REl - 0600648-10.2024.6.21.0029 - Voto Relator(a) - Sessão: 17/06/2025 às 16:00

VOTO

1. Admissibilidade.

O recurso é tempestivo, e encontram-se presentes os demais pressupostos de admissibilidade, de forma que merece conhecimento.

2. Mérito.

No mérito, GUILHERME SAMUEL HICKMANN recorre contra a sentença que desaprovou a prestação de contas referente ao cargo de vereador no Município de Sério/RS. A decisão hostilizada determinou o recolhimento, ao Tesouro Nacional, de valor reconhecido com recurso de origem não identificada - RONI e aplicou multa equivalente a 100% da quantia em excesso no autofinanciamento.

Passo à análise individualizada das irregularidades.

2.1. Recurso de Origem Não Identificada – RONI.

Na sentença, o juízo de origem desenhou a moldura fática do caso sob exame, conforme segue:

Analisando as contas foram identificadas omissões, no valor de R$ 240,10, relativas às despesas constantes da prestação de contas em exame e aquelas constantes da base de dados da Justiça Eleitoral, obtidas mediante confronto com notas fiscais eletrônicas de gastos eleitorais, revelando indícios de omissão de gastos eleitorais, infringindo o que dispõe o art. 53, I, g, da Resolução TSE n. 23.607/2019.

A falha constitui irregularidade que denota a ausência de consistência e confiabilidade nas contas prestadas, uma vez que submetidas a outros elementos de controle, hábeis a validar/confirmar as informações prestadas, resultaram na impossibilidade de atestar sua fidedignidade. A falha sugere recebimento de recurso de origem não identificada, e sujeita ao recolhimento ao erário, conforme caput, § 1º e § 3º art. 32 da Resolução TSE n. 23.607/2019.

Com efeito, verifica-se que o DivulgaCandContas identificou a Nota Fiscal n. 2226, no valor de R$ 240,10, emitida contra o CNPJ da campanha de GUILHERME SAMUEL. Ainda, da análise do extrato bancário disponível naquele sistema do Tribunal Superior Eleitoral, não foi possível localizar o pagamento do referido gasto eleitoral com recursos que transitaram nas contas da campanha.

Concluiu-se, então, que a despesa deixou de ser declarada na prestação de contas, de modo a indicar a utilização de recurso de origem não identificada - RONI - para sua quitação.

O recorrente sustenta que a ausência da despesa mencionada na prestação de contas ocorreu devido a um erro de natureza operacional no preenchimento dos dados no Sistema de Prestação de Contas Eleitorais (SPCE), aduzindo não se tratar de má-fé.

Argumento de inviável aceitação, à míngua de comprovação do alegado. A legislação determina que a movimentação financeira integral da campanha deve compor a prestação de contas.

Portanto, uma vez ocorrida (como no caso) a identificação de gastos não declarados, a sua quitação por meio de valores que não transitaram pelas contas da campanha caracteriza a verba utilizada (R$240,10) como recurso de origem não identificada, 0 RONI, passível de recolhimento ao Tesouro Nacional, nos termos do art. 14 e art. 32 da Resolução TSE n. 23.607/19.

No ponto, a manutenção da sentença é medida que se impõe.

2.2. Excesso no autofinanciamento.

Inicialmente, destaco que o limite de gastos para o cargo de vereador no Município de Sério, nas Eleições 2024, foi de R$ 15.985,08, teto informado pelo Tribunal Superior Eleitoral no Sistema de Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais, o que impunha ao candidato a obediência ao limite equivalente a 10% deste valor ao utilizar recursos próprios, ou seja, R$ 1.598,51. O recorrente teria realizado autofinanciamento no valor de R$ 3.806,00.

Excesso de R$2.207,49 (dois mil, duzentos e sete reais e quarenta e nove centavos).

O recorrente destaca que, do valor apontado (R$3.806,00), R$ 2.000,00 refere-se a gasto estimável, pelo uso de dois veículos do próprio candidato, devidamente declarados.

Adianto que, no presente tópico, assiste razão ao recorrente.

De fato, o art. 27, § 1º, da legislação de regência trata do autofinanciamento de campanha e limita, ao candidato, o emprego a 10% do limite previsto para gastos atinentes ao cargo em que concorrer.

No entanto, a jurisprudência tem se posicionado no sentido de que gastos com cessão de veículo próprio devem ser desconsiderados na aferição do limite legal de autofinanciamento, ao fundamento de não haver óbice à aplicação, por analogia, da ressalva do § 7º do art. 23 da Lei n. 9.504/97 (exclusão do limite de 10% de doação de pessoas físicas a candidatos os bens estimáveis em dinheiro relativos à utilização de bens móveis ou imóveis) à hipótese de autofinanciamento de campanha. De forma exemplificativa, transcrevo as seguintes ementas:

ELEIÇÕES 2020. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS DE CAMPANHA. VEREADOR. APLICAÇÃO DE MULTA. AUTOFINANCIAMENTO. CAMPANHA ELEITORAL. EXTRAPOLAÇÃO DO LIMITE. EXCLUSÃO DO CÔMPUTO. CESSÃO DE VEÍCULO DO PRÓPRIO CANDIDATO. PROVIMENTO DO APELO. APROVAÇÃO DAS CONTAS. SÍNTESE DO CASO

