E.Dcl. - 5127 - Sessão: 18/12/2019 às 10:30

RELATÓRIO

Cuida-se de embargos de declaração opostos pelo PARTIDO TRABALHISTA BRASILEIRO – DIRETÓRIO REGIONAL em face do acórdão das fls. 1602-1603v., que, por unanimidade, negou provimento ao Agravo Interno, mantendo o indeferimento do pedido de anistia.

O embargante sustenta omissão na apreciação de argumentos versados na peça recursal, em confronto com o disposto no art. 489, §1º, do CPC. Pretende a incidência do art. 55-D da Lei n. 9.096/95, introduzido pela Lei n. 13.831/19. Requer sejam conhecidos e providos os aclaratórios, no intuito de sanar os vícios apontados e prequestionar a matéria.

É o relatório.

 

VOTO

O recurso é tempestivo e dele conheço.

O Código de Processo Civil, que entrou em vigor em março de 2016 é informado por valores constitucionais, como da publicidade, eficiência e, claro, do dever de motivação das decisões judicias. Assim, atenta ao art. 93, inc. IX, da CF, e arts. 8º, 489, § 1, incs. IV e V, do CPC, passo a enfrentar cada um dos argumentos deduzidos pelo embargante.

Em suas razões, o recorrente sustenta que as contribuições partidárias não seriam tributos, motivo pelo qual não haveria que se falar em receita pública e, por isso, em última ratio, desnecessária a atenção à lei de diretrizes orçamentárias e de responsabilidade fiscal. Por consequência, no entendimento do recorrente, não se poderia falar em moralidade administrativa, pois as agremiações partidárias são privadas, de modo que os valores doados em descumprimento ao art. 14 da Resolução TSE n. 23.464/15 deveriam ser devolvidos aos próprios doadores.

Máxima vênia ao entendimento do embargante, o sistema jurídico positivo não permite tal interpretação. O art. 12 da Resolução TSE n. 23.464/15 refere:

 

Art. 12. É vedado aos partidos políticos e às suas fundações receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, doação, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive por meio de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

I – origem estrangeira;

II – pessoa jurídica;

III – pessoa física que exerça atividade comercial decorrente de concessão ou permissão; ou

IV – autoridades públicas.

§ 1º Consideram-se como autoridades públicas, para os fins do inciso IV do caput deste artigo, aqueles, filiados ou não a partidos políticos, que exerçam cargos de chefia ou direção na administração pública direta ou indireta.

 

A decisão que determina o recolhimento de valores, que ora o embargante busca anistia, por óbvio, não induz a criação de um tributo.

Embora não seja tributo, o valor apontado no acórdão das fls. 1523-1529, transitado em julgado, é receita pública, pois título executivo judicial que assegura o direito ao crédito. É receita pública, pois figura como credora a União. Exatamente por isso, a legislação infraconstitucional exige seja comprovado o impacto orçamentário e financeiro à concessão de benefício que gere a diminuição de receita da União, nos termos do art. 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal e arts. 114 e 116 da Lei n. 13.707/18.

O equívoco argumentativo do recorrente está em entender que as receitas públicas adviriam apenas do recolhimento de tributos. Ainda que a cobrança de tributos seja a maior fonte de recursos, as receitas públicas são compostas de diversas fontes, contratuais, de concessões públicas, sanções e, claro, nas hipóteses em que o Estado, excepcionalmente, interfere na economia desenvolvendo empresa.

Os valores devidos pela agremiação são receitas públicas e, desse modo, eventual anistia passaria, necessariamente, pelo preenchimento dos citados requisitos legais. Nessa senda, referiu o julgado paradigma (RE 35-92.2016.6.21.0005):

A anistia das verbas consideradas como oriundas de fontes vedadas - benefício instituído em causa própria e sem qualquer finalidade pública subjacente - atenta ao princípio da moralidade administrativa e desvirtua a natureza jurídica do instituto. 1.3. Vício de inconstitucionalidade formal e material.

