REl - 0600723-77.2024.6.21.0052 - Voto Relator(a) - Sessão: 17/06/2025 às 16:00

VOTO

I. Da Admissibilidade

O recurso é tempestivo, pois interposto dentro do tríduo legal, e preenche os demais pressupostos de admissibilidade, razão pela qual dele conheço.

II. Da Preliminar de Violação ao Devido Processo Legal

Preliminarmente, a recorrente alega que teria sido privada da produção de provas essenciais à comprovação dos fatos, em razão do indeferimento dos pedidos de tutela de urgência e de perícia em dispositivos eletrônicos.

Mais precisamente, Nelci Gallas alega que o juízo a quo indevidamente negou as medidas de antecipação de tutela, frustrando a produção de provas que comprovariam o uso de servidores públicos para produção de material eleitoral e a coação a funcionários para divulgação de conteúdo político, bem como a utilização de equipamentos e veículos públicos em campanha.

A recorrente argumenta que tais provas seriam cruciais para demonstrar a utilização da máquina pública em benefício da campanha dos recorridos e que o indeferimento da produção de prova em primeiro grau impediu a busca da verdade real, violando princípios constitucionais e processuais.

Contudo, a análise dos autos revela que o Juízo de primeiro grau, ao indeferir os pedidos de busca e apreensão e de perícia em aparelhos telefônicos (IDs 45883545, 45883548 e 45883651), agiu em conformidade com o ordenamento jurídico e com o poder discricionário conferido ao magistrado para conduzir o processo e indeferir diligências que considere inúteis ou protelatórias, nos termos do art. 370, parágrafo único, do Código de Processo Civil.

Conforme bem destacado na sentença recorrida (ID 45883660), a apreensão generalizada de equipamentos e dispositivos informáticos da Prefeitura e dos servidores investigados representaria uma medida excessivamente invasiva, capaz de atingir direitos fundamentais à privacidade e à intimidade (art. 5º, incs. X e XII, da Constituição Federal), sem que houvesse nos autos um cenário probatório robusto e suficiente que justificasse tal relativização.

O Juízo a quo pontuou, de forma acertada, que os elementos angariados até aquele momento sinalizavam que as publicações de apoio nas redes sociais poderiam ter decorrido de atuação espontânea dos servidores, e não de ordem da chefia, ou seja, de determinação dos candidatos investigados. Ademais, a instrução processual revelou que algumas das servidoras apontadas no polo passivo sequer estavam no exercício de suas funções no período da campanha, encontrando-se de férias ou licença, o que reforça a desproporcionalidade da medida em relação a elas.

Ainda, a recorrente argumenta que as perícias seriam essenciais para comprovar os fatos, especialmente a utilização de servidores em horário de expediente e a influência dos gestores. No entanto, a mera alegação da necessidade da prova não impõe seu deferimento automático. É preciso que haja indícios mínimos e concretos que justifiquem a medida invasiva, o que não se verificou nos autos.

A prova oral produzida, ao contrário do que sustenta a recorrente, não trouxe elementos sólidos que infirmassem a conclusão inicial do Juízo sobre a ausência de indicativos de ordem superior ou de uso efetivo do aparato estatal em prejuízo do serviço público. Algumas testemunhas mencionaram a possibilidade de agendamento de postagens nas redes sociais e de atuação espontânea de colaboradores externos, enfraquecendo a tese acusatória.

Para a configuração do cerceamento de defesa, não basta o simples indeferimento de uma prova, é indispensável que a parte demonstre o efetivo prejuízo processual decorrente dessa negativa, ou seja, que a prova indeferida seria capaz de alterar o resultado do julgamento.

No caso em tela, a recorrente não logrou demonstrar, de forma convincente, que as perícias nos dispositivos eletrônicos trariam elementos que, somados ao conjunto probatório já existente, comprovariam as graves condutas vedadas e o abuso de poder alegados, especialmente considerando a necessidade de prova robusta e inequívoca para a procedência de uma AIJE.

A ausência de elementos mínimos que relacionem as supostas condutas dos servidores a uma determinação dos candidatos investigados, ou que demonstrem o uso de equipamentos públicos em prejuízo do serviço, fragiliza a tese de que a perícia seria determinante para o deslinde do feito.

