RE - 1481 - Sessão: 01/10/2020 às 14:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto pelo PROGRESSISTAS – PP DE COQUEIROS DO SUL contra a sentença do Juízo Eleitoral da 15ª Zona que desaprovou suas contas partidárias relativas ao exercício financeiro de 2018, em razão do recebimento de valores de origem não identificada, e determinou o recolhimento de R$ 4.110,00 ao Tesouro Nacional, acrescidos de multa de 20% (fls. 131-132v.).

Em suas razões, sustenta o recorrente que, em relação aos pontos da condenação por recebimento de doações de origem não identificada, no valor de R$ 3.110,00, bem como pelo pagamento de despesas em espécie, na quantia de R$ 1.000,00, com recursos que não transitaram previamente pela conta bancária, o ingresso de receitas ocorreu por meio de boleto bancário, sendo identificados os responsáveis pelas respectivas contribuições na prestação de contas. Afirma que as despesas mencionadas no laudo técnico foram efetuadas em moeda corrente, por meio de disponibilidades existentes em caixa (“fluxo de caixa”), não havendo necessidade de prévio trânsito pela conta bancária do partido. Defende que as falhas apontadas são formais e não comprometem a regularidade das contas. Requer o conhecimento e provimento do recurso, pugnando pela aprovação das contas (fls. 137-141).

Nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral, em parecer, opinou, preliminarmente, pelo reconhecimento de nulidade parcial da sentença, consistente na omissão quanto à aplicação do art. 36, inc. I, da Lei n. 9.096/95, bem como pela imediata apreciação da questão por este Tribunal. No mérito, manifestou-se pelo desprovimento do recurso, com a determinação de suspensão do repasse de quotas do Fundo Partidário até que seja recolhido ao Tesouro Nacional o valor atinente a recursos de origem não identificada, observado o período mínimo de um ano de suspensão (fls. 148-159v.).

Em despacho desta relatoria, foi determinada a intimação do recorrente para manifestar-se sobre a questão, veiculada no parecer da Procuradoria Regional Eleitoral, relativa à nulidade parcial da sentença, considerando os princípios da não surpresa e do contraditório substancial (fl. 161).

Após a intimação, a agremiação manifestou-se (fls.170-177).

É o relatório.

 

VOTO

Senhor Presidente,

Eminentes julgadores:

 

Admissibilidade

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

 

Da preliminar de nulidade parcial da sentença

Em prefacial, a Procuradoria Regional Eleitoral sustenta que a sentença padeceria de nulidade, pois, em que pese tenha reconhecido o recebimento, pelo partido, de recursos de origem não identificada, a magistrada a quo omitiu-se quanto à determinação da suspensão do repasse de novas quotas do Fundo Partidário, conforme determina o art. 36, inc. I, da Lei n. 9.096/95, verbis:

Art. 36. Constatada a violação de normas legais ou estatutárias, ficará o partido sujeito às seguintes sanções:

I - no caso de recursos de origem não mencionada ou esclarecida, fica suspenso o recebimento das quotas do fundo partidário até que o esclarecimento seja aceito pela Justiça Eleitoral;

 

Apesar dos judiciosos fundamentos lançados, tendo em conta a natureza jurisdicional do processo de prestação de contas, entendo que a tese ministerial encontra óbice intransponível nos princípios do tantum devolutum quantum appellatum e da non reformatio in pejus.

Com efeito, apenas o partido político recorreu da decisão de primeiro grau, e sua situação não pode ser agravada com a imposição de medida cuja análise não foi devolvida ao conhecimento do Tribunal.

Dessa forma, a ausência de irresignação pelo Ministério Público Eleitoral quanto ao ponto torna preclusa a matéria, pois a interposição do apelo tem a única finalidade de melhorar a situação da parte, com a aprovação das contas.

A questão já foi debatida por este Tribunal, por ocasião do julgamento do Recurso Eleitoral n. 35-14, de relatoria do Des. Federal João Batista Pinto Silveira, no qual o colegiado concluiu pela impossibilidade de apreciação de matéria não debatida em recurso, quando possa resultar em agravamento da situação do único recorrente:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2015. DESAPROVAÇÃO. PRELIMINARES REJEITADAS. FONTE VEDADA. PERCENTUAL EXCESSIVO. MANTIDA A DESAPROVAÇÃO.

Não se conhece de pedido de efeito suspensivo quando expressamente previsto como decorrência da lei.

A ausência de contrariedade quanto à determinação de recolhimento de recurso ao Tesouro Nacional inviabiliza sua apreciação em segunda instância, diante da vedação de reformatio in pejus.

