E.Dcl. - 5853 - Sessão: 11/02/2020 às 14:00

RELATÓRIO

Cuida-se de embargos de declaração opostos pelo DIRETÓRIO REGIONAL do PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT) em face do acórdão que, por unanimidade, declarou incidentalmente a inconstitucionalidade do art. 55-D da Lei n. 9.096/95, incluído pela Lei n. 13.831/19, e, no mérito, desaprovou as contas da agremiação relativas ao exercício financeiro de 2015, determinando o recolhimento de R$ 183.072,78 (cento e oitenta e três mil e setenta e dois reais e setenta e oito centavos) ao Tesouro Nacional, bem como a suspensão do repasse de verbas do Fundo Partidário pelo período de 1 (um) mês (fls. 943-951).

O embargante sustenta a existência de omissão no acórdão, alegando que a decisão se restringiu a reproduzir precedente, sem enfrentar os argumentos ofertados pela agremiação, em especial quanto à natureza dos valores a que faz referência o art. 55-D da Lei n. 9.096/95. Argumenta também que não foi enfrentado o ponto sobre a adequação da redação do mencionado dispositivo com o princípio da anualidade eleitoral, nem realizado o cotejo das razões que demonstrariam a compatibilidade da norma com a moralidade administrativa, a isonomia e a segurança jurídica. Defende que as teses desenvolvidas no decorrer do processo são capazes de sustentar a constitucionalidade do art. 55-D da Lei dos Partidos Políticos, de forma que devem ser enfrentadas. Requer o recebimento do recurso e o suprimento da omissão, bem como o prequestionamento das matérias suscitadas (fls. 956-965).

É o breve relatório.

VOTO

Senhora Presidente,

Eminentes colegas:

Os embargos de declaração são regulares, tempestivos e comportam conhecimento.

Pois bem. Adianto que o recurso, que envolve tão somente a questão do reconhecimento da inconstitucionalidade do art. 55-D da Lei n. 9.096/95, com a redação dada pela Lei n. 13.831, de 17 de maio de 2019, não merece acolhimento.

O embargante argumenta que a decisão “se restringiu à 'indicação, à reprodução paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou questão decidida'” (fl. 961).

Na hipótese, os interessados mencionaram o dispositivo legal em questão em suas alegações finais (fls. 858-868), sendo que, naquela ocasião, ainda estava vigente o veto presidencial. Em seu parecer, a Procuradoria Regional Eleitoral sustentou a inconstitucionalidade incidental da anistia (fls. 876-894) e, ouvidos os prestadores (fls. 928-940), assim foi decidida a controvérsia:

O art. 55-D foi introduzido na Lei dos Partidos Políticos pela Lei n. 13.831,

de 17 de maio de 2019, com o seguinte teor:

"Art. 55-D. Ficam anistiadas as devoluções, as cobranças ou as transferências ao Tesouro Nacional que tenham como causa as doações ou contribuições feitas em anos anteriores por servidores públicos que exerçam função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, desde que filiados a partido político."

Como a questão do recebimento de recursos oriundos de fonte vedada - doações ou contribuições feitas no exercício financeiro em questão por servidores públicos que exerciam função ou cargo público de livre nomeação e exoneração – será examinada neste julgamento, cabe a apreciação incidental da constitucionalidade do mencionado dispositivo.

Em relação ao recolhimento dos valores ao Tesouro Nacional, nesse momento considerado decorrência possível acaso reconhecida concretamente a irregularidade, esta Corte Eleitoral já se manifestou sobre a existência de vício na instituição da anistia, tendo reconhecido, à unanimidade, a inconstitucionalidade do dispositivo legal em comento, consoante ementa que transcrevo no ponto que interessa:

"RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO DE 2015. DESAPROVAÇÃO. MATÉRIA PRELIMINAR ACOLHIDA. INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 55-D DA LEI N. 9.096/95, INCLUÍDO PELA LEI N. 13.831/19. MÉRITO. RECEBIMENTO DE RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA E DE FONTE VEDADA. PORCENTAGEM REPRESENTATIVA DAS IRREGULARIDADES DIANTE DA TOTALIDADE DOS RECURSOS ARRECADADOS NO PERÍODO. AFASTADA A APLICAÇÃO DOS POSTULADOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. MANUTENÇÃO DO JUÍZO DE DESAPROVAÇÃO. REDUZIDO O PERÍODO DE SUSPENSÃO DO FUNDO PARTIDÁRIO. AFASTADA A CONDIÇÃO DE QUE A SANÇÃO SUBSISTA ATÉ QUE OS ESCLARECIMENTOS SEJAM ACEITOS PELA JUSTIÇA ELEITORAL. PROVIMENTO PARCIAL.

