AJDesCargEle - 0600053-64.2025.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 17/06/2025 às 16:00

VOTO

Inicialmente, consigno que prossegui no processamento da presente ação, por indicar a parte autora a iminente mudança da composição da bancada do UNIÃO BRASIL, com o licenciamento de um dos deputados estaduais componentes da bancada do partido para exercício de função de titular de Secretaria de Estado, o que alteraria o status de suplência da requerida, de forma a privilegiar o princípio da primazia da decisão de mérito (art. 4º do Código de Processo Civil), além de propiciar o amplo acesso ao contraditório e à ampla defesa por parte da ré BÁRBARA PENNA DE MORAES SOUZA.

Porém, antes de adentrar no mérito da ação, algumas considerações devem ser feitas.

Consigno que o nomen iuris da ação declaratória proposta, nominada pelo partido autor de “ação declaratória de primeira suplência”, não encontra previsão no ordenamento jurídico desta Justiça Especializada.

No entanto, tal questão é considerada irrelevante para se determinar a natureza jurídica da ação, que é definida pelo conteúdo de seu pedido e pela relação com a causa de pedir. Nesse sentido, como a matéria de fundo mostra-se atinente à alegada infidelidade partidária, é remissiva à desconstituição de mandato eletivo prevista no art. 22-A da Lei n. 9.096/95 (Lei dos Partidos Políticos), a seguir reproduzido:

Art. 22-A.  Perderá o mandato o detentor de cargo eletivo que se desfiliar, sem justa causa, do partido pelo qual foi eleito. (Incluído pela Lei nº 13.165, de 2015)

Parágrafo único.  Consideram-se justa causa para a desfiliação partidária somente as seguintes hipóteses: (Incluído pela Lei nº 13.165, de 2015)

I - mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário; (Incluído pela Lei nº 13.165, de 2015)

II - grave discriminação política pessoal; e (Incluído pela Lei nº 13.165, de 2015)

III - mudança de partido efetuada durante o período de trinta dias que antecede o prazo de filiação exigido em lei para concorrer à eleição, majoritária ou proporcional, ao término do mandato vigente. (Incluído pela Lei nº 13.165, de 2015)

A norma em comento, especificamente com relação ao procedimento de perda de cargo eletivo, bem como de justificação de desfiliação partidária, em observância ao que decidiu o Supremo Tribunal Federal no julgamento dos Mandados de Segurança números 26.602, 26.603 e 26.604, restou definida na Resolução TSE n. 22.610/07 nos termos seguintes:

Art. 1º O partido político interessado pode pedir, perante a Justiça Eleitoral, a decretação da perda de cargo eletivo em decorrência de desfiliação partidária sem justa causa.

§ 1º Considera-se justa causa:

I – incorporação ou fusão do partido;

II – criação de novo partido;

III – mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário;

IV – grave discriminação pessoal.

§ 2º Quando o partido político não formular o pedido dentro de 30 (trinta) dias da comunicação da desfiliação, efetivada pela Justiça Eleitoral nos termos do 25-B da Res.-TSE nº 23.596/2018, pode fazê-lo, em nome próprio, nos 30 (trinta) subsequentes, quem tenha interesse jurídico ou o Ministério Público Eleitoral. (Parágrafo 2º com redação dada pelo art. 2º da Res.-TSE nº 23668/2021).

§ 3º O mandatário que se desfiliou ou pretenda desfiliar-se pode pedir a declaração da existência de justa causa, fazendo citar o partido, na forma desta resolução.

Observados os termos positivados na Lei dos Partidos Políticos e na Resolução TSE n. 22.610/07, denota-se que a controvérsia dos autos reside na possibilidade de o partido político requerer declaração para que o suplente originalmente eleito pela agremiação seja excluído da ordem de suplência para assunção de titularidade de mandato eletivo legislativo em razão do reconhecimento de ausência de causa justificadora para a sua desfiliação partidária.

Vemos que é condição para tal ação eleitoral, no que diz respeito à legitimação passiva, o consignado no caput do reproduzido art. 22-A da Lei n. 9.096/95: “Perderá o mandato o detentor de cargo eletivo [...] (grifei)”.

Tenho que, mesmo que se supere a interpretação literal do artigo, por considerá-lo método hermenêutico mais simples, não é possível admitir-se outra lógica, porque as normas regulamentares que a Resolução TSE n. 23.610/07 traz são destinadas, estritamente, às relações jurídicas entre os partidos políticos e os detentores de mandatos eletivos. Nesse passo, cito trecho do voto prolatado pela Ministra LUCIANA LÓSSIO na Petição: 28-03.2016.600.0000 Brasília/DF 5742016 a demonstrar tal limitação:

[...] A Res.-TSE nº 22.610/2007 - que disciplina o processo de perda de cargo eletivo, bem como de justificação de desfiliação partidária - rege as relações existentes entre o filiado que exerce mandato eletivo e o partido pelo qual foi eleito. [...]