Secretária Municipal da Saúde insere-se no conceito de autoridade, sendo considerada sua doação como fonte vedada. Irregularidade correspondente a 81% da receita da agremiação, o que indica seja mantido o juízo de desaprovação.

Desprovimento.

(TRE-RS, RE n. 35-14.2016.6.21.0128, Rel. Des. Federal João Batista Pinto Silveira, julgado em 31.10.2018.) (Grifei.)

 

No mesmo sentido, recente julgado do egrégio Tribunal Superior Eleitoral:

ELEIÇÕES 2012. AGRAVO. RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS DE CAMPANHA. CANDIDATA. DESAPROVAÇÃO. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. RECOLHIMENTO DE VALORES AO TESOURO NACIONAL. DETERMINAÇÃO DE OFÍCIO. AUSÊNCIA DE RECURSO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL. TESE DE AFRONTA AO PRINCÍPIO DA NON REFORMATIO IN PEJUS. PROCEDÊNCIA. PROVIMENTO.

1. As contas da candidata relativas à sua campanha eleitoral de 2012 foram desaprovadas pelo juízo de primeiro grau. O TRE/SP, ao confirmar a sentença, determinou de ofício o recolhimento ao Erário dos valores de origem não identificada recebidos pela agravante.

2. Desde a inserção do § 6º ao art. 37 da Lei dos Partidos Políticos pela Lei nº 12.034/2009, o processo de prestação de contas passou a ostentar natureza jurisdicional, de modo que não há espaço para modificação que agrava a situação do recorrente no âmbito do seu próprio recurso.

3. Configura reformatio in pejus o agravamento da pena imposta quando não houve recurso da parte contrária sobre a matéria.

4. Agravo provido para dar provimento ao recurso especial e afastar a determinação de recolhimento de recurso ao Tesouro Nacional.

(TSE, AI n. 747-85.2012.6.26.0166/SP, Rel. Designado: Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, julgado em 05.9.2019, publicado em DJE – Diário de justiça eletrônico, Tomo 216, de 08.11.2019, p. 93.) Grifei.

 

Como fundamento de sua tese, o Parquet Eleitoral alega que, por se tratar de “norma de ordem pública – portanto, cogente –, a decisão é nula, transcendendo tal nulidade à análise restritiva de gravame à parte recorrente, não havendo se falar, portanto, em ocorrência de preclusão”.

Acolhendo-se a tese ministerial, a relativização dos institutos da preclusão e da coisa julgada, imperativos da ordem jurídica processual, acarretariam séria ruptura no sistema recursal na Justiça Eleitoral, uma vez que as normas eleitorais são, por natureza, em sua maioria, de ordem pública, pois materializam os direitos políticos constitucionalmente assegurados.

Nesse cenário, as partes no processo eleitoral estariam constantemente sujeitas a prejuízo por meio de recurso por elas exclusivamente interposto, o que se afigura inimaginável em um sistema que busca, minimamente, a segurança jurídica e a estabilidade das relações.

Colaciono acórdão proferido pelo Tribunal Superior Eleitoral com o mesmo posicionamento:

ELEIÇÕES 2006. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. RECURSO ESPECIAL. REPRESENTAÇÃO. DOAÇÃO ACIMA DO LIMITE LEGAL. PESSOA FÍSICA. ART. 23, § 70, DA LEI DAS ELEIÇÕES.

1. Detectada a incompatibilidade entre os fundamentos do acórdão embargado e o texto consignado na ementa, acolhem-se os embargos para adequá-la ao que realmente decidido por esta Corte, nos termos propostos no presente voto.

2. Os embargos de declaração não se prestam a promover novo julgamento da causa, devendo o inconformismo com o resultado da demanda ser objeto da seara recursal própria.

3. A vedação à reformatio in pejus impede que a situação do recorrente seja agravada, quando não interposto recurso da parte contrária.

4. Verificando-se a sucumbência e não tendo o interessado recorrido para buscar revertê-la, descabe a rediscussão da matéria em prol de quem abdicou da proteção jurisdicional no momento oportuno.

5. Embargos de Fernando Oliveira Santos rejeitados. Embargos do Ministério Público acolhidos apenas para sanar os vícios verificados na ementa, conforme proposto neste voto.

(TSE, ED-REspe n. 51993-63.2009.6.1 8.0000/PI , Rel. Min. Luciana Lóssio, julgado em 13.9.2016, publicado no DJE – Diário de justiça eletrônico, de 03.10.2016.) (Grifei.)

