RE - 2388 - Sessão: 30/09/2020 às 14:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto pelo MOVIMENTO DEMOCRÁTICO BRASILEIRO (MDB) de NOVO HAMBURGO contra a sentença do Juízo Eleitoral da 76ª Zona que desaprovou suas contas relativas ao exercício financeiro de 2017, em face do recebimento de recursos de origem não identificada, bem como determinou o recolhimento de R$ 789,01 ao Tesouro Nacional, acrescidos de multa fixada em 10% sobre este montante (fls. 152-154).

Em suas razões, sustenta a agremiação que o percentual da irregularidade afetou tão somente 8,93% dos valores arrecadados, havendo de ser aplicados os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade para aprovar com ressalvas as contas. Por consequência, pugna, também, pelo afastamento da multa sobre a quantia a ser recolhida ao erário. Subsidiariamente, requer a redução da multa imposta (fls. 157-160v.).

O Ministério Público Eleitoral, em contrarrazões, manifestou-se pelo conhecimento do recurso e pelo seu desprovimento, porquanto a falha prejudica a transparência e a lisura da prestação de contas, dificultando o efetivo controle por parte da Justiça Eleitoral sobre a licitude das doações e a origem de valores recebidos (fls. 162-162v.).

Constatada a existência de erro material na sentença, devido à omissão de parte do texto, foi determinada ao juízo a quo sua correção, bem como a republicação e a reabertura de prazo para recurso (fls. 169-171v.).

Intimados, o partido político e seus responsáveis não apresentaram nova manifestação, tampouco o Ministério Público Eleitoral (fl. 172v.).

Nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral, em parecer, opinou, preliminarmente, pelo reconhecimento de nulidade parcial da sentença, consistente em omissão quanto à aplicação do art. 36, inc. I, da Lei n. 9.096/95, e pela imediata apreciação da questão por este Tribunal. No mérito, manifestou-se pelo provimento do recurso para que as contas sejam aprovadas com ressalvas e fixada multa na proporção de 5%, bem como pela determinação de suspensão do repasse de quotas do Fundo Partidário até que seja recolhido ao Tesouro Nacional o valor atinente a recursos de origem não identificada, observado o período mínimo de um mês e quinze dias.

É o relatório.

VOTO

Admissibilidade

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

Da preliminar de nulidade parcial da sentença

Em prefacial, a Procuradoria Regional Eleitoral sustenta que a sentença padeceria de nulidade, pois, em que pese tenha reconhecido o recebimento pelo partido de recursos de origem não identificada, o magistrado a quo omitiu-se quanto à determinação da suspensão do repasse de novas quotas do Fundo Partidário, conforme determina o art. 36, inc. I, da Lei n. 9.096/95, verbis:

Art. 36. Constatada a violação de normas legais ou estatutárias, ficará o partido sujeito às seguintes sanções:

I - no caso de recursos de origem não mencionada ou esclarecida, fica suspenso o recebimento das quotas do fundo partidário até que o esclarecimento seja aceito pela Justiça Eleitoral;

Apesar dos ponderados fundamentos lançados, tendo em conta a natureza jurisdicional do processo de prestação de contas, entendo que a tese ministerial encontra óbice intransponível nos princípios do tantum devolutum quantum appellatum e da non reformatio in pejus.

Com efeito, apenas o partido político recorreu da decisão de primeiro grau e sua situação não pode ser agravada com a imposição de medida cuja análise não foi devolvida ao conhecimento do Tribunal.

Dessa forma, a ausência de irresignação do Ministério Público Eleitoral quanto ao ponto torna preclusa a matéria, pois a interposição do apelo tem a única finalidade de melhorar a situação da parte, com a aprovação das contas.

A questão já foi debatida por este Tribunal, por ocasião do julgamento do Recurso Eleitoral n. 35-14, de relatoria do Des. Federal João Batista Pinto Silveira, no qual o Colegiado concluiu pela impossibilidade de apreciação de matéria não trazida em recurso quando possa resultar em agravamento da situação do único recorrente:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2015. DESAPROVAÇÃO. PRELIMINARES REJEITADAS. FONTE VEDADA. PERCENTUAL EXCESSIVO. MANTIDA A DESAPROVAÇÃO.