Portanto, o indeferimento das diligências requeridas, por se mostrarem desproporcionais e carecerem de lastro probatório mínimo que justificasse a quebra de sigilo e a invasão da privacidade, não configurou cerceamento de defesa. O Juízo a quo exerceu seu poder-dever de indeferir provas inúteis ou protelatórias, em decisão devidamente fundamentada, não havendo violação aos princípios do contraditório, da ampla defesa ou da busca da verdade real.

Por essas razões, rejeito a preliminar de cerceamento de defesa.

Superada a preliminar, passo à análise do mérito recursal.

 

III. Do Mérito

No mérito, trata-se de recurso contra a sentença que julgou improcedente, por ausência de provas robustas, a Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE) na qual se discute a participação dos investigados, DANIEL SEFFRIN HERTHER e JOSE ARLINDO RABER, então candidatos a prefeito e vice na cidade de Caibaté/RS, e de outros servidores públicos da Prefeitura de Caibaté/RS, mais precisamente, AMAURI PIRES DA SILVA, ANAIR SUZANA OLSSON RABER, CRISTIANE CORTES ZEK, FABIANE IRENA SEVERO NYARI, LISANE KOLLING, ROGERIO DA SILVA DE SOUZA, DANIEL SEFFRIN HERTHER e JOSE ARLINDO RABER, em condutas ilícitas em razão das Eleições de 2024. O objeto da demanda é a alegada prática de condutas vedadas (art. 73 da Lei n. 9.504/97), com o suposto uso da máquina pública em benefício das candidaturas de DANIEL SEFFRIN HERTHER e JOSE ARLINDO RABER, a caracterizar abuso de poder político e econômico, nos termos da legislação eleitoral.

Segundo a petição inicial, tais condutas caracterizariam abuso de poder político e econômico, amoldando-se às hipóteses previstas nos arts. 73, incs. I, III e VI, al. "b", da Lei n. 9.504/97, assim redigidos:

Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

(…).

I – I - ceder ou usar, em benefício de candidato, partido político ou coligação, bens móveis ou imóveis pertencentes à administração direta ou indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, ressalvada a realização de convenção partidária;

(…).
III – ceder servidor público ou empregado da administração direta ou indireta federal, estadual ou municipal do Poder Executivo, ou usar de seus serviços, para comitês de campanha eleitoral de candidato, partido político ou coligação, durante o horário de expediente normal, salvo se o servidor ou empregado estiver licenciado;

VI– nos três meses que antecedem o pleito:  

(…).

b) com exceção da propaganda de produtos e serviços que tenham concorrência no mercado, autorizar publicidade institucional dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos federais, estaduais ou municipais, ou das respectivas entidades da administração indireta, salvo em caso de grave e urgente necessidade pública, assim reconhecida pela Justiça Eleitoral;

 

No que tange à suposta utilização de veículo oficial em benefício da campanha eleitoral, prevista no art. 73, inc. I, da Lei n. 9.504/97, a recorrente baseia sua alegação na imagem do veículo Fiat Strada, pertencente ao Município de Caibaté, estacionado em frente ao comitê de campanha dos investigados, com materiais de reforma na caçamba. Argumenta que a presença dos materiais indica que o veículo foi utilizado para transportar insumos para a reforma do comitê.

Conforme corretamente analisado na sentença (ID 45883660) e no parecer do Ministério Público Eleitoral (IDs 45957513 e 45957712), a mera proximidade episódica do veículo oficial com o comitê de campanha, por si só, não constitui prova robusta e inequívoca da utilização do bem público em benefício de determinada candidatura.

A caracterização da conduta vedada exige provas mais sólidas que demonstrem o efetivo uso do veículo para fins eleitorais.

Em um município de pequeno porte como Caibaté, com aproximadamente 4.700 habitantes, é natural e provável que veículos oficiais transitem e estacionem em diversas áreas da cidade, inclusive nas proximidades de locais identificados com campanhas eleitorais, sem que isso, necessariamente, configure desvio de finalidade no uso do bem público.

Ademais, a prova testemunhal produzida não trouxe elementos que confirmassem a tese da recorrente.

A testemunha Gabriel Ribas Amaral, embora tenha afirmado ter visto o veículo estacionado em frente ao comitê com materiais de construção na caçamba do veículo, não soube precisar se o condutor adentrou o comitê, interagiu com pessoas ligadas à campanha ou, de qualquer forma, entregou os itens ao pessoal de campanha.

