REl - 0600027-22.2022.6.21.0081 - Voto Relator(a) - Sessão: 12/06/2025 00:00 a 13/06/2025 23:59

VOTO

ADMISSIBILIDADE

O recurso mostra-se tempestivo, adequado e preenche os pressupostos atinentes ao tipo recursal.

Por isso, conheço do apelo e passo a examinar o mérito.

 

MÉRITO

Conforme relatado, o Diretório Municipal do UNIÃO BRASIL de Quevedos/RS recorre da sentença que desaprovou as contas do antigo órgão municipal do Democratas, relativas ao exercício financeiro do ano de 2021, em razão do reconhecimento de recebimento de verbas de fonte vedada, consistente de doações de detentores de cargos demissíveis ad nutum não filiados à agremiação.

Especificamente, consigno que o Cartório da 081ª Zona Eleitoral, ao apresentar o parecer conclusivo de análise das contas, verificou: (a) a apresentação intempestiva das contas; e (b) o recebimento de contribuições de pessoas físicas não filiadas ao partido político em exame, as quais exerceram função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, ou cargo ou emprego público temporário, na Prefeitura de Quevedos, no exercício de 2022, que somaram a quantia de R$ 5.191,00.

 Tal situação afronta à vedação prevista no art. 31, inc. V, da Lei n. 9.096/95 (Lei dos Partidos Políticos), regulamentada pelo colendo Tribunal Superior Eleitoral na Resolução TSE n. 23.604/19, art. 12, inc. IV e § 1º. Vejamos o que dizem as normas sobre o tema:

Lei 9.096/1995:

Art. 31. É vedado ao partido receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive através de publicidade de qualquer espécie, procedente de: (…)

V - pessoas físicas que exerçam função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, ou cargo ou emprego público temporário, ressalvados os filiados a partido político.

Resolução TSE n. 23.604/19:

Das Fontes Vedadas

Art. 12. É vedado aos partidos políticos receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, doação, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive por meio de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

(...)

IV - autoridades públicas.

§ 1º Consideram-se autoridades públicas, para fins do inciso IV do caput, pessoas físicas que exerçam função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, ou cargo ou emprego público temporário, ressalvados os filiados a partido político.

(…)

Inicialmente, destaco que o pedido de que o exame das presentes contas ficasse suspenso até julgamento definitivo do mérito da ADI n. 5494/DF pelo Supremo Tribunal Federal não encontra guarida.

Como bem lembrado no parecer ministerial, a ADI n. 5494/DF foi julgada extinta, sem julgamento de mérito, na data de 13.06.2018, com trânsito em julgado na data 09.08.2018, em razão da alteração do texto da norma então impugnada, pela exclusão do termo “autoridades” da nova redação do inc. II do art. 31 da Lei n. 9.096/95:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. DIREITO ELEITORAL. ARTIGO 31, II, DA LEI FEDERAL 9.096/1995. VEDAÇÃO AOS PARTIDOS POLÍTICOS DE RECEBEREM CONTRIBUIÇÃO OU AUXÍLIO PECUNIÁRIO DE "AUTORIDADES". ALEGAÇÃO DE OFENSA AOS ARTIGOS 5º, CAPUT E II; 17, § 1º; 19, III; E 37, CAPUT, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. ALTERAÇÃO DA NORMA IMPUGNADA PELA LEI FEDERAL 13.488/2017. EXCLUSÃO DE EXPRESSÃO "AUTORIDADES". PERDA DO OBJETO DA AÇÃO E CONSECTÁRIA PREJUDICIALIDADE. PROCESSO EXTINTO, SEM JULGAMENTO DO MÉRITO.

(STF - ADI: 5494 DF - DISTRITO FEDERAL 0052403-95.2016.1.00 .0000, Relator.: Min. LUIZ FUX, Data de Julgamento: 13.06.2018, Data de Publicação: DJe-119 15.06.2018.)

