MS - 0600784-70.2019.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 17/12/2019 às 17:00

VOTO

Primeiro, anoto que, diferentemente do afirmado pelos impetrantes, os autos não ficaram dois anos arquivados antes de a Fazenda Nacional requerer o cumprimento da sentença.

Com efeito, analisando-se os espelhos de Acompanhamento Processual e Push juntados pelos próprios impetrantes (ID 4300333 e 4300383), bem como consultando-se o Sistema de Acompanhamento de Processos e Documentos (SADP) deste Tribunal, verifica-se que os autos dos processos de prestação de contas ns. 0000392-13.2016.6.21.0057 e 0000391-28.2016.6.21.0057 transitaram em julgado em 14.5.2018 e foram arquivados em 12.7.2018.

Menos de um ano depois, em 23.4.2019, os expedientes foram desarquivados e receberam despacho do juízo, que determinou a intimação dos executados, tendo em vista a apresentação de pedido de cumprimento de sentença pela Advocacia Geral da União.

Essa observação se faz necessária porque, tivesse o cumprimento de sentença sido requerido depois de transcorrido um ano do trânsito em julgado, o juízo não teria determinado a intimação dos devedores na pessoa dos advogados, pois aplicável o disposto no art. 513, § 4º, do CPC, que determina, em tais situações, seja a intimação realizada na pessoa do devedor.

Feita essa digressão, passo à análise da questão de fundo.

Os advogados ANDRÉ EMÍLIO PEREIRA LINCK e MATEUS HENRIQUE DE CARVALHO, sob a alegação de não terem logrado êxito na tentativa de contatar os clientes, Katia Cilene Castelhano Soares e Luiz Fernando Franco Malfussi, executados pela União nos autos dos cumprimentos de sentença ns. 0000392-13.2016.6.21.0057 e 0000391-28.2016.6.21.0057, em trâmite na 57ª Zona Eleitoral de Uruguaiana, peticionaram ao juízo impetrado requerendo a intimação pessoal dos executados acerca da renúncia aos respectivos mandatos.

O juízo entendeu por bem indeferir o pleito, sob o fundamento de que tal incumbência cabia ao advogado, nos termos do art. 112 do Código de Processo Civil, não tendo este relator, em sede de cognição sumária, vislumbrado a presença de elementos que autorizassem decisão em sentido contrário.

Adianto que, mesmo agora, em sede de cognição exaustiva, não vislumbro a possibilidade de conceder a ordem.

Vejamos.

Dizem os impetrantes que foram intimados, por meio de nota de expediente, acerca da decisão proferida nos autos dos cumprimentos de sentença já referidos, mas que não sabem mais o paradeiro das partes, nem mantêm contato com elas, sendo que todas as tentativas de localização para comunicação do referido despacho foram tentadas, em vão (sic).

Aduzem que enviaram, então, Carta AR para o endereço fornecido pelas partes Kátia Cilene Castelhano Soares e Luiz Fernando Franco Malfussi, no sentido de renunciar a procuração outorgada naqueles autos, para que os mesmos constituam outros causídicos para atuar nos referidos processos, para os endereços respectivos fornecidos pelos mesmos na época em que os impetrantes atuaram para os mesmos. (Grifei.)

A missiva enviada à executada Kátia foi, de fato, recebida por terceira pessoa, conforme AR juntado aos autos (ID 4300183).

Todavia, apesar das disposições do parágrafo único do art. 274 do CPC, referido pela Procuradoria Regional Eleitoral, tenho que cabia aos patronos renovar a notificação por AR na modalidade mão própria, ou seja, deveriam os impetrantes ter esgotado as tentativas de notificação.

Analisando-se o espelho do Requerimento de Registro de Candidatura (RRC) de KATIA, trazido aos autos pelos próprios impetrantes, verifica-se que, além do endereço residencial, o documento contém um número de telefone móvel e o e-mail da então candidata. Além disso, consta na sua qualificação a profissão “servidor público municipal”, do que se presume não ser difícil sua localização, ainda mais em um município de porte médio, como é o caso de Uruguaiana.

Por essas razões, não vislumbro ilegalidade na decisão judicial que entendeu regular a representação, ante a não comprovação, pelo advogado, da notificação pessoal da sua mandante a respeito da sua renúncia ao mandato, na forma do art. 112 do CPC, e, por isso, indeferiu pedido para intimação pessoal da executada KÁTIA.

Em relação a LUIZ FERNANDO, a situação revela contornos inusitados.

Explico.

Conforme informado pelos impetrantes, o espelho de rastreamento dos Correios revela ter ocorrido três tentativas de entrega, todas frustradas (ID 4300883).

Todavia, esse fato não prova que o executado mudou de endereço, mas apenas que, nos horários e dias em que o carteiro realizou as tentativas de entrega da correspondência, não havia ninguém em casa, o que não causa estranheza, considerando que as entregas postais são feitas em horário comercial.

Assim, com a devida vênia, inaplicável o disposto no parágrafo único do art. 274 do CPC, referido pela Procuradoria Regional Eleitoral, pois não se pode presumir que a parte, apenas por não ter atendido o carteiro, mudou de endereço.

