RC - 473 - Sessão: 23/07/2020 às 14:00

 

RELATÓRIO

Cuida-se de recursos criminais interpostos pelo réu e pelo Ministério Público Eleitoral contra a sentença do Juízo da 155ª Zona Eleitoral (Augusto Pestana) que, com fulcro no art. 299 do Código Eleitoral, condenou José Roberto Zucolotto Moura à pena de 1 ano de reclusão, substituída por restritiva de direito, pela prática de corrupção eleitoral.

José Roberto Zucolotto Moura foi denunciado pela prática de cinco fatos delituosos de corrupção eleitoral: FATO 1 – Promessa de emprego junto ao Poder Executivo à eleitora Sabrina Correa, em troca da obtenção de seu voto e do voto de seu esposo, Jordão Dorneles dos Anjos; FATO 2– Promessa de emprego junto ao Poder Executivo aos eleitores Jaquelino dos Anjos Jardim de Vargas e Aline Cassiane Bullé de Vargas Jardim em troca de seus votos; FATO 3 – Entrega de rancho a Osmar Camargo com o intuito de obter seu voto e de sua família, com o auxílio de Jordão Dorneles dos Anjos e do candidato a vereador pelo PDT, Mauro Francisco Soares Fraga; FATO 4 – Entrega de R$ 300,00 a Salvador Valdir Bueno, em troca de seu voto, por intermédio de Jordão Dorneles dos Anjos e do candidato a vereador pelo PDT, Jorge Miguel Vieira Leal; e FATO 5 – Entrega de dois pneus de automóvel ao eleitor João Olmiro Leal de Oliveira em troca de seu voto, com o auxílio de Jordão Dorneles dos Anjos e de Valdemar Angelo Valentini.

Sobreveio sentença de parcial procedência da denúncia, na qual o magistrado assentou que apenas o fato 1 foi devidamente demonstrado. Em relação aos demais fatos, decidiu pela absolvição do réu.

O MPE recorreu da decisão, postulando a majoração da pena relativa ao fato 1 e a condenação do réu quanto aos fatos 2, 3, 4 e 5 da denúncia. Nas razões recursais, aduziu que a autoria e a materialidade de todos os crimes de corrupção eleitoral restaram devidamente comprovadas pela prova testemunhal colhida em juízo.

Em suas razões recursais, o réu postula a reforma da sentença para que seja absolvido da condenação relativamente ao fato 1. Sustenta que os eleitores Sabrina e Jordão não teriam realizado campanha eleitoral quando das eleições de 2012. Defende, ainda, a desqualificação do testemunho de Jordão Dorneles dos Anjos, citando laudo psiquiátrico no qual foi constatada doença mental.

Houve contrarrazões do réu e do Ministério Público Eleitoral.

Nesta instância, os autos foram remetidos à Procuradoria Regional Eleitoral, que se manifestou pela extinção da punibilidade em relação ao fato 01 da denúncia, diante da ocorrência da prescrição. Quanto aos demais fatos constantes da denúncia, opinou pela manutenção da sentença absolutória.

É o relatório.

 

VOTO

Os recursos são tempestivos e devem ser conhecidos.

Inicialmente, examino a alegada prescrição da pretensão punitiva suscitada no parecer da douta Procuradoria Eleitoral, nos seguintes termos:

...deve ser reconhecida a prescrição da pretensão punitiva do Estado quanto ao fato 1 da denúncia (pelo qual o réu foi condenado a 1 ano de reclusão), haja vista que: (i) o MPE não recorreu dessa pena, a qual tornou-se, portanto, definitiva; (ii) a pena privativa de liberdade de 1 ano corresponde um prazo prescricional de 4 anos (CP, art. 109, V); e (iii) entre a data do fato (jul-set de 2012 – fl. 02) e a data do recebimento da denúncia (28-03-2017 – fl. 220) transcorreram mais de quatro anos.

 

Não há prescrição a ser reconhecida.

O Ministério Público Eleitoral recorreu da sentença condenatória, postulando a majoração da pena em relação ao fato 1. Assim, a sentença não transitou em julgado para a acusação.

Além disso, ainda que houvesse o trânsito em julgado da sentença para a acusação, a redação dada ao § 1º do art. 110 do Código Penal pela Lei n. 12.234/10 não admite como termo inicial do cômputo do prazo prescricional qualquer data anterior à do recebimento da denúncia:

Art. 110 - A prescrição depois de transitar em julgado a sentença condenatória regula-se pela pena aplicada e verifica-se nos prazos fixados no artigo anterior, os quais se aumentam de um terço, se o condenado é reincidente. (Redação dada pela Lei n. 7.209, de 11.7.1984.)