1. Trata–se de recurso especial eleitoral interposto em face do acórdão exarado pelo Tribunal Regional Eleitoral do Piauí , no qual foi mantida a sentença proferida pelo Juízo da 41ª Zona Eleitoral daquele Estado, que desaprovou as contas de campanha do recorrente, referentes às Eleições de 2020, nas quais concorreu ao cargo de vereador, e aplicou–lhe multa no valor de R$ 1.836,70, por extrapolação do limite de autofinanciamento de campanha. ANÁLISE DO RECURSO ESPECIAL ELEITORAL

2. O limite previsto no art. 23, § 2º–A autoriza o candidato a usar recursos próprios em sua campanha até o total de 10% (dez por cento) dos limites previstos para gastos de campanha no cargo em que concorrer, considerando como recursos próprios (autofinanciamento) aqueles definidos como dinheiro em espécie, bem como bens ou serviços estimáveis em dinheiro, desde que haja a transferência de propriedade e o proveito econômico definitivo do candidato. 3. A cessão de bens móveis e imóveis contabiliza limite próprio, no qual autorizado o uso de automóvel de propriedade do candidato, do cônjuge e de seus parentes até o terceiro grau para uso pessoal durante a campanha, independente do valor (art. 28, § 6º, III, da Lei 9.504/97).

3. A despeito do limite de autofinanciamento de campanha, o uso de veículo próprio (de natureza pessoal do candidato) nem sequer constitui gasto eleitoral, ressaltando que também não se enquadram nesse conceito as respectivas despesas acessórias como combustível e manutenção de veículo automotor usado pelo candidato na campanha (art. 26, § 3º, a da Lei 9.504/1997), dada, inclusive, a facultatividade de emissão do recibo eleitoral na “cessão de automóvel de propriedade da candidata ou do candidato, de cônjuge e de seus parentes até o terceiro grau para seu uso pessoal durante a campanha” (art. 7º, § 6º, III da Res.–TSE 23.607/2019).

CONCLUSÃO

Recurso especial eleitoral provido a fim de aprovar as contas do candidato a vereador recorrente, afastando–se a multa por não observância de limite de autofinanciamento.

(TSE - REspEl: 06002651920206180041 ESPERANTINA - PI 060026519, Relator: Min. Sergio Silveira Banhos, Data de Julgamento: 26/05/2022, Data de Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônico, Tomo 152)

 

RECURSO. ELEIÇÃO 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. VEREADORA. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. MULTA. EXCESSO DE AUTOFINANCIAMENTO. CESSÃO DE VEÍCULO PRÓPRIO PARA A CAMPANHA. VALOR QUE NÃO INTEGRA O CÔMPUTO PARA AFERIÇÃO DO LIMITE DE GASTOS. AFASTADA A IRREGULARIDADE. NÃO EXCEDIDO O LIMITE ESTIPULADO PARA O CARGO DE VEREADOR. AFASTADA A MULTA APLICADA. APROVAÇÃO DAS CONTAS. PROVIMENTO.

1. Insurgência contra sentença que aprovou com ressalvas as contas de candidata ao cargo de vereadora nas eleições de 2020, devido ao excesso de aplicação de recursos próprios na campanha. Aplicação de multa.

2. Cessão de veículo pessoal para uso na campanha eleitoral. Recente entendimento firmado pelo TSE no sentido de que a cessão de veículo próprio não integra o limite de gastos de autofinanciamento. Excluída a doação estimável do cômputo dos valores para fins de apuração do limite de gastos, a quantia utilizada na campanha não supera o limite estipulado para o cargo de vereador no município. Aprovação das contas. Afastada a multa aplicada.

3. Provimento.

(TRE-RS – REl 0600382-17.2020.6.21.0044 , Relatora: Desa. Eleitoral PATRICIA DA SILVEIRA OLIVEIRA, Data de Julgamento: 15/06/2023, Data de Publicação: 20.6.2023 DJE/TRE-RS)

 

Observo que foram apresentados os termos de cessão dos veículos, os recibos da doação estimável e os documentos de propriedade dos bens  (ID 45822675 e ID 45822676). Deve ser reduzido do valor total de autofinanciamento - R$ 3.806,00 - a quantia de R$ 2.000,00 relativa à cessão de veículos próprios.

Ou seja, em virtude de tal abatimento, deve ser considerado R$ 1.806,00 em recursos do candidato.

Mas há mais. Devem ser subtraídos os gastos com serviços contábeis e advocatícios, os quais encontram-se computados no autofinanciamento.

