REl - 0600541-44.2024.6.21.0003 - Voto Relator(a) - Sessão: 12/06/2025 00:00 a 13/06/2025 23:59

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

No mérito, a ação originária, julgada integralmente improcedente em primeiro grau, imputou aos ora recorridos GENOIR MARCOS FLOREK e CÁSSIO JOSÉ KOLCENTI, reeleitos, respectivamente, para os cargos de prefeito e vice-prefeito do Município de Centenário/RS, no pleito de 2024, a prática de diversas condutas que, no entender da coligação adversária, configurariam abuso de poder político e econômico e condutas vedadas a agentes públicos.

O objeto do presente recurso se cinge à alegada prática de condutas vedadas e abuso de poder mediante as seguintes condutas atribuídas aos recorridos, quais sejam: 1) a realização e churrasco para a população, em março de 2024; 2) a distribuição de garrafas térmicas, em março de 2024; 3) a suposta autopromoção do Prefeito, em evento do Dia da Mulher, em março de 2024; 4) a utilização de bens públicos para gravação de vídeo, em julho de 2024.

Passo à análise dos fatos controvertidos no recurso.

1. Da Realização de Churrasco e da Distribuição de Garrafas Térmicas para a População - Fatos 1 e 2 do Recurso

A recorrente reitera a tese de que a aquisição e distribuição gratuita de churrasco e garrafas térmicas, em março de 2024, violaram o disposto no art. 73, § 10, da Lei n. 9.504/97, que proíbe a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios pela Administração Pública em ano eleitoral, ressalvando somente as hipóteses de calamidade pública, estado de emergência ou programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior:

Está demonstrado que a Prefeitura adquiriu, por meio de dispensa de licitação, 450 kg de carne bovina e 140 kg de linguicinha, no valor total de R$ 16.005,00 (ID 45849286), para a realização de churrasco em comemoração ao aniversário da cidade, distribuindo os alimentos à população.

Do mesmo modo, os recorridos reconhecem que foram adquiridas, mediante dispensa de licitação, 630 unidades de garrafas térmicas da marca Stanley, ao custo unitário de R$ 54,00 (ID 45849285), as quais foram distribuídas às cidadãs que participaram do evento em celebração ao dia da mulher.

Por sua vez, a sentença combatida afastou a configuração de conduta vedada, sob o fundamento de que os festejos ocorreram em anos anteriores, inclusive com a distribuição de brindes, e encontravam previsão no calendário oficial do município, estando enraizados na cultura local, não havendo indícios de utilização da máquina pública para benefício eleitoral próprio.

Em contrapartida, a coligação recorrente defende que os alimentos e bens distribuídos não se enquadram nas exceções legais previstas na norma e que a mera realização de eventos oficiais em anos anteriores não autoriza a distribuição gratuita de benesses em ano eleitoral, especialmente considerando o aumento do valor dos itens entregues ao eleitorado.

De fato, os fatos relatados envolvem o cometimento da conduta vedada prevista no art. 73, § 10, da Lei n. 9.504/97:

Art. 73. (...).

[...].

§ 10. No ano em que se realizar eleição, fica proibida a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública, exceto nos casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior, casos em que o Ministério Público poderá promover o acompanhamento de sua execução financeira e administrativa. (Incluído pela Lei nº 11.300, de 2006)

 

Portanto, a Lei das Eleições proíbe a distribuição gratuita de bens, valores e benefícios no ano das eleições, cujas exceções circunscrevem-se aos casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei, com execução orçamentária iniciada no exercício financeiro precedente.

Consoante assentado na jurisprudência, a proibição contida na norma referida é de natureza objetiva e não requer a demonstração de promoção pessoal de candidato ou de qualquer finalidade eleitoral específica, uma vez que há uma presunção de violação da isonomia pela prática da ação administrativa descrita no tipo legal.

Como já entendeu o egrégio TSE, “para configuração da conduta vedada prevista no art. 73, § 10, da Lei n. 9.504/97, não é necessário demonstrar caráter eleitoreiro ou promoção pessoal do agente público ou de candidato, bastando a prática do ato descrito” (Recurso Especial Eleitoral n. 060095481/RS, Relator: Min. Floriano de Azevedo Marques, Acórdão de 03.5.2024, publicado no Diário de Justiça Eletrônico 102, data 14.6.2024).

