RC - 193 - Sessão: 15/09/2020 às 14:00

RELATÓRIO

Cuida-se de recurso interposto contra sentença da 173ª Zona Eleitoral, sediada em Gravataí, a qual condenou o recorrente ANDERSON CAMPOS SAPKO nas sanções do art. 39, § 5º, inc. II, da Lei n. 9.504/97, tipo denominado como “boca de urna”.

A decisão fixou a pena em 06 (seis) meses de detenção e autorizou sua substituição por apenamento restritivo de direitos - prestação de serviços à comunidade, acrescida de multa equivalente a 10 (dez) dias-multa, no valor unitário de 1/10 (um dez avos) do salário-mínimo vigente ao tempo do fato, e custas.

A denúncia assim narrou o fato delituoso:

No dia 07 de outubro de 2018, por volta das 14h30min, na Rua Evaristo da Veiga, n. 400, Morada do Vale II, em Gravataí/RS, o denunciado ANDERSON CAMPOS SAPKO, em comunhão de esforços e conjugação de vontades com Cristiano Medeiros Ishkawa (beneficiado com transação penal), praticou propaganda de boca de urna, no dia da eleição, em favor dos candidatos Patricia Alba, pertencente ao Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), Mano Changes e Gabriel Gonçalves, ambos do Partido Verde (PV), José Luiz Stedile e Vicente Pires, estes últimos do Partido Socialista Brasileiro (PSB).

Na ocasião, o denunciado, em via pública, nas proximidades da Escola de Ensino Fundamental Alberto Pasqualini, onde estavam instaladas diversas seções eleitorais, foi flagrado praticando propaganda de boca de urna, ato esse que extrapola a mera manifestação individual, eis que tendente a influir na vontade do eleitor.

O material de campanha foi apreendido, consistente em 01 (uma) bandeira da candidata Patricia Alba, 208 (duzentos e oito) “santinhos” dos candidatos Mano Changes e Gabriel Gonçalves e 75 (setenta e cinco) “santinhos" dos candidatos Stedile e Vicente Pires (fl. 08).

Assim agindo, o denunciado incorreu nas sanções do art. 39, § 5º, inc. II, da Lei n. 9.504/97, razão pela qual o Ministério Público Eleitoral ofereceu a denúncia, requerendo, após recebimento e autuação, a citação do denunciado para se ver processar e, ao final, condenar, bem como a notificação das testemunhas arroladas para inquirição, na forma da lei.

Em suas razões, o recorrente afirma serem as provas insuficientes para a extração de juízo condenatório. Aduz que os testemunhos são frágeis, contraditórios e vagos. Defende que a testemunha vinculada ao Ministério Público deve ser declarada impedida e desconsiderado o depoimento. Argumenta que não foi comprovado que o material apreendido lhe pertencia, ou mesmo que o usara com a finalidade de influenciar os eleitores. Aduz que o porte de propaganda eleitoral é conduta atípica. Postula o recebimento do recurso e a reforma da sentença, para fins de absolvição (fls. 138-141).

Com contrarrazões (fls. 146-148v.), nesta instância, os autos foram com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, a qual emitiu parecer opinando pelo retorno dos autos à origem para intimação do réu e juntada de mídia (fls. 153-154).

É o relatório.

 

VOTO

Admissibilidade do recurso e preliminar da PRE

Cumpre gizar, desde já, que o réu ANDERSON CAMPOS SAPKO foi citado pessoalmente para apresentar defesa, sob pena de revelia (fls. 69-70).

Contudo, transcorrido sem manifestação o prazo concedido pelo juiz a quo, foi nomeado defensor dativo (fl. 76), o qual expressamente aceitou o encargo (fl. 78), apresentou defesa e arrolou testemunhas (fls. 81-83).

Após a instrução processual, a sentença foi proferida, com conteúdo condenatório (fls. 129-130v.), e, de tal decisão, o defensor dativo foi intimado por publicação no Diário Eletrônico em 11.10.19 (fl. 133), retirou os autos em carga em 13.11.19 (fl. 137) e apresentou recurso em 05.12.19 (fls. 138-141).

Em paralelo, fora expedido mandado de intimação ao réu da sentença condenatória, que retornou sem cumprimento (certidão da fl. 144).

Embora a Procuradoria Regional Eleitoral pondere, preliminarmente, pela necessidade de intimação pessoal do réu, tenho que o ato é desnecessário, no caso dos autos.