Não se conhece de pedido de efeito suspensivo quando expressamente previsto como decorrência da lei.

A ausência de contrariedade quanto à determinação de recolhimento de recurso ao Tesouro Nacional inviabiliza sua apreciação em segunda instância, diante da vedação de reformatio in pejus.

Secretária Municipal da Saúde insere-se no conceito de autoridade, sendo considerada sua doação como fonte vedada. Irregularidade correspondente a 81% da receita da agremiação, o que indica seja mantido o juízo de desaprovação.

Desprovimento.

(TRE-RS, RE n. 35-14.2016.6.21.0128, Rel. Des. Federal João Batista Pinto Silveira, julgado em 31.10.2018.) (Grifei.)

No mesmo sentido, recente julgado do egrégio Tribunal Superior Eleitoral:

ELEIÇÕES 2012. AGRAVO. RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS DE CAMPANHA. CANDIDATA. DESAPROVAÇÃO. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. RECOLHIMENTO DE VALORES AO TESOURO NACIONAL. DETERMINAÇÃO DE OFÍCIO. AUSÊNCIA DE RECURSO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL. TESE DE AFRONTA AO PRINCÍPIO DA NON REFORMATIO IN PEJUS. PROCEDÊNCIA. PROVIMENTO.

1. As contas da candidata relativas à sua campanha eleitoral de 2012 foram desaprovadas pelo juízo de primeiro grau. O TRE/SP, ao confirmar a sentença, determinou de ofício o recolhimento ao Erário dos valores de origem não identificada recebidos pela agravante.

2. Desde a inserção do § 6º ao art. 37 da Lei dos Partidos Políticos pela Lei nº 12.034/2009, o processo de prestação de contas passou a ostentar natureza jurisdicional, de modo que não há espaço para modificação que agrava a situação do recorrente no âmbito do seu próprio recurso.

3. Configura reformatio in pejus o agravamento da pena imposta quando não houve recurso da parte contrária sobre a matéria.

4. Agravo provido para dar provimento ao recurso especial e afastar a determinação de recolhimento de recurso ao Tesouro Nacional.

(TSE, AI n. 747-85.2012.6.26.0166/SP, Rel. Designado: Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, julgado em 05.9.2019, publicado em DJE – Diário de justiça eletrônico, Tomo 216, de 08.11.2019, p. 93.) (Grifei.)

Como fundamento de sua tese, o Parquet Eleitoral alega que, por se tratar de “norma de ordem pública – portanto, cogente –, a decisão é nula, transcendendo tal nulidade à análise restritiva de gravame à parte recorrente, não havendo se falar, portanto, em ocorrência de preclusão”.

Acolhendo-se a tese ministerial, a relativização dos institutos da preclusão e da coisa julgada, imperativos da ordem jurídica processual, acarretariam séria ruptura no sistema recursal na Justiça Eleitoral, uma vez que as normas eleitorais são, por natureza, em sua maioria, de ordem pública, pois materializam os direitos políticos constitucionalmente assegurados.

Nesse cenário, as partes no processo eleitoral estariam constantemente sujeitas a serem prejudicadas por meio de recurso por elas exclusivamente interposto, o que se afigura inimaginável em um sistema que busca, minimamente, a segurança jurídica e a estabilidade das relações.

Colaciono acórdão proferido pelo Tribunal Superior Eleitoral com o mesmo posicionamento:

ELEIÇÕES 2006. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. RECURSO ESPECIAL. REPRESENTAÇÃO. DOAÇÃO ACIMA DO LIMITE LEGAL. PESSOA FÍSICA. ART. 23, § 70, DA LEI DAS ELEIÇÕES.

1. Detectada a incompatibilidade entre os fundamentos do acórdão embargado e o texto consignado na ementa, acolhem-se os embargos para adequá-la ao que realmente decidido por esta Corte, nos termos propostos no presente voto.

