PC - 0600475-49.2019.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 17/12/2019 às 17:00

VOTO

Senhora Presidente,

Eminentes colegas:

Preliminarmente, verifica-se que o prestador apresentou prestação de contas retificadora de forma intempestiva, após a emissão de parecer conclusivo pelo órgão técnico – e, inclusive, posteriormente ao parecer ministerial –, uma vez que lhe foi concedido prazo para manifestação, vindo a prestar esclarecimentos extemporaneamente.

Ocorre que o procedimento da prestação de contas prevê uma única oportunidade para a apresentação de pedidos, explicações e nova documentação pelo candidato, qual seja, a fase de expedição de diligências, disposta no art. 72, § 1º, da Resolução TSE 23.553/17, para a qual houve, pelas peculiaridades do processo, a regular intimação da parte por duas vezes distintas.

O candidato foi devidamente intimado em 23.7.2019, conforme ID 3636483, e apresentou esclarecimentos por meio da petição (ID 3694533), em 29.7.2019.

Desse modo, após a emissão do parecer conclusivo, sem inovações sobre as quais não se tenha intimado o prestador, está preclusa a oportunidade de juntada de manifestações ou novas provas, conforme diretriz extraída do art. 75 da Resolução TSE n. 23.553/17.

Não olvido que este Tribunal, em hipóteses excepcionais, adota um posicionamento conciliatório entre o interesse público pela transparência das contas e a necessidade de obediência aos exíguos prazos impostos pela legislação eleitoral. Nessa linha, tem-se conhecido de documentos juntados, extemporaneamente, quando aptos a sanar as falhas a partir de uma simples e imediata verificação jurídica, sem a necessidade de remessa dos autos ao setor técnico contábil para novo exame.

Este não é o caso dos autos, uma vez que o candidato apresentou explicações e documentos relativos às várias irregularidades verificadas no parecer conclusivo, o que tornaria imprescindível, assim, a reaplicação dos procedimentos de exame pela unidade técnica.

Dessa forma, ausente hipótese ou justificativa para a relativização da regra da preclusão, os documentos apresentados intempestivamente não devem ser conhecidos, nos termos da jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral (AgR-REspe n. 773-55, rel. Min. Henrique Neves da Silva, DJe de 28.4.2016) e desta Corte (PC n. 0601791-50, Rel. Miguel Antônio Silveira Ramos, julgado em 05.8.2019).

Quanto ao mérito, o órgão técnico deste Tribunal, após exame da contabilidade apresentada e manifestação do prestador de contas, apontou como não superadas as irregularidades referentes:

1. à realização de despesas com combustíveis sem o correspondente registro de locação, cessão de veículos ou publicidade com carro de som, no valor total de R$ 3.982,16;

2. a divergências entre a movimentação financeira registrada no Sistema de Prestação de Contas Eleitoral (SPCE-Cadastro) e aquela aferida nos extratos eletrônicos das contas bancárias n. 0616031701 e n. 0616031809, bem como dívida de campanha decorrente do não pagamento de despesas contraídas, no valor de R$ 150,50;

3. à ausência de documentos comprobatórios (cópia do cheque nominal ao fornecedor ou transferência bancária identificando a contraparte) relativos ao pagamento de despesas realizadas com recursos do Fundo Partidário, totalizando R$ 3.782,00;

4. à falta de documentos comprobatórios (cópia do cheque nominal ao fornecedor ou transferência bancária identificando a contraparte) relativos ao pagamento de despesas realizadas com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha, totalizando R$ 20.105,75; e

4.1 à ausência de documento fiscal idôneo que comprove a regularidade de despesa realizada com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha, no valor de R$ 435,00.

Quanto ao primeiro ponto – realização de despesas com combustíveis sem o correspondente registro de locação, cessão de veículos ou publicidade com carro de som –, a nota explicativa colacionada aos autos menciona que “Todos os veículos foram cedidos por amigos ou conhecidos, cessões já solicitadas ao candidato”.

No entanto, nenhum documento comprobatório das mencionadas cessões foi juntado após a análise preliminar.

O registro das doações, mesmo as estimáveis em dinheiro, é necessário para que se faça o efetivo acompanhamento dos gastos realizados na campanha, de forma que a prestação de contas possa refletir no controle das despesas efetuadas pelo candidato.

