HC - 0600860-94.2019.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 27/01/2020 às 14:00

VOTO

Por ocasião do indeferimento da liminar, assim me manifestei:

[…]

No caso dos autos, não vislumbro a presença de quaisquer das hipóteses que autorizariam a interrupção prematura da persecução criminal pela estreita via do habeas corpus.

A análise em torno da efetiva participação dos pacientes na prática criminosa, da forma como ocorreram os delitos previstos no art. 350 do Código Eleitoral, se a conduta é única, em continuidade delitiva ou concurso material, dependem de instrução criminal. A fase de recebimento da denúncia não comporta exame verticalizado acerca de todas as circunstâncias que envolvem os fatos descritos na peça acusatória, em concurso material.

Entendimento diverso, nessa fase processual, significaria substituir-se o órgão jurisdicional pelo Ministério Público, titular da Ação Penal Pública, para o fim de retificar a classificação jurídica proposta. O momento adequado para a emendatio libelli é na prolação da sentença (art. 383 do CPP), e não no recebimento da denúncia.

Igualmente, a alegação de que houve apenas um engano no lançamento das informações no sistema de prestação de contas eleitoral, é matéria que diz com o mérito da ação penal, não comportando análise na via estreita do habeas corpus.

O trancamento da ação penal ou a mudança da qualificação, em sede de habeas corpus, são situações excepcionais, apenas quando não demandarem valoração probatória, conforme julgado do Tribunal Superior Eleitoral que colaciono:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS. ELEIÇÕES 2012. PREFEITO. CRIME. CORRUPÇÃO. ART. 299 DO CÓDIGO ELEITORAL. GRAVAÇÃO AMBIENTAL. ILICITUDE DE PROVA. INVIÁVEL EXAME PROBATÓRIO. TRANCAMENTO. AÇÃO PENAL. IMPOSSIBILIDADE. INDEPENDÊNCIA DAS INSTÂNCIAS. DESPROVIMENTO. 

1. No caso, impetrou-se habeas corpus no TRE/PI contra atos em tese coatores do Juízo da 13ª ZE/PI, nos autos da AP 14- 81.2013.6.18.0013, consistentes em decisões por meio das quais se recebeu denúncia e se designou audiência de instrução e julgamento. A Corte Regional denegou a ordem por considerar lícita a gravação ambiental impugnada. 

2. É irrelevante para desfecho de ação penal entendimento adotado na esfera cível-eleitoral, tendo em vista independência entre as instâncias. Precedentes.

3. Não há como se conhecer de suposta ilicitude de gravação ambiental, pois demandaria amplo exame probatório, incompatível com o rito do writ. Precedentes.

4. Trancamento de ação penal por meio de habeas corpus é medida extraordinária que se justifica apenas quando evidenciadas atipicidade da conduta, ausência de indícios de autoria ou extinção da punibilidade (precedentes). No caso, essas hipóteses não são verificáveis de plano, o que inviabiliza deferir a ordem.

5. Agravo regimental desprovido.

(Recurso em Habeas Corpus n. 24919, Acórdão, Relator Min. HERMAN BENJAMIN, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Data 16.5.2017, Página 79-80.)

Na espécie, como muito bem observado pelo órgão ministerial, a discussão acerca da qualificação do crime, existência de concurso material ou crime continuado, são matérias que dependem da correlata instrução probatória, não sendo objetáveis em sede de recebimento da denúncia, consoante se verifica pela ementa abaixo transcrita, que versava sobre o tipo previsto no art. 350 do Código Eleitoral:

DIREITO ELEITORAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. PEDIDO DE TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. CRIME DE FALSIDADE. CÓDIGO ELEITORAL, ART. 350. OMISSÃO DE DESPESAS NA PRESTAÇÃO DE CONTAS (GASTOS COM CONTRATAÇÃO DE CABOS ELEITORAIS E COM COMBUSTÍVEL NA CAMPANHA; BEM COMO UTILIZAÇÃO DE IMÓVEL COMO ESCRITÓRIO DE CAMPANHA A TÍTULO GRATUITO). ALEGAÇÕES DE ATIPICIDADE DA CONDUTA E DE EXCESSO DE ACUSAÇÃO. EXCEPCIONALIDADE NÃO CONFIGURADA. DENEGAÇÃO DA ORDEM. 1. O trancamento da Ação Penal por meio de Habeas Corpus encerra medida excepcional, somente admissível quando transparecer dos autos, de forma inequívoca, a atipicidade da conduta, a absoluta falta de indício de autoria ou a existência de causa extintiva da punibilidade, o que não ocorreu na espécie (HC 672-14/SP, Rel. Min. LUIZ FUX, DJe 22.4.2015). 2. Hipótese em que a análise em torno da efetiva participação do paciente na prática criminosa bem como da potencialidade lesiva da conduta - em razão da irrelevância do valor em tese omitido -, sem dúvida, depende de comprovação por parte da acusação no curso da instrução criminal, o que não quer dizer que, para fins de recebimento da denúncia e consequente instauração do processo penal, à luz do juízo de cognição sumária típico deste momento processual, não estejam, em tese, configurados tais elementos. 3. Quanto à alegação de atipicidade da conduta devido à ausência de finalidade eleitoral e à necessidade de sujeição das contas a procedimento de fiscalização prévio para apurar o crime de falso, também não prospera, tendo em vista a posição já firmada por esta Corte Superior de que é possível a caracterização do mencionado delito por ocasião da Prestação de Contas. 4. Como cediço, em nenhum momento o tipo do art. 350 do CE estabeleceu elemento subjetivo temporal, de forma a indicar até quando a conduta seria considerada típica, não sendo, pois, relevante se a ação ou a omissão ocorreu antes ou depois do pleito eleitoral, mas, sim, se ela teve fins eleitorais, ou seja, se, de alguma forma, demonstrou potencial lesivo às finalidades perseguidas pela realização do pleito eleitoral e pelas instituições a ele vinculadas, consoante decidido por esta Corte no REspe 5835-46/MG, de que foi relatora a eminente Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA - DJe 25.3.2015. Nesse precedente, destacou esta Corte que a expressão fins eleitorais, de maneira ampla, abrange, em verdade, qualquer falsidade ideológica correlacionada às atividades-fim da Justiça Eleitoral e que o bem jurídico tutelado é a fé pública eleitoral, consistente na confiança na lisura e na veracidade das informações prestadas em âmbito eleitoral. 5. Na fase de recebimento da denúncia, o órgão jurisdicional não pode (salvo em hipóteses excepcionalíssimas não observadas na espécie) substituir-se ao órgão ministerial titular da Ação Penal Pública para o fim de retificar a classificação jurídica proposta, de forma que também não merece acolhida o argumento de excesso de acusação trazido pelo impetrante, pois, ainda que a situação fática narrada na denúncia possa vir a assumir contornos de continuidade delitiva, e não de concurso material, para verificar isso com precisão, necessário se faz o exame das provas dos autos, inviável no rito célere do Habeas Corpus.

6. Denegação da ordem.

(Habeas Corpus n. 060157881, Acórdão, Relator Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 218, Data 10.11.2017.)

A denúncia descreve, em relação ao crime do art. 350 do CE, a ocorrência de várias informações falsas inseridas na prestação de contas do PP das eleições de 2016, visto que igualmente diversos são os eleitores, não sendo desarrazoado cogitar-se sobre a existência de mais de um delito.

Contudo, na data de 22 de janeiro de 2020, na petição sob ID 5180883, os impetrantes juntaram relatório de andamento processual, registrando que foi acolhido o aditamento da denúncia e designada data para oferta da suspensão condicional do processo (ID 5182133).

Dessa forma, quanto aos pedidos de modificação da capitulação legal formulada na denúncia e oferecimento de proposta de suspensão condicional do processo, é de ser reconhecida a perda parcial do objeto do presente habeas corpus.

Por fim, no que diz respeito à alegação de que não haveria justa causa para a denúncia, diante do mero equívoco no lançamento das informações no sistema de prestação de contas, o exame da questão demandaria instrução probatória, não sendo matéria apreciável quando do recebimento da denúncia.

Ante o exposto, VOTO no sentido de julgar prejudicados os pedidos de letras “b” e “c” da inicial e denegar a ordem.