 

Em sua defesa, os principais argumentos trazidos pelo ente partidário dizem respeito a que “tais contribuições foram realizadas de livre e espontânea vontade, não sendo vinculadas aos cargos que exercem e sem a obrigação de serem executadas de maneira mensal”; e que “os doadores constantes na lista apresentada na fl.75 não exerceram cargos com estas atribuições, tendo em vista que não tinham poder de autoridade, pois não realizavam funções atinentes a administração, gestão e ordenação de despesas, funções estas que não perfazem a natureza destes cargos na administração pública municipal”.

Adianto que não assiste razão ao recorrente.

A alegação de que as doações seriam lícitas em razão das atribuições exercidas pelos doadores na Administração Pública não merece guarida, visto que a redação conferida ao já citado art. 31, inc. V, da Lei dos Partidos Políticos apenas estabelece como requisito para a caracterização da proibição que a doação seja originada de pessoas físicas que exerçam função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, ou cargo ou emprego público temporário, ressalvados os filiados a partido político.

Com relação à alegação de que a espontaneidade da doação afastaria a sua ilicitude, alio-me à precedente desta Corte quando, ao enfrentar argumento similar, decidiu que “a espontaneidade da contribuição não retira a ilicitude da doação, diante da cogência das normas que regem a arrecadação de valores aos entes partidários”. Vejamos:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS ANUAL. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO DE 2015 DESAPROVAÇÃO. RECEBIMENTO DE DOAÇÕES DE FONTES VEDADAS. CONCEITO DE AUTORIDADE. REDUZIDO O PRAZO DE SUSPENSÃO DE QUOTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. PROVIMENTO PARCIAL. Constituem recursos oriundos de fontes vedadas as doações a partidos políticos realizadas por titulares de cargos demissíveis "ad nutum" da administração direta ou indireta que detenham condição de autoridades, vale dizer, que desempenhem função de direção ou chefia. No caso, contribuições recebidas de cargos de diretores, secretários municipais, chefes de gabinete de secretaria e chefes de departamento. A espontaneidade da contribuição não retira a ilicitude da doação, diante da cogência das normas que regem a arrecadação de valores aos entes partidários. Redução do prazo de suspensão das quotas do Fundo Partidário, em atenção aos parâmetros fixados no art. 37, § 3º, da Lei dos Partidos Políticos. Provimento parcial.

(TRE-RS - RE: 0000052-50 .2016.6.21.0031 SÃO JOSÉ DO SUL - RS 5250, Relator.: JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, Data de Julgamento: 09.11.2017, Data de Publicação: DEJERS-203, data 13.11.2017.) Grifei.

 

Portanto, caracterizada a irregularidade de recebimento de fonte vedada, enseja-se a obrigatoriedade de transferência de tais valores ao Tesouro Nacional, como vemos ser o posicionamento recente do TRE-RS, extraído de julgado de relatoria do Excelentíssimo Desembargador Mario Crespo Brum:

DIREITO ELEITORAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS ANUAL. DIRETÓRIO ESTADUAL. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2021. QUESTÃO DE ORDEM. ART. 4º DA EMENDA CONSTITUCIONAL N. 133/24. RECEBIMENTO DE DOAÇÕES DE FONTES VEDADAS. APLICAÇÃO IRREGULAR DE RECURSOS DO FUNDO PARTIDÁRIO. DETERMINAÇÃO DE RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. I. CASO EM EXAME 1.1. Prestação de contas de diretório estadual de partido político, relativa ao exercício financeiro de 2021. 1.2. Pedido de aplicação da Emenda Constitucional n. 133/24 para afastar irregularidades, especialmente no que tange à devolução e recolhimento de valores. II. QUESTÕES EM DISCUSSÃO 2.1. Se as irregularidades apontadas no parecer técnico, especialmente aquelas relativas a fontes vedadas e aplicação irregular de recursos do Fundo Partidário, justificam a desaprovação das contas ou permitem sua aprovação com ressalvas. 2.2. Se o art. 4º da Emenda Constitucional n. 133/24 afasta a obrigatoriedade de devolução e recolhimento de valores, no âmbito de processos de prestação de contas partidárias. 2.3. Se a agremiação partidária deve recolher ao Tesouro Nacional os valores decorrentes das irregularidades apuradas. III. RAZÕES DE DECIDIR 3.1. Aplicabilidade do art. 4º da Emenda Constitucional n. 133/24. 3.1 .1. Segundo o § 1º do art. 4º da Emenda Constitucional n. 133/24, “a imunidade tributária estende–se a todas as sanções de natureza tributária, exceto as previdenciárias, abrangidos a devolução e o recolhimento de valores, inclusive os determinados nos processos de prestação de contas eleitorais e anuais” 3.1.2. As impropriedades e irregularidades verificadas pela Justiça Eleitoral nos processos de prestação de contas, e suas consequências jurídicas, não ostentam natureza tributária, o que se afigura suficiente para concluir pela inaplicabilidade do art . 4º da Emenda Constitucional n. 133/24 no julgamento de tais processos. 3.1 .3. A interpretação sistemática do conjunto de normas da Emenda Constitucional n. 133/24 confirma que o art. 4º não pode ser considerado óbice ao poder–dever da Justiça Eleitoral de fiscalizar as contas partidárias e impor determinações de recolhimento ao erário ou outras sanções de natureza não tributária. Não estão anistiadas as cominações, recolhimentos e sanções impostas pela Justiça Eleitoral em prestações de contas anuais ou eleitorais. Com essa mesma diretriz interpretativa, jurisprudência de outros Regionais e decisões monocráticas do TSE. 3.1 .4. O art. 6º da Emenda Constitucional n. 133/24, que garante aos partidos políticos o uso de recursos do Fundo Partidário para a quitação de débitos eleitorais e não eleitorais, tem sua incidência enfrentada em tópico próprio da análise de contas, relativo aos gastos com multas, juros e encargos com verbas de origem pública. 3.2. Recebimento de Doação de Pessoa Jurídica. 3 .2.1. O art. 31, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19 veda o recebimento direto ou indireto de doações procedentes de pessoas jurídicas. 3 .2.2. Recursos provindos de órgão público fazendário. Falha que não há como ser superada, uma vez que o desconto automático em folha de pagamento não é admitido como forma de contribuição lícita, conforme jurisprudência do TSE. 3.2.3. Falha que subsiste, pois não houve esclarecimentos e tampouco a devolução das verbas recebidas de fontes vedadas. Dever de transferir o equivalente ao Tesouro Nacional. 3.3. Contribuições de Pessoas Físicas Não Filiadas a Partido Político. 3.3.1. Recebimento de contribuições de pessoas físicas detentoras de cargos ou funções públicas demissíveis ad nutum e não filiadas ao partido político. Doadores considerados fontes vedadas de arrecadação, uma vez que não estão abrangidos na ressalva contida no art. 31, inc. V, da Lei n. 9 .096/95. Dever de recolhimento. 3.4. Distribuição e Aplicação de Recursos Oriundos do Fundo Partidário. 3.4.1. Afastada a irregularidade pelo recebimento de recurso em período em que a agremiação cumpria sanção de suspensão, pois a comunicação enviada ao diretório nacional do partido referia expressamente a concessão de prazo para cumprimento da “decisão anexa”, e não do acórdão condenatório. Ademais, a partir da vigência da Lei n. 13.877/19, a juntada do aviso de recebimento da comunicação específica à instância partidária nacional é condição necessária para a efetivação do sancionamento, o que não ocorreu. 