RC - 3447 - Sessão: 21/07/2020 às 14:00

RELATÓRIO

MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL e CEZAR WALMOR MACIEL MASSULO, NERI FARIAS DE OLIVEIRA mais RONALDO MACHADO DOS SANTOS interpõem recursos criminais contra a sentença do juízo da 46ª Zona Eleitoral – Santo Antônio da Patrulha, a qual julgou parcialmente procedente a denúncia oferecida pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL, para absolver os réus em relação ao primeiro fato descrito na denúncia e condenar três deles quanto ao segundo fato.

Assim, o juízo sentenciante absolveu CEZAR WALMOR MACIEL MASSULO, NERI FARIAS DE OLIVEIRA, RONALDO MACHADO DOS SANTOS e JOÃO CARLOS da imputação de corrupção eleitoral (CE, art. 299) e, quanto ao segundo fato da denúncia, condenou  Cezar, Neri e Ronaldo pela prática do crime de falsidade ideológica de documento particular (CP, art. 299).

A sanção fixada aos três condenados foi a pena privativa de liberdade de um ano de reclusão em regime aberto, substituída por restritiva de direitos (prestação de serviços à comunidade), com imposição de dez dias-multa (no valor de 1/30 do salário-mínimo à época do fato), nos termos da decisão de fls. 557-563v.

Em suas razões (fls. 615 e 620-625), o MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL requer o conhecimento e o provimento do recurso, a fim de que seja reformada a sentença, com o propósito de que haja a fixação das penas-base acima do mínimo legal, por entender que, na dosimetria das penas, teria sido reconhecida uma circunstância judicial desfavorável (culpabilidade em grau médio).

Por sua vez, os condenados CEZAR WALMOR MACIEL MASSULO (fls. 572-579), NERI FARIAS DE OLIVEIRA (fls. 584-591) e RONALDO MACHADO DOS SANTOS (fls. 592-599) sustentam, em relação ao fato, ter sido a benfeitoria (calçamento) paga mediante recibo pelos munícipes, conforme os mais de vinte depoimentos que constam nos autos. Aduzem que a alegação da testemunha Hermes, afirmando não ter pagado pela benfeitoria, é fato isolado de um único morador, de forma que não constitui prova suficiente de que o recibo a ele entregue era falso. Argumentam que os diálogos interceptados não caracterizam orientações para falsificação de recibos e, sim, diretrizes para a confecção de recibos reais e que, efetivamente, foram entregues. Requerem o conhecimento e o provimento dos recursos para que seja reformada a sentença, sendo os mesmos absolvidos.

Foram apresentadas as contrarrazões pela defesa de CEZAR WALMOR MACIEL MASSULO, NERI FARIAS DE OLIVEIRA e RONALDO MACHADO DOS SANTOS (fls. 629-631).

O Ministério Público Eleitoral de piso não apresentou contrarrazões.

Nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral opinou pelo não conhecimento do recurso do MPE e pelo conhecimento e desprovimento dos recursos dos réus, a fim de que seja mantida na íntegra a decisão de primeiro grau na qual foram condenados pelo crime de falsidade ideológica de documento particular, por incursos no art. 299 do CP (fls. 636-641).

É o relatório.

 

VOTO

Senhor Presidente.

Eminentes Colegas:

 

1. Admissibilidade recursal

1.1. Da tempestividade do recurso do Ministério Público Eleitoral

O Ministério Público Eleitoral foi intimado da decisão que desproveu os embargos declaratórios em 27.9.2019 (fl. 614v.), e o recurso foi interposto no prazo legal, no dia 04.10.2019 (fls. 615-616). Posteriormente, na data de 16.10.2019, foram apresentadas as razões recursais (fls. 619v.-620).

Diante dessas datas, constata-se, portanto, que a interposição do apelo sequer observou a sistemática prevista no art. 600 do CPP, segundo a qual a apelação é apresentada por termo assinado nos autos, no prazo de 5 dias, correndo, após, o prazo de 8 dias para o oferecimento de razões. Assim, mesmo que houvesse a tentativa de atender às regras do CPP, caracterizou-se a desatenção aos prazos, não se mostrando possível o conhecimento do apelo, porquanto a interposição do recurso, como pode ser observado na fl. 615, foi anterior ao despacho da fl. 617.