§ 1º A prescrição, depois da sentença condenatória com trânsito em julgado para a acusação ou depois de improvido seu recurso, regula-se pela pena aplicada, não podendo, em nenhuma hipótese, ter por termo inicial data anterior à da denúncia ou queixa. (Redação dada pela Lei n. 12.234, de 2010.)

 

No caso, a denúncia foi recebida em 28.3.2017, e a sentença publicada em 12.9.2019. Considerando a pena aplicada - 1 ano -, o prazo prescricional seria de 04 (quatro) anos (art. 109, inc. V, CP), período que não transcorreu.

Dessarte, rejeito a suscitada alegação de prescrição do fato 1.

Em relação aos demais fatos constantes na denúncia (2, 3, 4 e 5), igualmente inexiste prescrição a ser reconhecida.

Os recursos interpostos versam sobre o cometimento das condutas típicas descritas no Código Eleitoral, art. 299, a saber:

Art. 299. Dar, oferecer, prometer, solicitar ou receber, para si ou para outrem, dinheiro, dádiva, ou qualquer outra vantagem, para obter ou dar voto e para conseguir ou prometer abstenção, ainda que a oferta não seja aceita:

Pena - reclusão até quatro anos e pagamento de cinco a quinze dias-multa.

 

Sobre o delito de corrupção eleitoral, o Tribunal Superior Eleitoral assentou ser um crime contra a liberdade do sufrágio, sendo o voto livre o bem juridicamente protegido do tipo penal (HC 3.160, Rel. Min. Luciana Christina Guimarães Lóssio, DJE 3.4.2014). Na sua forma ativa, o delito refere-se às condutas de “dar, oferecer ou prometer” dinheiro, dádiva, ou qualquer outra vantagem, “para obter ou dar voto e para conseguir ou prometer abstenção”.

Assim, “para a perfeição do crime é preciso que a causa da conduta esteja relacionada diretamente ao voto, isto é, obter ou dar voto, bem como conseguir ou prometer abstenção de voto. Caso contrário, atípica será a conduta” (Gomes, José Jairo. Crimes e processo penal eleitorais. São Paulo: Atlas, 2015, p. 56).

Dessa forma, a premissa essencial para que a conduta se amolde ao tipo de corrupção eleitoral é a de que a vantagem seja oferecida em troca do voto e a este condicionada.

E, para a emissão de juízo condenatório, o TSE firmou jurisprudência pacífica no sentido de que a prova produzida deve ser robusta acerca da materialidade e da autoria do delito:

ELEIÇÕES 2012. AGRAVOS REGIMENTAIS. AGRAVOS. RECURSOS ESPECIAIS. PREFEITO. AÇÃO PENAL. CORRUPÇÃO ELEITORAL. ART. 299 DO CÓDIGO ELEITORAL. AUSÊNCIA DE PROVA ROBUSTA ACERCA DA MATERIALIDADE E DA AUTORIA DO DELITO, BEM COMO DO DOLO ESPECÍFICO DO CANDIDATO. PROVIMENTO.

1. A condenação, no que tange à alegada transgressão ao art. 299 do Código Eleitoral, baseou-se em prova testemunhal frágil e discrepante.

2. A dúvida a respeito do que teria efetivamente ocorrido já seria bastante para conduzir à absolvição, pois a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral é firme no sentido de que "a condenação deve amparar-se em prova robusta pela qual se demonstre, de forma inequívoca, a prática de todos os elementos do fato criminoso imputado aos réus" (AgR-REspe 52-13, rel. Min. Henrique Neves da Silva, DJe de 14.3.2017).

3. Para a caracterização do crime previsto no art. 299 do Código Eleitoral, não basta desqualificar a versão defensiva sobre quem estaria dirigindo o veículo no momento do acidente, sendo necessário demonstrar que o pagamento do conserto teve por finalidade a corrupção eleitoral.

4. No caso, não houve a comprovação do dolo específico, isto é, que o pagamento do conserto do veículo teria por finalidade a compra dos votos, tendo a condenação sido baseada na presunção de que não haveria razão plausível para o então candidato a prefeito ter arcado com os custos do conserto.

5. A condenação merece ser revista, haja vista a ausência de prova robusta acerca da materialidade e da autoria do delito, bem como do dolo específico do candidato consistente na finalidade de obter ou dar voto ou prometer abstenção mediante entrega ou promessa de benesse ou vantagem a eleitor , necessário para a configuração do crime de corrupção eleitoral.