Na mesma direção, ensina a doutrina de Rodrigo López Zilio (Direito Eleitoral. 10. ed. São Paulo: Editora JusPodivm, 2024, pág. 863) que:

Para a incidência do § 10 do art. 73 da LE: i) prescinde-se do uso promocional da distribuição gratuita de bens (basta a distribuição em si); ii) a distribuição gratuita veda é de qualquer bem (e não apenas dos de caráter social ou assistencial); iii) é vedada também a distribuição gratuita de qualquer valor ou benefício por parte da Administração Pública.

 

Com base em tais premissas, julgo configurada a prática da conduta vedada pelo art. 73, § 10, da Lei da Eleições, consistente na distribuição gratuita e indiscriminada de bens pela Administração Pública em ano eleitoral, por ocasião dos eventos ocorridos em comemoração ao aniversário do município e no Encontro Municipal de Mulheres, ambos em março de 2024, uma vez que presentes todos os elementos definidos na hipótese de incidência do preceito legal.

As entregas das dádivas aos cidadãos não se efetivaram em situação de emergência ou de calamidade pública e, tampouco, estavam inseridas em programa social ou assistencial autorizado em lei e já em execução orçamentária em anos anteriores.

Embora os recorridos aleguem que as celebrações em questão estavam previstas no calendário oficial do Município para 2024, veiculado pelo Decreto Municipal n. 2.343/24, de 08.02.2024 (ID 45849394, fl. 2) e que as despesas a eles relacionadas tiveram execução orçamentária em anos anteriores (ID 45849392, fl. 8), é certo que os mimos festivos oferecidos pelo município não se enquadram no conceito de programa social instituído em lei para fins de aplicação da norma eleitoral.

Não se pode confundir o oferecimento indiscriminado de alimentos e brindes, em festividades, ao público em geral, com a realização de programas contínuos de desenvolvimento econômico e social, com benefícios e critérios de seleção dos favorecidos estipulados em lei, o que torna irrelevante, no caso, a avaliação sobre a existência de execução orçamentária anterior.

Nessa esteira, o TSE assenta que “a mera previsão na lei orçamentária anual dos recursos destinados a esses programas não tem o condão de legitimar sua criação” (AgR-Al n. 116967/RJ, Relatora: Ministra Fátima Nancy Andrighi, DJe de 17.8.2011), como também “não afasta a ilicitude da conduta a mera previsão do programa social em lei orçamentária, sendo imprescindível sua instituição em lei própria” (RESPE n. 172/PI, Relator: Min. Gilmar Mendes, DJE de 02.12.2016).

A exigência de que o programa social seja previamente instituído em lei específica, com previsão de sua forma de execução, não representa mera formalidade, mas visa pautar objetivamente a ação da Administração Pública, evitando que a ação assistencial seja livremente manejada pelo Gestor para a distribuição indiscriminada e não isonômica de benesses em anos eleitorais, a seu exclusivo critério.

Logo, a exceção do art. 73, § 10, da Lei das Eleições somente está atendida mediante a existência de lei específica em sentido estrito, instituindo o programa social e prevendo, de forma objetiva, o benefício social e o critério de seleção dos seus destinatários, requisitos não atendidos no caso em tela.

Ademais, a norma eleitoral não veda a realização de festejos tradicionais no município em ano eleitoral, mas apenas a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública.

Trata-se de compreensão, a contrario sensu, estabelecida pela TSE no julgamento do REsp n. 24389/MG, Relator: Ministro Tarcísio Vieira de Carvalho Neto, julgado em 12.02.2019, publicação em 03.04.2019, no qual se assentou que “eventos tradicionais desacompanhados da distribuição de brindes por parte da administração pública não se enquadram no art. 73, § 10, da Lei n. 9.504/97”.

