MSCiv - 0600254-90.2024.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 17/06/2025 às 16:00

VOTO

Eminentes colegas:

Ao indeferir, in limine litis, a medida liminar pleiteada pelo impetrante, assim me pronunciei (ID 45948731), verbis:

De início, proclamo a competência desta Justiça Eleitoral para o julgamento do presente mandado de segurança. Como já reiteradamente proclamado pelo colendo TSE, em havendo colisão de interesses entre ente regional e municipal de agremiação partidária e que de algum modo possa acarretar reflexos na competição eleitoral", haverá a controvérsia de ser solvida pela justiça especializada (v.g.: MS n. 0601453-16, Rel. Min. Luiz Fux, j. em 29.9.2016; AgR-REspe n. 31.913, Rel. Min. Fernando Gonçalves, j. em 12.11.2008; Ed-AgR-Respe n. 23.913, Rel. Min. Gilmar Mendes, 26.10.2004).

No caso dos autos, ainda que se cuide de matéria nitidamente interna corporis e que por conseguinte haveria de ser solucionada pela Justiça Comum, não há se olvidar, contudo, que os fatos narrados pelo impetrante, ao menos em tese, podem gerar efeitos nas eleições municipais que se avizinham, no município de Triunfo.

No que diz respeito à viabilidade de impetração de mandado de segurança contra ato de dirigente partidário, a Lei n. 12.016/2009, em seu art. 1º, § 1º, equiparou a autoridades, forma expressa, "[...] os representantes ou órgãos de partidos políticos [...]", de modo que aqui também o presente remédio constitucional se afigura cabível, quando hipoteticamente considerado.

Ademais, ainda que os partidos políticos sejam pessoas jurídicas de direito privado (art. 44, inc. V, do Código Civil, c/c art. 1º da Lei n. 9.096), há comando legal expresso para que se considere como autoridade coatora (de momento, por hipótese) o Presidente do PL do Rio Grande do Sul. Neste sentido, colaciono decisão do TRE/RJ nas eleições de 2020 - MS n. 0600143-05, Rel. Des. El. Guilherme Couto de Castro, j. em 04.6.2020.

No mesmo passo, uma vez fixada a competência da Justiça Eleitoral e admitida a possibilidade de que o representante de órgão partidário figure como autoridade coatora, o Tribunal Superior Eleitoral também tem assentado que "incumbe aos Tribunais Eleitorais, e não aos juízos de primeiro grau, a competência para o julgamento de ato oriundo de órgãos estaduais das agremiações - MS n. 0601038-62, Rel. Min. Luís Roberto Barroso, j. em 16.9.2018".

Com suporte nas premissas apresentadas, passo a analisar o pedido de concessão de segurança em caráter liminar.

De início, gizo que os partidos políticos possuem autonomia para definir sua estrutura interna, organização e funcionamento (art. 17, § 1º, da CF/88 e art. 7º, caput e § 2º, da Lei 9.096/95), de modo que alegada violação do devido processo legal em atos e decisões internas perpassa, necessariamente, pela análise das respectivas normas estatutárias.

Ainda em caráter preambular, ressalto que o impetrante era presidente da Comissão Provisória Municipal do Partido Liberal em Triunfo/RS.

Com tais premissas, o ato tido como ilegal, ao menos em uma leitura inicial, está superado pelo próprio Estatuto do PL, o qual prevê que a Comissão Executiva Provisória será considerada extinta quando outra for designada (art. 6º, § 4º):

Art. 6º. (…)

§ 4º A Comissão Executiva Provisória será considerada extinta quando outra for designada, ou quando for eleita a Comissão Executiva pelo Diretório respectivo, desde que em Convenção autorizada pela Comissão Executiva Nacional, nos termos deste Estatuto. (Grifei.)

De igual modo, o inciso XII do art. 24 do aludido Estatuto assim estabelece:

Art. 24. Compete às Comissões Executivas:

(…)

XII - intervir ou promover a dissolução dos órgãos de direção e execução, imediatamente inferiores, nos termos deste Estatuto. (Grifei.)

