REl - 0600485-67.2024.6.21.0049 - Voto Relator(a) - Sessão: 17/06/2025 às 16:00

VOTO

1. Tempestividade

O recurso é tempestivo, obedece ao prazo de três dias concedido pela legislação, art. 258 do Código Eleitoral, e atende aos demais pressupostos processuais, de forma que está a merecer conhecimento.

2. Preliminares

2.1. Ausência de dialeticidade da peça recursal. 

A recorrida SANDRA REGINA MARCOLLA, em suas contrarrazões, argui a prefacial de não conhecimento do recurso, devido à alegada ausência de dialeticidade da peça recursal em relação aos fundamentos da sentença. 

A ausência de dialeticidade deve ser identificada naqueles casos em que, por exemplo, as razões de recurso ignoram fundamentos sentenciais e apenas repetem os argumentos já elencados na petição inicial. 

Não é o que ocorre no presente caso. Por exemplo, a questão da gravidade dos atos praticados por Neiva, para a caracterização de abuso de poder político e/ou econômico, encontra-se presente na petição inicial, na defesa, na sentença, nas razões de recurso e nas contrarrazões - ou seja, cuida-se de questão de fundo de causa que permeia toda a demanda e dela não pode se afastar. E o mesmo ocorre em relação à eventual prática de conduta vedada, com citação do art. 73, incs. I a IV, na petição inicial, e posterior estreitamento normativo nas razões de recurso, nomeadamente o art. 73, inc. II, sempre da Lei n. 9.504/97. É defeso ao recorrente, frise-se, ignorar fundamentação da sentença e manter argumentos aleatórios a ela. Não é o que ocorre no presente caso. 

É certo, no caso dos autos, que a peça recursal tem base na petição inicial - e pode-se inclusive ter preferência por outra espécie de distribuição argumentativa -, mas tais impressões são subjetivas. Da leitura do recurso, é possível extrair o conteúdo da irresignação em relação à decisão terminativa de primeiro grau, e tal circunstância, sobretudo à luz dos princípios da colaboração entre as partes para o deslinde do processo (no que se inclui o magistrado) e de prevalência das decisões de mérito (norma diretamente lançada ao titular da atividade jurisdicional), impõe que se reconheça dialeticidade - alguma dialeticidade - com as razões de decidir exaradas pela Origem. 

Afasto a prefacial.

2.2. Litigância de má-fé.

A recorrida entende que o recurso, exatamente por não "impugnar especificamente os fundamentos da sentença, teria sido interposto com intuito manifestamente protelatório, causa de constatação de litigância de má-fé, nos termos do art. 80, inc. VII, do CPC".

Sem razão. As hipóteses de litigância de má-fé - incidente processual gravíssimo -, devem ser reservadas a casos extremos, e, como já asseverado, a peça recursal não fora interposta de maneira desconectada das razões de decidir. Impugna, de fato, a sentença. Friso, aqui, que as demandas judiciais são terreno naturalmente caudaloso, pois veiculam pretensões resistidas e, longe de aqui cuidar profundamente de questões antropológicas e psicológicas, é natural que cada indivíduo possua um diferente enfoque de determinada situação, sobretudo quando pensa, internamente, possuir razão. 

Este, precisamente, o caso. Há um fato, incontroversamente ocorrido, conforme se perceberá, com diferentes posicionamentos, entre as partes, sobre as consequências jurídicas que o Poder Judiciário há de atribuir à situação. 

Afasto também esta prefacial. 

3. Mérito

3.1. Fundamentos. Legislação. Doutrina.

3.1.1. Abuso de poder. 

O sistema legislativo busca a proteção da normalidade e da legitimidade do pleito, bem como o resguardo da vontade do eleitor, para que não haja a nefasta prática do abuso de poder - no caso dos autos, o uso de veículo oficial para transporte e recolhimento de propaganda eleitoral. Para tanto, a Constituição Federal, art. 14, § 9º, dispõe:

Art. 14. (…) § 9º. Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para o exercício do mandato, considerada a vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta.