Na mesma linha de entendimento, este Tribunal já reconheceu a prática de conduta vedada mediante a distribuição gratuita de bolsas térmicas em alusão ao dia do servidor público por Prefeitura Municipal, considerando que “o fato de ter ocorrido a distribuição de outros brindes em anos anteriores e haver previsão legal e orçamentária não torna a conduta lícita, tampouco tem o condão de transmutar a natureza jurídica do ato em ‘programa social”, consoante a seguinte ementa:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. REPRESENTAÇÃO. IMPROCEDÊNCIA. CONDUTA VEDADA. DISTRIBUIÇÃO GRATUITA DE BENS. ENTREGA GRATUITA DE SACOLAS TÉRMICAS EM ALUSÃO AO DIA DO SERVIDOR PÚBLICO. PRESUNÇÃO OBJETIVA DE QUEBRA DA PARIDADE ENTRE OS CANDIDATOS. PROCEDENTE A REPRESENTAÇÃO. INCABÍVEL APLICAÇÃO DA PENA DE CASSAÇÃO DO REGISTRO OU DIPLOMA. APLICAÇÃO DE MULTA NO SEU PATAMAR MÍNIMO. PROVIMENTO.1. Insurgência contra sentença que julgou improcedente representação por ofensa ao art. 73, § 10, da Lei n. 9.504/97. A sentença, ainda que tenha reconhecido a conduta de entrega aos servidores públicos de uma bolsa térmica, afastou a ilicitude da prática.2. A distribuição vedada pelo art. 73, § 10, da Lei n. 9.504/97 independe de se revestir de caráter promocional de candidatura. O legislador estabeleceu presunção objetiva de quebra da paridade entre os candidatos, fundamentalmente porque é regra da experiência comum que a retribuição do favor recebido " seja por meio de bem, valor ou benefício " é concretizada pelo voto destinado a quem proporcionou a benesse ou para outrem por ele indicado. Conforme o TSE, a referida conduta vedada resta configurada ainda que a distribuição de bens não tenha caráter eleitoreiro (Agravo Regimental em Agravo de Instrumento n. 12.165 " Rel. Arnaldo Versiani " j. 19.08.2010). (in Rodrigo López Zilio, Direito Eleitoral, 7ª Edição, p.749-750).3. Na hipótese, é incontroversa a ocorrência de distribuição de sacolas térmicas em alusão ao dia do servidor público. Em ano eleitoral, a Administração Pública só pode distribuir gratuitamente bens, valores ou benefícios se ocorrer alguma das hipóteses legais especificadas, a saber: calamidade pública, estado de emergência ou existência de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior. Apesar de o ano de 2020 ter sido marcado pela pandemia por conta da COVID-19, o fornecimento de bolsas térmicas não possui vinculação alguma ao combate ou enfrentamento da moléstia. De igual modo, não se coaduna com a ressalva de "programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior", pois não destinado a conceder tratamento diferenciado e incluir a prestação de serviços assistenciais aos necessitados ou pessoas em situação de vulnerabilidade. O fato de ter ocorrido a distribuição de outros brindes em anos anteriores e haver previsão legal e orçamentária, não torna a conduta lícita, tampouco tem o condão de transmutar a natureza jurídica do ato em "programa social". Procedente a representação. Incabível a aplicação da pena de cassação do registro ou diploma. Ausente candidatura. Aplicação de multa no seu patamar mínimo.4. Provimento.

Recurso Eleitoral n. 060063946, Acórdão, Relator Des. DES. FEDERAL LUÍS ALBERTO D`AZEVEDO AURVALLE, Publicação: PJE - Processo Judicial Eletrônico-PJE. Grifei.

 

Desse modo, afigura-se demonstrada a prática da conduta vedada do art. 73, § 10, da Lei n. 9.504/97.

Em relação à responsabilidade dos agentes públicos, verifica-se que Genoir Marcos Florek, na condição de prefeito, subscreveu o termo de homologação da dispensa de licitação n. 015/2024, para a aquisição de “aquisição de carne bovina e linguicinha para comemoração dos 32 Anos do Município” (ID 45849286). De seu turno, Cássio José Kolcenti, na qualidade de vice-prefeito, em exercício, assinou o termo de homologação da dispensa de licitação n. 003/2024, permitindo a “aquisição de 630 unidades de garrafas térmica mínimo 650 ml inox com tampa, alça e bico tecnologia de parede dupla isolada a vácuo – quente e frio – cores sortidas” (ID 45849285).

