caminho adequado não seria a imediata extinção da execução, mas sim, primeiramente, a suspensão de seu curso por um ano, com a consequente suspensão do prazo prescricional.

Desse modo, apenas com a prévia observância da referida regra e, após, a verificação do transcurso do prazo de dez anos previsto no art. 205 do Código Civil, é possível reconhecer a prescrição intercorrente em caso de não serem encontrados mais bens penhoráveis.

Portanto, uma vez não verificado o transcurso do prazo prescricional, torna-se inviável a extinção do feito, devendo, de todo modo, ser antes observada a prévia suspensão.

Também resta descaracterizada a inércia da exequente, visto que, conforme mencionado, a União foi diligente em requerer as providências ao seu alcance para a satisfação do seu crédito, ainda que algumas delas sejam posteriores aos resultados infrutíferos daquelas anteriormente solicitadas.

Ante o exposto, VOTO pelo provimento do recurso da União, determinando-se o retorno dos autos à origem para que seja dado prosseguimento ao cumprimento de sentença.