Com efeito, originariamente esta Casa adotava posicionamento no qual os gastos com serviços advocatícios ou contábeis eram considerados na aferição do limite legal de autofinanciamento; contudo, mais recentemente vem, forma pacífica, alinhada ao e. TSE, para julgar que as referidas despesas devem ser excluídas do limite de recursos próprios a ser utilizado pelo candidato, observada interpretação sistêmica do art. 23, § 2º-A, da Lei das Eleições. Vide trecho do voto do Min. Ricardo Lewandowski, acolhido à unanimidade pelos pares:

Não verifico que há ofensa ao art. 23, § 2º-A e § 3º, da Lei 9.504/1997 e do art. 27, § 1º e § 4º, da Res.-TSE 23.607/2019, na medida em que, embora tenha ocorrido a extrapolação do limite de autofinanciamento previsto nos dispositivos apontados pelo agravante, o Tribunal de origem consignou que houve o pagamento de R$ 26.200,00 (vinte e seis mil e duzentos reais) relativo a honorários advocatícios.

Como bem pontuado no acórdão, embora as despesas com honorários advocatícios e de contabilidade sejam eleitorais, elas são excluídas do limite de gastos de campanha, nos termos dos arts. 18-A, parágrafo único; 26, § 4º; 27, § 1º; e 100-A, § 6º, todos da Lei 9.504/1997.

Dessa forma, a Corte Regional agiu corretamente ao conferir interpretação sistemática ao art. 23, § 2º-A, da Lei das Eleições, promovendo eficácia aos dispositivos legais, no sentido de que o percentual de 10% para o autofinanciamento de campanha aplica-se ao limite previsto para gastos de campanha no cargo em que o candidato concorre, excetuadas as despesas com honorários advocatícios e contábeis pagas pelo candidato.

Esse mesmo entendimento foi perfilhado pela Procuradoria-Geral Eleitoral, como é possível depreender da seguinte passagem do seu parecer:

“Embora o limite para gastos com recursos próprios (autofinanciamento) não esteja contemplado expressamente nesta norma permissiva [art. 18-A, parágrafo único, da Lei 9.504/1997], a interpretação analógica de sua parte final conduz à compreensão de que o limite para autofinanciamento poderá ser afastado sempre que a causa do excesso for a contratação de serviços advocatícios ou contábeis. Assim, a norma resulta de ponderação feita pelo próprio legislador entre direito à ampla defesa e a igualdade entre os candidatos na disputa eleitoral, que optou pela prevalência daquela sobre esta a fim de permitir que o candidato contrate o profissional que lhe pareça mais conveniente, levando em consideração a natureza intuitu personae destes contratos. A propósito, os valores despendidos com advogado e contador não têm o potencial de gerar desequilíbrio no certame eleitoral, já que não são capazes de incrementar atos de campanha.” (ID 157711037).

O paradigmático precedente restou, assim, ementado:

ELEIÇÕES 2020. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS DE CANDIDATO. APROVAÇÃO. CÁLCULO DO LIMITE PARA O AUTOFINANCIAMENTO. GASTOS COM HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA DO ART. 23, § 2º-A DA LEI 9.504/1997. RECURSO ESPECIAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

1. Infirmados os fundamentos da decisão de inadmissibilidade, é de se prover o agravo para julgamento do recurso especial.

2. Hipótese em que o candidato ultrapassou o limite de uso de recursos próprios para quitar despesas com serviços advocatícios.

3. Nos termos dos arts. 18-A, parágrafo único; 26, § 4º; 27, § 1º; e 100-A, § 6º, todos da Lei 9.504/1997, os honorários advocatícios são despesas eleitorais que não compõem o teto global de gastos de campanha.

4. A interpretação sistemática do art. 23, § 2º-A da Lei das Eleições exclui os honorários advocatícios e contábeis pagos pelo candidato do cálculo do limite de 10% para o autofinanciamento de campanha.

5. Recurso especial a que se nega provimento.

BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Agravo Em Recurso Especial Eleitoral 060043041/SC, Relator(a) Min. Ricardo Lewandowski, Acórdão de 29/09/2022, Publicado no(a) Diário de Justiça Eletrônico 217, data 27/10/2022

No caso posto, constam nos autos os Recibos de Pagamento a Autônomo nos valores de R$ 600,00 e R$ 900,00 (ID 45822662 e ID 45822664), emitidos, respectivamente, na quitação de despesa contratada com Grasiel Sartori (serviços contábeis) e Márcia Bergmann (serviços advocatícios), cujos pagamentos aos credores declarados são confirmados por meio do extrato bancário disponibilizado no DivulgaCandContas.

Ou seja, as despesas sujeitas ao limite de autofinanciamento restaram computadas em R$ 306,00 (R$ 1.806,00 – R$ 1.500,00), abaixo do teto legal estabelecido para o caso.

Em conclusão, devem ser afastados o excesso de utilização de recursos próprios - apontado na sentença -  e, em consequência, a multa imposta.

Diante do exposto, VOTO para dar provimento ao recurso de GUILHERME SAMUEL HICKMANN, para (i) julgar as contas aprovadas com ressalvas, (ii) afastar a multa de R$ 2.207,49 (dois mil, duzentos e sete reais e quarenta e nove centavos) e (ii) manter a ordem de recolhimento de R$ 240,10 (duzentos e quarenta reais e dez centavos), nos termos da fundamentação.