Pet - 0600234-75.2019.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 16/12/2019 às 17:00

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

No mérito, verifico que, de fato, o acórdão embargado padece de omissão, pois não apreciou a preliminar de falta de interesse de agir em razão do não comparecimento da parte autora da ação à audiência de instrução.

Diante do silêncio sobre a prefacial oportunamente suscitada pela embargante em alegações finais (ID 3658633), impende que se realize a integração do acordão vergastado. Todavia, malgrado assista razão à embargante quanto à necessidade de suprimento da decisão, adianto que em nada será afetada a conclusão do aresto.

Passo à análise da tese defensiva.

A vereadora do Município de Passo do Sobrado LISANETE TERESINHA DE MELO, em suas alegações finais, arguiu a prefacial de que o rito da Resolução TSE n. 22.610/07, específico e extremamente célere, detém natureza sumaríssima, acarretando, por consequência, a incidência ao feito das disposições da Lei n. 9.099/95, a qual veicula as regras gerais pertinentes ao rito processual.

Concluiu, nesse diapasão, que o fato de a agremiação política não ter se feito presente na audiência de instrução, destinada a tomar depoimentos pessoais e inquirir testemunhas, tem por corolário jurídico a extinção do processo sem julgamento do mérito, consoante dispõe o art. 51, inc. I, da Lei n. 9.099/95, verbis:

Art. 51. Extingue-se o processo, além dos casos previstos em lei:

I - quando o autor deixar de comparecer a qualquer das audiências do processo;

Pois bem.

Contrariamente ao afirmado pela embargante, os dispositivos da Lei n. 9.099/95, a qual dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências, não são aplicáveis ao procedimento fixado na Resolução TSE n. 22.610/07, que disciplina o processo de perda de cargo eletivo, bem como de justificação de desfiliação partidária.

Não há fundamento jurídico que ampare a tese da embargante.

Deveras, outros feitos de natureza eleitoral destacadamente céleres, como a impugnação ao registro de candidatura e a ação de investigação judicial eleitoral, estabelecidas pela Lei Complementar n. 64/90, bem como as representações, reclamações e os pedidos de resposta previstos na Lei n. 9.504/97, não sofrem a incidência da Lei n. 9.099/95.

De modo diverso, o Código de Processo Civil aplica-se, subsidiariamente, aos processos tratados pela Resolução TSE n. 22.610/07, por força do estabelecido no art. 15 do estatuto processual, litteris:

Art. 15. Na ausência de normas que regulem processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos, as disposições deste Código lhes serão aplicadas supletiva e subsidiariamente.

Ressalto que, regulamentando a aludida norma, o Tribunal Superior Eleitoral expediu a Resolução n. 23.478/16, no intuito de estabelecer diretrizes gerais para a aplicação do Novo Código de Processo Civil no âmbito da Justiça Eleitoral, tendo por resultado o estreitamento do campo de incidência da lei processual sobre os processos eleitorais.

Na mencionada resolução, o TSE cuidou de apontar normas do CPC aplicáveis e não aplicáveis aos feitos eleitorais, dispondo, em seu art. 2º, caput e parágrafo único, que outras regras daquele código poderiam ser aplicadas, desde que houvesse “compatibilidade sistêmica”.

Transcrevo o referido dispositivo:

Art. 2º Em razão da especialidade da matéria, as ações, os procedimentos e os recursos eleitorais permanecem regidos pelas normas específicas previstas na legislação eleitoral e nas instruções do Tribunal Superior Eleitoral.

Parágrafo único. A aplicação das regras do Novo Código de Processo Civil tem caráter supletivo e subsidiário em relação aos feitos que tramitam na Justiça Eleitoral, desde que haja compatibilidade sistêmica.

Ora, a regra adjetiva que a embargante procura ver aplicada a esta Justiça, extraída de lei destinada a dispor sobre os Juizados Especiais e que sequer se encontra plasmada no estatuto processual, não possui compatibilidade sistêmica com as normas eleitorais.

A ação de decretação de perda do cargo eletivo por infidelidade partidária cuida da preservação da representação partidária outorgada pelo povo no exercício do sufrágio, ou seja, como os demais feitos eleitorais, seu objeto de análise são, em sentido amplo, os direitos políticos fundamentais.