Nesse ínterim, importante esclarecer que a apelação criminal eleitoral é regida por disciplina específica, prevista nos arts. 266 e 362 do Código Eleitoral, não sendo admitida a aplicação subsidiária do art. 600 do CPP neste ponto. Esta regra é prevalente, inobstante o despacho suprarreferido.

Nessa esteira, no processo penal eleitoral, a apelação deve ser apresentada no prazo de 10 dias, independentemente de termo, por petição fundamentada. Portanto, nesta seara, o ato de interposição é concomitante à apresentação de razões, sob pena de preclusão consumativa.

Na hipótese dos autos, tendo em vista que as razões recursais foram oferecidas 12 dias após a apresentação do termo em que consignada a intenção de recorrer, não se mostra possível o conhecimento do apelo.

Deveras, a jurisprudência dos Tribunais Superiores não excepciona nem mitiga o regramento expresso nos arts. 266 e 362 do Código Eleitoral, reconhecendo a impossibilidade de conhecimento das razões oferecidas em momento posterior ao pedido de recebimento do apelo.

Nesse sentido, o seguinte julgado do TSE:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2014. CRIME. RECURSO CRIMINAL. ART. 600, § 4º, DO CPP. NÃO APLICAÇÃO. NORMA ESPECÍFICA. ARTS. 266, 268 E 362 DO CÓDIGO ELEITORAL. PRECEDENTES. NEGADO SEGUIMENTO.

1. Autos recebidos no gabinete em 19.9.2017.

2. Ante o princípio da especialidade, o art. 600, § 4º, do CPP (que autoriza oferecer razões recursais na instância superior) não se aplica a processos penais nesta Justiça Especializada, porquanto os arts. 266, 268 e 362 do Código Eleitoral delimitam a forma pela qual devem ser apresentados os recursos contra decisum de juízo singular. Precedentes desta Corte Superior e do c. Supremo Tribunal Federal.

3. Na espécie, o TRE/MG definiu a impossibilidade de se interpor recurso em dois atos, primeiro com apresentação do termo e, depois, com oferecimento de razões recursais na instância ad quem. Aplicou-se, assim, o instituto da preclusão consumativa, o que se coaduna com mencionada jurisprudência.

4. Agravo regimental desprovido.

(Recurso Especial Eleitoral n. 1986, Acórdão, Relator(a) Min. Herman Benjamin, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Data: 15.6.2018.)

 

Na mesma linha, colaciono precedente do STF:

PROCESSO PENAL ELEITORAL. RECURSO. RAZÕES. Ante o princípio da especialidade, o recurso, no âmbito da Justiça Eleitoral, há de ser interposto mediante petição fundamentada - artigo 266 do Código Eleitoral -, não cabendo a aplicação subsidiária do Código de Processo Penal, ou seja, do disposto no § 4º do artigo 600, no que viabiliza a apresentação de razões posteriormente à formalização do recurso.

(HC 128873, Relator (a): Min. MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, julgado em 18.4.2017, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-108 DIVULG 23.5.2017 PUBLIC 24.5.2017.)

 

Elenco, ainda, julgados de outros Tribunais Regionais com o mesmo entendimento:

RECURSO CRIMINAL. AÇÃO PENAL. ART. 324 E ART. 325 DO CÓDIGO ELEITORAL. SENTENÇA CONDENATÓRIA. 1- PRELIMINAR DE NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO, SUSCITADA PELA PROCURADORIA REGIONAL ELEITORAL. A aplicação das normas do Código de Processo Penal aos processos penais eleitorais é meramente supletiva e subsidiária, nos termos do art. 364 do Código Eleitoral. O disposto no art. 600, § 4º, do Código de Processo Penal não é aplicável aos processos penais eleitorais, porquanto há norma eleitoral diversa. Inteligência dos arts. 266 e 362 do Código Eleitoral. Assim, da sentença criminal eleitoral caberá recurso, a ser interposto no prazo de 10 (dez) dias, acompanhado desde já das razões recursais. Portanto, no caso em análise, uma vez que o recorrente não apresentou a peça recursal da maneira e tempo devidos, conclui-se pela ocorrência da preclusão consumativa. PRELIMINAR ACOLHIDA. NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO INTERPOSTO. (…).

