MSCiv - 0600076-10.2025.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 12/06/2025 00:00 a 13/06/2025 23:59

VOTO

Cuida-se de mandado de segurança impetrado pelo MOVIMENTO DEMOCRÁTICO BRASILEIRO (MDB) de Porto Alegre/RS contra decisão proferida pelo Juízo da 112ª Zona Eleitoral que, nos autos da Petição Cível n. 0600001-57.2024.6.21.0112, não conheceu de agravo de instrumento interposto pela agremiação, ao fundamento de erro grosseiro, diante da interposição no PJe de primeiro grau, e da suposta inadequação da via recursal.

Após o indeferimento liminar da petição inicial, sobreveio agravo interno, no qual o impetrante defendeu o cabimento e a tempestividade do agravo de instrumento, apontando que o recurso fora interposto no primeiro grau em virtude da ausência da classe específica para esse tipo recursal no sistema do PJe de segundo grau da Justiça Eleitoral, sendo o equívoco atribuível ao próprio sistema eletrônico.

Devidamente instruídos os autos, foi juntada certidão expedida pelo Assessor de Administração do Sistema Processo Judicial Eletrônico (ID 45953678), a qual atestou que, à época da interposição, a classe “Agravo de Instrumento (código 202)” encontrava-se com restrição de visibilidade externa, impossibilitando o protocolo direto perante este Tribunal.

Além disso, reconheceu-se que o pedido deduzido na Petição Cível n. 0600001-57.2024.6.21.0112, de aplicação da anistia prevista no art. 55-D da Lei n. 9.096/95, foi recebido pelo juízo de origem como exceção de pré-executividade, instrumento próprio da fase de cumprimento de sentença, o que evidencia a natureza executiva da controvérsia e, por consequência, a adequação do agravo de instrumento como meio de impugnação.

Também restou comprovada a tempestividade do recurso, tendo em vista a suspensão dos prazos processuais no âmbito da Justiça Eleitoral do Rio Grande do Sul durante o mês de maio de 2024, por força das enchentes que assolaram o Estado. O prazo remanescente findava-se em 07.6.2024, tendo o agravo sido protocolado em 03.6.2024.

Em juízo de retratação, reconheceu-se que o erro de instância decorreu de falha no sistema e que o agravo de instrumento era tanto cabível quanto tempestivo, razão pela qual foi recebida a petição inicial do mandado de segurança e determinado o regular prosseguimento do feito. Transcrevo a decisão:

Quanto ao cabimento do mandado de segurança, a decisão do ID 45957554 corretamente apontou que a decisão impetrada, prolatada na origem (ID 45939598), deixou de receber o agravo de instrumento por ter sido interposto na instância equivocada, diretamente nos autos do processo principal que tramita no PJe de primeiro grau, mas que “foi certificado nos autos pelo Assessor de Administração do Sistema Processo Judicial Eletrônico que era impossível à parte agravante interpor o recurso no PJe de segundo grau devido a um erro no sistema existente ao tempo da interposição do agravo de instrumento”.

De fato, de acordo com a certidão do ID 45953678: “a classe judicial ‘Agravo de Instrumento (código 202)’ estava ‘com restrição de visibilidade externa para partes e advogados, circunstância que impossibilitou a protocolização dessa espécie recursal na forma de novo processo diretamente no TRE-RS’”.

Assim, correta a conclusão já lançada, no sentido de que: “o recurso foi interposto na instância de origem por motivo alheio à vontade do agravante” (ID 45957554).

Quanto ao argumento das contrarrazões de que o mandado de segurança é substitutivo de recurso porque o impetrante deveria ter oposto o recurso de embargos de declaração “para suprir omissão de ponto ou questão sobre o qual devia se pronunciar o juiz de ofício ou a requerimento”, entendo ter sido suficientemente comprovado pela certidão expedida pelo Assessor de Administração do Sistema Processo Judicial Eletrônico que havia um erro no sistema existente ao tempo da interposição do agravo de instrumento desconhecido pelas partes e pela própria Justiça Eleitoral, o qual tornou inviável a interposição do agravo de instrumento perante este Tribunal por protocolo no PJe de segundo grau.