6.O reconhecimento da deficiência nos fundamentos da condenação não implica o revolvimento da moldura fático-probatória, vedada pelo verbete sumular 24 desta Corte, mas, sim, o reenquadramento jurídico dos fatos, providência admitida na estreita via do recurso especial eleitoral. Precedentes.Agravos regimentais a que se dá provimento, a fim de, desde logo, prover os recursos especiais.

(Recurso Especial Eleitoral n. 47570, Acórdão, Relator Min. Herman Benjamin, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Data 13.12.2018.) (grifo nosso)

 

Assim, com a ausência ou fragilidade do acervo probatório suficiente a demonstrar o preenchimento do tipo penal, a absolvição é medida que se impõe.

Os fatos descritos na denúncia (fls. 02-04) noticiam que, entre os meses de julho e setembro de 2012, o denunciado José Roberto Zucolotto Moura, candidato a prefeito do município de Jóia (RS) no pleito de 2012, teria realizado 05 (cinco) condutas diversas, todas caracterizando o crime de corrupção eleitoral.

As condutas descritas são as seguintes: a) promessa de cargo à eleitora Sabrina e a seu esposo em troca de voto (fato 1); b) promessa de cargo aos eleitores Jaquelino dos Anjos Jardim de Vargas e Aline Cassiane Bullé de Vargas Jardim em troca de voto (fato 2); c) promessa e entrega de rancho ao eleitor Osmar Camargo em troca de voto (fato 3); d) promessa e entrega de R$ 300,00 ao eleitor Salvador Valdir Bueno em troca de voto (fato 4); e) promessa e entrega de pneus de carro ao eleitor João Olmiro Leal de Oliveira em troca de voto (fato 5).

Para análise sistemática da prova produzida, procedo ao enfrentamento isolado dos fatos 1 e 2; depois, examino os fatos 3, 4 e 5.

Em relação ao fato 1, segundo a sentença recorrida, o testemunho da corresponsável Sabrina Corrêa (fls. 377-380v.) seria bastante esclarecedor, na medida em que a própria testemunha teria recebido a oferta do candidato (réu). A testemunha (Sabrina) relata que o réu foi até sua casa e ofereceu-lhe cargo político em troca de seu voto e apoio.

Ocorre que Sabrina, Jordão, Jaquelino, Aline, Osmar, Mauro, Salvador, Jorge e Valdemar responderam pelos mesmos fatos na AP n. 132-30.2016.6.21.0155.

Sabrina, Jaquelino, Aline e Salvador tiveram a punibilidade extinta pelo cumprimento integral de suspensão condicional do processo (cindida para AP n. 2013-15). Jordão suscitou incidente de insanidade mental (cindido para AP n. 15-34). Jorge teve a punibilidade extinta em razão de óbito, e os demais foram absolvidos (autos principais).

Assim, ostentando a testemunha Sabrina a condição de corré, não é recomendável seja considerado o seu relato como prova. Nessa linha, a jurisprudência do e. Tribunal Superior Eleitoral:

 

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. CRIME. ART. 299 DO CÓDIGO ELEITORAL. APROVEITAMENTO DE CORRÉU COMO TESTEMUNHA. IMPOSSIBILIDADE. DESPROVIMENTO.

1. De acordo com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior Eleitoral, o sistema processual brasileiro não admite a oitiva de corréu na qualidade de testemunha.

2. A prova testemunhal produzida por quem participou do processo como corréu também não pode ser aproveitada porque tem origem em sujeito parcial da lide e que dispõe do direito de calar a verdade. Precedente.

3. No caso, independentemente do momento de oferecimento da suspensão condicional do processo ou da tomada do depoimento, é certo que nenhum denunciado pela prática do crime do art. 299 do Código Eleitoral pode figurar, ao mesmo tempo, como réu e testemunha. Precedente. 4. Agravo regimental não provido.

Decisão: o Tribunal, por unanimidade, desproveu o agravo regimental nos termos do voto do relator.

(AgR-REspe - Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral n. 18118 – jales/SP. Acórdão de 01.07.2014. Relator Min. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA. DJE de 08.08.2014, p. 102.)

 

Além disso, para que o tipo penal seja preenchido, é necessário que esteja provada a conduta dolosa do acusado, no intuito de “dar, oferecer, prometer, solicitar ou receber, para si ou para outrem, dinheiro, dádiva, ou qualquer outra vantagem, para obter ou dar voto e para conseguir ou prometer abstenção”.