Por outro lado, o dispositivo invocado pela embargante aplica-se unicamente aos Juizados Especiais Cíveis, voltando-se, portanto, para causas de menor complexidade envolvendo direitos passíveis de transação e renúncia, em absoluta dissonância com o caráter indisponível e de ordem pública predominante nas ações eleitorais, máxime nesta, que julga a perda de cargo eletivo.

Ad argumentandum tantum, caso restasse acolhida a tese da embargante, o partido postulante seria surpreendido com o julgamento de extinção do processo exclusivamente por causa não especificada na Resolução TSE n. 22.610/07 nem na lei processual subsidiária – o CPC, e sem que tampouco tenha sido advertido quanto à possibilidade de tal efeito quando intimado para a audiência.

Ainda, trago à baila excerto do bem-lançado parecer da Procuradoria Regional Eleitoral, que refutou a conclusão da embargante pelas razões a seguir expostas:

Nesse contexto, alegou a requerida que, como o requerente não compareceu à audiência de instrução, cabível a aplicação subsidiária do art. 51, I, da Lei nº 9.099/95, a qual determina a extinção do processo “quando o autor deixar de comparecer a qualquer das audiências do processo”.

Sem razão, contudo.

Primeiro, porque a Resolução TSE nº 22.610/2007, a qual disciplina o processo de perda de cargo eletivo e a justificação de desfiliação partidária, em momento algum dispõe que o não comparecimento do autor à audiência de instrução eventualmente designada gerará a extinção do feito. Tampouco o silêncio deve ser interpretado como manifestação em tal sentido, visto que a hipótese trata de uma limitação ao exercício do direito fundamental de ação previsto no art. 5º, XXXV, da Constituição Federal, a qual, portanto, deve ser expressa.

Depois, porque a Lei nº 9.099/95 não deve ser aplicada subsidiariamente ao processo eleitoral, seja em face do campo próprio de aplicação do referido diploma legal e do procedimento sumaríssimo por ela instituído, uma vez que reservados, nos termos do art. 98, I, da Constituição Federal1, especificamente às causas de menor complexidade que atraem a competência dos juizados especiais, não abrangendo, pois, o processo eleitoral; seja em face do art. 15 do Código de Processo Civil, que estabelece a aplicação supletiva e subsidiária das normas do referido Código na ausência de normas que regulem processos eleitorais.

Importa referir, nessa via, que o CPC não aponta o não comparecimento do autor em audiência entre as causas de extinção do processo sem resolução de mérito arroladas no seu art. 485.

Assim, não havendo previsão, nem na Resolução TSE nº

22.610/2007, nem nas demais normas eleitorais, nem no Código de Processo Civil, atinente à extinção do processo em caso de não comparecimento do autor em audiência, por certo que tal consequência não deve ser imputada à hipótese vertente, que trata de processo de perda do mandato por infidelidade partidária.

Assim, há de ser integrado o acórdão embargado, com o afastamento da preliminar de falta de interesse de agir por não comparecimento do PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT) de PASSO DO SOBRADO à audiência de instrução.

No tocante à alegada obscuridade na fundamentação do acórdão, quanto ao enfrentamento da tese defensiva de inviabilidade do convívio partidário, a qual teria levado a embargante a desfiliar-se, os aclaratórios devem ser rejeitados, pois inexiste o vício alegado.

Com efeito, na hipótese vertente, o PT de Passo do Sobrado requereu a decretação da perda do mandato eletivo da vereadora LISANETE TERESINHA DE MELO em virtude de sua desfiliação da legenda. Nesse cenário, cumpria à parlamentar por conseguinte, o ônus de provar que houve justa causa para seu ato, comprovando a ocorrência de uma das hipótese previstas no art. 22-A, parágrafo único, da Lei n. 9.096/95:

Art. 22-A. Perderá o mandato o detentor de cargo eletivo que se desfiliar, sem justa causa, do partido pelo qual foi eleito.

Parágrafo único. Consideram-se justa causa para a desfiliação partidária somente as seguintes hipóteses:

I - mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário;

II - grave discriminação política pessoal; e

III - mudança de partido efetuada durante o período de trinta dias que antecede o prazo de filiação exigido em lei para concorrer à eleição, majoritária ou proporcional, ao término do mandato vigente.