3.4.2. Consideradas as peculiaridades do caso, em especial o teor da intimação enviada ao órgão nacional do partido e a inobservância do art . 37, § 3º–A, da Lei n. 9.096/95, não deve ser o diretório responsabilizado pelo recebimento e pela utilização dos recursos. 3 .5. Aplicação Irregular do Fundo Partidário. 3.5 .1. Realização de gastos com recursos do Fundo Partidário para pagamentos de multa, juros e/ou encargos, em desacordo com o art. 17, § 2º, da Resolução TSE n. 23 .604/19. 3.5.2 . O art. 6º da Emenda Constitucional n. 133/24 não prevê anistia, remissão ou qualquer outra forma de extinção das irregularidades anteriormente praticadas, vindo apenas a permitir, a partir da sua vigência, a utilização de recursos do Fundo Partidário em gastos anteriormente vedados. 3 .5.3. O art. 17, § 2º, da Resolução TSE n . 23.604/19 é válido e constitucional em sua origem. O conflito estabelecido com a norma constitucional superveniente, que cria uma disposição diversa ou incompatível, deve ser resolvido pela técnica da revogação, e não pela invalidação da norma anterior. 3 .5.4. Aplicação da legislação vigente ao tempo dos fatos. Entendimento deste Tribunal pela irretroatividade das novas disposições de natureza material, ainda que eventualmente mais benéficas ao prestador de contas, com fundamento nos princípios do tempus regit actum, da isonomia e da segurança jurídica . Na mesma linha, a jurisprudência do TSE enuncia que “os dispositivos legais de natureza material que devem reger a prestação de contas são os vigentes ao tempo dos fatos ocorridos, consoante o princípio tempus regit actum e o art. 6º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro”. 3.6 . As irregularidades apuradas, correspondendo a 3,92% dos recursos recebidos, não comprometem integralmente a regularidade das contas, permitindo a aplicação dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade para a aprovação com ressalvas. Incabíveis as imposições de multa e de suspensão do repasse do Fundo Partidário. IV. DISPOSITIVO E TESE 4 .1. Contas aprovadas com ressalvas. Determinado o recolhimento dos valores irregulares ao Tesouro Nacional. Teses de julgamento: “ 1 . A Emenda Constitucional n. 133/24 não anistia as cominações, recolhimentos e sanções impostas pela Justiça Eleitoral em prestações de contas anuais ou eleitorais, uma vez que tais medidas não possuem natureza tributária. 2. Os dispositivos legais de natureza material que devem reger a prestação de contas são os vigentes ao tempo dos fatos ocorridos .” Dispositivos relevantes citados: Constituição Federal, art. 150, inc. VI, al. c; Lei n. 9.096/95, arts. 31, inc. V, e 37, § 3º–A; Resolução TSE n. 23.607/19, art. 31, inc. I; Resolução TSE n. 23.604/19, art. 17, § 2º. Jurisprudência relevante citada: TSE, AgR–REspe n. 53567/RJ, Rel. Min. Luiz Fux, DJE 12.03 .2015. TSE, Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial Eleitoral 0600550–29/PR, Rel. Min. Floriano De Azevedo Marques, DJE 24 .06.2024. TRE–RS, PC–PP n. 060010417, Rel . Des. Ricardo Teixeira do Valle Pereira, DJE 15.08.2023. TRE–RJ, PC–PP n. 060019896, Rel. Des. Vanderlei Teresinha Tremeia Kubiak, DJE 15 .02.2023.

(TRE-RS - PC-PP: 06002407720226210000 PORTO ALEGRE - RS 060024077, Relator.: Mario Crespo Brum, Data de Julgamento: 13.12.2024, Data de Publicação: DJE-365, data 18.12.2024.)

 

Por fim, como a irregularidade apurada é de montante nominal superior a R$ 1.064,00 (R$ 5.191,00) e corresponde a 36,8% dos recursos manejados pelo partido naquele exercício financeiro (R$ 14.074,00), resta inviabilizada a aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade como meio de mitigar a gravidade da irregularidade e permitir a aprovação das contas com ressalvas, na esteira da jurisprudência pacífica desta Casa e do Tribunal Superior Eleitoral.

Portanto, a manutenção da sentença que julgou as contas desaprovadas, determinando o recolhimento dos valores oriundos de fontes vedadas ao Tesouro Nacional e a suspensão, com perda, do recebimento de quotas do Fundo Partidário pelo período de seis meses, mostra-se adequada e proporcional às irregularidades apontadas, devendo a sentença proferida ser mantida em seus exatos termos.

Ante o exposto, VOTO por NEGAR PROVIMENTO ao recurso interposto.