1. Incidente de inconstitucionalidade suscitado pelo Procurador Regional Eleitoral. 1.1. O art. 55-D da Lei n. 9.096/95, norma legal objeto do aludido incidente, incluído pela Lei n. 13.831/19, assinala a anistia das devoluções, cobranças ou transferências ao Tesouro Nacional que tenham como causa as doações ou contribuições efetuadas, em anos anteriores, por servidores públicos os quais exerçam função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, desde que filiados a partido político. Ausência de notícia de que tenha havido oferecimento dos dados relativos à previsão de estimativa de impacto orçamentário e financeiro quando da tramitação da proposta legislativa prevendo a renúncia da receita. Omissão que afronta a exigência constitucional incluída pela EC n. 95/16 no art. 113 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. A legislação infraconstitucional igualmente exige seja comprovado o impacto orçamentário e financeiro à concessão de benefício que gere a diminuição de receita da União, nos termos do art. 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal e arts. 114 e 116 da Lei n. 13.707/18. 1.2. A anistia das verbas consideradas como oriundas de fontes vedadas - benefício instituído em causa própria e sem qualquer finalidade pública subjacente - atenta ao princípio da moralidade administrativa e desvirtua a natureza jurídica do instituto. 1.3. Vício de inconstitucionalidade formal e material. Acolhimento da preliminar. Afastada, no caso concreto, a aplicação do art. 55-D da Lei n. 9.096/95, incluído pela Lei n. 13.831/19. (...)

(...)

(TRE/RS, Incidente de Arguição de Inconstitucionalidade, RE n. 35-92.2016.6.21.0005, Rel. Des. Eleitoral Gerson Fischmann, DEJERS de 23.8.2019.) (Grifo nosso.)"

Pelas razões acima elencadas, o art. 55-D da Lei n. 9.096/95 é inconstitucional por instituir hipótese de incidência destoante das normas extraídas da Constituição Federal, devendo ser afastada sua aplicação no caso concreto.

Assim, declaro incidentalmente a inconstitucionalidade do dispositivo.

[…]

Reconheço como provenientes de fonte vedada as doações realizadas por autoridades ao partido político no valor de R$ 24.531,56.

Conforme já exposto, tendo sido declarada incidentalmente a inconstitucionalidade do art. 55-D da Lei n. 9.096/95, fica afastada a possibilidade de reconhecimento da anistia, devendo ser determinado o recolhimento de R$ 24.531,56 ao Tesouro Nacional, com fundamento no art. 61, § 2º, da Resolução TSE n. 23.432/14.

Sabe-se que os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente (art. 926 do Código de Processo Civil), bem como observar a orientação do plenário do órgão (art. 927, inc. V, do mesmo diploma).

Nesse intuito, a referência ao precedente no qual a questão da anistia instituída pela Lei n. 13.831/19 foi amplamente debatida e alcançou consenso no plenário do Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul – Incidente de Arguição de Inconstitucionalidade, RE n. 35-92.2016.6.21.0005, Rel. Des. Eleitoral Gerson Fischmann, DEJERS de 23.8.2019 – atende aos ditames da economia processual, da segurança jurídica e da busca pela racionalização da atividade jurisdicional.

Ainda, nestes autos, os argumentos formulados pelo embargante não bastaram para alterar o convencimento deste julgador e vislumbrar a possibilidade de mudança de posição da Corte em relação ao tema.

Acerca do julgamento do incidente de inconstitucionalidade, peço vênia para transcrever a doutrina de Ingo Wolfgang Sarlet, Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero, especificamente sobre o ponto que aqui se examina – a necessidade de rediscussão quando declarada pelo plenário de tribunal a inconstitucionalidade de dispositivo:

Uma vez decidida a questão constitucional pelo Plenário ou Órgão Especial, os órgãos fracionários ficam obrigados perante a decisão tomada pelo órgão qualificado. O parágrafo único do art. 949 do CPC de 2015 é expresso no sentido de que os órgãos fracionários não ficam obrigados apenas diante de precedente do STF, mas também de decisão do Plenário ou Órgão Especial do Tribunal.