Explico: trata-se de réu em liberdade, e o seu defensor, ainda que dativo, foi devidamente notificado. Em casos como tais, assim tem decidido o Superior Tribunal de Justiça, conforme precedentes que vão, por mim, grifados:

AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. INDEFERIMENTO LIMINAR DE WRIT. HOMICÍDIO SIMPLES. INTIMAÇÃO PESSOAL DA SENTENÇA. DESNECESSIDADE. RÉU SOLTO. ART. 392, II, DO CPP. DEFESA TÉCNICA INTIMADA PELA IMPRENSA OFICIAL. SUFICIÊNCIA. PRECEDENTES. EXECUÇÃO PROVISÓRIA APÓS O ESGOTAMENTO DA INSTÂNCIA ORDINÁRIA. POSSIBILIDADE. INTEMPESTIVIDADE DO RECURSO DE APELAÇÃO. FALTA DE DEFESA. NÃO OCORRÊNCIA. PRINCÍPIO DA VOLUNTARIEDADE. ACÓRDÃO ALINHADO À JURISPRUDÊNCIA DESTE SUPERIOR TRIBUNAL. INEVIDÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL.

1. Diz a jurisprudência deste Superior Tribunal que a exigência de intimação pessoal da sentença condenatória não se aplica ao réu solto e que é possível a execução provisória da pena privativa de liberdade quando esgotada a via ordinária recursal. Afora isso, a ausência ou a inadmissão de recursos não pode ser interpretada como causa de nulidade, em razão do princípio da voluntariedade.

2. Agravo regimental improvido.

(AgRg no HC n. 480.437/MG, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 13.12.2018, DJe 04.02.2019.)

 

PROCESSO PENAL. APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA, SONEGAÇÃO DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA E FISCAL. SENTENÇA CONDENATÓRIA. RÉU SOLTO. INTIMAÇÃO PESSOAL. DESNECESSIDADE. CERCEAMENTO DE DEFESA NÃO EVIDENCIADO. RECURSO NÃO PROVIDO.

1. Ressalvada pessoal compreensão em sentido diverso, a jurisprudência desta Corte Superior consolidou entendimento de que, em se tratando de réu solto, é suficiente a intimação da defesa técnica acerca da sentença condenatória, nos termos do art. 392, II, do CPP.

2. Recurso em habeas corpus não provido.

(RHC n. 85.483/MG, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 17.8.2017, DJe 28.8.2017.)

 

PROCESSO PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. ESTELIONATO CONTINUADO. SENTENÇA CONDENATÓRIA. RÉU SOLTO. INTIMAÇÃO PESSOAL. DESNECESSIDADE. ART. 392, II, DO CPP. ADVOGADO NOMEADO DEVIDAMENTE INTIMADO. INEXISTÊNCIA DE NULIDADE. RECURSO ORDINÁRIO DESPROVIDO.

I - Consoante o disposto no art. 392, II, do CPP, tratando-se de réu solto, é suficiente a intimação do defensor constituído acerca da r. sentença condenatória. Precedentes.

II - "No caso, a intimação frustrada do paciente, que respondeu solto, não implica ofensa ao devido processo legal ou à ampla defesa, porquanto intimada regularmente a defesa técnica. (HC 430.433/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Ribeiro Dantas, DJe 25/04/2018) Recurso ordinário desprovido.

(RHC n. 98.594/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 12.6.2018, DJe 20.6.2018.)

 

PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS . ESTUPRO DE VULNERÁVEIS. CONDENAÇÃO TRANSITADA EM JULGADO. NOMEAÇÃO DE DEFENSOR PÚBLICO POR INÉRCIA DO ADVOGADO CONSTITUÍDO PARA APRESENTAR DEFESA PRELIMINAR. INTELIGÊNCIA DO ART. 396-A, § 2º, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. PREJUÍZO NÃO DEMONSTRADO. PAS DE NULLITÉ SANS GRIEF. SENTENÇA CONDENATÓRIA. DEFENSOR PÚBLICO NÃO APELOU. PRINCÍPIO DA VOLUNTARIEDADE RECURSAL. INTIMAÇÃO PESSOAL DE RÉU SOLTO. DESNECESSIDADE. CERCEAMENTO DE DEFESA NÃO EVIDENCIADO. RECURSO DESPROVIDO.

