REl - 0600485-55.2024.6.21.0150 - Voto Relator(a) - Sessão: 17/06/2025 às 16:00

VOTO

O recurso é tempestivo.

Inicialmente há duas questões preliminares a serem examinadas: a) validade do print de conteúdo da conversa travada por meio do aplicativo Whatsapp entre Cássio Voigt e Jones Ribeiro Melo; b) validade da ata notarial juntada após a contestação (ID 45825103).

Quanto à validade da prova de diálogo por meio de Whatsapp, a sentença considerou a prova lícita e no parecer da douta Procuradoria Regional Eleitoral, ilícita.

Pois bem.

Recentemente, o Supremo Tribunal Federal (STF) apreciou a matéria acerca da ilicitude de gravação ambiental sem autorização judicial, ainda que realizada por um dos interlocutores, sem consentimento dos demais, excepcionando, porém, o registro de fato ocorrido em local público desprovido de controle de acesso, fixando a seguinte tese em sede de repercussão geral:

No processo eleitoral, é ilícita a prova colhida por meio de gravação ambiental clandestina, sem autorização judicial e com violação à privacidade e à intimidade dos interlocutores, ainda que realizada por um dos participantes, sem o conhecimento dos demais. - A exceção à regra da ilicitude da gravação ambiental feita sem o conhecimento de um dos interlocutores e sem autorização judicial ocorre na hipótese de registro de fato ocorrido em local público desprovido de qualquer controle de acesso, pois, nesse caso, não há violação à intimidade ou quebra da expectativa de privacidade.

 

O Tribunal Superior Eleitoral, ao discutir a tese fixada pelo STF no Tema n. 979, de que se aplica às hipóteses em que se busca a utilização de áudios oriundos de conversas travadas em aplicativos de mensagens instantâneas (como o WhatsApp) como meio de prova, assim decidiu:

ELEIÇÕES 2020. PREFEITO. VICE-PREFEITO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL (AIJE). ABUSO DE PODER ECONÔMICO. ART. 22 DA LC 64/90. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. ART. 41-A DA LEI 9.504/97. OFENSA. ART. 275 DO CÓDIGO ELEITORAL. NÃO OCORRÊNCIA. ILÍCITOS. PROVA. ÁUDIOS DE WHATSAPP. LICITUDE. ENCAMINHAMENTO VOLUNTÁRIO POR UMA DAS INTERLOCUTORAS. PROVAS DERIVADAS. VALIDADE. RETORNO À ORIGEM. NOVO JULGAMENTO. RECURSO PROVIDO.

1. Recurso especial interposto contra acórdão em que o TRE/SE reformou sentença para julgar improcedentes os pedidos em ação de investigação judicial eleitoral (AIJE) ajuizada em desfavor das vencedoras do pleito majoritário de São Francisco/SE em 2020, devido à ilicitude de áudios de WhatsApp utilizados como prova das alegadas captação ilícita de sufrágio e abuso de poder econômico.

2. Afastada a ofensa ao art. 275 do Código Eleitoral. Segundo a jurisprudência desta Corte, não se exige que todos os argumentos das partes sejam enfrentados, bastando fundamentação suficiente para embasar a decisão, como ocorreu no caso.

3. A jurisprudência do STJ e STF reconhece a licitude de provas oriundas de aplicativos de mensagens desde que não obtidas por meio de interceptação clandestina ou violação de sigilo telemático.

4. As garantias constitucionais à privacidade e intimidade não são absolutas e não podem ser utilizadas para encobrir práticas ilícitas.

5. Ao compartilhar mensagens, os interlocutores assumem o risco de sua posterior divulgação, afastando expectativa de confidencialidade. Ademais, o compartilhamento voluntário implica renúncia ao sigilo da comunicação, afastando a necessidade de autorização judicial para o uso como prova.

6. Na hipótese dos autos, os áudios de WhatsApp foram compartilhados por uma das interlocutoras com terceiros, sem evidências de invasão telemática ao dispositivo da remetente, afigurando-se, portanto, lícita a prova.

