RC - 3215 - Sessão: 28/07/2020 às 14:00

RELATÓRIO

Cuida-se de recurso criminal interposto por CRISTIANE BIANCHINI MINUZZI em face da sentença do Juízo Eleitoral da 44ª Zona (Santiago) que julgou procedente a denúncia oferecida pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL, para o fim de condená-la à pena de seis meses de detenção e multa de 5 mil UFIR, convertida em prestação de serviços à comunidade, pela prática do delito de boca de urna descrito no art. 39, § 5º, inc. II, da Lei n. 9.504/97.

De acordo com a denúncia (fl. 02v.), “no dia 07 de outubro de 2018, por volta das 08h35min, na Avenida Júlio de Castilhos, nas proximidades da Escola Apolinário Porto Alegre, em Santiago/RS, a denunciada CRISTIANE BIANCHINI MINUZZI realizou propaganda política de boca de urna. Na ocasião, dia do primeiro turno das eleições gerais de 2018, a denunciada realizou propaganda para o candidato a deputado estadual BOMBEIRO BIANCHINI, balançando bandeira contendo publicidade eleitoral do referido concorrente (auto de apreensão da fl. 07 e fotografias das fls. 38 e 40) em local próximo à Escola Apolinário Porto Alegre, onde se encontravam as seções eleitorais 8,52 e 105”.

A denúncia foi recebida em 13.5.2019 (fl. 06).

Sobreveio sentença condenatória que consignou a procedência da denúncia, nos seguintes termos (fls. 163-166):

Destaco que a conduta da ré se afasta na norma prevista no artigo 39-A, pois ela não estava em simples condição de eleitor, manifestando-se individual e silenciosamente. Este seria o entendimento se ela estivesse se dirigindo ou voltando de seu local de votação, não necessariamente com o colete que identificava as pessoas que trabalharam na campanha eleitoral. Mas não. A ré estava em local diverso, em frente a escola com grande número de eleitores, identificada da mesma forma como quando trabalhando em campanha eleitoral, fazendo, no seu modo de dizer ‘trabalho voluntário.’ O chamado ‘trabalho voluntário’, no meu entendimento, é arregimentação de eleitores. Entender que esta conduta é atípica determinará certamente, que no próximo pleito cada candidato tenha alguém em trabalho voluntário em frente aos principais locais de votação da cidade. Desta feita, diante da tipicidade da conduta tenho pela procedência da denúncia. Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE a denúncia oferecida pelo Ministério Público Eleitoral para CONDENAR CRISTIANE BIANCHINI MINUZZI, já qualificada, como incursa nas sanções do artigo 39, § 5º, inciso II, da Lei nº 9.504/1997.

Contra a decisão, a ré interpôs recurso criminal, alegando que o uso de colete e o porte de bandeira no dia do pleito, únicos fatos provados nos autos, encontram-se autorizados pelo art. 39-A da LE, sendo, portanto, atípicos (fls. 170-195).

Contrarrazões do Ministério Público Eleitoral.

Nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral manifestou-se pelo desprovimento do recurso.

É o relatório.

 

VOTO

O recurso é tempestivo e dele conheço.

A denúncia afirma que a recorrente praticou o delito de boca de urna previsto no art. 39, § 5º, inc. II, da Lei n. 9.504/97:

Art. 39. A realização de qualquer ato de propaganda partidária ou eleitoral, em recinto aberto ou fechado, não depende de licença da polícia.

[...]

§ 5º Constituem crimes, no dia da eleição, puníveis com detenção, de seis meses a um ano, com a alternativa de prestação de serviços à comunidade pelo mesmo período, e multa no valor de cinco mil a quinze mil UFIR:

[...]

II - a arregimentação de eleitor ou a propaganda de boca de urna;


 

Alega-se que, no dia da eleição, a recorrente encontrava-se nas proximidades de seção eleitoral, “balançando bandeira contendo publicidade eleitoral” de candidato a deputado estadual.