Mesmo que os veículos automotivos sejam de propriedade do próprio candidato ou de familiar, tal registro não é dispensado, conforme verifica-se na simples leitura do art. 63, §§ 3º e 4º, da Resolução TSE n. 23.553/17:

Art. 63. […].

§ 3º Ficam dispensadas de comprovação na prestação de contas:

I - a cessão de bens móveis, limitada ao valor de R$ 4.000,00 (quatro mil reais) por pessoa cedente;

II - as doações estimáveis em dinheiro entre candidatos ou partidos decorrentes do uso comum tanto de sedes quanto de materiais de propaganda eleitoral, cujo gasto deverá ser registrado na prestação de contas do responsável pelo pagamento da despesa;

III - a cessão de automóvel de propriedade do candidato, do cônjuge e de seus parentes até o terceiro grau para seu uso pessoal durante a campanha.

§ 4º A dispensa de comprovação prevista no § 3º deste artigo não afasta a obrigatoriedade de serem registrados na prestação de contas dos doadores e de seus beneficiários os valores das operações constantes dos incisos I a III do referido parágrafo.

(Grifei.)

A ausência do registro da cedência dos bens móveis é irregularidade de natureza grave que será considerada conjuntamente com os demais apontamentos verificados na contabilidade.

O órgão técnico constatou, em seguida, a existência de divergências entre a movimentação financeira registrada no Sistema de Prestação de Contas Eleitoral (SPCE-Cadastro) e aquela aferida nos extratos eletrônicos das contas bancárias n. 0616031701 e n. 0616031809, bem como dívidas de campanha decorrentes do não pagamento de despesas contraídas, no valor de R$ 150,50.

O contador justificou que:

Item 2.1 Despesas com comprovantes inelegíveis ou apagados, se o tribunal assim querer pode ser anexado mas não será de ajuda pois nada pode ser constatados neles.

Item 2.2 Da mesma forma cupons fiscais apagados, erro foi por aproximação de valor já que valores difíceis de distinguir, uso mais dos extratos bancários para comprovar despesas.

Item 2.3 a dívida foi declarada e comunicada ao MDB RS que assumiu solidariamente a dívida. (sic)

A manutenção dos comprovantes e o correto registro das despesas são obrigações do candidato, de forma que a justificativa de que ‘cupons apagados’ ensejaram o lançamento de valores por aproximação retira, completamente, a confiança na contabilidade oferecida.

As divergências apontadas, geradas, conforme declaração constante nos autos, mediante lançamentos realizados ‘por aproximação’, em razão de má conservação dos documentos, maculam com gravidade a prestação de contas.

O mesmo ocorre, também, em relação à dívida de campanha decorrente do não pagamento de despesas contraídas, no valor de R$ 150,50.

Embora conste na justificativa (ID 3694633) que “a dívida foi declarada e comunicada ao MDB-RS que assumiu solidariamente a dívida”, nenhuma prova foi produzida nesse sentido.

Como se sabe, o § 3º do art. 35 da Resolução TSE n. 23.553/17 estabelece uma série de requisitos para a assunção de dívida de campanha pelo partido, os quais não foram cumpridos na hipótese.

O reconhecimento de dívida de campanha não assumida por partido político dentro dos parâmetros regulamentares importa na configuração de recursos de origem não identificada pela jurisprudência, visto que os gastos serão custeados por valores que fugiram ao controle da Justiça Eleitoral, o que enseja recolhimento ao erário.

Nesse sentido se orienta o entendimento da Corte, que está ilustrado em recente precedente de relatoria do Des. Eleitoral Gustavo Alberto Gastal Diefenthaler, cujo julgamento ocorreu em 09.9.19, nos autos da PC n. 0602961-41.2018.6.21.0000, e recebeu a seguinte ementa:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. DEPUTADO ESTADUAL. ARRECADAÇÃO E DISPÊNDIO DE RECURSOS RELATIVOS ÀS ELEIÇÕES GERAIS DE 2018. PARECER TÉCNICO E MANIFESTAÇÃO MINISTERIAL PELA DESAPROVAÇÃO DAS CONTAS. RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. DÍVIDA DE CAMPANHA. IRREGULARIDADE NA UTILIZAÇÃO DE RECURSOS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA (FEFC). RECURSOS PRÓPRIOS EM MONTANTE INCOMPATÍVEL AO PATRIMÔNIO. RECOLHIMENTO DA QUANTIA IRREGULAR AO TESOURO NACIONAL. DESAPROVAÇÃO.