(TRE-MG - RC: 4294 RIBEIRÃO DAS NEVES - MG, Relator: NICOLAU LUPIANHES NETO, Data de Julgamento: 28.01.2020, Data de Publicação: DJEMG - Diário de Justiça Eletrônico-TREMG, Tomo 020, Data: 04.02.2020.)

 

RECURSO CRIMINAL - ART. 39, § 5º, DA LEI 9.504/97 - INAPLICABILIDADE DO ART. 600, § 4º DO CPP NA SEARA ELEITORAL - NÃO CONHECIMENTO. 1. Na seara eleitoral, não é admitida aplicação subsidiária do artigo 600, § 4º, do CPP, de modo que as razões recursais devem ser apresentadas no momento da interposição do recurso, em observância ao prescrito no artigo 266, do Código Eleitoral, sob pena de preclusão consumativa. 2. Recurso não conhecido.

(TRE-ES - RC: 1433 NOVA VENÉCIA - ES, Relator: ADRIANO ATHAYDE COUTINHO, Data de Julgamento: 06.11.2019, Data de Publicação: DJE - Diário Eletrônico da Justiça Eleitoral do ES, Data: 14.11.2019, Página 7.)

 

PROCESSO PENAL ELEITORAL. RECURSO CRIMINAL. CORRUPÇÃO ELEITORAL. ART. 299 DO CÓDIGO ELEITORAL. COMPRA DE VOTOS. APRESENTAÇÃO DE RAZÕES RECURSAIS NA INSTÂNCIA SUPERIOR. ART. 600, § 4º DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. INAPLICABILIDADE AOS FEITOS CRIMINAIS DA JUSTIÇA ELEITORAL. NECESSIDADE DE INTERPOSIÇÃO POR PETIÇÃO DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA (EX VI DO ART. 266 DO CÓDIGO ELEITORAL). RECURSO NÃO CONHECIDO. 2. RECURSO ELEITORAL. 2.1. DÚVIDA RAZOÁVEL QUANTO AO CABIMENTO. PRESTÍGIO AO DIREITO FUNDAMENTAL DE ACESSO À JUSTIÇA. ADMISSIBILIDADE. 2.2. ATRASO NA EXECUÇÃO DE ATOS A CARGO DO ADVOGADO. APLICAÇÃO DE MULTA PROCESSUAL. MORA QUE NÃO SE CONFUNDE COM ABANDONO PROCESSUAL. SENTENÇA ABSOLUTÓRIA DOS RÉUS CONSTITUINTES. INEXISTÊNCIA DE PREJUÍZO. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.

(TRE-AL - RC: 2211 PALESTINA - AL, Relator: HERMANN DE ALMEIDA MELO, Data de Julgamento: 05.12.2019, Data de Publicação: DEJEAL - Diário Eletrônico da Justiça Eleitoral de Alagoas, Tomo 230, Data: 09.12.2019.)

 

Assim, ausente o oferecimento de razões recursais na forma e no tempo devidos, acarretando a preclusão consumativa, bem como diante da inviabilidade de processamento do apelo ministerial destituído de fundamentação específica quanto à matéria impugnada, impõe-se o não conhecimento do recurso interposto.

Dessarte, entendo pelo não conhecimento do recurso do Ministério Público Eleitoral.

DESTACO.

 

1.2. Da tempestividade dos recursos de CEZAR WALMOR MACIEL MASSULO, NERI FARIAS DE OLIVEIRA e RONALDO MACHADO DOS SANTOS

Os recursos aviados por Cezar Walmor Maciel Massulo, Neri Farias de Oliveira e Ronaldo Machado dos Santos são tempestivos, visto que ofertados dentro do prazo legal, conforme constante nos autos (respectivamente, fls. 572, 581, 582, 584, 592, 604 e 606).

 

2. Mérito

No mérito, a denúncia imputa aos réus a prática de dois delitos, quais sejam: os tipos do art. 299 do Código Eleitoral (1º fato) e do art. 299 do Código Penal (2º fato).