(TSE - PET: 280320166000000 Brasília/DF 5742016, Relator.: Min. Henrique Neves Da Silva, Data de Julgamento: 17.05.2016, Data de Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico - 19.05.2016 - n. 096 - Página 51/55.) Grifei.

Mais especificamente aplicáveis ao caso em tela, cito os seguintes precedentes:

AÇÃO DE PERDA DO MANDATO ELETIVO POR INFIDELIDADE PARTIDÁRIA – RESOLUÇÃO TSE Nº 22.610/2007 – Fidelidade partidária – Vereador suplente – Ação visando à decretação da perda de mandato eletivo em decorrência de desfiliação partidária sem justa causa – Desfiliação de suplente e posterior assunção do cargo eletivo – Inaplicabilidade do previsto no art. 22, parágrafo único, III, da Lei n° 9.096/95 ao suplente que não exercia mandato – Ausência de qualquer das hipóteses de justificação previstas – Decretação da perda do cargo eletivo do requerido – Procedência da ação, com determinação.

(TRE-SP. PET n. 060016046 - Acórdão de 19.10.2020, Des. Mauricio Fiorito.) Grifei.

AÇÃO DE PERDA DE CARGO ELETIVO POR DESFILIAÇÃO PARTIDÁRIA SEM JUSTA CAUSA (RESOLUÇÃO TSE N 22.610/2007) - EGRESSO DE SUPLENTE DE VEREADOR QUE NÃO SE ENCONTRA NO EXERCÍCIO DO CARGO ELETIVO - CAUSA DE PEDIR IMPREVISTA NA NORMATIZAÇÃO DA AÇÃO – AUSÊNCIA DE INTERESSE JURÍDICO - EXTINÇÃO DO FEITO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. "A disciplina da Resolução TSE 22.610/2007 não é aplicável aos suplentes que se desligam do partido pelo qual foram eleitos, pois estes não exercem mandato eletivo. Tratar-se-ia, portanto, de questão interna corporis"

[TSE. Petição n. 2979, de 2.2.2010, Min. Félix Fischer] (TRESC. Acórdão n. Acórdão n. 30270, de 25.11.2014, Juiz Vilson Fontana.) Grifei.

 

Portanto, é condição indispensável para o manejo da ação de perda de cargo eletivo por desfiliação partidária o ato de assunção do suplente no cargo eletivo. Tal situação transmutaria questão interna corporis para fato jurídico relevante a requerer a prestação jurisdicional desta Especializada. Veja-se:

[...] Nos casos em que o suplente assume o exercício do mandato em razão de licença, há o dever de fidelidade ao partido pelo qual se disputou as eleições. Em tais hipóteses, os suplentes ostentam a condição de mandatários, de modo que eventual infidelidade partidária não mais se restringe a esfera interna corporis.

(Cta. 1.714, de minha relatoria, DJe 24.9.2009) [...] (TSE Petição n. 2979, Acórdão de 02.02.2010, Rel. Min. Felix Fischer.) Grifei.

 

Ainda, lembro que a jurisprudência exige que tal assunção não deve se dar de forma precária, sendo necessário que a substituição de titularidade se projete para prazo maior que cento e vinte dias para que se submeta ao regime da infidelidade partidária. Essa foi a posição adotada por esta Corte, seguindo o entendimento do Tribunal Superior Eleitoral:

AGRAVO INTERNO. AÇÃO DE PERDA DE CARGO ELETIVO. ELEIÇÕES 2020. INDEFERIMENTO DE PETIÇÃO INICIAL. ILEGITIMIDADE PASSIVA. POSSE OCORRIDA DE MANEIRA PRECÁRIA NA CONDIÇÃO DE SUPLENTE. NECESSIDADE DE A SUBSTITUIÇÃO SER SUPERIOR AO PRAZO DE 120 (CENTO E VINTE) DIAS PARA A INCIDÊNCIA DA REGRA DE INFIDELIDADE PARTIDÁRIA. NEGADO PROVIMENTO. 1. Agravo interno interposto contra decisão monocrática que julgou extinta ação de perda de cargo eletivo, sem resolução de mérito, em razão da ilegitimidade passiva. 2. Os motivos para a extinção do feito sem resolução de mérito ocorreram mediante o apontamento de condição objetiva, criada pela jurisprudência exatamente para retirar a precariedade da situação daqueles suplentes que tenham se evadido de agremiação partidária e eventualmente venham a ocupar, em regime de substituição, cargo de mandato eletivo. Assim, o prazo decadencial de 30 (trinta) dias se inicia após a posse definitiva do suplente na cadeira do titular, sendo necessário que a substituição seja superior ao prazo de 120 (cento e vinte) para a incidência da regra da infidelidade partidária. Nesse sentido, o exercício do mandato de vereador em substituição ao titular por período de um a dois dias não é apto a inaugurar a contagem do prazo decadencial de propositura da ação de perda de mandato eletivo, uma vez que, sem a assunção definitiva do cargo, inexiste interesse jurídico da agremiação em requerê-lo judicialmente (AI - Agravo Regimental em Agravo de Instrumento nº 0600106-55.2019.6 .21.0000 - PORTO ALEGRE - RS, Acórdão de 06/05/2021, Relator Min. Luís Roberto Barroso, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônico, Tomo 105, Data 10/06/2021).3 . Provimento negado.