[...]

2. Não atendidos os requisitos para reconhecimento da dívida de campanha, previstos no art. 35, § 1º, da Resolução TSE n. 23.553/17. A dívida de campanha, não quitada no prazo regulamentar, não assumida pelo partido político, ou cuja cobrança seja renunciada pela credora, vem sendo considerada como recurso de origem não identificada pela jurisprudência, ensejando seu recolhimento ao erário.

[...]

5. Prestação de contas não revestida de confiabilidade e transparência. Falhas graves, as quais ensejam o juízo de desaprovação e o recolhimento da quantia irregular ao Tesouro Nacional.

6. Desaprovação.

O caso dos autos é semelhante e deve receber o mesmo destino: a existência de dívida de campanha não assumida pelo partido político representa mácula na contabilidade e enseja o recolhimento de R$ 150,50 ao Tesouro Nacional.

Na sequência do exame da prestação de contas, a análise técnica apontou a ausência de documentos comprobatórios (cópia do cheque nominal ao fornecedor ou transferência bancária identificando a contraparte) relativos ao pagamento de despesas realizadas com recursos do Fundo Partidário (R$ 3.782,00) e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (R$ 20.105,75).

O candidato argumentou que:

Item 3 Lançamento de pagamentos usados como referencia extrato bancários.

Alguns fornecedores de serviço usaram a tercerização na hora de descontar o cheque.

Verificar recibos e contratos Scaneados de Alexasandro Sobre da Silva, Geziel Araujo Eliaquim brabosa Silva e Lucas Hollanda Chagas.

O restante das despesas esta devidamente scaneado suas notas fiscais e cupons da mesma na prestação de conta e oagamento feito com debito em conta conforme estrato bancário.

Item 4 Existem erros de lançamento mas não por ma Fe do candidato, sim há documentos inelegíveis que apagaram por ma conservação ou acomodação, todos a disposição do tribunal para verificação. Como pode constatar a maioria das despesas foram pagas com debito em conta, os extratos bancários compravam esse fato. (sic)

O regramento aplicável ao pagamento de despesas de campanha está assim delimitado na Resolução TSE n. 23.553/17:

Art. 40. Os gastos eleitorais de natureza financeira, ressalvados os de pequeno vulto previstos no art. 41 e o disposto no § 4º do art. 10 desta resolução, só podem ser efetuados por meio de:

I - cheque nominal;

II - transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário; ou

III - débito em conta.

O prestador efetuou gastos de campanha, realizando o pagamento por meio diverso do previsto na resolução (cheque nominal, transferência bancária ou débito em conta). A exigência de meio de pagamento específico, disciplinada na mencionada resolução, possibilita o rastreamento seguro dos recursos que são utilizados na campanha eleitoral.

Anote-se que, mesmo tendo sido possibilitada a correção da irregularidade apontada, o prestador não juntou novos documentos ou identificou, especificamente, quais daqueles constantes nos autos comprovariam o atendimento às determinações da resolução aplicável.

Ademais, considerando-se que os recursos utilizados foram provenientes do Fundo Partidário e do FEFC, o rigor na observação da norma impõe-se de forma ainda mais evidente.

O escopo da regra é justamente assegurar a ação fiscalizatória sobre a origem e a destinação dos recursos financeiros, porquanto o pagamento em desacordo com o dispositivo citado impossibilita o cruzamento de informações com o sistema financeiro nacional, obstando a aferição do real beneficiário do recurso público.

Assim, a inobservância do meio que garante transparência aos gastos eleitorais implica mácula grave na contabilidade.

Quanto ao recolhimento ao Tesouro Nacional dos valores não comprovados por meio de cheques nominais, este Tribunal, na sessão de 02.12.2019, ao interpretar os arts. 40 e 63 da Resolução TSE n. 23.553/17, nos autos da PC n. 0602974-40.2018.6.21.0000, da relatoria do Desembargador André Luiz Planella Villarinho, firmou o entendimento de que a hipótese atrai a incidência do § 1° do art. 82 da mesma norma:

Art. 82. A aprovação com ressalvas da prestação de contas não obsta que seja determinada a devolução dos recursos recebidos de fonte vedada ou a sua transferência para a conta única do Tesouro Nacional, assim como dos recursos de origem não identificada, na forma prevista nos arts. 33 e 34 desta resolução.