2. Os embargos de declaração não se prestam a promover novo julgamento da causa, devendo o inconformismo com o resultado da demanda ser objeto da seara recursal própria.

3. A vedação à reformatio in pejus impede que a situação do recorrente seja agravada, quando não interposto recurso da parte contrária.

4. Verificando-se a sucumbência e não tendo o interessado recorrido para buscar revertê-la, descabe a rediscussão da matéria em prol de quem abdicou da proteção jurisdicional no momento oportuno.

5. Embargos de Fernando Oliveira Santos rejeitados. Embargos do Ministério Público acolhidos apenas para sanar os vícios verificados na ementa, conforme proposto neste voto.

(TSE, ED-REspe n. 51993-63.2009.6.1 8.0000/PI , Rel. Min. Luciana Lóssio, julgado em 13.9.2016, publicado no DJE – Diário de justiça eletrônico, de 03.10.2016.) (Grifei.)

No voto condutor do referido julgado, restou assentado que, se a parte não maneja o adequado recurso quanto ao ponto de seu interesse, faz operar contra si a coisa julgada, que representa impedimento até mesmo ao reconhecimento de matérias de ordem pública em desfavor da única parte recorrente, conforme excerto abaixo transcrito:

Em que pesem as razões expendidas, o pedido não merece acolhimento.

Isso porque o embargante não recorreu do acórdão que lhe aplicou multa por uma das duas doações efetuadas, notadamente aquela realizada em espécie, fazendo operar contra si a coisa julgada.

Ademais, sendo o recurso especial exclusivamente da parte contrária, estender o reconhecimento da ilicitude da prova para ambas as doações implicaria vedada reformatio in pejus, prestigiando-se aquele que se absteve de tentar reverter sua sucumbência.

Em verdade, não houvesse recurso do Ministério Público, o acórdão regional já estaria transitado em julgado e em fase de execução da pena fixada, ante a ausência de inconformismo de Fernando Oliveira Santos.

Ressalte-se que, conquanto o TRE/PI tenha sobrestado o feito a fim de aguardar pronunciamento do TSE sobre a validade de provas em caso análogo, a meu ver, tal fato também não beneficia o embargante. Em primeiro lugar, porque o sobrestamento só ocorreu após emissão de juízo positivo sobre a admissibilidade do recurso especial, ou seja, quando já instaurada a jurisdição desta Corte, mas, sobretudo, porque a coisa julgada constitui óbice intransponível até mesmo ao reconhecimento de matérias de ordem pública.

Por essas razões, inexiste modificação a ser feita no acórdão nesse ponto, impondo-se a rejeição dos embargos.

(Grifei.)

Com essas considerações, rejeito a prefacial.

Do mérito

No mérito, a pretensão do recorrente circunscreve-se à aprovação das contas com ressalvas, com base nos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, e, por decorrência, ao afastamento da multa de 10% sobre a importância apontada como irregular ou, subsidiariamente, a diminuição da penalidade.

Deveras, a soma das irregularidades apuradas nas contas do partido político, ou seja, R$ 789,01, é irrisória. As falhas correspondem a apenas 9,80% das receitas auferidas no exercício de 2017 pela grei partidária. Outrossim, destaca-se que não restou evidenciada má-fé do prestador de contas.

Mostra-se cabível, portanto, a aplicação dos postulados da proporcionalidade e da razoabilidade para aprovar com ressalvas o ajuste contábil, em conformidade com a consolidada jurisprudência desta Corte:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. VEREADOR. DESAPROVAÇÃO. ELEIÇÕES 2016. PREFACIAL AFASTADA. NULIDADE DA SENTENÇA. NEGATIVA DE VIGÊNCIA DA LEGISLAÇÃO ELEITORAL. MÉRITO. DOAÇÃO ESTIMÁVEL EM DINHEIRO. INCONSISTÊNCIA ENTRE A INFORMAÇÃO PRESTADA PELO CANDIDATO E A DECLARADA NA ESCRITURAÇÃO DO DOADOR. VALOR INEXPRESSIVO. PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. PARCIAL PROVIMENTO. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

1. Prefacial de nulidade rejeitada. A sentença não fundamentou a desaprovação na ausência de identificação do doador, motivo pelo qual não houve a alegada inobservância do disposto nos arts. 18 e 26, ambos da Resolução TSE n. 23.463/15. Negativa de vigência e de nulidade não caracterizada.