Nesse sentido, colaciono acórdão do egrégio TSE:

AÇÃO DE PERDA DE CARGO ELETIVO POR INFIDELIDADE PARTIDÁRIA. ELEIÇÕES 2014. DEPUTADO FEDERAL. AUSÊNCIA. JUSTA CAUSA. PROVA APENAS TESTEMUNHAL. PROXIMIDADE DOS DEPOENTES COM O REQUERIDO. CIÊNCIA DOS FATOS POR TERCEIROS. CONTRADIÇÕES. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. PERDA DO MANDATO.

1. Cuida-se de ação de perda de cargo eletivo por desfiliação partidária sem justa causa ajuizada pelo Partido Renovador Trabalhista Brasileiro (PRTB) em desfavor do requerido, Deputado Federal por Alagoas eleito em 2014, e do Partido Social Democrático (PSD), legenda para a qual o parlamentar migrou.

2. Nos termos da jurisprudência desta Corte Superior, é ônus do parlamentar que se desfiliou comprovar uma das hipóteses de justa causa previstas na legislação de regência.

3. Constata-se a manifesta fragilidade da prova, representada por apenas três testemunhos, acerca do reiterado desvio do programa estatutário por suposta exclusão do parlamentar da vida partidária, de modo que se acompanha o e. Ministro Luiz Fux, com as devidas vênias à e. Ministra Luciana Lóssio (relatora).

4. Os depoentes possuem laços estreitos e antigos, pessoais e profissionais, com o parlamentar, inclusive em posição hierarquicamente inferior: a) Ranilson Pedro Campos Filho exerceu cargos em comissão na Prefeitura de Maceió/AL durante a gestão do requerido e tem relacionamento próximo há mais de 25 anos; b) Marcelo Henrique Brabo Magalhães advogou para ele em três eleições; c) Marx Beltrão Lima Siqueira é Deputado Federal eleito pelo MDB, legenda à qual o requerido se filiou após sair do PRTB e, a posteriori, do PSD.

5. Nenhuma das testemunhas presenciou, pessoalmente, qualquer ato segregatório praticado contra o requerido; ao contrário, reportaram-se a fatos descritos por terceiros, incluindo a imprensa.

6. Várias das declarações, além disso, encontram-se em contradição com o depoimento de um dos filiados, segundo o qual a legenda procurou manter o requerido em seus quadros.

7. Procedência do pedido para decretar a perda de cargo eletivo por desfiliação partidária sem justa causa.

(TSE, PET n. 0000516-89.2015.6.00.0000, Relatora Min. Luciana Lóssio, Relator designado Min. Jorge Mussi, julgado em 13.11.2018, publicado em DJE - Diário de justiça eletrônico, de 10.12.2018, p. 44.) (Grifei.)

Ora, incumbindo à LISANETE TERESINHA DE MELO produzir a prova do motivo alegado – grave discriminação pessoal – não procede a afirmação de que “não está claro no acórdão embargado, para a Embargante, as razões pelas quais a Corte entende que haveria harmonização e tranquilidade na rotina partidária, caso a Requerida não tivesse se desfiliado”.

Compete à Corte determinar se houve justa causa, e tal foi exaustivamente analisado no julgado, que concluiu pela inexistência de hipótese apta a justificar a saída da parlamentar dos quadros partidários.

Com razão a Procuradoria Regional Eleitoral, ao pronunciar-se no sentido de que o apontamento da embargante é vago e, caso haja dúvida, estar-se-á frente a dúvida subjetiva.

Trago à colação trecho do elucidativo parecer ministerial:

No que se refere à suposta obscuridade do acórdão, tem-se que os embargos não merecem provimento.

Com efeito, observa-se, pelo teor das razões recursais, que a suposta obscuridade residiria no “enfrentamento da tese defensiva da inviabilidade do convívio partidário, isto é, de não existir alternativa para a Embargante, em razão da ferida ao seu íntimo, senão a de se desfiliar do Partido.” (ID 4504433, fl. 4)

Ora, o apontamento em tela é vago, inexistindo qualquer menção, de maneira objetiva, a um ponto específico do acórdão que tenha suscitado dúvida razoável acerca da fundamentação, nem ao menos o motivo pelo qual estaria obscura a decisão, carecendo a petição de embargos, pois, de fundamentação quanto ao ponto.