Não bastasse isso, o espelho do registro de candidatura juntado aos autos apresenta dados que, no entender deste relator, são suficientes para localizar o cliente dos impetrantes, como e-mail, número de telefone residencial e nada mais nada menos do que três números de telefone móvel.

Além, chamou a atenção deste relator o fato de que LUIZ FERNANDO informou, em seu pedido de registro de candidatura, como profissão, “locutor e comentarista de rádio e televisão e radialista, e ocupa cargo em comissão ou função comissionada na administração pública”.

Ou seja, trata-se, certamente, de pessoa conhecida na cidade de Uruguaiana, não sendo difícil de ser encontrado se, efetivamente, tivesse sido procurado.

Aliás, para corroborar este entendimento, lancei, em 10.12.2019, o nome de LUIZ FERNANDO no serviço de busca Google, o qual remeteu à página de Facebook do executado, que contém, no modo público, post de anúncio de programa da Web Rádio Conquistadora, comandado por LUIZ FERNANDO, com o mesmo número de telefone móvel informado no requerimento de registro de candidatura: (55) 99933412.

Ou seja, não se pode nem dizer que os telefones informados pela parte, que são de conhecimento dos impetrantes, estão inativos.

Ademais, os impetrantes ANDRÉ EMÍLIO PEREIRA LINCK e MATEUS HENRIQUE DE CARVALHO constam como amigos de Luiz Fernando na rede social Facebook.

Assim, entendo ser possível a localização do paradeiro das partes – LUIZ FERNANDO e KÁTIA – para ciência do despacho que determinou a intimação a fim de recolherem os valores devidos ao erário ou, assim entendendo, comunicarem a renúncia aos mandatos por eles outorgados.

Acrescento, rememorando a decisão pela qual indeferi o pedido de liminar, que o procurador pode renunciar a qualquer tempo ao mandato que lhe foi outorgado, desde que comprove a ciência inequívoca do mandante, sob pena de permanecer responsável por sua representação judicial.

Nesse sentido, a jurisprudência:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO DE COBRANÇA. RENUNCIA DE MANDATO. A RENÚNCIA NÃO PRODUZ EFEITOS JURÍDICOS ENQUANTO NÃO HOUVER CIÊNCIA INEQUÍVOCA DO MANDATÁRIO, CUJA COMPROVAÇÃO NOS AUTOS INCUMBE AO PROCURADOR CONSTITUÍDO. INEXISTINDO CIÊNCIA INEQUÍVOCA DO MANDATÁRIO, IMPÕE-SE AO ADVOGADO DENUNCIANTE O ACOMPANHAMENTO DO PROCESSO. PRECEDENTES DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA E DESTA CORTE ESTADUAL. DECISÃO MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. UNÂNIME. NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO.

(Agravo de Instrumento N. 70073033706, Décima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Katia Elenise Oliveira da Silva, Julgado em 17.05.2017.)

Na mesma linha, destaco, ainda, recente decisão proferida pelo Relator da Apelação Criminal n. 5000571-72.2017.4.04.7102, que tramita perante a 8ª Turma do TRF4, Des. Federal LEANDRO PAULSEN, verbis:

1. Chamo o feito à ordem. 2. Nos termos do art. 112 do CPC, aplicável ao caso na forma do art. 3º do CPP, o advogado poderá a qualquer tempo renunciar ao mandato desde que comprove a ciência inequívoca do mandante. 3. Gize-se que a declaração do advogado é inoperante se não comprovada a notificação ao seu constituinte. No caso dos autos não restou comprovada tal comunicação, e, por isso, os advogados não devem ser descadastrados. 4.Inoperante a renúncia, os procuradores restam advertidos de que permanecem com a obrigação de praticar os atos para os quais foram nomeados até que reste devidamente efetivada a comunicação. 5. Intimem-se.

Oportuno relembrar que, no caso dos autos, trata-se de cumprimento de sentença, contexto que recomenda cautela na apreciação de descadastramento de advogado, requerido ao argumento de que “os causídicos não sabem mais o paradeiro das partes” quando as tentativas de comunicação não foram efetivamente esgotadas.

Aceitar o contrário implicaria chancela judicial para práticas incompatíveis com o dever de lealdade e cooperação das partes no processo e retardamento injustificado do trâmite processual.

Não desconheço o fato de que a renúncia é prerrogativa do advogado. Todavia, não se pode olvidar, também, o munus público da nobre profissão, o qual impõe deveres que não podem ser transferidos para a justiça, como pretendem os impetrantes ao pedir a intimação pessoal dos seus clientes quando eles mesmos não os notificaram pessoalmente.

Dessa forma, considerando, nos termos da fundamentação, que a notificação da renúncia deve ser diligenciada pelos próprios mandatários, e não pelo juízo, o ato impugnado não é ilegal ou abusivo, razão pela qual mantenho a decisão de indeferimento da liminar e encaminho o meu voto no sentido de denegar a ordem.

ANTE O EXPOSTO, VOTO pela denegação da ordem, mantendo-se o ato impugnado.