Contudo, o juízo eleitoral de piso absolveu os réus em relação à conduta de corrupção eleitoral (art. 299 do CE – 1º fato), com fundamento no art. 386 do CPP, o qual não foi objeto de recurso por parte do Ministério Público Eleitoral.

Dessa forma, as condenações dos réus cingem-se ao segundo fato, o crime de falsidade ideológica.

Logo, o objeto dos recursos envolve apenas o exame do seguinte tipo penal, assim descrito no art. 299 do CP:

Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante:

Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa, se o documento é público, e reclusão de um a três anos, e multa, se o documento é particular.

 

O delito do art. 299 do CP é conhecido como um crime formal, aperfeiçoa-se com a simples potencialidade do dano objetivado pelo agente, não se exigindo para a sua configuração a ocorrência de prejuízo.

Sobre o crime de falsidade ideológica, Rogério Greco ensina que:

Ao contrário do que ocorre com os delitos tipificados nos arts. 297 e 298 do Código Penal, que preveem uma falsidade de natureza material, a falsidade constante do art. 299 do mesmo diploma legal é de cunho ideológico. Isso significa que o documento, em si, é perfeito; a ideia, no entanto, nele lançada é que é falsa, razão pela qual o delito de falsidade ideológica também é reconhecido doutrinariamente pelas expressões falso ideal, falso intelectual e falso moral.

Hungria, com precisão, distingue a falsidade material da falsidade ideológica dizendo:

Fala-se em falsidade ideológica (ou intelectual), que é modalidade do falsum documental, quando à genuinidade formal do documento não corresponde a sua veracidade intrínseca. O documento é genuíno ou materialmente verdadeiro (isto é, emana realmente da pessoa que nele figura como seu autor ou signatário), mas o seu conteúdo intelectual não exprime a verdade. Enquanto a falsidade material afeta à autenticidade ou inalterabilidade do documento na sua forma extrínseca e conteúdo intrínseco, a falsidade ideológica afeta-o tão somente na sua ideação, no pensamento que as suas letras encerram.

Analisando os elementos que integram a figura típica correspondente ao delito de falsidade ideológica, podemos apontar os seguintes:

a) a conduta de omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar; b) ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita; c) com a finalidade de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante.

(GRECO, Rogério, Curso de Direito Penal – Parte Especial, Volume IV - 11ª ed. Niterói, RJ: Ed. Impetus, 2015, p. 303-304.)

 

Portanto, no crime de falsidade ideológica, o que há é uma informação falsa reduzida a escrito em um documento que, sob o aspecto material, é de todo verdadeiro.

Assentadas tais premissas, passo a analisar o caso concreto.

No que se refere à hipótese dos autos, os recorrentes, nos termos descritos na denúncia, inseriram informações inverídicas em documento particular, qual seja, recibo de pagamento de obra de calçamento, no valor de R$ 300,00, em nome de Hermes Aguirre Castro, datado de 19 de setembro de 2016, objetivando, com isso, fazer prova a seu favor, em procedimento investigatório da Promotoria Eleitoral que visava à apuração do crime de corrupção eleitoral.

A materialidade do crime de falsidade ideológica atribuído aos recorrentes vem positivada, como bem salientou o juízo a quo, pelo recibo acostado na fl. 515 dos autos, pelas conversas interceptadas e constantes do CD de fl. 65 apenso aos autos, bem como pela prova testemunhal.

Da mesma forma, está a autoria, igualmente, delineada, não apenas pelas declarações das testemunhas ouvidas no decorrer do caderno de investigações e em juízo, como também pelas degravações telefônicas.

Verificando o acervo probatório, tenho que o decreto condenatório não merece reparos. Vejamos.

Os recorrentes alegaram, em suas razões, que não ocorreu a prática delitiva descrita, uma vez que teria sido “o calçamento pago, mediante recibo pelos munícipes, conforme os mais de vinte depoimentos que constam nos autos”. Sustentaram, igualmente, “ter sido um único morador que afirmou que não pagou pela benfeitoria, Sr. Hermes Castro, de forma que este seria um fato isolado, que não constituiria prova suficiente de que o recibo era falso” e, ainda, que “os diálogos interceptados não constituem orientações para falsificação de recibos e, sim, orientações sobre a confecção de recibos reais, e que efetivamente foram entregues”. Apesar dos argumentos defensivos, o conjunto probatório demonstra a ocorrência do crime em análise.