E, para a configuração do abuso de poder, saliento que deve ser considerada a gravidade da conduta, sem a necessidade da demonstração de que o resultado das urnas foi – ou poderia ter sido - influenciado. É o que preconiza o art. 22, inc. XVI, da Lei Complementar n. 64/90:

Art. 22. Qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral poderá representar à Justiça Eleitoral, diretamente ao Corregedor-Geral ou Regional, relatando fatos e indicando provas, indícios e circunstâncias e pedir abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político, obedecido o seguinte rito: (...). (grifei)

Nesse sentido é também a posição da doutrina, aqui representada pela lição de Rodrigo Lopez ZILIO:

O relevante, in casu, é a demonstração é a demonstração de que o fato teve gravidade suficiente para violar o bem jurídico que é tutelado, qual seja, a legitimidade e a normalidade das eleições. Vale dizer, é bastante claro que a gravidade como critério de aferição do abuso de poder apresenta uma característica de correlação com o pleito, ou seja, tem-se por necessário examinar o fato imputado como abuso de poder e perscrutar a sua relação com a eleição, ainda que essa análise não seja realizada sob um aspecto puramente matemático. (Manual de Direito Eleitoral. São Paulo: JusPodivm, 10ª ed. 2024, p. 756). (Grifei.)

Com tal sistemática - que pode ser denominada "gradiente da gravidade" -, a lupa do julgador passou a examinar as circunstâncias do ato tido como abusivo - quem, quando, como, onde, por que - com o fito de avaliar diversos fatores, dentre os quais a existência de repercussão na legitimidade e normalidade das eleições e o grau de reprovabilidade da conduta sob o ponto de vista social, em exame do meio fático e do meio normativo sob aspectos quantitativos e qualitativos (em lição de ALVIM, Frederico, in Abuso de Poder nas competições eleitorais. Curitiba, Juruá Editora, 2019).

Nessa ordem de ideias, a análise da gravidade se trata de uma questão de ser "menos" ou "mais", e não um dilema dual, binário de "ser" ou "não ser".  Especificamente no que toca ao abuso de poder político, trago trecho da obra de Luiz Carlos dos Santos GONÇALVES, que em elegante pena bem sintetiza a moderna faceta dessa modalidade de abuso:

Todo o abuso de poder de autoridade envolve um mau uso de recursos públicos, que por disposição constitucional devem ser utilizados com igualdade, eficiência, economicidade, impessoalidade e transparência. Não é sem razão que esses abusos eleitorais consistem, concomitantemente, em atos de improbidade administrativa”. (Ações Eleitorais, São Paulo: Publique Edições, 2ª ed. 2024, p. 171).

Também vale consignar que o Tribunal Superior Eleitoral já pacificou posicionamento no sentido de que o abuso de poder político se caracteriza quando o agente público, "valendo-se de sua condição funcional e em manifesto desvio de finalidade, compromete a igualdade e a legitimidade da disputa eleitoral, em benefício de candidatura própria ou de terceiros" - RO n. 172365-DF, Rel. Min Admar Gonzaga, DJe de 27.2.2018, dentre outros. 

3.1.2. Condutas vedadas.

Por seu turno, a legislação de regência concernente às condutas vedadas visa a tutelar o bem jurídico da isonomia entre os concorrentes ao pleito. Já há algum tempo, o Tribunal Superior Eleitoral tem como pacífico que as hipóteses relativas às condutas vedadas são objetivas, taxativas e de legalidade restrita, sendo que “a conduta deve corresponder ao tipo definido previamente” (Recurso Especial Eleitoral n. 24.795, Rel. Luiz Carlos Madeira, julgado em 26.10.2004).

Na doutrina, José Jairo GOMES vaticina, com precisão, que "a conduta vedada traduz a ocorrência de ato ilícito eleitoral. Uma vez caracterizada, com a concretização de seus elementos, impõe-se a responsabilização tanto dos agentes quanto dos beneficiários do evento", pois "tendem a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais", pois no aspecto subjetivo "a conduta inquinada deve ser realizada por agente público" (Direito Eleitoral, 12ª Ed. Atlas, São Paulo, p. 741). 

Dessa forma, a constatação da prática de conduta vedada exige apenas a consunção do fato na legislação que o tipifica, sem a necessidade de análise de outros elementos, sejam subjetivos ou de efeito no resultado da competição eleitoral – dito de outro modo, a escolha do legislador foi a de entender determinadas práticas como tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos. No caso dos autos, a petição inicial indica o art. 73, incs. I a II, da Lei n. 9.504/97, e as razões de recurso indicam o art. 73, inc. II, ponto que carecerá de maior reflexão, conforme se verá.

Com tais premissas legislativas, doutrinárias e jurisprudenciais, passo ao exame do caso propriamente dito, considerado que a sentença absolveu LUCAS GONÇALVES MENEZES.