2. Mérito. Inconsistência entre o registro de doação estimável em dinheiro realizada pelo candidato ao cargo de prefeito e as informações registradas na prestação de contas do recorrente, beneficiário do recurso. O valor representa 6,8% das receitas da campanha. Aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

Provimento parcial. Aprovação com ressalvas.

(TRE-RS, RE n. 58554, Relator Luciano André Losekann, julgado em 26.4.2018, publicado no DEJERS – Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 72, de 30.4.2018, p. 4.)

Em consequência da aprovação com ressalvas da contabilidade, a multa prevista no art. 37, caput, da Lei n. 9.096/95 deve ser afastada, uma vez que restrita à hipótese de desaprovação das contas, conforme se extrai do teor da norma:

Art. 37. A desaprovação das contas do partido implicará exclusivamente a sanção de devolução da importância apontada como irregular, acrescida de multa de até 20% (vinte por cento). (Redação dada pela Lei nº 13.165, de 2015)

Nessa esteira, colaciono o seguinte julgado deste Tribunal:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2017. DESAPROVAÇÃO. RECEBIMENTO DE RECURSOS ADVINDOS DE FONTES VEDADAS. AUTORIDADE. RECONHECIDA A INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 55-D DA LEI N. 9.096/95. INCIDÊNCIA DAS DISPOSIÇÕES DA LEI N. 13.488/17 COM RELAÇÃO A PARTE DAS CONTRIBUIÇÕES. BAIXA REPRESENTATIVIDADE DA IRREGULARIDADE FRENTE AO TOTAL MOVIMENTADO NO PERÍODO. APLICAÇÃO DOS POSTULADOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. RECOLHIMENTO DA QUANTIA IMPUGNADA AO TESOURO NACIONAL. AFASTADA A SANÇÃO DE MULTA. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. PROVIMENTO. (…). 4. O valor irregularmente recebido representa 2,1% do total da receita arrecadada no exercício financeiro, possibilitando o juízo de aprovação com ressalvas. Circunstância que não afasta a devolução ao Tesouro Nacional do valor indevidamente recebido, conforme estabelece o art. 14, § 1º, da Resolução TSE n. 23.464/15, afastando-se apenas a aplicação da multa, cabível somente nos casos de desaprovação. Redução do valor a ser recolhido ao erário, em virtude de duas contribuições abrangidas pelas disposições da Lei n. 13.488/17. 5. Provimento.

(TRE-RS - RE: 805 PORTO ALEGRE - RS, Relator: MIGUEL ANTÔNIO SILVEIRA RAMOS, Data de Julgamento: 02.9.2019, Data de Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 167, Data: 06.9.2019, p. 5.) (Grifei.)

Portanto, a pretensão recursal deduzida pelo partido político merece integral acolhimento.

Por fim, embora a condenação de recolhimento ao Tesouro Nacional do correspondente à receita indevida não tenha sido objeto das razões recursais, anoto, por apego à clareza, que, conforme estabelece o art. 14, § 1º, da Resolução TSE n. 23.464/15, para a determinação é suficiente o reconhecimento da utilização de recursos de origem não identificada, independentemente da relevância do montante ou do resultado de mérito sobre o exame final das contas.

Desse modo, o julgamento de aprovação das contas com ressalvas em nada afeta a ordem de recolhimento de R$ 789,01 ao Tesouro Nacional, que sequer foi impugnada pelo recorrente, sendo irretocável a sentença quanto ao ponto.

Destarte, dou provimento ao recurso.

ANTE O EXPOSTO, VOTO pela rejeição da preliminar arguida pela Procuradoria Regional Eleitoral e, no mérito, pelo provimento do recurso, para aprovar as contas com ressalvas e afastar a multa incidente sobre o montante irregular, mantida a condenação de recolhimento do valor de R$ 789,01 ao Tesouro Nacional.