REl - 0600734-09.2024.6.21.0052 - Voto Relator(a) - Sessão: 17/06/2025 às 16:00

VOTO

Presentes os pressupostos objetivos e subjetivos de admissibilidade, conheço dos recursos interpostos. 

No mérito, o juízo da origem julgou parcialmente procedente a Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE) proposta pelo Ministério Público Eleitoral, ao efeito de reconhecer a prática da conduta vedada prevista no art. 73, inc. I, da Lei n. 9.504/97, consistente na utilização de veículo oficial para transporte de material de campanha eleitoral, aplicando aos investigados as sanções de multa nos seguintes valores: i) R$ 20.000,00 para cada um dos investigados João Alberto Ourique do Nascimento e Rogério Quevedo de Camargo; ii) R$ 12.000,00 para Juarez da Silva Cantini; e iii) R$ 7.000,00 para Leandro da Silva Veiga.

É incontroverso que, nos termos da sentença, “um veículo oficial, uma caminhonete Chevrolet/S10 LTZ, de cor prata, placas JBQ3I26 (placa oficial 290), pertencente ao Gabinete do Prefeito de Bossoroca, foi utilizado pelo servidor público Leandro para o transporte de sete bandeiras e mil seiscentos e vinte adesivos que compunham o material de campanha dos candidatos ao pleito majoritário João Alberto e Rogério e ao pleito proporcional Juarez” (ID 45864231). 

A materialidade do fato não foi objeto de impugnação nos recursos interpostos, os quais se delimitam a defender aspectos ligados à participação e ao elemento subjetivo dos agentes, a fim de afastar a responsabilidade pessoal sobre o fato. 

Assim, é inequívoca a ocorrência de infração ao art. 73, inc. I, da Lei n. 9.504/97, que proíbe a cessão ou o uso, em benefício de candidato, partido político ou coligação, de bens móveis ou imóveis pertencentes à Administração Pública, ressalvada a realização de convenção partidária: 

Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais: 

I - ceder ou usar, em benefício de candidato, partido político ou coligação, bens móveis ou imóveis pertencentes à administração direta ou indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, ressalvada a realização de convenção partidária; 

[…]. 

§ 4º O descumprimento do disposto neste artigo acarretará a suspensão imediata da conduta vedada, quando for o caso, e sujeitará os responsáveis a multa no valor de cinco a cem mil UFIR. 

 

Em relação aos recursos de João Alberto Ourique do Nascimento, Rogério Quevedo de Camargo e Juarez da Silva Cantini, a tese de inexistência de anuência ou prévio conhecimento não prospera. 

À luz da lógica e da experiência comum, não se mostra plausível que os candidatos desconhecessem a destinação de tão expressiva quantidade de materiais de propaganda eleitoral que lhes diziam respeito e haviam contratado. 

Igualmente, não se revela verossímil que a empresa fornecedora tenha realizado a entrega dos produtos a um terceiro sem que os contratantes originais tenham autorizado ou orientado tal procedimento, ainda que informalmente. 

Em uma breve verificação nos dados disponíveis no Sistema de Divulgação de Candidaturas de Contas Eleitorais, confirma-se a vinculação entre os candidatos e a empresa em questão, uma vez que João Alberto Ourique do Nascimento e Rogério Quevedo de Camargo contrataram serviços da Gráfica Center Comunicação Visual (razão social: Maicon Ribeiro Santos), no valor de R$ 12.519,90 (https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/SUL/RS/2045202024/210002124249/2024/85499/nfes), e Juarez da Silva Cantini investiu o total R$ 2.240,00 com o mesmo fornecedor (https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/SUL/RS/2045202024/210002062585/2024/85499/prestacao/despesas). 

Além disso, à época do fato, João Alberto Ourique do Nascimento era Vice-Prefeito do Município e Juarez da Silva era o Presidente da Câmara de Vereadores, de modo que detinham familiaridade com a rotina do Gabinete do Prefeito e com a estrutura administrativa que lhe garantia o funcionamento. 

No tocante a alegação de ausência de gravidade suficiente para a imposição da sanção pecuniária, a Corte Superior consagrou o entendimento de que “os efeitos decorrentes do cometimento da conduta vedada são automáticos, ante o caráter objetivo do ilícito, o qual prescinde da análise de pormenores circunstanciais que eventualmente possam estar atrelados à prática, tais como potencialidade lesiva e finalidade eleitoral” (TSE - REspEl: n. 0600306-28/RN, Relator: Min. Edson Fachin, Data de Julgamento: 04.6.2021, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo n. 103). 

Essa orientação encontra respaldo também no art. 20, § 1º, da Resolução TSE n. 23.735/24, segundo o qual a configuração das condutas vedadas “consumam-se pela prática dos atos descritos, que, por presunção legal, tendem a afetar a isonomia entre as(os) candidatas(os), sendo desnecessário comprovar sua potencialidade lesiva”. 