Na espécie, a sentença condenatória está lastreada unicamente no depoimento de Sabrina Corrêa, cuja fidedignidade é duvidosa, insuficiente para formar juízo condenatório.

Em relação ao fato 2, sobre a possível promessa de cargo aos eleitores Jaquelino dos Anjos Jardim de Vargas e Aline Cassiane Bullé de Vargas Jardim, tenho que, igualmente, não houve a devida comprovação da conduta delitiva do réu.

No ponto, colho nas razões do parecer da douta Procuradoria Eleitoral:

Em relação ao fato 2, a única testemunha presencial do fato – Edson Davi Severo (compromissado), funcionário da lavagem de automóveis – declarou ter presenciado o dono da lavagem, Edson Pedrolo (que também é servidor público municipal) conversando com o eleitor Jaquelino sobre a realização de um serviço de pedreiro, ocasião em que Pedrolo teria dito “para o negão fazer o piso lá que ele ia dar um emprego pra Aline lá na Prefeitura, só isso, foi o que eu vi lá. Daí o negão acertou com ele e fizeram o tal piso, até eu ajudei a fazer” (fl. 387).

Nada foi mencionado sobre a participação de ZÉ ROBERTO no episódio, sobre pedido de voto ou sequer sobre eventual relação entre Edson Pedrolo e ZÉ ROBERTO. Oportuno ressaltar que, na época, o último não era Prefeito Municipal, apenas candidato.

 

Significa dizer, a suposta oferta de emprego seria em troca de uma obra civil, e não de obtenção de voto, como prevê e exige o art. 299 do Código Eleitoral. Ademais, em nenhum momento foi sequer mencionado o nome do réu ou relação existente entre Edson Pedrolo e o denunciado José Roberto Zucolotto Moura.

Assim, deve ser mantida a sentença absolutória.

No que refere aos fatos 3, 4 e 5, peço vênia para transcrever e incorporar ao presente voto as razões lançadas no parecer da Procuradoria Eleitoral:

Quanto aos fatos 3 e 4, restou demonstrado nos autos que os supostos correligionários (termo usado na denúncia) – Mauro e Jorge – eram, em verdade, candidatos a vereador pelo PDT, partido que estava coligado apenas no pleito majoritário com o PSC de ZÉ ROBERTO. Essa única circunstância é insuficiente para atribuir a responsabilidade por qualquer eventual ato que tenham praticado durante as suas campanhas a ZÉ ROBERTO.

Finalmente, quanto ao fato 5 da denúncia, restou provado nos autos que Valdir (conhecido por “Otto”) tinha vinculação com o partido e o candidato adversário de ZÉ ROBERTO no pleito de 2012, o que torna absolutamente inverossímil a hipótese de que teria auxiliado na compra de votos em favor do último.

Em suma, resta como única prova dos fatos 2, 3, 4 e 5 a versão de Jordão, a qual (ainda que seja considerada válida, como pretende o MPE em seu recurso) afigura-se, por si só, insuficiente para sustentar um decreto condenatório.

Reforça essa conclusão o fato de que Jordão foi mencionado pela quase totalidade das pessoas ouvidas nos autos (judicial ou extrajudicialmente) como pessoa de pouca credibilidade.

 

Sobre o depoimento de Jordão Dorneles dos Anjos (fls. 380v.-384v.), necessário analisar a força probatória de suas afirmações. Há nos autos dois laudos psiquiátricos (fls. 397-400 e 429-430v.) que diagnosticam a testemunha com “transtorno esquizoafetivo, tipo depressivo e que tem suas funções psíquicas afetadas como memória, atenção, capacidade de abstração, sensopercepção (presença de alucinações auditivas), pensamento (ideias deliantes niilistas e de ruína)”. Assim sendo, como constou na sentença da fl. 458, não havendo certeza quanto ao seu estado de saúde quando de seu depoimento, não há como atribuir veracidade ao conteúdo de suas declarações.

Destarte, diante da ausência de provas suficientes a demonstrar o preenchimento do tipo penal, impõe-se a reforma da sentença condenatória quanto ao fato 1 e a manutenção da absolvição em relação aos demais fatos (2 a 5).

Ante o exposto, VOTO pelo provimento do recurso de José Roberto Zucolotto Moura, ao efeito de julgar improcedente a denúncia quanto ao fato 1, e pelo desprovimento do recurso do Ministério Público Eleitoral.