Saliento que essas versões exculpatórias são extremamente frágeis, uma vez que, pelas provas dos autos, ficou evidenciada a presença do elemento subjetivo do tipo, consistente na finalidade de alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante ao inserir declaração falsa em documento particular.

Passo à análise das questões que bem pontuam a conclusão pela condenação. Vejamos.

De início, por esclarecedora, merece ser reproduzida a fala de Hermes Castro, por denotar toda a ação delituosa dos recorrentes, ao dizer que “uma pessoa foi até sua casa, chamado Dinho e levou um recibo para assinar, como se tivesse pago o calçamento, embora ele não tivesse efetuado nenhum pagamento. Disse que não pagou nenhum valor, mas que lhe entregaram um recibo em sua casa como se ele tivesse pago”.

Além do depoimento de Hermes Castro, outra prova do lastro acusatório é a interceptação telefônica, que teve por alvo Cézar Massulo e Rodrigo Massulo (PET 229-66), com trechos relevantes para o deslinde do processo. Assim, merece destaque a interlocução entre Neri Farias de Oliveira e Cézar Massulo. Detalho a degravação (fls. 32-33 do 2º anexo dos autos):

Áudio 014: - Telefone: (51) 9986711

Data: 29.9.2016 Hora inicial: 11:48:15 Duração: 00:02:07

CEZAR: Ôpa.

VM: Ô Cezinha, bom dia.

CEZAR: Fala meu galo.

VM: Ó, Aqui ó, os cara tiveram ali me notificando que eu tenho audiência às quatro horas lá no fórum.

CEZAR: Tá.

VM: Na defensoria pública. Mas, assim ó, eu queria que se fizesse uns recibos daquelas pessoas que já deram...

CEZAR: Não, não, não...sei, sei, sei.

VM: Já deram dinheiro. E eu vou nomear, já combinei com ele, quem vai me pagar é o China.

CEZAR: Tá

VM: Entendeu?

CEZAR: tá, tá, tá.

VM: Se eles me perguntar. Se eles me perguntar quem é que tá pagando e coisa, eu vou dizer: é o China que é o responsável. Entendeu?

CEZAR: Não, o [Sil] é responsável por uma rua. E tu pode....o Dinho de outra rua. Entendeu?

VM: Pois é, mas eu não combinei com ele. Se eu digo lá e o ...

CEZAR: Não, mas o Dinho já tá sabendo.

VM: Tá.

CEZAR: O Dinho já tá sabendo. Ele tá, ele tá recolhendo da, da Frederico Langer é o Dinho.

VM: Ãham.

CEZAR: Ronaldo...o Dinho já tá aí, já tá aí na, na, na ...(ininteligível). Pega os dados dele certinho e pega os dados do China ali.

VM: Não, tá. E eu vou me fazer de esquerdo. Entendeu?

CEZAR: Tá. E outra coisa...

VM: E não vou, e não vou, não vou levar recibo nenhum.

CEZAR: Não, não, tu, tu...mas os recibos já tô fazendo.

VM: Não, pois é...

CEZAR: Tu diz que aquela travessa ali é o China. Tem que pegar o nome do China.

VM: Tá.

CEZAR: Que é o responsável pra recolher. Porque tu não vai tá recolhendo do, do, de um e de outro e coisa.

VM: E o outro, o outro é o Dinho?

CEZAR: É o Dinho. E daí é o seguinte, e daí se eles perguntar quanto é que tu recebeu, diz: olha, eu recebi uma parte e coisa. Porque é, é, esse, essa mão de obra é parcelada, (ininteligível).

VM: Sim.

CEZAR: Diz sim. Tá?

VM: Tá certo, tá.

CEZAR: Não tem, não tem problema nenhum.

VM: Tá, tá, falou.

CEZAR: Tá.

VM: Tá certo. Falou. Tá certo. Tchau.

(áudio encerrado) (Grifei.)

 

De todo o acervo probatório produzido, apenas esse diálogo acima já seria capaz de confirmar a versão acusatória, por demonstrar como foi orientada a confecção de recibos e a forma como seriam esclarecidos os pagamentos e depoimentos.