 

No voto condutor do julgado retrorreferido, restou assentado que, se a parte não maneja o adequado recurso quanto ao ponto de seu interesse, faz operar contra si a coisa julgada, que representa impedimento até mesmo ao reconhecimento de matérias de ordem pública em desfavor da única parte recorrente, conforme excerto abaixo transcrito:

Em que pesem as razões expendidas, o pedido não merece acolhimento.

Isso porque o embargante não recorreu do acórdão que lhe aplicou multa por uma das duas doações efetuadas, notadamente aquela realizada em espécie, fazendo operar contra si a coisa julgada.

Ademais, sendo o recurso especial exclusivamente da parte contrária, estender o reconhecimento da ilicitude da prova para ambas as doações implicaria vedada reformatio in pejus, prestigiando-se aquele que se absteve de tentar reverter sua sucumbência.

Em verdade, não houvesse recurso do Ministério Público, o acórdão regional já estaria transitado em julgado e em fase de execução da pena fixada, ante a ausência de inconformismo de Fernando Oliveira Santos.

Ressalte-se que, conquanto o TRE/PI tenha sobrestado o feito a fim de aguardar pronunciamento do TSE sobre a validade de provas em caso análogo, a meu ver, tal fato também não beneficia o embargante. Em primeiro lugar, porque o sobrestamento só ocorreu após emissão de juízo positivo sobre a admissibilidade do recurso especial, ou seja, quando já instaurada a jurisdição desta Corte, mas, sobretudo, porque a coisa julgada constitui óbice intransponível até mesmo ao reconhecimento de matérias de ordem pública.

Por essas razões, inexiste modificação a ser feita no acórdão nesse ponto, impondo-se a rejeição dos embargos.

(Grifei.)

 

Com essas considerações, rejeito a prefacial.

 

Do mérito

No mérito, a grei partidária teve desaprovadas as contas em razão do recebimento de recursos de origem não identificada, sendo: a) pelo aporte de créditos em conta bancária sem a indicação dos CPFs dos contribuintes, no valor de R$ 3.110,00; b) pelo pagamento de despesas com recursos em espécie sem prévio trânsito na conta bancária, na quantia de R$ 1.000,00. As irregularidades perfazem a importância de R$ 4.110,00 (quatro mil e cento e dez reais), tendo havido a determinação do recolhimento de tais valores ao Tesouro Nacional, acrescidos de multa de 20%, nos termos do art. 49, caput e § 2º, da Resolução TSE n. 23.546/17.

À análise.

Em relação às doações recebidas pelo partido por meio de créditos em conta bancária sem a indicação dos CPFs dos contribuintes, com ofensa ao art. 13, parágrafo único, inc. I, da Resolução TSE n. 23.546/17, no valor de R$ 3.110,00, deve ser mantida a sentença.

O recorrente alega ter sido o ingresso de receitas efetuado por meio de boleto bancário, de forma que teriam sido identificados os responsáveis pelas respectivas contribuições na prestação de contas.

A alegação não procede.

As doações aos partidos políticos podem ser depositadas na conta bancária da agremiação, mas necessariamente com identificação do respectivo número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) do doador. Tal conclusão se extrai do disposto nos arts. 7° e 8º, §§ 1º e 2º, ambos da Resolução TSE n. 23.546/17. Assim, não contemplado o boleto bancário, no qual não se obteve a identificação da origem das receitas. Vejamos:

Art. 7º As contas bancárias somente podem receber doações ou contribuições com identificação do respectivo número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) do doador ou contribuinte, ou no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ) no caso de recursos provenientes de outro partido político ou de candidatos.

(...)

Art. 8º As doações realizadas ao partido político podem ser feitas diretamente aos órgãos de direção nacional, estadual, distrital, municipal e zonal, que devem remeter à Justiça Eleitoral e aos órgãos hierarquicamente superiores do partido o demonstrativo de seu recebimento e respectiva destinação, acompanhado do balanço contábil (Lei nº 9.096, de 1995, art. 39, § 1º).

§ 1º  As doações em recursos financeiros devem ser, obrigatoriamente, efetuadas por cheque cruzado em nome do partido político ou por depósito bancário diretamente na conta do partido político (Lei nº 9.096/1995, art. 39, § 3º).

§2º O depósito bancário previsto no § 1º deste artigo deve ser realizado nas contas “Doações para Campanha” ou “Outros Recursos”, conforme sua destinação, sendo admitida a efetivação por qualquer meio de transação bancária no qual o CPF do doador ou contribuinte, ou o CNPJ no caso de partidos políticos ou candidatos, seja obrigatoriamente identificados.