7. Recurso especial a que se dá provimento para afastar a ilicitude dos áudios oriundos do aplicativo WhatsApp e das demais provas deles decorrentes, e determinar o retorno dos autos ao TRE/SE para que proceda a novo julgamento considerando todas as provas produzidas nos autos.

(REspe 0600941-38.2020.6.25.0019, Relator originário Ministro Raul Araújo, Redatora para o acórdão: Ministra Isabel Gallotti, 21.11.2024)

 

Nesse julgamento, restou vencido o Ministro Raul Araújo, que votou por manter a declaração de ilicitude, sendo aberta divergência pela Ministra Isabel Gallotti, que entendeu que a prova pode ser considerada no caso. Isso porque apenas poderia ser considerada violação da privacidade e da intimidade de quem enviou os áudios se o acesso a eles tivesse se dado por meio de interceptação ou invasão do aparelho. Afinal, o diálogo entre duas pessoas por meio de aplicativo de mensagens não implica necessariamente a expectativa da privacidade ou intimidade, especialmente quando tais áudios permitem posterior compartilhamento. A Ministra Isabel foi acompanhada pelos Ministros Floriano de Azevedo Marques, André Ramos Tavares, Nunes Marques, André Mendonça e Cármen Lúcia.

Ainda que reconheça ser a matéria controvertida, tenho que o compartilhamento de áudios ou mensagens por um dos interlocutores, seja em conversas privadas, seja em grupos com pluralidade de integrantes, não se assemelha com a gravação ambiental clandestina, pois aquele que disponibiliza o conteúdo por meio de aplicativo de mensagens está ciente da possibilidade de seu compartilhamento, de modo que se entende que renuncia ao sigilo.

Dessarte, considero lícita a prova.

Em relação à imprescindibilidade da juntada da ata notarial com a inicial, na mesma linha da sentença, tenho por acompanhar a sentença no sentido de que não se constitui documento indispensável à propositura da ação.

Por tais razões, afasto a preliminar suscitada.

Mérito

Versam os presentes autos acerca da prática de captação ilícita de sufrágio e abuso de poder político, consistente em diálogo por meio de Whatsapp e divulgação de vídeo nas redes sociais no qual o candidato a vereador Cássio Voigt teria prometido a recontratação do sr. Jones Ribeiro Melo em troca de apoio político na campanha majoritária e proporcional (ID 45825079).

O sistema legislativo busca a proteção da normalidade e legitimidade do pleito, bem como o resguardo da vontade do eleitor, para que não seja alcançada pela prática nefasta do abuso.

Para tanto, a Constituição Federal, art. 14, § 9º, dispõe:

 

Art. 14.

[…]

§ 9.º Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para o exercício do mandato, considerada a vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta.

 

E, para a configuração do abuso de poder, saliento que deve ser considerada, precipuamente, a gravidade da conduta, sem a necessidade da demonstração de que o resultado das urnas foi, ou poderia ser, influenciado.

É o que preconiza o art. 22, inc. XVI, da Lei Complementar n. 64/90

 

Art. 22. Qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral poderá representar à Justiça Eleitoral, diretamente ao Corregedor-Geral ou Regional, relatando fatos e indicando provas, indícios e circunstâncias e pedir abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político, obedecido o seguinte rito:

[...]

XVI – para a configuração do ato abusivo, não será considerada a potencialidade de o fato alterar o resultado da eleição, mas apenas a gravidade das circunstâncias que o caracterizam. (Incluído pela Lei Complementar nº 135, de 2010)

 

Nesse sentido é também a posição da doutrina, aqui representada pela lição de Rodrigo Lopez ZILIO:

 

O relevante, in casu, é a demonstração de que o fato teve gravidade suficiente para violar o bem jurídico que é tutelado, qual seja, a legitimidade e a normalidade das eleições. Vale dizer, é bastante claro que a gravidade como critério de aferição do abuso de poder apresenta uma característica de correlação com o pleito, ou seja, tem-se por necessário examinar o fato imputado como abuso de poder e perscrutar a sua relação com a eleição, ainda que essa análise não seja realizada sob um aspecto puramente matemático. (Manual de Direito Eleitoral. São Paulo: JusPodivm, 10ª ed. 2024, p. 756)