Por fim, ao tratar da Disciplina Partidária, o referido Estatuto assim dispõe em seu art. 46, inc. II, parágrafo único:

Art. 46. As medidas disciplinares previstas para os órgãos mencionados no inciso I, do art. 45, são as seguintes:

(...)

II - dissolução.

Parágrafo único - Quando se tratar de Comissão Executiva Provisória, nos moldes do art. 6º, §§ 1º e 4º, deste Estatuto, a mesma estará sujeita a dissolução imediata, não se adotando os requisitos deste Título no tocante a prazos e procedimentos. (Grifei.)

Ou seja, ao que se depreende da própria inicial, dentro do prazo de vigência da comissão provisória municipal (09.02.2025), o Diretório Estadual do PL exerceu a prerrogativa, na condição de órgão hierarquicamente superior, de destituir a comissão local, mais precisamente em 10.6.2024, sendo constituída nova comissão, com prazo de vigência iniciando em 11.6.2024, conforme dados extraídos do Sistema de Gerenciamento de Informações Partidárias (SGIP).

Registro que as comissões provisórias, diferentemente dos diretórios partidários, são naturalmente precárias. Aliás, questões como a que ora se coloca inexistiriam se o partido tivesse se organizado de maneira a constituir um diretório municipal de caráter perene, e não estivesse a funcionar sob formato claudicante.

Desse modo, em avaliação superficial própria dos pedidos liminares, considerando ausente manifesta violação às normas previstas no estatuto, tenho como não atendido o requisito do fumus boni iuris para o deferimento liminar da suspensão do ato.

Com essas considerações, especialmente pela ausência de plausibilidade do direito invocado, indefiro a medida liminar pleiteada pelo impetrante.

A douta Procuradoria Regional Eleitoral, por seu turno, seguiu o mesmo mote já no aspecto meritório do mandamus que se cuida, valendo ser transcrita, aqui, a seguinte passagem do judicioso Parecer (ID 45981475):

No caso dos autos, ocorreu que, dentro do prazo de vigência da Comissão Provisória Municipal, com término previsto para 9 de fevereiro de 2025, o Diretório Estadual do Partido Liberal (PL), no exercício de sua prerrogativa enquanto órgão hierarquicamente superior, promoveu a destituição da referida comissão local em 10 de junho de 2024. Na mesma oportunidade, foi constituída nova Comissão Provisória Municipal, com início de vigência em 11 de junho de 2024, conforme consta nos registros do Sistema de Gerenciamento de Informações Partidárias (SGIP).

Importante destacar que pelo princípio constitucional da autonomia partidária, as regras estatutárias regem as relações internas da grei e que as comissões provisórias são representações temporárias dos partidos, até que eventualmente haja a constituição regular de um diretório (órgão definitivo), mediante eleição interna no âmbito da agremiação.

(...)

Portanto, a dissolução do diretório municipal foi realizada da forma prevista no Estatuto do Partido e de acordo com os ditames legais.

Assim, o ato combatido não se mostrou ilegal ou abusivo, pelo que a denegação da segurança é medida que se impõe.

De fato, o Estatuto do Partido Liberal, ao qual o impetrante se encontra vinculado, prevê expressamente a possibilidade de dissolução das Comissões Provisórias por ato do órgão hierarquicamente superior, no caso, o Diretório Estadual.

Dispõe o art. 6º, § 4º, do Estatuto que a Comissão Executiva Provisória será considerada extinta quando outra for designada, ou quando for eleita nova Comissão Executiva, desde que observadas as formalidades estatutárias. De igual forma, o art. 24, inc. XII, confere às Comissões Executivas a prerrogativa de intervir ou promover a dissolução de órgãos imediatamente inferiores, e o art. 46, parágrafo único, estabelece que, tratando-se de comissão provisória, poderá haver dissolução imediata, sem a necessidade de observância de prazos e procedimentos disciplinares.

Nos termos apurados, embora vigente até 09.02.2025, a Comissão Provisória Municipal foi destituída pelo Diretório Estadual em 10.6.2024, com a nomeação de nova comissão para iniciar mandato a partir de 11.6.2024, conforme dados registrados no Sistema de Gerenciamento de Informações Partidárias (SGIP).