Mas, pelas interceptações telefônicas, ainda foi possível ir além, de modo a constatar os ajustes discutidos entre os recorrentes sobre o preenchimento dos recibos a serem confeccionados para os moradores da rua em que se realizava o calçamento em apreço, bem como sobre a colheita de assinatura do recorrente Neri. Vejamos a degravação que segue (fls. 36-37 do 2º anexo dos autos), litteris:

Áudio 016: - Telefone: (51) 999867115

Data: 29/09/2016 Hora inicial: 11:55:47 Duração:00:01:14

CEZAR: Imagina eles ladeando de lá.

CEZAR: O Dinho vai ir aí Tá?

VM: Mas tá aqui já.

CEZAR: Tá. Conversa tudo certinho com ele aí, tá.

VM: O Dinho quer conversar contigo.

DINHO: Cezinha?

CEZAR: Ãh.

DINHO: Depois tu vem aqui ao meio dia pra gente arrumar estes...

CEZAR: Tá.

DINHO: Esses recibos.

CEZAR: Tá tá tá bom então.

DINHO: Vem aqui em casa daí.

CEZAR: Tá, não, assim ó, quer ver, o Cacau tem os nomes certinho aí os que falta (ininteligível).

DINHO: Não, ele Já me deu aqui pra mim. Só que tu vem cá pra nós preencher esses recibo.

CEZAR: Mas o problema é que eu não, não, não, não posso preencher, eu. Entendeu, Dinho? Tu tem que pegar um que saiba. O (ininteligível) sabe preencher certinho e pegar os dados da pessoa certinho. O nome e o CPF da pessoa.

DINHO: Tá. Tá bom.

CEZAR: Tá. Ali, ali, ali... ele sabe certinho ali. Entendeu?

DINHO: Tá bom. Ele já me deu um papel aqui. Eu vou fazer isso agora na primeira hora da tarde, agora.

CEZAR: Tá bom então. É que o coisa tem audiência lá às quatro horas. Ele vai citar o teu nome e citar o do China ali.

DINHO: Tá bom.

CEZAR: Tá, tá.

DINHO: Tá bom. Tá certo.

(áudio encerrado)

 

Agrega-se aos elementos do diálogo supracitado outro componente à questão, a demonstrar que a versão dos recorrentes sobre os residentes arcarem com custos não se mostrou crível, ou seja, conforme se constata pelas fotos anexadas ao apenso dos autos (fls. 11-19v.), a pavimentação da rua estava sendo realizada em via de terra, cercada por residências, em local de evidente vulnerabilidade social. Portanto, moradores sem condições de arcar com qualquer parcela dos custos da benfeitoria.

Deveras, resta patente terem agido os recorrentes em comunhão de vontades com o objetivo de confeccionar o recibo e direcioná-lo aos moradores da rua em que realizado o calçamento, de forma a fazer prova em seu próprio benefício.

Logo, o testemunho de Hermes Castro vem em consonância com as declarações interceptadas, no sentido de que os recorrentes falsearam com a verdade do documento, conforme a descrição contida na denúncia.

Assim, da análise dos depoimentos coletados durante a instrução, tanto das testemunhas quanto dos recorrentes, entendo robustas e suficientes as provas para fortalecer a peça incoativa, ratificando a tese da acusação a confirmar a sentença e, nessa toada, a fim de evitar tautologia, reproduzo a análise que a Procuradoria Regional Eleitoral fez sobre o tópico (fls. 640-641), a qual adoto como fundamentos desta decisão:

Ao lado dessas provas, a autoria (notadamente, a unidade de desígnios dos três recorrentes) é corroborada pelos demais testemunhos colhidos em juízo (servidores públicos municipais e moradores da Rua Frederico Langer) (fl. 470-CD), a partir dos quais extrai-se que CEZAR (“CEZINHA”), NERI e RONALDO (“DINHO”) trabalharam em conjunto para a realização do calçamento e para a emissão do recibo inverídico.

Antonio Fernando Selistre, Secretário Municipal de Obras, disse ter ido diversas vezes na Rua Frederico Langer, tendo encontrado os réus “DINHO” e “Cacau”5 . Quanto a CEZAR, explicou que não reside naquela comunidade, mas com ela tem ligação em razão de ser membro do Clube Paladino. Afirmou que ele compareceu na Prefeitura Municipal para acompanhar o andamento do pedido de realização do calçamento.