 

Não basta, portanto, que o prestador das contas realize a declaração com o valor, nome do doador e CPF, para que a prestação das contas esteja adequada. Para que seja possível rastrear a origem dos recursos e comprovar a veracidade da declaração, é necessário que constem nas contas bancárias os dados para conferência.

De fato, o partido apresentou documentação listando quem seriam os doadores, CPF e valores. Contudo, a mera declaração não é suficiente para a demonstração da higidez das contas, sendo necessário que os dados possam ser conferidos em conta bancária, de forma que não restou esclarecida a origem dos valores, no ponto, devendo ser mantida a sentença.

Igualmente, em relação ao uso irregular do Fundo de Caixa, correta a decisão a quo.

O Fundo de Caixa é uma reserva em dinheiro permitida aos partidos políticos para que possam realizar despesas de pequeno valor, equivalente, na ocasião em exame, a R$ 400,00.

Os limites de gastos, tanto individuais como globais, justificam-se em razão de as despesas efetuadas por meio das reservas do Fundo de Caixa terem sua fiscalização mitigada. Por não transitarem diretamente de uma conta a outra, perde-se o rastro da movimentação bancária, situação justificada como modo de viabilizar a realização de gastos de pequena monta, os quais obtêm dispensa da burocracia exigível para o controle mais seguro da movimentação financeira em geral.

Em razão da mitigação dos mecanismos de controle, a legislação limita o saldo de Fundo de Caixa em R$ 5.000,00 ou 2% dos gastos lançados no exercício anterior.

A agremiação alega que as despesas mencionadas no laudo técnico foram efetuadas em moeda corrente, por meio de disponibilidades existentes em caixa (“fluxo de caixa”), não havendo necessidade de prévio trânsito de tais valores pela conta bancária do partido.

Da mesma forma, não procede a alegação. Resta cristalino que o partido não respeitou a forma para despender esses valores, pois as reservas em dinheiro que constituem o chamado “fluxo de caixa” devem transitar previamente pela conta bancária da agremiação.

Cumpre retomar as disposições aplicáveis à hipótese no período em exame sobre o Fundo de Caixa:

Resolução TSE n. 23.546/17

Art. 19. Para efetuar pagamento de gastos de pequeno vulto, o órgão partidário, de qualquer esfera, pode constituir reserva em dinheiro (Fundo de Caixa) que observe o saldo máximo de R$5.000,00 (cinco mil reais), desde que os recursos destinados à respectiva reserva transitem previamente por conta bancária específica do partido e, no ano, não ultrapasse 2% (dois por cento) dos gastos lançados no exercício anterior.

§ 1º O saldo do Fundo de Caixa pode ser recomposto mensalmente, com a complementação de seu limite, de acordo com os valores despendidos no mês anterior.

§ 2º O saque dos valores destinados ao Fundo de Caixa deve ser realizado da conta bancária específica do partido, mediante a emissão de cheque nominativo em favor do próprio órgão partidário.

§ 3º Consideram-se de pequeno vulto os gastos cujos valores individuais não ultrapassem o limite de R$ 400,00 (quatrocentos reais), vedado, em qualquer caso, o fracionamento desses gastos.

§ 4º A utilização dos recursos do Fundo de Caixa não dispensa a comprovação dos gastos nos termos do art. 18.

§ 5º O percentual e os valores previstos neste artigo podem ser revistos, anualmente, mediante portaria do Presidente do TSE. (Grifei.)

 

Portanto, considerando que a agremiação não observou a forma de dispêndio fixada na norma de regência, não há como afastar a falha presente na contabilidade e nem a necessidade de recolhimento ao Tesouro Nacional dos valores cujo gasto não foi devidamente comprovado.

No relativo à análise da quantia identificada como irregular, a receita total obtida pelo partido, no exercício de 2018, foi de R$ 3.110,00, ao passo que o montante recebido de origem não identificada foi de R$ 4.110,00, equivalente a cerca de 132,15% do total arrecadado.

