REl - 0600636-86.2024.6.21.0096 - Voto Relator(a) - Sessão: 12/06/2025 00:00 a 13/06/2025 23:59

VOTO

Cuida-se de recurso eleitoral que postula a reforma da sentença que desaprovou contas referentes às eleições municipais de 2024 e determinou o recolhimento de R$ 887,00 ao Tesouro Nacional, em virtude da ausência de comprovação da despesa efetuada com recurso oriundo do Fundo Especial de Financiamento de Campanha.

No item 4 do parecer conclusivo (ID 45889918), a unidade técnica constatou a ocorrência das seguintes irregularidades na prestação de contas do prestador: a) utilização de cheque não cruzado para pagamento de prestadores de serviços; e b) divergência na identificação do prestador de serviço e beneficiário do pagamento.

Consoante constou na sentença, no que tange à comprovação dos pagamentos realizados com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), o prestador, embora tenha complementado a documentação e prestado esclarecimentos, não logrou êxito em afastar a mácula sobre as contas apresentadas. O cheque apresentado, com a numeração 000006, apesar de nominal, não está cruzado, em desacordo com o disposto no art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19.

Com efeito, é incontroverso que houve o descumprimento da regra prevista no art. 38, I, da Res. TSE n. 23.607/19, que determina:

Art. 38. Os gastos eleitorais de natureza financeira, ressalvados os de pequeno vulto previstos no art. 39 e o disposto no § 4º do art. 8º, ambos desta Resolução, só podem ser efetuados por meio de:

 

I - cheque nominal cruzado;

 

Ademais, quanto à apontada divergência entre o prestador do serviço e o beneficiário do pagamento, consta dos autos declaração subscrita por Ezequiel Ribeiro (ID 45889915), informando que teria prestado serviços  campanha. Entretanto, o extrato da conta bancária vinculada ao FEFC (ID 45889910) evidencia que o valor de R$ 887,00 foi transferido à Cooperativa Mista São Luiz Ltda.

Tal incongruência, entre o prestador do serviço e o efetivo beneficiário do pagamento, compromete a confiabilidade da despesa eleitoral e impede a aferição da correta destinação dos recursos públicos, afrontando os princípios da legalidade e da moralidade administrativa.

Impende ressaltar que a simples declaração unilateral, desacompanhada de elementos probatórios mínimos (lançamento do endosso no verso do cheque), não tem idoneidade suficiente para sanar a irregularidade, conforme reiteradamente decidido por esta Justiça Especializada:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. VEREADORA . DESAPROVAÇÃO. PRELIMINAR. CONHECIDOS OS DOCUMENTOS APRESENTADOS COM O RECURSO. PAGAMENTO IRREGULAR DE DESPESAS COM VERBAS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA - FEFC . DIVERGÊNCIA ENTRE A MOVIMENTAÇÃO FINANCEIRA REGISTRADA NA CONTABILIDADE E NOS EXTRATOS BANCÁRIOS. DOADOR INSCRITO EM PROGRAMA SOCIAL DO GOVERNO FEDERAL. FALHAS PARCIALMENTE SANADAS. REDUZIDO VALOR NOMINAL . REDUÇÃO DA QUANTIA A SER RECOLHIDA AO TESOURO NACIONAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. PARCIAL PROVIMENTO. 1 . Insurgência contra sentença que julgou desaprovadas as contas de campanha de candidata ao cargo de vereador, relativas às eleições de 2020, e determinou o recolhimento do montante irregular ao Tesouro Nacional. 2. Preliminar. No âmbito dos processos de prestação de contas, este Tribunal Regional tem concluído, com respaldo no art . 266, caput, do Código Eleitoral, pela aceitação de novos documentos, acostados com a peça recursal, ainda que não submetidos a exame do primeiro grau de jurisdição, quando, a partir de sua simples leitura, primo ictu oculi, seja possível esclarecer as irregularidades, sem a necessidade de nova análise técnica. 3. Pagamento de despesas com verbas do Fundo Especial de Financiamento de Campanha # FEFC com a utilização de cheques não nominais e cruzados. Ainda que demonstrados pagamentos com observância da norma do art . 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19, persiste a falha em relação a dispêndio com emissão de cheque sem cruzamento, cujo sacador não coincide com o apontado fornecedor do bem ou serviço. A norma possui caráter objetivo e exige, sem exceções, que o cheque manejado para pagamento de despesa eleitoral seja não apenas nominal, mas também cruzado. Documentos unilaterais, como é o caso dos recibos, não devem ser considerados isoladamente para suprir a ausência de emissão de cheque nominal e cruzado. Valor impugnado que deve ser restituído ao Tesouro Nacional, em razão da ausência de comprovação segura de sua utilização regular, nos termos do art. 79, § 1º, da Resolução TSE n . 23.607/19. 4. Divergências entre a movimentação financeira registrada na prestação de contas e nos extratos financeiros. Identificação, no extrato bancário, de contraparte distinta da declarada na prestação. Cheques emitidos nominais e cruzados, em favor do fornecedor e beneficiário, o que indica que o título de crédito deve ter circulado posteriormente ao endosso. A legislação eleitoral, ao estabelecer as formas de pagamento dos gastos eleitorais, não impõe a emissão de cheque não endossável (#não à ordem#), não sendo, portanto, exigível do candidato, o qual emitiu o cheque na forma reclamada pela legislação (nominal e cruzado), que o próprio prestador do serviço ou o fornecedor do bem faça o desconto do título, o qual pode ser licitamente transmitido a terceiros, conforme previsto no art. 17 da Lei n . 7.357/85. Irregularidade parcialmente sanada. Persistência de falha com relação a cheque que não atendeu à exigência normativa. 5. Doador com indícios de ausência de capacidade econômica. De acordo com o § 1º do art. 23 da Lei n . 9.504/97, as doações de pessoas físicas estão limitadas a 10% dos rendimentos brutos auferidos pelo doador no ano anterior à eleição. Identificados indícios de ausência de capacidade econômica e doação de recursos de origem não identificada, em razão de o doador estar inscrito em programa social do Governo Federal. Inexistência de acervo probatório que autorize a conclusão de que o doador não tinha condições econômicas de repassar a receita e que o candidato beneficiado possuía conhecimento dessa realidade . Afastada a falha, em razão da modicidade da doação e da falta de elementos probatórios capazes de demonstrar o vínculo entre doador e candidata. 6. As irregularidades remanescentes abrangem aproximadamente 18,28% dos recursos arrecadados pela candidata. Entretanto, considerado o seu reduzido valor nominal, as contas devem ser aprovadas com ressalvas em face da aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade . 7. Parcial provimento. Aprovação com ressalvas. Reduzido o montante a ser recolhido ao Tesouro Nacional. (TRE-RS - REL: 060040889 CERRO GRANDE DO SUL - RS, Relator.: DRA. VANDERLEI TERESINHA TREMEIA KUBIAK (JUÍZA AUXILIAR), Data de Julgamento: 06/09/2022, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Data 13/09/2022) 