1. A República Federativa do Brasil, fundada, entre outros, na dignidade da pessoa humana e na cidadania, consagra como garantia "aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral, (...) o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes" (art. 5º, LV, da Constituição Federal). Refletindo em seu conteúdo os ditames constitucionais, o art. 261 do Código de Processo Penal estabelece que "nenhum acusado, ainda que ausente ou foragido, será processado ou julgado sem defensor".

2. "O devido processo legal, amparado pelos princípios da ampla defesa e do contraditório, é corolário do Estado Democrático de Direito e da dignidade da pessoa humana, pois permite o legítimo exercício da persecução penal e eventualmente a imposição de uma justa pena em face do decreto condenatório proferido", assim, "compete aos operadores do direito, no exercício das atribuições e/ou competência conferida, o dever de consagrar em cada ato processual os princípios basilares que permitem a conclusão justa e legítima de um processo, ainda que para condenar o réu" (HC 91.474/RJ, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA TURMA, DJe 2/8/2010).

3. O reconhecimento de nulidades no curso do processo penal reclama uma efetiva demonstração do prejuízo à parte, sem a qual prevalecerá o princípio da instrumentalidade das formas positivado pelo art. 563 do CPP (pas de nullité sans grief). Precedentes do STJ e STF.

4. "Não constitui nulidade a nomeação de defensor público para apresentação de resposta à acusação quando o advogado constituído não o faz, uma vez que expressamente previsto no art. 396-A, § 2.º, do Código de Processo Penal" (HC 153.718/RJ, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, DJ de 3/4/2012).

5. Hipótese em que, mesmo devidamente intimada da sentença condenatória, a Defensoria Pública deixou de apresentar recurso, o que não constitui vício de nulidade ou caracteriza violação ao direito de defesa, nos termos do princípio da voluntariedade recursal, aplicável, também, a este órgão.

6. "A jurisprudência desta Corte firmou compreensão no sentido de que, em face da regra processual da voluntariedade dos recursos, insculpida no art. 574, caput, do Código de Processo Penal, não está obrigado o defensor público ou dativo, devidamente intimado, a recorrer" (RHC 22.218/RN, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEXTA TURMA, DJe 13/10/2008)

7. A teor do disposto no art. 392, inciso II, do CPP, "tratando-se de réu solto, mostra-se suficiente a intimação do defensor constituído acerca da r. sentença condenatória" (RHC 66.254/PR, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 19/5/2016, DJe 10/6/2016).

8. Recurso ordinário desprovido.

(RHC n. 66.996/RR, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 17.08.2017, DJe 28.8.2017.)

 

Destaco que, neste último precedente transcrito, se tratou de caso no qual a Defensoria Pública, devidamente intimada, não apresentou recurso, hipótese em que não foi reconhecida nulidade ou violação ao direito de defesa em razão da voluntariedade recursal.

O Supremo Tribunal Federal trilha a mesma linha da desnecessidade de intimação do réu solto, podendo ser citadas, exemplificativamente, as decisões havidas no RHC n. 144674 AgR, Rel. Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 09.4.2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-082 DIVULG 26.4.2018 PUBLIC 27.4.2018, e no HC n. 144735 AgR, Rel. Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 04.4.2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-077 DIVULG 20.4.2018 PUBLIC 23.4.2018.

E, inclusive, esta Corte já decidiu nesse sentido. Por ocasião do julgamento, em 17.12.2019, do RC n. 680-63.2016.6.21.0023, de relatoria do Des. Eleitoral Roberto Carvalho Fraga, entendeu-se desnecessária a intimação pessoal da sentença condenatória do réu que respondeu em liberdade ao processo:

RECURSO CRIMINAL. DENÚNCIA. PROCEDENTE. CONDENAÇÃO. ART. 316, CAPUT, E ART. 71, CAPUT, AMBOS DO CÓDIGO PENAL. EXCEDIDO O PRAZO PREVISTO NO ART. 362 DO CÓDIGO ELEITORAL. RECURSO NÃO CONHECIDO. INTEMPESTIVO. Nos processos e julgamentos dos crimes eleitorais e dos comuns que lhes forem conexos, os prazos correm em cartório, são contínuos e peremptórios, não se interrompendo por férias, domingos ou feriados. Quando o término ocorrer em domingos ou feriados, considera-se prorrogado até o dia útil imediato. O Parquet, em seu parecer, pondera que, embora intempestivo, não há nos autos comprovação da intimação pessoal do réu, devendo, portanto, ser conhecido o recurso. No entanto, a atual jurisprudência dos tribunais superiores dispensa a intimação pessoal do réu que não esteja preso, interpretação derivada do comando constante no art. 392 do Código de Processo Penal. Na espécie, ausente qualquer evidência ou informação de que o réu esteja preso, a intimação tão somente do procurador constituído é regular. Excedido o prazo previsto no art. 362 do Código Eleitoral. Recurso não conhecido, por intempestivo.