Por erro do sistema da própria Justiça Eleitoral, era impossível que a parte interpusesse o recurso na instância correta, razão pela qual descabe entender que a parte estava restrita ao recurso de embargos de declaração para exercer o seu direito de atacar a decisão impetrada.

Além disso, não merece acolhida a tese de que contra a decisão que negou seguimento ao agravo de instrumento deveriam ter sido opostos embargos de declaração em vez de mandado de segurança, porque é ilegal a realização de juízo de admissibilidade pelo juízo de origem, o qual não é competente para decidir pela negativa de processamento do recurso.

De acordo com o CPC de 2015, o exame de admissibilidade recursal deve ser realizado em segunda instância, não cabendo ao juízo a quo obstar o processamento do recurso, conforme jurisprudência:

DIREITO ELEITORAL. ELEIÇÕES 2024. MANDADO DE SEGURANÇA. DECISÃO JUDICIAL DE NÃO ADMISSÃO DE RECURSO . ORDEM CONCEDIDA. I. Caso em Exame Mandado de segurança impetrado contra ato de Juiz Eleitoral que realizou juízo de admissibilidade e não admitiu o recurso interposto pelo Impetrante contra o indeferimento do seu pedido de registro de candidatura. II. Questão em Discussão Possibilidade de realização de juízo de admissibilidade de recurso eleitoral pelo juízo a quo. III. Razões de Decidir Interposto recurso nos processos de registro de candidatura, os autos devem ser imediatamente remetidos ao Tribunal Regional Eleitoral, após a apresentação das contrarrazões ou transcorrido o respectivo prazo. Não se realiza o juízo de admissibilidade na instância a quo. IV. Dispositivo Ordem concedida. Cassada a decisão de não admissão do recurso. Dispositivos relevantes citados: arts . 58 e 59, parágrafo único, da Resolução–TSE nº 23.609/2019.

(TRE-MG - MSCiv: 06011340720246130000 POUSO ALEGRE - MG 060113407, Relator.: Carlos Henrique Perpetuo Braga, Data de Julgamento: 18/10/2024, Data de Publicação: PSESS-1123, data 23/10/2024)

 

CUMPRIMENTO DE SENTENÇA - AGRAVO DE INTRUMENTO EM FACE DE DECISÃO DO JUIZ ELEITORAL QUE NEGOU SEGUIMENTO A RECURSO ELEITORAL - JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE PELO JUÍZO A QUO - IMPOSSIBILIDADE - COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL - LIMINAR CONCEDIDA - REMESSA DOS AUTOS À INSTÂNCIA SUPERIOR - PROVIMENTO DO AGRAVO DE INSTRUMENTO
1 . Agravo de Instrumento com pedido antecipatório, contra decisão do Juiz Eleitoral proferida em processo de Cumprimento de Sentença, que segou seguimento a Recurso Eleitoral, em tese, incabível;

2. Concedida a antecipação da tutela, determinando a subida do Recurso Eleitoral em epígrafe.

3. A teor do art. 267, § 6º, do Código Eleitoral, não compete à instância a quo exercer o juízo de admissibilidade, sendo tal mister uma atribuição do tribunal ad quem.

4. Agravo de instrumento provido, rechaçando a decisão que negou seguimento ao recurso eleitoral.

(TRE-ES, PETIÇÃO CÍVEL nº 0602514-74.2022.6.08.0000, Resolução, Relator(a) Des. RENAN SALES VANDERLEI, Publicação: DJE - Diário Eletrônico da Justiça Eleitoral do ES, 11/10/2023).