Tal circunstância bem ilustra e demonstra que os mandatários se alternaram nos atos de gestão do município no período pertinente aos atos preparatórios da distribuição de “mimos” nas referidas celebrações.

Assim, de modo geral, a participação e anuência com as condutas vedadas é extraída dos próprios cargos ocupados no comando do Poder Executivo Municipal, situação que não lhes permitiria ignorar os fatos e o potencial proveito em relação às suas futuras candidaturas à reeleição.

Ainda, nos termos do art. 73, § 8º, da Lei n. 9.504 /97, aplicam-se as sanções do § 4º do mesmo artigo também aos partidos e coligações que se beneficiarem das aludidas ações, sendo necessária, porém, a comprovação segura de que tais entes concorreram para os fatos ou, minimamente, deles tinham prévio conhecimento.

Nessa linha, esta Corte Regional sufraga a compreensão de que “a responsabilidade por conduta vedada não pode ser presumida pelo simples fato de a candidata ou coligação terem sido favorecidas pela conduta levada a efeito por terceiro, sendo indispensável elementos concretos que fundamentem eventual sancionamento das beneficiárias” (TRE-RS - REl n. 0000340-41/RS, Relator: Desembargador Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, Data de Julgamento: 01.08.2019, Data de Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 147, Data 09.08.2019, Página 11).

No caso concreto, não há, no conjunto probatório, qualquer elemento que embase a convicção acerca do prévio conhecimento, da anuência ou da ingerência da coligação recorrida sobre a distribuição de itens realizada pela Prefeitura, de modo que se mostra inviável a sua responsabilização pelos atos.

De outra banda, em contrarrazões, os recorridos formulam requerimento subsidiário de retorno dos autos à origem para dilação probatória, a fim de que seja oficiado o Município de Centenário para informar “se existiu alguma impugnação, por órgão de controle externo ou interno, administrativamente ou judicialmente, quanto à aquisição e distribuição de comida no Aniversário da Cidade ou distribuição de brindes no Encontro Municipal de Mulheres, nos anos entre 2017 e 2024”, bem como para a oitiva das testemunhas que arrola (ID 45849426, fl. 30).

O ponto restou judiciosamente enfrentado pelo Magistrado sentenciante, consoante fundamento que adoto como razões de decidir (ID 45849409):

De fato, no caso em exame, dada a natureza dos fatos alegados e a extensa prova documental produzida, o protagonismo probatório será dos documentos juntados. Relatos testemunhais em nada alteram as conclusões do feito, visto que a solução do caso reclama, unicamente, a interpretação dos fatos demonstrados e sua subsunção à norma material eleitoral.

De outro lado, também não vislumbro necessidade de expedição de ofícios para complementação dos dados obtidos, visto que eventuais arquivamentos de expedientes de natureza não eleitoral, bem como para documentação de fonte oficial de dados com despesas ou gastos públicos, não se afiguram imprescindíveis para o exame da causa, dada a independência das esferas de responsabilização e a publicidade dos atos que se pretende obter, que permitiria que fossem apresentados a juízo independentemente de requisição.

 

Com efeito, tendo em vista que a efetiva distribuição de alimentos e brindes pela Prefeitura, no contexto das festividades locais, não é impugnada pelos recorridos, a questão resume-se à verificação acerca da existência de legislação específica que preveja a ação administrativa como um programa social em execução orçamentária em anos anteriores, estipulando tanto as espécies de benefícios quanto os critérios de seleção dos beneficiários, o que, consoante já analisado, não ocorre no caso em tela.