O simples fato de o veículo ter sido estacionado, quando carregado de materiais de construção, em frente ao comitê eleitoral, não demonstra a prática de conduta vedada e não afasta a possibilidade de que o bem estivesse sendo utilizado para atividades da própria administração, considerando a proximidade com outros prédios públicos, como a Secretaria de Obras e a Secretaria de Saúde, conforme mencionado pelas testemunhas Gabriel Ribas Amaral e Vaini Pires Oliveira.

A tese da recorrente, nesse ponto, repousa em mera presunção, insuficiente para a configuração de conduta vedada, que demanda prova robusta e inequívoca, nos termos da jurisprudência deste Tribunal:

DIREITO ELEITORAL. ELEIÇÃO 2024. RECURSO. REPRESENTAÇÃO POR CONDUTA VEDADA. PREFEITO. UTILIZAÇÃO DE BEM PÚBLICO PARA FINS ELEITO

RAIS. AUSÊNCIA DE PROVA ROBUSTA. RECURSO DESPROVIDO. I. CASO EM EXAME 1.1. Recurso interposto contra sentença que julgou improcedente representação por conduta vedada, proposta contra prefeito e candidato à reeleição, pela suposta utilização de veículo público para fins de campanha eleitoral.

II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2.1. A questão em discussão consiste em verificar se houve prática de conduta vedada e se há provas suficientes para caracterizar a infração.

III. RAZÕES DE DECIDIR 3.1. A conduta vedada, prevista no art. 73, inc. I, da Lei n. 9.504/97, exige prova robusta e inequívoca de que bens públicos foram utilizados em benefício de campanha eleitoral, o que não se verifica no caso concreto. Sua caracterização tem natureza objetiva, independentemente de sua influência no pleito ou mesmo da potencialidade lesiva ou da gravidade da conduta realizada. O bem jurídico tutelado é a isonomia entre os concorrentes ao pleito. 3.2. Na hipótese, embora incontroverso que o recorrido tenha utilizado o veículo oficial, na qualidade de prefeito, tal conduta encontra respaldo no § 2º do art. 73 da Lei n. 9.504/97, que permite o uso de bens públicos em situações específicas, desde que não tenham caráter de ato público.

IV. DISPOSITIVO E TESE 4.1. Recurso desprovido. Tese de julgamento: "A configuração de conduta vedada por uso de bens públicos em campanha eleitoral exige prova inequívoca de que o uso se deu em benefício da campanha.

Dispositivos relevantes citados: Lei n. 9.504/97, art. 73, inc. I e § 2º. Jurisprudência relevante citada: TSE, RRp n. 94/DF, Rel. Min. Luiz Carlos Madeira, julgado em 1998. TSE, REspEl n. 24.795, Rel. Min. Luiz Carlos Madeira.

(RECURSO ELEITORAL nº060053118, Acórdão, Des. RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 12/12/2024).

 

Quanto à alegação de utilização de servidores públicos para execução de tarefas de campanha durante o horário de expediente, tipificada no art. 73, inc. III, da Lei n. 9.504/97, a recorrente aponta que os servidores Rogério da Silva de Souza, Cristiane Cortes Zek e Lisane Kolling teriam publicado propaganda política em suas redes sociais em horário de trabalho, e que Rogério teria produzido vídeos para a campanha.

Entretanto, assim como corretamente entendeu a decisão a quo, há de ser afastada essa imputação.

A testemunha Taciana Pires da Silva, do setor de Recursos Humanos do Município, confirmou que as servidoras Anair Suzana Olsson Raber e Fabiane Irena Severo Nyari estavam de férias e licença, respectivamente, durante o período eleitoral, o que, por si só, afasta a subsunção de suas condutas ao tipo legal da conduta, que veda a cessão ou uso de serviços de servidor durante o horário de expediente normal, salvo se licenciado.

Em relação aos demais servidores, a prova dos autos não demonstrou, de forma cabal, que as publicações em redes sociais tenham ocorrido efetivamente durante o horário de expediente em prejuízo do serviço público.

As testemunhas Milena de Oliveira e Claudine Freiberger Friedrich mencionaram a possibilidade de agendamento de publicações nas redes sociais, o que fragiliza a conclusão de que as postagens visualizadas pela recorrente tenham sido feitas em tempo real durante o horário de trabalho.