3.2. Fatos e sopesamento da prova.

3.2.1. Exclusão de análise. Improbidade administrativa e desvio de função.

Inicialmente, esclareço que quaisquer alegações relativas (1) à prática de improbidade administrativa ou (2) a ocorrências de desvio de função, não serão objeto de análise no presente julgamento. 

O motivo é simples: ambos os tópicos integram a seara do direito administrativo, e a análise dos fatos à luz de tais institutos escapa da competência desta Justiça Eleitoral em razão da matéria, sob pena de nulidade. Caberá à Justiça Comum tal análise (mesmo que em vara/câmara especializada), de modo que sequer em tese as alegações das partes poderiam ser objeto de juízo eleitoral por, repito, incompetência absoluta.  Nessa linha, jurisprudência de há muito assentada no Tribunal Superior Eleitoral:

RECURSO ORDINÁRIO. INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. CONDUTA VEDADA. ART. 73, § 10, DA LEI N° 9.504/97. SENADOR. DEPUTADO ESTADUAL. REPASSE. RECURSOS FINANCEIROS. SUBVENÇÃO SOCIAL. ENTIDADES PRIVADAS. FOMENTO. TURISMO. ESPORTE. CULTURA. CONTRATO ADMINISTRATIVO. CONTRAPARTIDA. GRATUIDADE. DESCARACTERIZAÇÃO. DESPROVIMENTO. (...) 3. Compete à Justiça Eleitoral apreciar a ocorrência de abuso do poder político ou econômico com interferência no equilíbrio das eleições. As práticas que consubstanciem, tão somente, atos de improbidade administrativa, devem ser conhecidas e julgadas pela Justiça Comum. REspe no 658-07.2011.6.19.0000/RJ 7 4. Recurso a que se nega provimento. (RO 17172311SC, Rel. Min. Marcelo Ribeiro, DJe de 6.6.2012) (Grifei.)

3.2.2. Fatos e abuso de Poder. Inexistência de gravidade. 

Adianto aos colegas, na esteira da manifestação ministerial, que no presente tópico julgo não assistir razão à recorrente MARIA LUIZA BICCA BRAGANÇA FERREIRA. A sentença é, em um termo, irretocável. Os fatos descritos na inicial - incontroversos - não possuem gravidade apta a atrair a caracterização de abuso de poder.

Explico. 

No caso concreto, a recorrente pleiteia o reconhecimento de abuso de poder, prática de conduta vedada e desvio de função, em razão da utilização de veículo público da Prefeitura de São Gabriel por servidora pública então ocupante de cargo comissionado. Em síntese, teria havido recolhimento de material de campanha eleitoral do candidato à reeleição LUCAS GONÇALVES MENEZES, na chapa que compôs com SANDRA REGINA MARCOLLA. Do conjunto probatório, resta incontroverso que Neiva utilizou, de fato, o veículo NISSAN, placas IMW-9081, para o transporte/recolhimento do artefato de propaganda eleitoral denominado windbanner.

Uso indevido da máquina pública, com certeza.

Ato ilegal e reprovável, certamente. 

Mas irrelevante, sem repercussão para o cenário eleitoral do Município de São Gabriel, sob a ótica do abuso de poder. Ao contrário do afirmado pela recorrente, São Gabriel não pode ser considerado município de pequeno porte, sobretudo no contexto gaúcho. Com mais de 45.000 eleitores, dados do ano de 2024, o município se apresenta dentre os 50 (cinquenta) maiores eleitorados do Rio Grande do Sul, um estado com quase 500 municípios, e deve ser considerado de médio porte. Para que o tema seja colocado em adequada perspectiva, cerca de 350 municípios do RS possuem menos de 10.000 eleitores. 

Ou seja, neste prisma, os fatos incontroversos - uso de um veículo, por uma servidora, para recolher windbanner -, convenhamos, não podem ter o condão de atrair a noção de gravidade, utilizada pela legislação e reverberada pela doutrina e pela jurisprudência. 

Dito de outro modo, não houve abuso de poder porque não houve exercício de poder - há uma utilização (infelizmente) comezinha, mas apequenada, mesquinha, de bem público móvel, por agente público, em situação despida de, repito, gravidade. 