No auto da fl. 16, consta que foi apreendida “uma bandeira medindo 1,40m x 1m com propaganda do candidato Bombeiro Biacnhini”.

Durante a instrução, foram ouvidas quatro testemunhas.

No depoimento, o policial militar Carlos Assis dos Santos Bonato, que realizou a apreensão da bandeira e o registro de ocorrência a partir de informação de Eldrio Machado Flores, assim se manifestou, conforme sentença (fl. 164 e v.):

[…]

Disse que não viu a ré falando com alguém ou chamando a atenção das pessoas. Alegou que sabe que o Sr. Éldrio Machado é filiado ao PP e, pelo que sabe através de informações, ele foi o coordenador da campanha do candidato Júlio Ruivo e foi coordenador de campanha do atual prefeito Tiago Gorski. Referiu que as fotografias juntadas no processo foram tiradas pelo Sr. Éldrio. Disse que não foram encontrados ‘santinhos’ com a ré na época da abordagem, ela estava apenas com a bandeira e o jaleco.

 

A testemunha Miguel Constantino Rosso Bianchini ressaltou (fl. 165):

[...] que conhece o Éldrio Machado e que ele sempre esteve envolvido diretamente com a campanha política do PP. Referiu que o Éldrio exercia a Secretaria de Gestão e assumiu a Secretaria de Saúde do Município. Disse que a ré não tinha ‘santinho’ somente poderia circular com bandeira e colete, sem entrar no local das eleições. Afirmou que não sabe qual era o local de votação da ré. Referiu que as pessoas foram orientadas em não entrar no local de votação, apenas circular por ali. Ressaltou que não estava no local dos fatos, nem presenciou nada. Aduziu que no dia da eleição não se pode fazer campanha eleitoral.

 

A testemunha Éldrio Giovani Machado Flores disse (fl. 165-v.):

[...] que trabalhou na campanha eleitoral do candidato Júlio Ruivo e que no dia da eleição recebeu várias denúncias de que equipes de campanha do candidato Bianchini estavam fazendo boca de urna. Disse que recebeu fotografias de pessoas fazendo boca de urna. Referiu que a ré estava em frente a escola Apolinário, com coletes e bandeiras e todo o material de campanha. Disse que falou com a ré e ela disse que estava cumprindo ordens da coordenação de campanha do candidato. Referiu que denunciou o fato ao cartório eleitoral e a polícia. Referiu que o Sr. Gidião falou com a ré e ela confirmou que tinha sido orientada a fazer aquele trabalho. Disse que a ré lhe falou que estava no local desde o início da seção eleitoral e a ré falou que não votava no local. Alegou que as fotos acostadas nos autos foram tiradas pela testemunha. Referiu que a ré estava conversando com um eleitor, mas não viu o que falavam. Disse que a ré estava segurando a bandeira em frente a seção eleitoral. Referiu que a escola Apolinário é uma das principais, tem muitos eleitores. Alegou que não conhece o cidadão que falou com a ré na foto de fl. 49. Ressaltou que é filiado ao partido PP desde 1999/2000 e que participou da equipe de coordenação do candidato Júlio Ruivo. Disse que é Secretário, cargo de confiança do PP. Referiu que a ré estava apenas cumprindo ordens.

Da prova dos autos, conclui-se que, no dia da eleição, a recorrente estava próxima a local de votação, portando bandeira e usando colete contendo propaganda eleitoral. Apenas essas duas circunstâncias foram demonstradas. Nenhuma delas se amolda ao tipo previsto no inc. II do § 5º do art. 39 da Lei n. 9.504/97.

Este tipo penal veda duas condutas: arregimentação ou boca de urna.

Para ser configurada a arregimentação, é necessária prova de aliciamento ou coação tendentes a influir na vontade do eleitor. Deve haver uma abordagem direcionada ao eleitor, sugerindo-lhe uma determinada opção eleitoral ou partidária. Apenas a testemunha Éldrio relatou ter visto a recorrente conversando com eleitor, mas não sabe do que falavam (fl. 165). Além disso, inequívoco que o depoimento de Éldrio deve ser sopesado com reservas, pois foi coordenador de campanha do candidato adversário, autor das fotos e da comunicação do ocorrido à polícia.

