REl - 0600028-90.2024.6.21.0160 - Voto Relator(a) - Sessão: 17/06/2025 às 16:00

VOTO

A representação foi ajuizada porque, no dia 10.9.2024, o recorrido Thiago Pereira Duarte, candidato a vice-prefeito pela Coligação Coragem e Mudança, postou em seus perfis no Instagram e Facebook um vídeo de propaganda eleitoral gravado no interior do Hospital de Pronto Socorro de Porto Alegre (HPS).

Os recorridos alegam que a gravação do vídeo foi disponibilizada ao Dr. Thiago Duarte por Vitor Hugo da Rosa Coelho de Souza, filho da paciente Maria Diva Rosa Coelho e autor das imagens, a quem o representado comprovadamente já atendia mesmo antes do período eleitoral, no ano de 2023, devido à demora da transferência da sua mãe para outro hospital.

A sentença julgou improcedente a representação, concluindo que não houve prática de conduta vedada por utilização indevida de dependência interna do Hospital de Pronto Socorro de Porto Alegre (HPS), bem público, para fins eleitorais, em afronta ao art. 73, inc. I, da Lei n. 9.504/97:

 

Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

I - ceder ou usar, em benefício de candidato, partido político ou coligação, bens móveis ou imóveis pertencentes à administração direta ou indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, ressalvada a realização de convenção partidária;

(...)

 

Os recorrentes sustentam, em síntese, ser incontroverso que houve efetiva utilização de bem público municipal, em área de acesso restrito (enfermaria do 4º andar do HPS), para gravação e divulgação de vídeo em campanha eleitoral, e que o próprio candidato a vice-prefeito divulgou em suas redes sociais imagens captadas dentro do hospital, sendo irrelevante a autoria das imagens, mas sim sua utilização em campanha.

Quanto à utilização de bem público para fins eleitorais, de fato o art. 73, inc. I, da Lei das Eleições veda expressamente o uso de bens públicos em benefício de candidatos. No entanto, para a configuração da conduta vedada, exige-se não apenas a presença do candidato em bem público, mas a demonstração de uso efetivo e indevido do espaço público em prol da candidatura, de modo a comprometer a igualdade de condições na disputa eleitoral.

No caso em tela, o juízo a quo concluiu que não há provas de que o vídeo divulgado tenha sido gravado pelo próprio recorrido ou por equipe a ele vinculada e que seu acesso não ocorreu exclusivamente por ser médico da rede pública de saúde, uma vez que foi ao local na qualidade de visitante, a pedido do filho da paciente.

De fato, os autos demonstram apenas que o recorrido exibiu gravação de vídeo realizada por terceiro em local de restrito acesso de hospital público. Mas, nem a instituição, no ofício juntado aos autos, nem as testemunhas ouvidas em juízo, Tatiana Razzolini Breyer e Akira Muller, afirmaram que a captação de imagens foi feita pelo candidato.

Conforme a sentença: “As imagens reconhecidamente gravadas pelo Dr. Thiago Duarte foram feitas, isso sim, na parte externa do HPS e em seu consultório particular, hipóteses que não configuram a prática eleitoral vedada que a ele foi imputada, não afetando a igualdade de oportunidades entre os candidatos no pleito municipal, sendo a todos possível a realização de imagens na área externa do referido hospital ou em ambientes privados”.

A narrativa defensiva, no sentido de que as imagens foram entregues pelo filho da paciente internada no HPS, foi corroborada pela prova documental, mediante declaração com firma reconhecida efetuada pelo filho da paciente, Vitor Hugo da Rosa Coelho de Souza.

E, ao produzir as imagens, o filho da paciente não estava trabalhando para a campanha dos recorrido e nem se tem notícia de que ele atuava como militante. Vitor estava em situação de fragilidade e desespero pelo estado de saúde de sua mãe, e tinha interesse pessoal no compartilhamento das imagens, repassadas para fazer crítica ao atendimento do hospital. Não foi demonstrado que seu intuito era realizar campanha.

É dizer: o contexto em que efetuada a gravação não caracteriza situação de prática de conduta vedada, porque a produção das imagens foi realizada com finalidade precípua de insurgência contra a demora na transferência hospitalar, e não de crítica à gestão pública dos candidatos à reeleição.

Logicamente, não sejamos ingênuos a ponto de desconsiderar que, em época eleitoral, todos os interesses são maximizados e que a visita foi realizada em pleno período de campanha, a menos de um mês da eleição, no dia 10.09.2024. Também, por óbvio, não se desconhece que, na época de disputa de cargo de comando na gestão da prefeitura, não se separa a condição de médico da de candidato.

Mas não há nos autos elementos de prova de que o fato de competir como candidato a vice-prefeito foi o fator determinante que fez com que o filho da paciente contatasse o recorrido para reclamar do atendimento de saúde público municipal.