No caso concreto, restou cabalmente comprovado que servidor público, utilizando veículo oficial, em horário de expediente, transportou expressiva quantidade de material de campanha, bandeiras e adesivos, em contexto fático que permite concluir pelo prévio conhecimento e anuência dos beneficiados. 

De seu turno, o motorista Leandro da Silva Veiga postula a improcedência da ação quanto a si, aduzindo que não agiu com consciência do ilícito, pois acreditava transportar material institucional de publicidade do Município. 

Ouvido no procedimento preparatório realizado pelo Ministério Público Eleitoral, Leandro narrou que, após conduzir o servidor da tesouraria municipal à Caixa Econômica Federal de Santiago, enquanto o aguardava, decidiu ir até a gráfica para conferir se havia algum material para a Prefeitura, sem saber detalhes sobre o material (ID 45864074). 

Igualmente, nas peças processuais apresentadas, Leandro, embora tenha afirmado que nenhum candidato lhe solicitou a busca do material, não indicou a pessoa de quem partiu a ordem para que fosse até a gráfica, ainda que a pretexto de coletar itens de publicidade institucional. 

Tais circunstâncias autorizam a conclusão de que o motorista não agiu como mero executor de ordens superiores ou como simples mandatário de terceiro, mas agiu com liberdade e voluntariedade na prática da ação. 

Relativamente ao alegado desconhecimento da natureza dos itens coletados, as imagens e os vídeos juntados com a petição inicial (ID 45864068, fls. 11 a 16) revelam que os adesivos, embora envolvidos em faixas brancas, com anotações das quantidades, estavam bastante visíveis em todo o seu conteúdo, sendo claramente identificáveis como materiais de propaganda eleitoral de “Beto” e "Rogério”. 

Da mesma forma, nas bandeiras, trazidas enroladas no banco de trás do veículo, era bastante fácil identificar o nome, número, foto e partido de Juarez Cantini, resultando inequívoco a qualquer observador que se tratava de artefatos de campanha (IDs 45864069 e 45864076). 

Logo, a possibilidade de imediata e inequívoca observação de que os produtos consistiam em material de propaganda eleitoral já infirma a tese defensiva de alegada confusão por parte do funcionário da gráfica ou do motorista Leandro a respeito do que deveria ter sido efetivamente recolhido. 

Em acréscimo, colho trecho da sentença que analisou de forma judiciosa o fato de as cores utilizadas pelos candidatos não se confundirem com as cores das peças institucionais promovidas pela Prefeitura e de que as contratações da gráfica pelo Munícipio eram bastante esporádicas, não havendo qualquer serviço no ano de 2024 que justificasse o comparecimento do motorista do Gabinete do Prefeito naquela empresa: 

Nessa linha, destaco que, por mais que as bandeiras estivessem enroladas, o papel que as envolvia identificava de forma explícita que o destinatário do material era o Presidente da Câmara de Vereadores e candidato Juarez Cantini, consoante se depreende da fotografia acostada na ID 124616633, fl. 13. Além disso, as cores utilizadas para identificação e promoção do Município de Bossoroca ou da Feira BOEXPA, quando comparadas com as utilizadas pelos investigados em sua campanha política, impedem a confusão apontada pela defesa. Isso porque, conforme trazido pelo Ministério Público e referido pela testemunha Maicon Ribeiro e pelas demais testemunhas ouvidas em juízo, o Município de Bossoroca é identificado pelas cores verde e amarela, assim como a feira agropecuária é identificada pelas cores verde e branco, ao passo que as bandeiras recebidas na gráfica ostentavam a cor azul. E tal circunstância, já perceptível de plano por qualquer munícipe, mesmo que alheio às campanhas eleitorais realizadas no período, ostenta especial relevância no tocante ao investigado Leandro, o qual, como apontado, é filiado ao Partido Progressistas e atuou diretamente como apoiador na campanha política dos demais investigados, inclusive participando de passeatas, carreatas e "bandeiraços". Logo, a Leandro a percepção se mostrava ainda mais evidente e a distinção ainda mais fácil, a refutar o argumento relativo ao desconhecimento do conteúdo do material transportado. 

 

Por fim, no que tange à alegação defensiva de que o comparecimento a gráficas consistia em prática costumeira, pela habitualidade com que o Município de Bossoroca adquire materiais de natureza promocional, a documentação apresentada pelo Ministério Público na fase de diligências demonstra o contrário no tocante à empresa exercida por Maicon Ribeiro dos Santos, localizada em Santiago, de nome fantasia "Center Cópias". Nesse sentido, compulsando os relatórios de despesas do Município de Bossoroca em relação à referida pessoa jurídica (ID 126352014), exsurge claro que sua contração para fins institucionais era esporádica, ocorrendo em apenas quatro oportunidades no ano de 2023 e em nenhuma ocasião no ano de 2024. Daí que, diferentemente do alegado, a frequência ao estabelecimento comercial em decorrência de contratações institucionais não era corriqueira, mas fortuita, a ratificar a impossibilidade de que a conduta do investigado tenha se dado em contexto de erro inevitável. 