Não é apenas o órgão fracionário que submeteu a questão de constitucionalidade ao quorum qualificado que fica vinculado à decisão. Todas as Câmaras ou Turmas ficam obrigadas perante a decisão tomada pelo Plenário ou pelo Órgão Especial.

Assim, uma vez decidida a questão constitucional no Tribunal, as Câmaras ou Turmas não mais podem submeter a arguição de inconstitucionalidade ao Plenário ou ao Órgão Especial. Até porque estes estão proibidos de voltar a tratar da questão constitucional sem que presentes os requisitos hábeis a justificar a revogação de precedentes, como a transformação dos valores sociais ou da concepção geral do direito ou, ainda, erro manifesto. Aliás, é improvável que a decisão do Tribunal, sem ter chegado à análise do STF, possa estar sujeita a tais condições.

Advirta-se que a alteração da composição do órgão julgador não é suficiente para a revogação do precedente. Da mesma forma, os fundamentos que foram levantados quando do julgamento não podem simplesmente voltar a ser discutidos. O rejulgamento é viável apenas quando se tem consciência de que a manutenção do precedente constitui a eternização de um erro ou de uma injustiça, seja porque há equívoco grosseiro na decisão, seja porque a evolução da sociedade e do direito está a mostrar que a decisão primitiva não mais pode prevalecer.

Frise-se que todos os juízos – inclusive os de 1.º grau – subordinados ao Tribunal de Justiça ou Regional Federal ficam vinculados à decisão tomada pelo Plenário ou pelo Órgão Especial.

(Curso de direito constitucional – 6. ed. – São Paulo: Saraiva, 2017, edição eletrônica.)

O julgamento recente (que mitiga a possibilidade de ocorrência de evolução da sociedade e do direito) e a ausência dos requisitos hábeis a justificar a revogação de precedente, nos termos da valorosa doutrina mencionada, são obstáculos à rediscussão pleiteada pelo embargante.

LENZA, a propósito, cita voto de Ilmar Galvão, proferido no RE n. 190.175-8/PR, no qual o então Ministro do Supremo Tribunal Federal pondera que:

[...] declarada a constitucionalidade ou inconstitucionalidade de determinada lei, pela maioria absoluta dos membros de certo Tribunal, soaria como verdadeiro despropósito, notadamente nos tempos atuais, quando se verifica de maneira inusitada, a repetência desmesurada de causas versantes da mesma questão jurídica, vinculadas à interpretação da mesma norma, que, se exigisse, em cada recurso apreciado, a renovação da instância incidental da arguição de inconstitucionalidade, levando as sessões da Corte a uma monótona e interminável repetição de julgados da mesma natureza

(LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado - 19. ed. rev., atual. e amp. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 320.)

Nessa linha, como já houve manifestação desta Corte sobre a inconstitucionalidade da norma em questão, a invocação dos termos do precedente ocorreu também no intuito de evitar a monótona e interminável repetição do entendimento consagrado por ocasião daquele julgado paradigma.

A questão de a anistia implicar renúncia de receita está expressamente admitida pela Corte no precedente transcrito, de forma que os argumentos do embargante, nesse ponto, constituem apenas inconformismo com a tese que foi consagrada pelo Plenário.

Ademais, no controle de constitucionalidade, ainda que existam diversos aspectos sob os quais a norma possa ser reputada válida, a existência de uma mácula é suficiente para a declaração de sua inconstitucionalidade.

No exame sobre a constitucionalidade da norma, que constou na decisão recorrida, foram reconhecidas as violações ao processo legislativo e ao princípio da moralidade administrativa. No exame pormenorizado do voto proferido no precedente é possível verificar o reconhecimento também da violação aos princípios da prestação de contas e da integridade legislativa.

Assim, mesmo que o art. 55-D da Lei dos Partidos Políticos fosse constitucional sob o ponto de vista da anualidade eleitoral, ou da isonomia e segurança jurídica, teses do embargante, o reconhecimento da falha no processo legislativo – pela não observância da apresentação da estimativa de impacto orçamentário – é suficiente para a declaração de inconstitucionalidade.

Nessa toada, não se vislumbra interesse da parte na realização de digressões sobre aspectos que não terão, por si sós, aptidão para influir no julgamento quando da existência de um fator preponderante.

Assim, ausentes obscuridade, omissão ou contradição no acórdão embargado, devem ser rejeitados os aclaratórios.

Ante o exposto, VOTO por conhecer e rejeitar os embargos de declaração.

É como voto, Senhora Presidente.