(TRE-RS - Acórdão: 060025631 CANGUÇÚ - RS, Relator.: Des. JOSÉ VINICIUS ANDRADE JAPPUR, Data de Julgamento: 24.10.2022, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Data 26.10.2022.)

 

Postos tais condicionantes, a realidade dos autos é de que a suplente, ora ré, encontra-se meramente ocupando posição de suplência do cargo de deputado estadual, sem qualquer situação fática que tenha alterado o seu status de forma a justificar a jurisdição eleitoral, como requerido pelo partido autor.

Tal circunstância a desqualifica a compor o polo passivo da ação eleitoral tendente a desvaler sua condição na ordem de suplência de cargo eletivo, visto que não é causa de pedir a perda do cargo de eleito investido em mandato, mas, sim, o desvalimento da condição de suplente de filiado de quem se diz ter se desfiliado voluntariamente.

Destaco, para que não remanesça dúvida, que o intento do autor em ter a declaração de afastamento da requerida da ordem de suplência não encontra guarida na jurisprudência, conforme o paradigma trazido do Tribunal Superior Eleitoral, que anota que a efetiva ocupação do cargo é condição da ação:

RECURSO ORDINÁRIO. INFIDELIDADE PARTIDÁRIA. DEPUTADO ESTADUAL. AÇÃO EXTEMPORÂNEA. DESFILIAÇÃO. SUPLENTE. PARTIDO. INTERESSE DE AGIR. AUSÊNCIA. 1. Conta-se da data da posse do suplente no cargo eletivo o prazo de 30 dias para o ajuizamento da ação por infidelidade partidária. Precedente. 2. Falta interesse de agir ao partido na ação de decretação de perda de cargo eletivo por infidelidade partidária em desfavor de suplente que se desligou da agremiação, se tal demanda for ajuizada antes da posse do pretenso infiel. 3. Recurso ordinário provido para extinguir o feito (TSE. Recurso Ordinário nº 2275, Acórdão de 25/05/2010, Rel. Min. Marcelo Ribeiro - grifei). Grifei.

Outra questão relevante a ser trazida à discussão travada nos autos é ser assente que quaisquer representações ou ações processuais ajuizadas a encerrarem, como substância, a migração partidária de suplentes que não exerçam mandato eletivo, sejam elas de pretensa carga declaratória, constitutiva ou cominatória, se afastam da órbita de competência da Justiça Eleitoral, a qual, resguardadas pontuais ressalvas, finda com a diplomação dos eleitos.

A este propósito:

AGRAVO REGIMENTAL. REPRESENTAÇÃO. FIDELIDADE PARTIDÁRIA. SUPLENTE. MATÉRIA INTERNA CORPORIS. NÃO-PREENCHIMENTO DAS HIPÓTESES DE CABIMENTO. NÃO-PROVIMENTO. 1. A mudança de agremiação partidária de filiados que não exercem mandato eletivo constitui matéria interna corporis e escapa ao julgamento da Justiça Eleitoral, não configurando hipótese de cabimento de representação perante o c. Tribunal Superior Eleitoral. 2. A Resolução-TSE nº 22.610/2007, que disciplina o processo de perda do mandato eletivo, bem como de justificação de desfiliação partidária, não é aplicável, uma vez que os suplentes não exercem mandato eletivo. Sua diplomação constitui "mera formalidade anterior e essencial a possibilitar à posse interina ou definitiva no cargo na hipótese de licença do titular ou vacância permanente", sem, contudo, conferir as prerrogativas e os deveres que se impõem aos parlamentares no exercício do mandato eletivo. Mutatis mutandis: STF, AgR-Inq nº 2453/MS, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 17.5.2007. 3. Agravo regimental não provido. (TSE. Representação nº 1399, Rel. Min. Felix Fischer, j. 19.02.2009). Grifei.

[...] O suplente de mandatário eleito pelo sistema proporcional não perde a condição de suplente pela simples mudança de partido político, correspondendo a matéria interna corporis das agremiações, sem relevância para a Justiça Eleitoral [...] (TRE-MG. CTA - CONSULTA nº 12545, Acórdão de 04/03/2013, Juiz Wander Paulo Marotta Moreira). Grifei.

Concluindo, ainda que extravagante, reconheço a competência desta Justiça Especializada e, ao examinar a ação manejada, identifico a carência de legitimidade e a ausência de interesse jurídico em seu detrimento, justificando a extinção do feito, sem resolução do mérito, com fundamento no art. 485, inc. VI, do Código de Processo Civil.

Ante todo o exposto, VOTO por EXTINGUIR o feito, sem resolução de mérito, nos termos do art. 485, inc. VI, do Código de Processo Civil.