Como bem asseverado pela d. Procuradoria Regional Eleitoral, em trecho que transcrevo e indico expressamente como razões de decidir, com o fito de evitar desnecessária repetição argumentativa por termos diversos:

Entretanto, para caracterização do abuso de poder político apto a ensejar as graves sanções previstas na legislação eleitoral (cassação de registro ou diploma e inelegibilidade), não basta a mera ocorrência de conduta irregular, sendo necessário que se demonstre a gravidade das circunstâncias que caracterizam o ato abusivo, de modo a afetar a normalidade e a legitimidade das eleições.

Como bem pontuou o Ministério Público Eleitoral em primeiro grau, mesmo que a conduta da servidora tenha envolvido material eleitoral dos candidatos à reeleição, o recolhimento de bandeiras não teria como resultado qualquer ganho eleitoral significativo, mas, ao contrário, potencialmente reduziria a exposição de sua campanha.

De outro lado, a jurisprudência da Corte Superior Eleitoral aponta no sentido de que o abuso de poder político somente se configura quando o agente público, valendo-se de sua condição funcional e em manifesto desvio de finalidade, desequilibra disputa em benefício de sua candidatura ou de terceiros, o que não ficou demonstrado no caso, porquanto a conduta isolada da servidora acima mencionada não teve potencial mínimo para desequilibrar a disputa eleitoral.

Além disso, não há nos autos prova robusta de que os Recorridos tenham tido conhecimento ou anuência com relação à conduta praticada pela servidora. Ao contrário, a instauração de sindicância e a posterior exoneração da servidora indicam que a administração municipal, ao tomar conhecimento do fato, adotou as providências cabíveis para apurar a irregularidade. Portanto, não deve prosperar a irresignação.

 

A sentença não merece reparos, e julgo que o recurso não merece provimento. O pleito de 2024, em São Gabriel, não teve sua igualdade ou legitimidade afetada.

3.2.3. Prova dos autos relativa à prática de conduta vedada.

Inicialmente, cabe pontuar que tenho como clara a prática de conduta vedada de parte da servidora pública Neiva dos Santos Villanova, mais especificamente a subsunção, aos fatos, da norma contida no art. 73, inc. I, da Lei n. 9.504/97, verbis:

Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

I - ceder ou usar, em benefício de candidato, partido político ou coligação, bens móveis ou imóveis pertencentes à administração direta ou indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, ressalvada a realização de convenção partidária;

Ou seja, foi utilizado bem móvel pertencente à administração direta de município em benefício das candidaturas de LUCAS e SANDRA. Aliás, a agente pública Neiva dos Santos Villanova poderia ter sido incluída no polo passivo da presente demanda para que fosse apurada a sua responsabilização (em verdade, uma Ação de Investigação Judicial cumulada com representação pela prática de conduta vedada), conforme precedentes do e. Tribunal Superior Eleitoral:

“Eleições 2020 [...] Representação. Conduta vedada aos agentes públicos. Bens públicos (art. 73, I, Lei 9.504/97) [...] 4. A responsabilização pela prática das condutas descritas no art. 73, I, da Lei 9.504/97 prescinde da condição de candidato, bastando que o autor do ato seja agente público. [...]” (Ac. de 5.5.2023 no AgR-AREspE nº 060005732, rel. Min. Sérgio Banhos.) (Grifei.)

Ora, nenhuma das outras candidaturas do Município de São Gabriel teve a possibilidade de dispor de veículo pertencente à Prefeitura para recolher windbanner. É conduta que, nos termos da lei, é tendente a afetar a igualdade entre candidatos, em malferimento à denominada "paridade de armas", vetor que deve ser perseguido em uma disputa por cargo eletivo, sobretudo quando algum dos competidores já ocupa cargo estatal.

Em resumo, no ponto é que, com a devida vênia, entendo sim que houve benefício - ainda que mínimo, ele há de ser identificado e, uma vez identificado, encontra-se presumida no conteúdo normativo a incidência de multa, de maneira que não cabe ao julgador afastar a incidência total da regra.

E, repito, houve o benefício, ainda que pequeno.