 

Em respeito ao disposto no art. 926 do CPC, trata-se de dever deste Tribunal a uniformização da jurisprudência e a manutenção de sua estabilidade e coerência. Este Tribunal, em 19.08.2019, nos autos do RE 35-92.2016.6.21.0005, Relator Des. Eleitoral Gerson Fischmann, DEJERS 23.08.2019, reconheceu a inconstitucionalidade do art. 55-D da Lei n. 9.096/95, incluído pela Lei n. 13.831/19, conforme ementa que reproduzo:

 

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO DE 2015. DESAPROVAÇÃO. MATÉRIA PRELIMINAR ACOLHIDA. INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 55-D DA LEI N. 9.096/95, INCLUÍDO PELA LEI N. 13.831/19. MÉRITO. RECEBIMENTO DE RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA E DE FONTE VEDADA. PORCENTAGEM REPRESENTATIVA DAS IRREGULARIDADES DIANTE DA TOTALIDADE DOS RECURSOS ARRECADADOS NO PERÍODO. AFASTADA A APLICAÇÃO DOS POSTULADOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. MANUTENÇÃO DO JUÍZO DE DESAPROVAÇÃO. REDUZIDO O PERÍODO DE SUSPENSÃO DO FUNDO PARTIDÁRIO. AFASTADA A CONDIÇÃO DE QUE A SANÇÃO SUBSISTA ATÉ QUE OS ESCLARECIMENTOS SEJAM ACEITOS PELA JUSTIÇA ELEITORAL. PROVIMENTO PARCIAL.

1. Incidente de inconstitucionalidade suscitado pelo Procurador Regional Eleitoral. 1.1. O art. 55-D da Lei n. 9.096/95, norma legal objeto do aludido incidente, incluído pela Lei n. 13.831/19, assinala a anistia das devoluções, cobranças ou transferências ao Tesouro Nacional que tenham como causa as doações ou contribuições efetuadas, em anos anteriores, por servidores públicos os quais exerçam função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, desde que filiados a partido político. Ausência de notícia de que tenha havido oferecimento dos dados relativos à previsão de estimativa de impacto orçamentário e financeiro quando da tramitação da proposta legislativa prevendo a renúncia da receita. Omissão que afronta a exigência constitucional incluída pela EC n. 95/16 no art. 113 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. A legislação infraconstitucional igualmente exige seja comprovado o impacto orçamentário e financeiro à concessão de benefício que gere a diminuição de receita da União, nos termos do art. 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal e arts. 114 e 116 da Lei n. 13.707/18. 1.2. A anistia das verbas consideradas como oriundas de fontes vedadas - benefício instituído em causa própria e sem qualquer finalidade pública subjacente - atenta ao princípio da moralidade administrativa e desvirtua a natureza jurídica do instituto. 1.3. Vício de inconstitucionalidade formal e material. Acolhimento da preliminar. Afastada, no caso concreto, a aplicação do art. 55-D da Lei n. 9.096/95, incluído pela Lei n. 13.831/19.

 

Com efeito, ainda que a inconstitucionalidade da norma, em tese, fosse afastada, na espécie, o pedido de anistia ao embargante não mereceria deferimento.

Ocorre que a norma que estabeleceu o perdão deve ser considerada em sua integralidade, em especial o disposto no art. 3º, que estabelece parâmetros para concessão do favor:

Art. 3º As disposições desta Lei terão eficácia imediata nos processos de prestação de contas e de criação dos órgãos partidários em andamento, a partir de sua publicação, ainda que julgados, mas não transitados em julgado.

 

Por óbvio, a alegação de que o art. 3º da Lei n. 13.831/19 não se aplicaria ao caso concreto, não se sustenta. Para o embargante, a referida norma aplicar-se-ia a todos os processos, mesmo em cumprimento de sentença, desde que “não extintos”.

Sem razão o embargante.

Os institutos jurídicos “extinção de processo” e “coisa julgada” não se confundem.

A definição de coisa julgada está no art. 502 do CPC:

 

Art. 502. Denomina-se coisa julgada material a autoridade que torna imutável e indiscutível a decisão de mérito não mais sujeita a recurso.

 

A coisa julgada encerra a fase de cognição, entrega certeza, segurança jurídica e a imutabilidade ao título judicial.

O art. 3º da Lei n. 13.831/19 é claro ao estabelecer que a anistia apenas poderia ser pleiteada relativamente a feitos que não tenham transitado em julgado.

Assim, o embargante não atende a um dos requisitos previstos na lei que estabeleceu a anistia, pois o processo transitou em julgado em 05-04-2019 (fl. 1532), ou seja, antes da vigência da lei, em 20-05-2019.

Por último, em relação ao prequestionamento, diante do previsto no art. 1.025 do Código de Processo Civil, considera-se incluída no acórdão toda a matéria suscitada.

Ante o exposto, VOTO pela rejeição dos embargos de declaração.