Nota-se, pelas razões trazidas na peça recursal, que, caso exista alguma dúvida, tal se trata de mera dúvida subjetiva, a qual não foi exteriorizada objetivamente, sendo, portanto, inviável o seu exame.

Outrossim, cumpre asseverar que o acórdão se encontra devidamente fundamentado, tendo sido expostas e examinadas as razões da requerida em sua defesa, bem como as provas acostadas aos autos, trazendo-se, de maneira detalhada, os elementos fáticos e jurídicos que conduziram à sua conclusão.

Em acréscimo, destaco fragmento do voto que demonstra não ter o aresto pecado por falta de clareza:

Anoto, por fim, que o alegado abandono partidário, decorrente do desenrolar dos fatos narrados nos autos, não foi demonstrado pela requerida.

Veja-se que, na data seguinte à impetração do mandado de segurança, dia 27.12.2018, o contato de Lisanete com o vereador Emanuel Helfer Kroth estava muito bem, tanto que no seu desabafo até se desculpou com o companheiro de partido:

“Desculpa Emanuel pelo desabafo. Tu não tem culpa. Mas sério, não deu em nada, valeu a seção, tudo oposição, e o Valdenir disseram que vai pro PP”.

Além disso, não foi apresentada nenhuma prova da alegada repercussão negativa para o nome da vereadora decorrente desses fatos, sendo que a matéria sobre a celeuma ocorrida na sessão ordinária do dia 26.12.2018 da Câmara Municipal, divulgada pelo Jornal Folha do Mate no dia 29.12.2018, com o título “Última sessão de Passo do Sobrado termina com apenas cinco vereadores”, sequer menciona o seu nome (ID 2618083).

Ademais, devido ao curto lapso de tempo transcorrido entre o fato apontado como causador de justa causa, praticado em 26.12.2018, e a data da desfiliação, em 08.01.2019, inferior a duas semanas, é inviável afirmar que houve abandono partidário ou grave discriminação política pessoal que justificasse, em tão exíguo período, a desfiliação da demandada.

A grave discriminação que autoriza a saída do partido é a atitude específica de segregar o mandatário, de negar oportunidades, de negar acesso às decisões políticas da agremiação. O termo discriminação designa a materialização, no plano das relações partidárias, de atitudes arbitrárias, comissivas ou omissivas, contra o filiado que detém o cargo eletivo.

Para amparar o desligamento da legenda, as circunstâncias injusto, que violasse efetivamente o princípio da igualdade por conta de uma característica política ou pessoal da discriminada, de forma que a permanência da parlamentar no partido se tornasse insustentável e inexigível. A comprovação de grave discriminação exige um acervo probatório consistente relativo a fatos injustos, segregatórios ou vexatórios contra o filiado.

Todavia, do exame dos autos e das alegações apresentadas, tais elementos não se encontram presentes, não havendo como entender que os fatos narrados sejam compreendidos como discriminatórios e, muito menos, graves o suficiente para motivar a desfiliação.

Dessa forma, à míngua de demais provas, conclui-se que a vereadora não se desincumbiu do ônus de comprovar a existência de justa causa, sendo procedente o pedido do requerente, no sentido de recuperar a vaga parlamentar. (grifou-se e sublinhou-se)

Inexistente, assim, obscuridade na fundamentação do acórdão embargado.

Por derradeiro, relativamente ao prequestionamento pugnado pela embargante, a teor do art. 1.025 do CPC, “consideram-se incluídos no acórdão os elementos que o embargante suscitou, para fins de pré-questionamento, ainda que os embargos de declaração sejam inadmitidos ou rejeitados, caso o tribunal superior considere existentes erro, omissão, contradição ou obscuridade".

Ante o exposto, VOTO pelo acolhimento parcial dos embargos de declaração, apenas para integrar ao acórdão embargado a fundamentação acima expendida, negando-lhes, porém, efeitos infringentes.