Quanto à conduta de boca de urna descrita no inc. II do § 5º do art. 39 da Lei  n. 9.504/97, a doutrina de Rodrigo López Zilio (in Crimes Eleitorais, Ed. Jus Podium, p. 230) refere que esse tipo penal é

[…] indeterminado e excessivamente genérico, além de adotar nomenclatura que não observa o vernáculo adequado. Na verdade a expressão boca de urna evoca uma época em que a propaganda eleitoral sofria determinadas limitações em face à proximidade da seção eleitoral (ou seja, quando a propaganda era realizada na 'boca da urna'). Neste contexto, constata-se que a criminalização da propaganda de boca de urna, em uma ponta, é inócua – porque toda e qualquer divulgação de propaganda eleitoral é punida na forma do inciso III do § 5º do art. 39 da Lei n. 9.504/97 – e, em outra ponta, é vazia – porque se houver abordagem nessa 'propaganda de boca de urna' o tipo passa a ser o do inciso II do § 5º do art. 39 da Lei 9.504/97.

 

Assim, como a boca de urna, propriamente dita, apenas se aperfeiçoa com a divulgação de qualquer espécie de propaganda de partidos políticos ou de seus candidatos (inc. III do § 5º do art. 39 da Lei n. 9.504/97), e à recorrente não foi imputada a conduta descrita neste tipo penal, inequívoca a impossibilidade de condenação da recorrente pelo delito sob análise.

Poder-se-ia argumentar, ainda, que houve divulgação de propaganda por meio da aludida bandeira e do uso do colete.

Entretanto, essa conduta se insere no permissivo previsto no art. 39-A, caput, da Lei Eleitoral, que autoriza, no dia das eleições, a manifestação individual e silenciosa da preferência do eleitor por meio de bandeiras, broches, dísticos e adesivos.

Nesse sentido:

Recurso Criminal. Delito de boca de urna. Art. 39, § 5º, inc. II, da Lei n. 9.504/97. Eleições 2012.

Irresignação contra sentença que julgou procedente a denúncia e condenou o réu pela prática do delito descrito no art. 39, § 5º, inc. II, da Lei n. 9.504/97.

Porte de bandeira no dia do pleito. O art. 39-A, caput, da Lei n. 9.504/97 permite, no dia das eleições, a manifestação individual e silenciosa da preferência do eleitor por meio de bandeiras, broches, dísticos e adesivos. Conduta impugnada subsumida na exceção legal, expressamente ressalvada pela lei.

Absolvição do acusado, com fulcro no art. 386, inc. III do Código de

Processo Penal.

Provimento.

(RC 8-91.2016.6.21.0011, SÃO SEBASTIÃO DO CAÍ, RECORRENTE: JOEL DA SILVA MONTEIRO. RECORRIDO: MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL, julgado em 08.11.2016, Relator: Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz.)

 

E, como constou na peça recursal, em relação ao uso do colete, esta Corte, em sessão plenária do dia 04.10.2018, aprovou orientação no sentido de permitir o uso de peças de vestuário de campanha eleitoral no dia das eleições, ao interpretar o alcance do dispositivo legal.

Portanto, quer porque a recorrente não incidiu nas condutas tipificadas pelo inc. II do § 5º do art. 39 da Lei n. 9.504/97, quer porque lhe era permitido portar bandeira e utilizar colete no dia da eleição - além de não ter sido denunciada pelo tipo penal previsto no inc. III do § 5º do art. 39 da LE e de inexistir prova acerca desse fato -, a absolvição da recorrente é medida que se impõe.

Ante o exposto, voto pelo PROVIMENTO do recurso interposto, absolvendo CRISTIANE BIANCHINI MUNUZZI, com fulcro no art. 386, inc. III, do Código de Processo Penal.