 

De fato, não há a vedação ao endosso do cheque, desde que demonstrado.

Na espécie, na imagem juntada no ID 45889917, verso do cheque emitido, consta a expressão TN 034387174, sem que se possa vincular à Cooperativa Mista São Luiz Ltda., contraparte que figura como beneficiária da cártula.

Assim, no ponto, é de ser mantida a sentença que determinou o recolhimento da importância de R$ 887,00 ao Tesouro Nacional.

Entretanto, a pretensão de alteração do juízo de reprovação das contas encontra amparo na consolidada jurisprudência deste Tribunal no sentido de que deve ser observado o valor nominal de R$ 1.064,10 como parâmetro de aplicação dos princípios de proporcionalidade e de razoabilidade, ainda que superior proporcionalmente a 10% do montante total arrecadado, para aprovação das contas com ressalvas:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. VEREADOR. DESAPROVAÇÃO. DESPESA COM COMBUSTÍVEL. AUSENTE REGISTRO DE LOCAÇÃO/CESSÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR. VALOR IRRISÓRIO. APLICADOS OS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. MANTIDA A DETERMINAÇÃO DE RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. PARCIAL PROVIMENTO.

1. Insurgência contra sentença que desaprovou as contas de candidato, relativas ao pleito de 2020, e determinou o recolhimento da quantia irregular ao Tesouro Nacional.

2. Despesa com combustível, sem o correspondente registro de locações, cessões de veículos, publicidade com carro de som ou despesa com geradores de energia, pagas com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha - FEFC. Afronta ao disposto no art. 60, § 5º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

3. Ainda que o art. 60, § 4º, inc. III, da Resolução TSE n. 23.607/19 dispense a cessão de automóvel de propriedade do candidato e do seu cônjuge para utilização em benefício da candidatura, permanece a obrigação de registro na prestação de contas da campanha. Ademais, verifica-se que o pagamento de combustíveis realizado pelo candidato com recursos da campanha (FEFC) desrespeita o disposto no art. 35, § 6º, al. “a”, da Resolução TSE n. 23.607/19, o qual estabelece que não configura gasto eleitoral e não pode ser pago com recursos de campanha o valor despendido em combustível usado pelo candidato.

4. Embora a irregularidade represente 34,48% das receitas declaradas, o valor esta abaixo do parâmetro de R$ 1.064,10 que a disciplina normativa das contas considera módico. Aplicados os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

5. Parcial provimento. Aprovação com ressalvas. Mantida a determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional.

(TRE/RS – REl nº 0600220-35.2020.6.21.0072, Relator Desembargador Eleitoral Gerson Fischmann, Publicação: DJE, 10/11/2022) (Grifo nosso)

 

No caso, o valor considerado irregular é menor que R$ 1.064,10 (R$ 887,00), de modo que deve ser reformada a sentença para que as contas sejam aprovadas com ressalvas, mantida a determinação de recolhimento do valor de R$ 887,00 ao Erário.

Ante o exposto, VOTO pelo provimento parcial do recurso, para aprovar as contas com ressalvas e manter a determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional do montante de R$ 887,00.