E.Dcl. - 5768 - Sessão: 27/01/2020 às 14:00

RELATÓRIO

Cuida-se de embargos de declaração opostos pelo DIRETÓRIO REGIONAL DO PARTIDO TRABALHISTA BRASILEIRO – PTB em face do acórdão das fls. 826-828 que, por unanimidade, negou provimento ao agravo interno manejado pela agremiação, mantendo o indeferimento do pedido de aplicação da anistia prevista no art. 55-D da Lei n. 9.096/95.

O embargante sustenta omissão na apreciação de argumentos versados na peça recursal, em confronto com o disposto no art. 489, § 1º, do CPC. Pretende a incidência do art. 55-D da Lei 9.096/95, introduzido pela Lei 13.831/19. Requer o conhecimento e provimento dos aclaratórios, no intuito de sanar os vícios apontados, e o prequestionamento da matéria (fls. 833-837).

É o relatório.

VOTO

Os embargos de declaração são regulares, tempestivos e comportam conhecimento.

Em suas razões, o embargante sustenta que o acórdão foi omisso quanto aos argumentos tecidos no agravo interno, capazes, a seu juízo, de infirmar o entendimento relativo à inconstitucionalidade do art. 55-D da Lei 9.096/95.

Afirma, em síntese, que não houve enfrentamento da alegação de que as contribuições partidárias não são tributos e, assim, não haveria que se falar em receita pública e, em ultima ratio, não haveria necessidade de atenção à Lei de Diretrizes Orçamentárias e à Lei de Responsabilidade Fiscal. Ainda, por consequência, no entendimento do recorrente, não se poderia falar em moralidade administrativa, pois as agremiações partidárias são privadas, de modo que os valores doados em descumprimento ao art. 14 da Resolução TSE n. 23.464/15 deveriam ser devolvidas aos próprios doadores.

Entretanto, a decisão embargada está devidamente fundamentada nas razões acolhidas por este Tribunal, em 19.08.2019, no julgamento do incidente de inconstitucionalidade, nos autos do RE 35-92.2016.6.21.0005, Relator Des. Eleitoral Gerson Fischmann, DEJERS de 23.08.2019, que reconheceu a inconstitucionalidade do art. 55-D da Lei 9.096/95, incluído pela Lei 13.831/19, conforme ementa reproduzida no acórdão ora recorrido:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO DE 2015. DESAPROVAÇÃO. MATÉRIA PRELIMINAR ACOLHIDA. INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 55-D DA LEI N. 9.096/95, INCLUÍDO PELA LEI N. 13.831/19. MÉRITO. RECEBIMENTO DE RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA E DE FONTE VEDADA. PORCENTAGEM REPRESENTATIVA DAS IRREGULARIDADES DIANTE DA TOTALIDADE DOS RECURSOS ARRECADADOS NO PERÍODO. AFASTADA A APLICAÇÃO DOS POSTULADOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. MANUTENÇÃO DO JUÍZO DE DESAPROVAÇÃO. REDUZIDO O PERÍODO DE SUSPENSÃO DO FUNDO PARTIDÁRIO. AFASTADA A CONDIÇÃO DE QUE A SANÇÃO SUBSISTA ATÉ QUE OS ESCLARECIMENTOS SEJAM ACEITOS PELA JUSTIÇA ELEITORAL. PROVIMENTO PARCIAL.

1. Incidente de inconstitucionalidade suscitado pelo Procurador Regional Eleitoral. 1.1. O art. 55-D da Lei n. 9.096/95, norma legal objeto do aludido incidente, incluído pela Lei n. 13.831/19, assinala a anistia das devoluções, cobranças ou transferências ao Tesouro Nacional que tenham como causa as doações ou contribuições efetuadas, em anos anteriores, por servidores públicos os quais exerçam função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, desde que filiados a partido político. Ausência de notícia de que tenha havido oferecimento dos dados relativos à previsão de estimativa de impacto orçamentário e financeiro quando da tramitação da proposta legislativa prevendo a renúncia da receita. Omissão que afronta a exigência constitucional incluída pela EC n. 95/16 no art. 113 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. A legislação infraconstitucional igualmente exige seja comprovado o impacto orçamentário e financeiro à concessão de benefício que gere a diminuição de receita da União, nos termos do art. 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal e arts. 114 e 116 da Lei n. 13.707/18. 1.2. A anistia das verbas consideradas como oriundas de fontes vedadas - benefício instituído em causa própria e sem qualquer finalidade pública subjacente - atenta ao princípio da moralidade administrativa e desvirtua a natureza jurídica do instituto. 1.3. Vício de inconstitucionalidade formal e material. Acolhimento da preliminar. Afastada, no caso concreto, a aplicação do art. 55-D da Lei n. 9.096/95, incluído pela Lei n. 13.831/19.