Ademais, conforme entendimento deste Tribunal, "postagens esparsas de propaganda eleitoral realizadas no perfil pessoal de servidores não caracterizam o desvio de função pública que a norma pretende evitar", sendo que "eventuais manifestações pessoais sobre a preferência política individual dos servidores, durante o horário de expediente, embora possam ser sancionáveis do ponto de vista funcional, não demonstram desvio de função pública em prol da campanha eleitoral" (TRE-RS - REl n. 55335, Relator.: Des. Eleitoral Gerson Fischmann, Data de Julgamento: 27.9.2018, Data de Publicação: DEJERS, Tomo n. 178, Data 01.10.2018, Página 4).

Para a caracterização do ilícito eleitoral, é necessário demonstrar o uso efetivo do aparato estatal em prol da campanha, o que inclui a comprovação de que o servidor se ausentou do local de trabalho, comprometeu de modo relevante o funcionamento do serviço público, utilizou bens públicos (como computadores da repartição) ou agiu sob ordem da chefia, circunstâncias ausentes no caso em tela.

Por fim, no que se refere à alegação de realização de publicidade institucional em período vedado, violando o art. 73, inc. VI, al. "b", da Lei n. 9.504/97, constata-se que os vídeos destacados na petição inicial apenas retratam vias públicos, espaços abertos ou a fachada de prédios e foram publicados em página pessoal do candidato em rede social, e não em sítios oficiais da Administração Pública.

Nesses contextos, a jurisprudência do TSE enuncia que “a veiculação de postagens sobre atos, programas, obras, serviços e/ou campanhas de órgãos públicos federais, estaduais ou municipais em perfil privado de rede social não se confunde com publicidade institucional autorizada por agente público e custeada com recursos públicos, a qual é vedada nos três meses que antecedem as eleições (art. 73, inc. VI, al."b", da Lei n. 9.504/97) (REspe n. 376–15/ES, Rel. Min . Luís Roberto Barroso, DJe de 17.4.2020)" (TSE - REspEl: n. 06004259620206160171/PR, Relator.: Min. Carlos Horbach, Data de Julgamento: 27.4.2023, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo n. 83).

Além disso, não há comprovação de que foram utilizados servidores, serviços ou equipamentos públicos para a captação das imagens, consoante bem apontou o Magistrado sentenciante:

Especificamente em relação à narrativa de utilização de servidores públicos para gravação, edição e produção de vídeos para a campanha eleitoral, afora toda a fundamentação já explicitada acima, destaco que outros elementos de prova inviabilizam o reconhecimento da conduta vedada. Nessa linha, o depoimento da testemunha Geison revela que os candidatos investigados tiveram contribuições espontâneas do depoente neste quesito, produzindo vídeos a partir da utilização de drones na condição de fotógrafo profissional. Daí que a própria premissa de que servidores públicos teriam sido os responsáveis pela elaboração e captação das imagens resta fragilizada, afinal a prova coligida demonstrou que pessoas não relacionadas ao Executivo municipal, a exemplo de um profissional liberal, teriam atuado em prol da campanha dos candidatos investigados.

Com efeito, a vedação ao uso de servidores e bens públicos em benefício da campanha não equivale à proibição do emprego da imagem de bens e locais públicos. Nos termos da jurisprudência do TSE, "a simples obtenção de imagens de bens públicos não é suficiente para caracterizar o ilícito, sendo necessário a constatação do desvio de finalidade", porquanto "o que a lei veda é o uso efetivo, real, do aparato estatal em prol de campanha, e não a simples captação de imagens de bem público” (Rp 3267–25, rel. Min. Marcelo Ribeiro, DJE de 21.5 .2012)" (TSE - AREspE: n. 06005573820206260281/SP, Relator: Min. Sergio Silveira Banhos, Data de Julgamento: 24.3.2022, Data de Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo n. 62).

Assim, na linha da judiciosa sentença, as publicações em análise não representam publicidade institucional vedada, e não há prova cabal do uso de serviços, bens ou recursos públicos na produção e divulgação dos vídeos, razão pela qual "devem ser considerados como mera promoção pessoal lícita".

De todo o exposto, o suposto uso da máquina pública em favor da campanha à reeleição se ancora em indícios frágeis e em presunções do ilícito, incapazes de garantir um juízo de certeza para a condenação por conduta vedada ou abuso de poder.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo desprovimento do recurso.