 

A jurisprudência do e. Tribunal Superior Eleitoral é firme no sentido de que é imprescindível a existência de prova idônea e cabal dos fatos, “não sendo suficientes meros indícios ou presunções” (TSE - AgR-REspe n. 471-54; Relator: Min. Tarcisio Vieira De Carvalho Neto, DJe de 19.9.2019; e AgR-REspe n. 272-38, Relator: Min. Jorge Mussi, DJe de 02.4.2018):

Eleições 2022. [...] Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE). Abuso de poderes político e econômico. Candidata ao cargo de deputado estadual. Superfaturamento em processos licitatórios. Ausência de prova robusta. [...] 2. Para fins de julgamento da AIJE, é imprescindível a prática de abusos com gravidade suficiente para malferir os bens jurídicos tutelados pelas normas eleitorais que a regulamentam, em especial a legitimidade e normalidade das eleições. Além disso, para a configuração do abuso dos poderes político e econômico, a firme jurisprudência desta Corte Superior entende que há a necessidade da existência de prova contundente, inviabilizada qualquer pretensão com respaldo em conjecturas e presunções. Precedente. [...].”

(Ac. de 19/9/2024 no AgR-RO-El n. 060165936, rel. Min. André Mendonça.)

 

Eleições 2018 [...] Abuso do poder econômico. [...] Utilização eleitoreira de programa filantrópico denominado dentistas sem fronteiras. Ausência de prova robusta. Promessa de entrega de insumos odontológicos em troca de votos. Diálogos no Whatsapp. Licitude. [...] 6.4. É tênue o liame entre as ações filantrópicas e os atendimentos gratuitos com caráter eleitoreiro, mormente quando verificado o aumento do programa em ano eleitoral. Nessa hipótese, para fins de se reconhecer eventual abuso, faz–se mister prova robusta de que os serviços altruísticos visaram vincular a imagem do postulante a cargo eletivo às ações filantrópicas, a evidenciar o viés eleitoral, sob pena de criminalizar essa importante ação social em anos eleitorais. [...] 6.6. Esta Corte Superior exige ‘provas robustas e incontestes para a procedência da AIJE por abuso do poder econômico e da representação eleitoral por captação ilícita de sufrágio, não sendo suficientes meros indícios ou presunçõe’ [...] 6.7. No caso, a conclusão do acórdão regional acerca do uso abusivo do programa Dentistas Sem Fronteiras lastreou–se no depoimento isolado da responsável legal da clínica alugada devido à expansão do programa filantrópico e na apreensão, no referido local, de cartões de visita da recorrente em que consta seu nome, foto, telefone e redes sociais. Não há nenhum outro elemento probatório que corrobore as suspeitas aduzidas pela referida testemunha, sendo certo que nenhum beneficiário dos atendimentos odontológicos foi ouvido em Juízo. 6.8. Nesse contexto, a circunstância de ter sido verificado um aumento da demanda por atendimentos odontológicos – que motivou o aluguel de um espaço maior – e o fato de a recorrente possuir patrimônio elevado não são hábeis a retirar o caráter presuntivo das declarações prestadas pela testemunha de acusação. Também ausente o quantitativo – ainda que estimado – de beneficiários dos atendimentos odontológicos realizados no âmbito do programa Dentistas sem Fronteiras, o que impossibilita aferir o grau de extensão dos supostos benefícios advindos das condutas narradas. [...] 6.10. Inexistente elementos probatórios que sustentem o cenário fático narrado na AIJE, é inviável a condenação pelo cogitado abuso do poder econômico. [...]”.

 

(Ac. de 14.3.2023 no RO-El nº 060173077, rel. Min. Raul Araújo.)