Importante destacar que a jurisprudência deste Tribunal é firme no sentido de que os atos de nomeação, substituição ou dissolução de comissões provisórias podem ser realizados a qualquer tempo pelas instâncias superiores do partido, sem necessidade de motivação específica ou prévio contraditório, em razão da precariedade e transitoriedade que lhes é inerente.

À guisa de exemplo, transcrevo ementa de lapidar acórdão da lavra do Desembargador Eleitoral Gustavo Alberto Gastal Diefenthäler, magistrado de escol e que engrandeceu este Tribunal quando por aqui passou:

MANDADO DE SEGURANÇA. PEDIDO LIMINAR CONTRA ATO DO PRESIDENTE DA COMISSÃO PROVISÓRIA ESTADUAL PARTIDÁRIA. INTERFERÊNCIA NA AUTONOMIA DO ÓRGÃO PARTIDÁRIO MUNICIPAL. DESTITUIÇÃO DA COMISSÃO PROVISÓRIA MUNICIPAL. COMPETÊNCIA. JUSTIÇA ELEITORAL. REFLEXOS NA COMPETIÇÃO ELEITORAL. DIRIGENTE PARTIDÁRIO. AUTORIDADE COATORA. POSSIBILIDADE. COMPOSIÇÃO INTERNA. NORMAS ESTATUTÁRIAS. ATO QUE NÃO CONFIGURA SANÇÃO. DESNECESSIDADE DE AQUIESCÊNCIA DO ÓRGÃO MUNICIPAL. AUSENTE DIREITO LÍQUIDO E CERTO. SEGURANÇA DENEGADA.1. Mandado de segurança impetrado contra ato praticado por presidente de comissão provisória estadual. Destituição de comissão provisória local e nomeação de nova comissão. Pedido de concessão de medida liminar indeferido.2. Competência da Justiça Eleitoral para o julgamento do mandamus. Conforme o Tribunal Superior Eleitoral, eventual colisão de interesses entre ente regional e ente municipal de agremiação partidária há de ser analisada pela Justiça Eleitoral, quando a base fática possa ter reflexos na competição eleitoral (v.g. MS n. 0601453-16, Rel. Min. Luiz Fux, j. em 29.9.2016; AgR-REspe n. 31.913, Rel. Min. Fernando Gonçalves, j. em 12.11.2008; Ed-AgR-Respe n. 23.913, Rel. Min. Gilmar Mendes, 26.10.2004).3. Admitida a possibilidade para que o representante de órgão partidário seja considerado autoridade coatora. O Tribunal Superior Eleitoral tem entendido que incumbe aos Tribunais Eleitorais, e não ao juízos de primeiro grau, a competência para o julgamento de ato oriundo de órgãos estaduais das agremiações MS n. 0601038-62, Rel. Min. Luís Roberto Barroso, j. em 16.9.2018.4. Os partidos políticos possuem autonomia para definir sua estrutura interna, organização e funcionamento, conforme disposto no art. 17, § 1º, da CF/88 e art. 7º, caput e § 2º, da Lei 9.096/95, de modo que alegada violação do devido processo legal em atos e decisões internas perpassa, necessariamente, pela análise das respectivas normas estatutárias, pois neles, estatutos, é que constam as normas de disciplina e fidelidade partidária. 5. Este Tribunal decidiu recentemente e à unanimidade, que os atos de prorrogação, destituição ou modificação podem se dar a qualquer tempo, a critério dos órgãos hierarquicamente superiores, de modo unilateral e sem que, para a eficácia do ato praticado, seja necessária prévia consulta e/ou aquiescência dos administradores da comissão provisória a que se endereçam.6. Não demonstrada a existência de direito líquido e certo. Denegada a segurança. (Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul, MANDADO DE SEGURANÇA nº060035047, Acórdão, Relator(a) Des. GUSTAVO ALBERTO GASTAL DIEFENTHÄLER, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, 29/10/2020.) (Grifei.)

Em suma, não se verifica no ato dito coator qualquer ilegalidade ou abuso de poder a ser corrigido, pelo que se impõe, sem mais delongas, a denegação da ordem.

ANTE O EXPOSTO, VOTO pela denegação do mandado de segurança.

É o voto.