Gilberto de Oliveira Castro, engenheiro na Secretaria Municipal de Obras, referiu que NERI era o responsável pela pavimentação (embora não o tenha encontrado lá quando verificou, informalmente, o seu andamento).

Sueli da Silva Ramos, moradora, relatou que viu NERI no local das obras.

Gisele da Silva Flores, moradora, disse que não viu os réus no local das obras de calçamento. No entanto, relatou que NERI é quem faz o calçamento e “DINHO” era visto seguidamente nas obras.

Neusa Regina Barreto da Silva, moradora, referiu que quem trabalhava na obra era o réu NERI, empreiteiro. Disse conhecer “CEZINHA”, desconhecendo sua participação na obra, mas que ele era visto por lá: comparecia na sede, mas não tinha ingerência na realização da obra.

Antonio C. Dos Santos, morador, referiu ser tio de “DINHO”. Informou que CEZAR não teve participação na obra, porquanto acredita que a Prefeitura foi quem forneceu os materiais e máquinas para sua realização. Disse que “DINHO” já trabalhava para “CEZINHA” naquela época e até os dias de hoje.

Lucilia Barth da Silveira, moradora, disse que “DINHO” perguntou se ela estava sabendo do calçamento da rua, ao que respondeu que não tinha condições de pagar, tendo ele referido que esse custo seria coberto em um bingo. Não soube dizer se CEZAR tinha relação com a obra.

Ana Paula dos Santos, moradora, afirmou que quem gerenciava o calçamento era “Cacau” e “DINHO”. Disse não ter visto CEZINHA na obra. Contou que “DINHO” era quem passava os valores à Prefeitura.

Reni Germano da Silva, arrolado pela defesa, alegou conhecer “CEZINHA” informando que, embora não more no bairro, se trata de pessoa que costuma ajudar a comunidade, tendo colaborado com o cercamento do Campo de Futebol Paladino e com a reforma da Igreja.

Sérgio Inácio da Silva, arrolado pela defesa, referiu ter visto as obras de calçamento na Rua Francisco Langer, da qual é vizinho. Informou conhecer as pessoas que trabalhavam no calçamento da rua, sendo que NERI é uma delas.

Ou seja, CEZAR (“CEZINHA”) intermediou o pedido de realização do calçamento junto à prefeitura; NERI era o empreiteiro responsável pela obra; e RONALDO (“DINHO”) angariava e gerenciava os valores pagos pelos moradores.

 

Dessa maneira, da análise dos depoimentos coletados durante a instrução, resta demonstrada a motivação de alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante ao inserir declaração falsa em documento particular. Nesse sentido conduz o exame de toda a prova produzida nos autos, tarefa, aliás, da qual muito bem se desincumbiu a douta magistrada de origem.

Assim, reproduzo trecho da sentença, no ponto em que a magistrada brilhantemente conclui sobre a incursão no tipo penal dos fatos narrados na peça acusatória, fundamentos que adoto como razões para decidir, in verbis:

Assim restou comprovada a falsidade do documento pelo testemunho de Hermes Castro, que afirmou que "uma pessoa foi até sua casa, chamado Dinho e levou um recibo para assinar, como se tivesse pagado o calçamento, embora ele não tivesse efetuado nenhum pagamento. Disse que não pagou nenhum valor, mas que lhe entregaram um recibo em sua casa como se ele tivesse pagado", conforme restou consignado em termo de audiência realizada na Promotoria de Justiça (CD juntado a fl. 131 dos autos). Essa afirmação da testemunha Hermes restou confirmada também em depoimento em juízo, sendo reafirmado que o pagamento informado no recibo jamais ocorreu, comprovando-se, assim, a prática do crime de falsidade ideológica cometido pelos réus, todos tendo agido em comunhão e conjugação de vontades.

Outrossim, pelas escutas telefônicas juntadas nos autos, observa-se que os réus discutiam sobre a necessidade de elaboração de recibos a serem confeccionados para os moradores da rua em que se realizava o calçamento em apreço, assim, os réus agiram em conjuntos em comunhão de vontades com o objetivo de confeccionar os recibos e direcionarem aos moradores da rua em que foi realizado o calçamento.