 

Assim, está comprovada a prática e adesão de Leandro com a conduta vedada prevista no art. 73, inc. I, da Lei n. 9.504/97, ciente que se utilizava da máquina administrativa em prol da campanha eleitoral de João Alberto, Rogério e Juarez.  

Superada a análise acerca da configuração da conduta vedada, passa-se à aferição da proporcionalidade das sanções pecuniárias aplicadas. 

Conforme sedimentado na jurisprudência do TSE: “as multas por prática de conduta vedada devem ser fixadas dentro dos limites previstos no art. 73, § 4º, da Lei 9.504/97, considerando–se a capacidade econômica do infrator, a gravidade da conduta e a repercussão que o fato atingiu. Precedentes (Rp n. 2959-86, Relator: Min. Henrique Neves da Silva, DJE de 17.11.2010; AgR-REspe n. 158-88, rel. Min. Gilmar Mendes, DJE de 09.11.2015)” (AgRREspE n. 1223-48/AP, Relator o Ministro Henrique Neves da Silva, DJe 18.11.2016). 

No caso concreto, João Alberto, Rogério e Juarez gozam de boa condição financeira e alcançaram a eleição aos respectivos cargos que disputaram. Além disso, a infração representou, em um único contexto fático, a utilização do patrimônio municipal (com veículo oficial e o correspondente combustível), do trabalho de servidor em horário de expediente e de prédio público ao qual os materiais foram conduzidos, afetando, ainda, o funcionamento normal do órgão público, uma vez que, conforme se depreende da prova testemunhal (ID 45864162 e anexos), com o retorno do veículo, ocorreu um grande tumulto no saguão da Prefeitura, com a intervenção de outros vereadores, servidores e da Brigada Militar. 

Nesse contexto, as penalidades aplicadas a João Alberto, Rogério e Juarez foram criteriosamente arbitradas na sentença, não merecendo reparos, consoante fundamentos que adoto: 

Nesse diapasão, quanto aos investigados João Alberto Ourique do Nascimento e Rogério Quevedo de Camargo, candidatos, respectivamente, aos cargos de prefeito e de vice-prefeito, seja pela importância e natureza do cargo pretendido, seja pelo benefício auferido a partir da quantidade de material de campanha ilegalmente transportado (1620 adesivos), tenho que a pena de multa deva ser aplicada em patamar mais elevado. Outrossim, destaco que João Alberto já desempenha a função de vice-prefeito de Bossoroca atualmente, razão pela qual sua experiência com o cargo público torna ainda mais reprovável seu agir. Por fim, em consulta ao sítio de Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais do TSE (https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/home), observo que os investigados declararam um patrimônio avaliado em R$ 1.418.666,20, e R$ 1.073.000,00. A partir deste panorama, estabeleço o valor da pena de multa em R$ 20.000,00, para cada um dos investigados, porquanto sanção proporcional à conduta e que bem atende a finalidade de justa reprovação. 

Quanto ao investigado Juarez da Silva Cantini, candidato ao cargo de vereador, entendo que a quantidade de material de campanha ilegalmente transportado (7 bandeiras), assim como o patrimônio declarado ao TSE no registro da sua candidatura (R$ 200.000,00), autorizam a fixação da pena em patamar inferior. Entretanto, não se pode desconsiderar que, além de pessoa beneficiada com a conduta vedada, também apresenta experiência com o cargo pretendido, afinal atual Presidente da Câmara de Vereadores do município, circunstâncias que tornam mais censurável seu agir. A partir deste panorama, fixo o valor da pena de multa em R$ 12.000,00, porquanto sanção proporcional à conduta e que bem atende a finalidade de justa reprovação. 

 

Quanto ao recorrido Leandro da Silva Veiga, considerando que não ocupa e não disputou cargo político e apresenta menor capacidade econômica, uma vez que aufere vencimentos na ordem de R$ 3.354,75 (ID 45864080, fl. 2), adotando o princípio da proporcionalidade, penso que a multa deve ser fixada no patamar mínimo legal, atualmente estabelecido em R$ 5.320,50, nos termos do art. 20, inc. II, da Resolução TSE n. 23.735/24. 

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo desprovimento dos recursos de João Alberto Ourique do Nascimento, Rogério Quevedo de Camargo e Juarez da Silva Cantini, bem como pelo parcial provimento do recurso de Leandro da Silva Veiga, para reduzir a multa aplicada para o valor de R$ 5.320,50.