Ainda que do conteúdo do caderno probatório sobressaia nítida a exploração eleitoreira do acontecimento pelos recorridos, consoante reconhecem em sua defesa ao referir que as imagens “demonstram que os gestores faltam com a verdade quando negam a existências das filas colocando em risco os pacientes”, é preciso considerar que somente fora do contexto da gravação o candidato fez uso do material com finalidade eleitoral.

Segundo o TSE: “O art. 73 da Lei n. 9.504 /97, por encerrar norma restritiva de direitos, deve ser interpretado restritivamente, devendo a conduta corresponder exatamente ao tipo previsto na lei” (TSE, AI: n. 00001262220166160168, Rel. Min. Luís Roberto Barroso, DJE 16.8.2019). No caso em tela, o uso eleitoral do vídeo ocorreu em momento posterior, e a utilização de imagens captadas por terceiros que não trabalham para a candidatura, fora do contexto de campanha, não pode ser equiparada ao uso ou cedência de bem público em benefício de candidatos.

Sobre a presença do candidato no interior do hospital, ainda que se aceite que Thiago Duarte tenha visitado a paciente no interior da enfermaria, em ambiente que não era de livre acesso ao público – fato que não se nega –, foi justificado que o acesso foi motivado por vínculo médico anterior e a convite da família.

As alegações de que a presença do candidato ocorreu na condição de visitante e de que Thiago já era médico de Maria Diva Rosa Coelho foram comprovadas por receituário de saúde emitido pelo recorrido à referida paciente em 03.3.2023.

Conforme concluiu a sentença, o candidato “(…) é médico, com o que o acesso à enfermaria lhe é possível, em tese, para atendimento aos seus pacientes”. Entendo ter sido suficientemente comprovado que Thiago Duarte esteve nas dependências de acesso restrito do Hospital de Pronto Socorro visitando uma pessoa que já era sua paciente e que lá se encontrava internada.

Quanto ao argumento de que o candidato usou da autoridade de médico da rede pública para ter acesso facilitado a uma área restrita do hospital, resta a tese defensiva de que Thiago estava afastado do SUS para exercício de atividade parlamentar, sendo verossímil a tese de que na ocasião o recorrido foi à enfermaria do HPS como convidado de uma paciente que já antedeu em seu consultório.

O acesso à área restrita de hospitais é concedido tanto aos médicos de pacientes quanto à familiares, acompanhantes e visitantes, quando autorizados. Não é possível afirmar que as condições pessoais de ser médico, médico do SUS, ou candidato, por si sós, foram o critério determinante estabelecido para o acesso à enfermaria.

Sobre o tema, o TSE entende que: “Cabe ao autor comprovar a restrição ou inacessibilidade do bem público pelo cidadão comum para que o uso de sua imagem possa vir a se amoldar à conduta vedada prevista no art. 73, inc. I, da Lei n. 9.504 /97” (TSE - RO: n. 060219665 BELÉM - PA, Relator.: Min . Edson Fachin, Data de Julgamento: 10.3.2020, Data de Publicação: 14.4.2020).

Quanto a isso, no recurso afirma-se que o candidato à reeleição como prefeito teve negado o acesso ao hospital, mas em nenhum momento foi demonstrado que a instituição negou visita a um paciente internado no local, na condição de visitante, acompanhante ou familiar, que foi o que ocorreu especificamente na hipótese presente. Não se demonstrou que outros candidatos tenham sido impedidos de igual acesso ao interior do hospital, nos moldes em que o recorrido teve acesso. Pelo contrário, a situação analisada revela episódio isolado.

Fato é que não foi comprovado o uso de prerrogativas funcionais ou de autoridade pública para burlar regras hospitalares no momento da visita, o que caracterizaria conduta vedada. Como bem ressaltou o juízo de origem, não houve prova de que a entrada de Thiago, naquele momento, se dava na condição de médico da rede pública ou que tenha ocorrido na condição de candidato, com objetivo eleitoral direto.

É inequívoco que houve uso político do episódio. No campo da realidade prática do contexto político-eleitoral, é preciso, aqui, criticar a estratégia de campanha dos recorridos, pois o fato permeia a ilicitude. Contudo, as peculiaridades do caso concreto, afetas à insuficiência de provas de infração quanto ao acesso ao local e também à circunstância de que a captação de imagens foi feita por terceiro, desvinculado da campanha, demonstram que essa divulgação não ultrapassou os limites da legislação eleitoral.

Ademais, conforme consta da sentença, “(…) se eventualmente houve infração a regramentos do HPS, da administração pública municipal, ou ainda às normas que regem o exercício da medicina, devem ser apuradas nas esferas próprias, não cabendo à Justiça Eleitoral tecer considerações a respeito”.

Com esses fundamentos, e no que se refere ao restrito âmbito de competência da Justiça Eleitoral, merece ser mantida a sentença, pois também considero que a visita não configurou prática de conduta vedada.

Diante do exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso eleitoral.