§ 1º Verificada a ausência de comprovação da utilização dos recursos do Fundo Partidário e/ou do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) ou a sua utilização indevida, a decisão que julgar as contas determinará a devolução do valor correspondente ao Tesouro Nacional no prazo de 5 (cinco) dias após o trânsito em julgado, sob pena de remessa de cópia digitalizada dos autos à representação estadual ou municipal da Advocacia-Geral da União, para fins de cobrança.

Outrossim, algumas das despesas realizadas pelo candidato, no valor total de R$ 435,00, entretanto, não foram comprovadas por documento fiscal idôneo, como apontado no item 4.1 da análise técnica.

Sobre o ponto, constou na justificativa que:

Documentos entregues e escaneados ao tribunal, se estão apagados foi do próprio.

Se assim quiser se entregue em mãos os documentos ao tribunal.

Pagamentos feitos através de débito bancário.

Gilnei Fonseca Moreira Cezar somente recibo de pagamento com pagamento em cheque n022 ag 839 banco 041 conta 06.160318.0-9

Conforme já explicitado, é dever do candidato zelar pelos comprovantes de despesas, em especial aquelas quitadas com recursos públicos.

Como não foram trazidos documentos ou especificados quais daqueles já insertos nos autos sanariam os apontamentos feitos na análise preliminar, é de se reconhecer a ausência de comprovação de gastos efetuados com recursos do FEFC e de se determinar o recolhimento de R$ 435,00 ao Tesouro Nacional.

Repriso que foram reconhecidas as seguintes irregularidades, as quais não restaram sanadas pelo prestador de contas:

- ausência do registro da cedência dos bens móveis (automóveis, que respaldariam os gastos com combustível);

- falhas nos registros contábeis, decorrentes da realização de lançamentos ‘por aproximação’ em virtude de má conservação de documentos;

- existência de dívida de campanha não assumida pelo partido político, a qual enseja o recolhimento de R$ 150,50 ao Tesouro Nacional;

- ausência de documentos comprobatórios (cópia do cheque nominal ao fornecedor ou transferência bancária identificando a contraparte) relativos ao pagamento de despesas realizadas com recursos do Fundo Partidário (R$ 3.782,00) e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (R$ 20.105,75); e

- ausência de comprovação de gastos mediante juntada de documento fiscal idôneo, o que caracteriza irregularidade na aplicação do FEFC e implica determinação de recolhimento de R$ 435,00 ao Tesouro Nacional.

Como o parecer conclusivo apontou que os valores relativos à dívida de campanha foram considerados em conjunto com as despesas não comprovadas, deixei de incluir tal montante no cômputo total, a fim de não prejudicar o candidato.

As irregularidades aqui reconhecidas correspondem a 79,87% do total da receita da campanha, de forma a inviabilizar a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

A desaprovação das contas é medida que se impõe, assim como a determinação de recolhimento de R$ 24.322,75 (vinte e quatro mil, trezentos e vinte e dois reais e setenta e cinco centavos) ao Tesouro Nacional.

Por fim, com base em recente precedente do Superior Tribunal de Justiça, que considerou, quando da tramitação eletrônica do processo, esvaziado o sentido da remessa de cópias pelo Poder Judiciário (EREsp n. 1338699/RS, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 22.5.2019, DJe 27.5.2019), autorizo a Procuradoria Regional Eleitoral a extrair cópia digital dos presentes autos e encaminhá-la para as providências que entender pertinentes.

Em conclusão, e com base nos fundamentos exarados, VOTO pela desaprovação das contas de DJAIR LORETO DE VARGAS, candidato ao cargo de deputado federal pelo Movimento Democrático Brasileiro (MDB), referentes à arrecadação de recursos e à realização de despesas relativas ao pleito de 2018, e determino o recolhimento de R$ 24.322,75 (vinte e quatro mil, trezentos e vinte e dois reais e setenta e cinco centavos) ao Tesouro Nacional.

Considerando que a apresentação das contas relativas ao pleito de 2018, mesmo que a destempo, supriu a omissão do candidato, comunique-se ao Juiz Eleitoral competente, para fins de anotação do código ASE 272, motivo 1, no cadastro do eleitor.

É como voto, Senhora Presidente.