 

Em relação à captação ilícita de sufrágio, essa somente se aperfeiçoa quando alguma das ações típicas elencadas no art. 41-A da lei n. 9.504/97 (doar, oferecer, prometer ou entregar bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza a eleitor, ou, ainda, praticar violência ou grave ameaça ao eleitor), cometidas durante o período eleitoral, estiver, intrinsecamente, associada ao objetivo específico de agir do agente, consubstanciado na obtenção do voto do eleitor (GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 12ª ed. São Paulo: Atlas, p. 725), sendo que, a ausência de qualquer um desses vetores integrativos conduz, inevitavelmente, ao juízo de improcedência da demanda (TSE, AI n. 00018668420126130282/MG, Relator Ministro Gilmar Ferreira Mendes, DJE de 02.02.2017, pp. 394-395).

Transcrevo o dispositivo legal em tela:

Art. 41-A. Ressalvado o disposto no art. 26 e seus incisos, constitui captação de sufrágio, vedada por esta Lei, o candidato doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive, sob pena de multa de mil a cinquenta mil Ufir, e cassação do registro ou do diploma, observado o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar no 64, de 18 de maio de 1990. (Incluído pela Lei nº 9.840, de 1999)

§ 1º Para a caracterização da conduta ilícita, é desnecessário o pedido explícito de votos, bastando a evidência do dolo, consistente no especial fim de agir. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

§ 2º As sanções previstas no caput aplicam-se contra quem praticar atos de violência ou grave ameaça a pessoa, com o fim de obter-lhe o voto. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

§ 3º A representação contra as condutas vedadas no caput poderá ser ajuizada até a data da diplomação. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

§ 4º O prazo de recurso contra decisões proferidas com base neste artigo será de 3 (três) dias, a contar da data da publicação do julgamento no Diário Oficial. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

 

Pois bem, no que refere à captação ilícita de sufrágio, a prova que sustenta a inicial resume-se ao diálogo havido entre Cássio Voigt e Jones Ribeiro Melo em 29.4.2024, com o seguinte teor:

 

 

Ao analisar o conteúdo do diálogo acima, é possível depreender uma negociação de apoio à candidatura, sem a evidência do dolo específico relacionado ao voto, imprescindível para configuração da catação ilícita de sufrágio.

Ademais, como salientou o parecer da douta Procuradoria Regional Eleitoral, o art. 41-A da Lei n. 9.504/97 estabelece que constitui tal ilícito o candidato doar, oferecer, prometer ou entregar ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição.

Ora, na hipótese, a conversa que supostamente configuraria a promessa de vantagem ocorreu em 29 de abril de 2024, conforme relatado na própria exordial, quando os registros de candidatura dos recorridos, por sua vez, ocorreram somente em 25 e 29 de julho de 2024.

Dessa forma, a conduta impugnada teria ocorrido em período anterior ao marco temporal estabelecido pela legislação eleitoral para a configuração da captação ilícita de sufrágio.

Acrescenta-se, ainda, que o diálogo ocorreu entre vereador e um eleitor (Jones), sem nenhuma participação, anuência ou vinculação com os candidatos a prefeito (Celso Bassani Barbosa) e vice-prefeito (Frederico Freire Figueiró).

No que diz respeito ao abuso de poder político, de igual modo a prova dos autos limita-se ao diálogo acima transcrito, ato isolado, sem força para romper a normalidade e legitimidade da eleição.

Quanto à prova testemunhal, foi ouvida apenas Natália Pires, que negou vinculação ou intervenção de autoridades na nomeação de trabalhadores. Rafael Medeiros, ouvido como informante, também nada acrescentou, afirmando desconhecer qualquer oferta de cargos em troca de apoio político.

Cumpre ressaltar, ainda, que, diante do art. 368-A do Código Eleitoral, não pode ser aceita como suficiente para conduzir à perda do mandato o testemunho de uma só testemunha que, aliás, não corroborou com a versão acusatória.

Dessa forma, tenho que não há nos fatos e nas circunstâncias que o caracterizam requisitos que possam levar à incidência do art. 41-A da Lei n. 9.504/97 ou à caracterização de abuso de poder, devendo ser mantida a sentença de improcedência.

Ante o exposto, rejeito a prefacial de ilicitude da prova e imprescindibilidade da ata notarial e, no mérito, VOTO pelo desprovimento do recurso.