Para corroborar a declaração da testemunha Hermes são os depoimentos das demais testemunhas que embora declarem que não houve pedido de votos, os réus trabalharam junto à Comunidade local para a realização do calçamento narrado na inicial. Em interrogatório o réu Cézar, confirma que Dinho foi orientado a pegar recibos dos moradores, embora declare que a obra tenha sido realizada em parceria com a Prefeitura e moradores.

O réu Neri, em interrogatório, uma vez que foi levantada sua revelia, alega negativa de autoria dizendo que não confeccionou recibos falsos. No entanto, confirma que tinha a incumbência de confeccionar os recibos dos moradores no calçamento em razão de eventual pagamento pelas obras.

O réu Ronaldo, em interrogatório, menciona que era o responsável em arrecadar os valores dos moradores. Assim, pelo depoimento da testemunha Hermes em juízo, corroborada pelas escutas testemunhas em que os réus discutem sobre a necessidade de realização de recibos, e, especialmente aliado ao fato dos réus em seus interrogatórios mencionarem, embora alegando negativa de autoria com relação a falsidade ideológica de recibos, confirmam que arrecadaram em comunhão de vontades, um aderindo a vontade do outro, arrecadaram os valores dos moradores e passavam recibos para que os moradores que efetuaram os pagamentos assinassem os recibos.

Assim, tendo em vista que a testemunha Hermes confirma categoricamente em juízo que assinou recibo relacionado a obra do calçamento narrado na inicial, no entanto, não havia efetuado o pagamento em razão da realização das obras, a condenação dos réus é medida necessária porque confeccionaram recibo com declaração falsa, conforme depõe a testemunha Hermes.

Ademais, o crime de falsidade ideológica resta configurado pela sua natureza formal, consubstanciada na inserção de declaração inverídica em documento particular, como é o caso dos autos, tratando-se do recibo juntado a fl. 515 dos autos, sem que seja necessária a comprovação de prejuízo.

 

Elenco, ainda, julgado do Superior Tribunal de Justiça com o mesmo entendimento:

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PENAL E PROCESSO PENAL. CRIME DE FALSIDADE IDEOLÓGICA. CONFIGURAÇÃO. DOLO EXISTENTE.

DESNECESSIDADE DE CONFIGURAÇÃO DE PREJUÍZO. REVOLVIMENTO DE FATOS E PROVAS. SÚMULA N. 7 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA STJ. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.

1. O Tribunal a quo concluiu que as provas dos autos são consistentes para configuração do delito do art. 299 (falsidade ideológica), a existência de dolo e a desnecessidade de configuração de prejuízo, afastando as preliminares arguidas.

2. Não é possível confrontar as afirmativas do Tribunal de origem diante da impossibilidade de revolvimento fático-probatório da demanda em sede de recurso especial, a teor da Súmula n. 7 do Superior Tribunal de Justiça STJ.

3. O delito de falsidade ideológica é crime formal, que se consuma com a prática de uma das figuras típicas previstas, independente da ocorrência de qualquer resultado ou de efetivo prejuízo para terceiro.

4. Agravo regimental desprovido.

(AgRg no AREsp 1583094/SP, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em 13.4.2020, DJe 16.4.2020.)

 

Assim, demonstrado o elemento subjetivo específico do tipo, no sentido de alterar verdade sobre fato juridicamente relevante, essencial à configuração do tipo penal do art. 299 do Código Eleitoral, não merece reparos a sentença que concluiu pela tipicidade da conduta imputada aos recorrentes.

Com essas considerações, entendo que os recursos das defesas não comportam provimento e mantenho hígida a sentença recorrida, por seus próprios fundamentos.

 

3. Dispositivo

Ante o exposto, VOTO por não conhecer o recurso do MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL e por desprover os recursos interpostos por CEZAR WALMOR MACIEL MASSULO, NERI FARIAS DE OLIVEIRA e RONALDO MACHADO DOS SANTOS, mantendo na íntegra a sentença condenatória de primeiro grau.

 

É como voto, senhor Presidente.