 

Assim, a referência ao precedente no qual a questão da anistia instituída pela Lei n. 13.831/19 foi amplamente debatida e alcançou consenso no Plenário desta Corte atende aos ditames do dever de fundamentação, da economia processual, da segurança jurídica e da busca pela racionalização da atividade jurisdicional, sendo inviável nova apreciação da questão sem relevante modificação jurídica ou social que a justifique.

Sobre o ponto, peço vênia para transcrever a doutrina conjunta de Ingo Wolfgang Sarlet, Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero (Curso de direito constitucional. 6. ed. Edição eletrônico. São Paulo: Saraiva, 2018, p. 1084):

Uma vez decidida a questão constitucional pelo Plenário ou Órgão Especial, os órgãos fracionários ficam obrigados perante a decisão tomada pelo órgão qualificado. O parágrafo único do art. 949 do CPC de 2015 é expresso no sentido de que os órgãos fracionários não ficam obrigados apenas diante de precedente do STF, mas também de decisão do Plenário ou Órgão Especial do Tribunal.

Não é apenas o órgão fracionário que submeteu a questão de constitucionalidade ao quorum qualificado que fica vinculado à decisão. Todas as Câmaras ou Turmas ficam obrigadas perante a decisão tomada pelo Plenário ou pelo Órgão Especial.

Assim, uma vez decidida a questão constitucional no Tribunal, as Câmaras ou Turmas não mais podem submeter a arguição de inconstitucionalidade ao Plenário ou ao Órgão Especial. Até porque estes estão proibidos de voltar a tratar da questão constitucional sem que presentes os requisitos hábeis a justificar a revogação de precedentes, como a transformação dos valores sociais ou da concepção geral do direito ou, ainda, erro manifesto. Aliás, é improvável que a decisão do Tribunal, sem ter chegado à análise do STF, possa estar sujeita a tais condições.

A questão de a anistia implicar em renúncia de receita está expressamente analisada pela Corte no precedente transcrito, de forma que os argumentos do embargante nesse ponto constituem apenas inconformismo com a tese que foi consagrada pelo Plenário.

Assim, nos termos do acórdão referido, embora não seja tributo, o valor que a agremiação deve recolher ao Tesouro Nacional, por condenação judicial transitada em julgado, é receita pública, pois título executivo judicial que assegura o direito ao crédito cuja credora é a União. Exatamente por isso, a legislação infraconstitucional exige seja comprovado o impacto orçamentário e financeiro à concessão de benefício que gere a diminuição de receita da União, nos termos do art. 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal e dos arts. 114 e 116 da Lei n. 13.707/18.

O equívoco argumentativo do recorrente está em entender que as receitas públicas adviriam apenas do recolhimento de tributos. Ainda que a cobrança de tributos seja a maior fonte de recursos, as receitas públicas são compostas de diversas fontes, contratuais, de concessões públicas, sanções e, claro, nas hipóteses em que o Estado, excepcionalmente, interfere diretamente na atividade econômica desenvolvendo empresa.

Os valores devidos pela agremiação são receitas públicas, e eventual anistia passaria, necessariamente, pelo preenchimento dos citados requisitos legais, sob pena de malferimento do princípio da moralidade administrativa. Nessa senda, referiu o julgado paradigma deste Tribunal (RE 35-92.2016.6.21.0005):

A anistia das verbas consideradas como oriundas de fontes vedadas - benefício instituído em causa própria e sem qualquer finalidade pública subjacente - atenta ao princípio da moralidade administrativa e desvirtua a natureza jurídica do instituto.

Destarte, ausentes obscuridade, omissão ou contradição no acórdão embargado, devem ser rejeitados os aclaratórios.

Por último, em relação ao prequestionamento, diante do previsto no art. 1.025 do Código de Processo Civil, considera-se incluída no acórdão toda a matéria suscitada.

Ante o exposto, VOTO pela rejeição dos embargos de declaração.