Por outro lado, enquanto a conduta vedada exige apenas a consumação do fato prescrito na legislação que o tipifica, sem necessidade de análise subjetiva ou do efeito no resultado da competição eleitoral, para o reconhecimento do abuso de poder e aplicação das drásticas penalidades de cassação e inelegibilidade, faz-se necessária a comprovação, por prova segura e robusta, da gravidade dos fatos narrados e de sua significativa repercussão na disputa eleitoral, sob o prisma da reserva legal proporcional, consoante ilustra a seguinte ementa:

AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. ELEIÇÕES DE 2018. PRESIDENTE E VICE–PRESIDENTE DA REPÚBLICA. PRELIMINARES. INÉPCIA DA PETIÇÃO INICIAL. LITISPENDÊNCIA. REJEIÇÃO. DEPOIMENTO PESSOAL. MEIO DE PROVA. FALTA DE PREVISÃO LEGAL. CONSENTIMENTO DA PARTE. ADMISSIBILIDADE. ABUSO DO PODER ECONÔMICO. ELEMENTOS. CARACTERIZAÇÃO. USO. RECURSOS PÚBLICOS OU PRIVADOS. GRAVIDADE. DESEQUILÍBRIO DO PLEITO. ENGAJAMENTO. EMPRESÁRIO. CAMPANHA DE CANDIDATO. VEICULAÇÃO. CRÍTICAS. LIMITES TOLERÁVEIS DO EMBATE ELEITORAL. POSSIBILIDADE. PRESERVAÇÃO DA IGUALDADE DE CONDIÇÕES NA DISPUTA. COAÇÃO. EMPREGADOS. INICIATIVA PRIVADA. CONFIGURAÇÃO. ATO ABUSIVO. EXIGÊNCIA. PROVA SEGURA. MANIFESTO CONSTRANGIMENTO. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO. IMPROCEDÊNCIA.

(...).

5. Para se caracterizar o abuso de poder, impõe–se a comprovação, de forma segura, da gravidade dos fatos imputados, demonstrada a partir da verificação do alto grau de reprovabilidade da conduta (aspecto qualitativo) e de sua significativa repercussão a fim de influenciar o equilíbrio da disputa eleitoral (aspecto quantitativo). A mensuração dos reflexos eleitorais da conduta, não obstante deva continuar a ser ponderada pelo julgador, não se constitui mais em fator determinante para a ocorrência do abuso de poder, sendo agora revelado, substancialmente, pelo desvalor do comportamento.

(...).

9. A jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral é firme no sentido de que, para afastar legalmente determinado mandato eletivo obtido nas urnas, compete à Justiça Eleitoral, com base na compreensão da reserva legal proporcional e fundamento em provas robustas admitidas em direito, verificar a existência de grave abuso de poder, suficiente para ensejar as rigorosas sanções de cassação do registro, diploma ou mandato e inelegibilidade. Precedentes.

10. Ação de Investigação Judicial Eleitoral que, rejeitadas as questões preliminares, se julga improcedente.

(Ação de Investigação Judicial Eleitoral n. 060175489, Acórdão, Relator Min. Jorge Mussi, Publicação:  DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 54, Data 20.03.2019.) Grifei.

 

Assim, sob a perspectiva do abuso de poder, tenho que andou bem a sentença que julgou improcedente a ação no ponto.

Os fatos ocorreram em março de 2024, período anterior às convenções partidárias e ao registro de candidaturas, o que atenua consideravelmente qualquer repercussão direta sobre o pleito.

A recorrente não logrou demonstrar, de forma concreta e robusta, que a realização desses eventos em 2024 teve um desvirtuamento eleitoral em relação aos anos anteriores, ou que houve um uso promocional específico em favor dos recorridos, com pedido de votos ou associação direta às suas candidaturas.

O comparecimento dos gestores públicos em eventos comemorativos oficiais da Prefeitura, participando de suas programações e dinâmicas, não configura, por si só, abuso de poder político, a menos que haja prova inequívoca de uso promocional indevido, situação não ocorrente nos autos.

O aumento do valor do empenho em brindes distribuídos na comemoração do dia da mulher, que saltou de R$ 17.850,00 em 2023 (para distribuição de guarda-chuvas) para R$ 34.020,00 no ano posterior (para entrega de garrafas térmicas), embora possa ser um indício a ser considerado, não é suficiente para configurar a gravidade necessária às sanções previstas para o abuso de poder, especialmente diante da ausência de outros elementos que demonstrem a exploração eleitoral dos eventos.