Por isso é que, ao contrário do abuso de poder, a conduta vedada se perfaz em um ambiente "tudo ou nada" de incidência, e beneficiários são responsabilizados de forma objetiva, vale dizer, mesmo que não tenha sido provada, nos autos, a autorização ou anuência da prática ilícita:

“Eleições 2022 [...] Conduta Vedada. Art. 73, I e III, da Lei n. 9.504/1997. Uso de imóveis e servidores públicos em favor de candidatura ao cargo de governador. Reconhecimento pelo regional. Aplicação de multa aos responsáveis e beneficiários. Conformidade com a jurisprudência desta Corte Superior. [...] 1. Nos termos da jurisprudência consolidada deste Tribunal Superior, o reconhecimento da conduta vedada enseja a aplicação de multa, independentemente de autorização ou anuência do beneficiário com a prática do ato. [...].” (Ac. de 28/11/2024 no AgR-AREspE n. 060416106, rel. Min. Nunes Marques.) (Grifei.)

 

Ademais, a aplicação sancionatória prevê a individualização das multas, ou seja, aplicadas a cada um dos envolvidos - praticantes e/ou beneficiários:

“[...] Eleições 2014. Conduta vedada. [...] Multa. Aplicação a candidato beneficiado. [...] 10. A multa deve ser aplicada individualmente a cada réu, uma vez que os §§ 4º e 8º do art. 73 da Lei nº 9.504/1997 preveem a condenação tanto do agente público responsável quanto dos partidos políticos, coligações e candidatos que se beneficiaram da conduta vedada, independentemente de autorização ou anuência para a prática do ato. [...]” (Ac. de 13.8.2020 na Rp nº 119878, rel. Min. Luis Roberto Barroso.)

Dessarte, ainda que os gestores - LUCAS, notadamente - tenham tomado providências na seara administrativa, relativas à falta funcional praticada por Neiva (abertura de sindicância), a condição de beneficiários atrai, para LUCAS e SANDRA, a aplicação de multa pela prática de conduta vedada por terceira pessoa.

Os hábeis argumentos trazidos nas contrarrazões, relativamente ao tópico, podem na realidade apresentar salvaguarda aos administradores no que diz respeito a uma suposta improbidade administrativa, ou desvio de função da servidora, assuntos já tratados no presente voto. Aqui, LUCAS e SANDRA recebem sanção na condição de beneficiários - vale esclarecer, mesmo que não compusessem a administração municipal de São Gabriel, estariam sujeitos ao apenamento. 

Não procede, portanto, a afirmação de que não houve ilícito, pois teria sido recolhida (...) do chão o que restava de uma única bandeira, caída, danificada e imprestável. Imprestável e danificada, não fosse então recolhida pela servidora pública, recolhimento esse que, aliás, gerou sua exoneração - fonte exatamente da prática ilícita. A tentativa dos recorridos, nas contrarrazões, de tratar o evento como um "indiferente eleitoral" não pode ser considerada. Se não há relevo para considerar o fato como abuso de poder político, igualmente não é razoável entender que o ato seria lícito. 

Da mesma forma, se no dia do fato havia vento em demasia e os materiais de propaganda voavam e se espalhavam pela rua - "o que poderia causar algum acidente" -, deviam ter sido eles recolhidos pelas respectivas equipes de campanha eleitoral dos candidatos, conforme a legislação de regência, e não por servidora pública. Chama atenção, ainda, o fato de que Neiva recolheu apenas materiais de campanha da situação, e não dos adversários, como consta na ocorrência policial n. 5599/2024/151151 registrada por delegado da coligação da recorrente (ID 124365968); situação em que eleitor testemunhara que "o recolhimento era apenas do candidato da legenda 44 e não dos demais candidatos que possuíam propaganda ao longo da via." 

E é aqui, precisamente, que o recurso merece parcial provimento, para aplicar multa aos recorridos no patamar mínimo legal, previsto no art. 73, § 4º, da Lei n. 9.504/97, qual seja, 5.000 (cinco mil UFIRs), R$ 5.320,50 (cinco mil trezentos e vinte reais e cinquenta centavos) para LUCAS GONÇALVES MENEZES, R$ 5.320,50 para SANDRA REGINA MARCOLLA, na condição de beneficiários de conduta vedada.

4. Conclusão.

Diante do exposto, VOTO para dar parcial provimento ao recurso, para aplicar multa aos recorridos no patamar mínimo legal previsto no art. 73, § 4º, da Lei n. 9.504/97, qual seja, 5.000 (cinco mil UFIRs), na condição de beneficiários de conduta vedada:

a) R$ 5.320,50 (cinco mil trezentos e vinte reais e cinquenta centavos) para LUCAS GONÇALVES MENEZES;

b) R$ 5.320,50 para SANDRA REGINA MARCOLLA, na condição de beneficiários de conduta vedada.