 

AGRAVO DE INSTRUMENTO. FUNGIBILIDADE. RECURSO INOMINADO NÃO CONHECIDO NA ORIGEM. INSURGÊNCIA CONTRA DECISÃO INTERLOCUTÓRIA EM INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE COMPETE ÓRGÃO AD QUEM. DECISÃO DE PRIMEIRO GRAU QUE NÃO CONHECEU DO RECURSO ANULADA. JULGAMENTO DO RECURSO INOMINADO COMO SE AGRAVO DE INSTRUMENTO FOSSE. PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE. MÉRITO. INCLUSÃO DA PARTE AGRAVANTE AO POLO PASSIVO DE PROCESSO DE EXECUÇÃO. REQUISITOS DO ART. 50 DO CÓDIGO CIVIL PRESENTES. ERRO FORMAL NA FUNDAMENTAÇÃO DA CERTIDÃO DE DÍVIDA ATIVA. A AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DOS RESPECTIVOS ARTIGOS DE LEI A FUNDAMENTAR A DÍVIDA NÃO É SUFICIENTE PARA AFASTAR A EXIGIBILIDADE E A LIQUIDEZ DO TÍTULO EXECUTIVO, JÁ QUE PLENAMENTE POSSÍVEL A IDENTIFICAÇÃO DO TRIBUTO. PRECEDENTES DO C. STJ. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO AO CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA. INOCORRÊNCIA. PARTE QUE SE MANIFESTOU NOS AUTOS, RESPEITADO O DEVIDO PROCESSO LEGAL. TÍTULO EXECUTIVO DECORRENTE DE INADIMPLÊNCIA DE MULTA ELEITORAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO.
(TRE-SP AGRAVO DE INSTRUMENTO n. 0600211-52.2023.6.26.0000, Acórdão, Relator(a) Des. Marcio Kayatt, Publicação: DJE - DJE, 23/01/2024).

 

Em razão disso, considero que o não recebimento do agravo de instrumento pelo juízo de primeiro grau denota usurpação da competência originária deste órgão ad quem.

Nesse cenário, uma vez que ao agravante era impossível a interposição de agravo de instrumento perante este Tribunal, e que o juízo de admissibilidade do recurso foi efetuado pela instância a quo, entendo que o mandado de segurança é o remédio jurídico adequado para atacar a decisão de negativa de processamento do recurso.

Assim, deve ser recebida a inicial do mandado de segurança, via adequada para impugnar a decisão interlocutória que inadmitiu o recurso, nos termos do enunciado da Súmula n. 22 do Tribunal Superior Eleitoral: “Não cabe mandado de segurança contra decisão judicial recorrível, salvo situações de teratologia ou manifestamente ilegais”.

Por derradeiro, no que pertine à matéria de fundo, registro que este Tribunal já firmou entendimento no sentido de que é possível aplicar retroativamente à anistia prevista no art. 55-D da Lei n. 9.096/95, desde que comprovada a filiação ao partido político responsável pela prestação de contas ao tempo da contribuição (TRE-RS, AI: 06001864320246210000, Relator.: Nilton Tavares da Silva, Data de Julgamento: 17/09/2024, Data de Publicação: DJE-219, data 23/09/2024).

A controvérsia ora submetida à apreciação do Colegiado, portanto, cinge-se à verificação da legalidade da decisão que inadmitiu o agravo de instrumento, impedindo o regular exercício do duplo grau de jurisdição.

Nessa perspectiva, é incontroverso que o indeferimento do recurso pela instância a quo violou o disposto no art. 267, § 6º, do Código Eleitoral, que reserva ao Tribunal ad quem o exame da admissibilidade recursal.

A jurisprudência é pacífica no sentido de que o juízo de origem não detém competência para obstar o processamento do recurso por entender incabível a via eleita, especialmente quando se está diante de hipótese em que o equívoco decorre de falha operacional do próprio sistema, circunstância que afasta a caracterização de erro grosseiro e recomenda a aplicação do princípio da fungibilidade.

A Procuradoria Regional Eleitoral, por sua vez, manifestou-se pela concessão parcial da ordem, apenas para que o agravo de instrumento seja encaminhado ao Tribunal para análise, entendimento com o qual comungo.

Diante do exposto, VOTO pela concessão parcial da segurança para assegurar o recebimento e o encaminhamento a este Tribunal do agravo de instrumento interposto nos autos da Petição Cível n. 0600001-57.2024.6.21.0112, a fim de que seja processado e julgado por este Regional.

Após o julgamento, oficie-se a zona de origem para imediato cumprimento.