(RC n. 680-63.2016.6.21.0023, Rel. Des. Eleitoral Roberto Carvalho Fraga, julgado em 17.12.19, DJe de 22.01.20.)

Poder-se-ia argumentar existir um pretenso distinguishing do caso posto relativamente aos precedentes indicados, qual seja, a peculiaridade de, aqui, não ter sido o próprio réu a constituir defensor, pois seu patrono fora nomeado pelo juiz a quo (em razão da revelia ocorrida após a citação pessoal).

Penso, no entanto, que essa circunstância não é apta a impossibilitar a aplicação dos precedentes invocados, sobretudo porque o réu tinha conhecimento da tramitação do processo, deixou de constituir patrono e de tomar conhecimento da sentença (não atendendo aos avisos deixados pelo oficial de justiça – fl. 144), de forma que sua desídia em relação ao processo criminal não pode ser considerada em seu favor.

Ainda, não há obrigatoriedade de recorrer, notadamente para a defesa, mesmo sendo o réu assistido por defensor dativo ou público. É inegável que aqui foram adotadas as medidas necessárias para cientificar o réu da decisão judicial e possibilitar a interposição do recurso, sendo que o efetivo oferecimento da divergência constituiria faculdade da defesa técnica.

Em resumo, desnecessário o retorno dos autos à origem pelo motivo de ausência de intimação pessoal, como ventilado pelo Ministério Público Eleitoral.

Ademais, ao tratar-se de defensor dativo, o prazo para recurso deve ser considerado aquele da intimação pessoal. Nesse sentido, mais uma vez, um precedente do Superior Tribunal de Justiça:

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. INTEMPESTIVIDADE. ACÓRDÃO QUE CONFIRMA A CONDENAÇÃO. DUPLA INTIMAÇÃO. DESNECESSIDADE. CONTAGEM DO PRAZO NO PROCESSO PENAL. ART. 798 DO CPP.

I - É dispensada a intimação pessoal do réu do acórdão que julga a apelação, sendo suficiente a intimação pelo órgão oficial de imprensa, no caso de estar assistido por advogado constituído, ou pessoal, nos casos de patrocínio pela Defensoria Pública ou por defensor dativo. A intimação pessoal somente é exigida da sentença que condena o réu preso (art. 392, I, do CPP).

II - Em ações que tratam de matéria penal ou processual penal, não incidem as novas regras do Código de Processo Civil - CPC, referentes à contagem dos prazos em dias úteis (art. 219 da Lei 13.105/2015), ante a existência de norma específica a regular a contagem do prazo (art. 798 do CPP), uma vez que o CPC é aplicado somente de forma suplementar ao processo penal. III - Publicado o acórdão recorrido em 23/04/2018, apresenta-se extemporâneo o recurso especial interposto em 20/06/2018, visto que apresentado fora do prazo de 15 (quinze) dias corridos.

IV - Agravo regimental a que se nega provimento.

(AgRg no AREsp n. 1348971/MA, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 27.11.2018, DJe 10.12.2018.)(Grifei.)

Em suma: desconsiderada a intimação da sentença publicada no Diário Eletrônico da Justiça Eleitoral de 11.10.2019 (fl. 132), os autos foram retirados em carga pelo defensor dativo em 13.11.2019, de forma que o prazo recursal de 10 (dez) dias, previsto no art. 362 do Código Eleitoral, ainda que coubesse a contagem em dobro, encerrou em 03.12.2019, terça-feira.

E a peça foi protocolada em 05.12.2019 (fls. 138-141), uma quinta-feira, dois dias após o escoamento do prazo.

O recurso, portanto, não merece conhecimento, por ser intempestivo.

Destaco.

 

Decisão da sessão de 14-09-2020: Após votar o relator não conhecendo do recurso, pediu vista o Des. Eleitoral Silvio de Moraes. Demais julgadores aguardam o voto-vista. Julgamento suspenso.