Destarte, o elevado percentual da irregularidade impede a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade para mitigar a importância da falha sobre o conjunto das contas, na esteira da jurisprudência desta Corte:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2017. DESAPROVAÇÃO. RECEBIMENTO DE RECURSOS ORIUNDOS DE FONTE VEDADA. ALEGADA INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 31, INC. II, DA LEI N. 9.096/95. REJEITADA. IRRETROATIVIDADE DAS DISPOSIÇÕES DA LEI N. 13.488/17. DUPLO TRATAMENTO JURÍDICO DAS DOAÇÕES DE PESSOAS FÍSICAS DETENTORAS DE CARGOS DE CHEFIA E DIREÇÃO. IMPOSSIBILIDADE DE EQUIPARAÇÃO ENTRE DETENTORES DE MANDATO ELETIVO E OCUPANTES DE CARGOS DE CHEFIA OU DIREÇÃO. RETIFICADA A QUANTIA A SER RECOLHIDA AO TESOURO NACIONAL. REDUZIDOS O PERÍODO DE SUSPENSÃO DO FUNDO PARTIDÁRIO E O PERCENTUAL DA MULTA APLICADA. PARCIAL PROVIMENTO.

1. Alegada inconstitucionalidade do art. 31, inc. II, da Lei n. 9.096/95, em sua redação original. Os dispositivos constantes em leis ordinárias possuem presunção de constitucionalidade até manifestação do Poder Judiciário em sentido contrário, seja em sede de controle difuso, seja em controle concentrado. Na hipótese, a norma, editada nas linhas do devido processo legislativo, ostenta presunção de constitucionalidade, devendo ser preservada e aplicada em todos os seus efeitos desde a sua vigência.

2. Identificado o recebimento de doações de recursos financeiros de ocupantes de funções de direção e chefia. No caso dos autos, aplicado duplo tratamento jurídico das doações de pessoas físicas exercentes de cargos de chefia e direção na administração pública, em decorrência da sucessão legislativa. Em relação às contribuições anteriores ao dia 06.10.2017, devem ser observadas a redação original do art. 31 da Lei dos Partidos Políticos e as prescrições do art. 12, inc. IV e § 1º, da Resolução TSE n. 23.464/15, que vedavam as contribuições provenientes de autoridades, independentemente de serem ou não filiados ao partido donatário. Contudo, em relação às doações realizadas a partir daquela data, cumpre aplicar a nova redação, que ressalta a licitude dos auxílios pecuniários quando advindos de filiados.

3. Esta Corte assentou entendimento pela impossibilidade de equiparação entre os detentores de mandatos políticos e os ocupantes de cargos comissionados de chefia ou direção, uma vez que somente estes últimos podem figurar como instrumento do aparelhamento financeiro dos partidos, sendo taxativamente considerados fonte proscrita de receita pela norma eleitoral.

4. Irregularidade que representa 36,5% do total de recursos arrecadados no exercício, não sendo aplicáveis os postulados da proporcionalidade e da razoabilidade.

5. Penalidades. Mantida a desaprovação das contas. Retificada a quantia a ser recolhida ao Tesouro Nacional. Reduzidos o período de suspensão das quotas do Fundo Partidário para 4 meses e a multa a ser aplicada para o índice de 7% da quantia irregular.

6. Provimento parcial.

(TRE-RS, RE n. 23-68.2018.6.21.0115, Relator Des. Federal João Batista Pinto Silveira, julgado em 14.5.2019, publicado em DEJERS – Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, tomo 88, de 17.5.2019, p. 8.) Grifei.

 

Portanto, as falhas apontadas não foram apenas de caráter formal e comprometeram a regularidade das contas, inviabilizando sua aprovação.

Assim, há de ser mantida a sentença que desaprovou a contabilidade partidária.

 

Dos consectários legais

Desse modo, considerando toda a fundamentação supracitada, melhor sorte não socorre ao recorrente em relação aos consectários legais estabelecidos na sentença, pois incabível qualquer redução da sanção pecuniária que lhe foi imputada.

Apenas a título argumentativo, reforço os esclarecimentos de que a determinação de recolhimento do valor irregular ao Tesouro Nacional é consequência específica do recebimento de recursos de origem não identificada, como deflui do art. 14 da Resolução TSE n. 23.546/17, sendo inviável relativizar o imperativo legal com base, por exemplo, no princípio da proporcionalidade, inaplicável ao caso específico dos autos.

Por sua vez, a multa de até 20% sobre o valor considerado irregular, prevista no art. 37, caput, da Lei n. 9.096/95, fixada pelo juízo a quo em 20%, afigura-se proporcional e razoável à natureza, ao montante absoluto e ao percentual da falha em relação à receita obtida pelo partido político, devendo ser mantida.

Assim, o recurso não comporta provimento, impondo-se a manutenção integral da sentença recorrida.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO por afastar a matéria preliminar e, no mérito, pelo desprovimento do recurso.

 

É como voto Senhor Presidente.