Portanto, não está evidenciada nos autos, por prova cabal, a gravidade dos fatos imputados, que, sob o critério da reserva legal proporcional, justifique a medida de cassação dos mandatos alcançados nas urnas, de modo que se impõe a manutenção da sentença de improcedência em relação ao ponto.

Entretanto, caracterizada a prática de ação descrita como conduta vedada, nos termos do art. 73, § 10, da Lei das Eleições, necessária a incidência da multa do § 4º do mesmo dispositivo, a ser fixada no valor de R$ 5.320,50 a R$ 106.410,00 (art. 20, inc. II, da Resolução TSE n. 23.735/24).

À míngua de outros elementos informadores da condição econômica dos candidatos ou da repercussão das condutas sobre o pleito, arbitro a multa no valor de R$ 5.320,50 para cada um dos eventos e para cada um dos agentes, de modo que condenação fica consolidada no valor de R$ 10.641,00, individualmente, a cada um dos recorridos.

2. Da Utilização de Evento Oficial para Autopromoção - Fato 3 do Recurso

Em relação ao fato 3 versado no recurso, a recorrente argumenta que o fato de o prefeito ter sido carregado por mulheres durante o evento do Dia da Mulher, em março de 2024, configuraria uso de evento oficial para autopromoção, violando o art. 73, inc. IV, da Lei n. 9.504/97, uma vez que a conduta é desproporcional e inadequada para um evento que visa enaltecer a figura feminina.

O art. 73, inc. IV, da Lei n. 9.504/97 veda "fazer ou permitir uso promocional em favor de candidato, partido político ou coligação, de distribuição gratuita de bens e serviços de caráter social custeados ou subvencionados pelo Poder Público".

A norma busca impedir que ações públicas, ainda que praticadas de forma lícita durante o período eleitoral, sejam desvirtuadas como atos de campanha, com o uso eleitoreiro da ação administrativa em benefício de candidato.

No caso em análise, as fotografias obtidas do evento (ID 45849388, pág. 4 e ID 45849389) corroboram a tese defensiva de que a ação de "carregar" pessoas foi uma dinâmica proposta pelo palestrante que guiou a celebração do dia da mulher, com o objetivo de simbolizar a força e o empoderamento feminino. As imagens indicam que outras pessoas, além do prefeito, também foram carregadas de igual forma durante a dinâmica. A declaração do palestrante (ID 45849389) afirma que a atividade visava valorizar a participação feminina e ilustrar a força coletiva das mulheres, sem finalidade político-partidária.

Embora a recorrente questione a adequação da dinâmica e a escolha do prefeito para ser carregado em um evento do Dia da Mulher, a análise jurídica no âmbito eleitoral deve focar na existência de uso promocional indevido em favor de candidatura, e não na conveniência ou no bom tom da atividade no contexto em que realizada.

Não há nos autos prova de que a dinâmica foi orquestrada pelos recorridos com o fim de promoção eleitoral, ou que houve pedido de votos ou associação direta às suas candidaturas durante ou após a atividade.

Mais uma vez, o fato ocorreu em março de 2024, antes do período eleitoral formal, o que enfraquece a alegação de uso eleitoreiro direto.

A mera participação do Prefeito em um evento oficial de comemoração do Dia da Mulher não configura, por si só, a conduta vedada, sem a demonstração inequívoca do uso promocional em benefício eleitoral.

Assim, não restou configurada a prática da alegada conduta vedada ou de abuso de poder, pois não há prova suficiente do uso promocional e ilícito do evento em favor dos recorridos e, da mesma forma, não existe demonstração cabal da gravidade dos fatos, com capacidade para afetar a normalidade ou equilíbrio do pleito.

3. Da Utilização de Bem Público para Gravação de Vídeos - Fato 4 do Recurso

Em relação à utilização de bens públicos para gravação de vídeo (Fato 4 do Recurso), a recorrente alega que, “em 22 de julho de 2024 (já dentro do período de publicidade institucional vedada) o candidato Genoir utilizou bens móveis de propriedade do município, inclusive, interrompendo o trabalho, a fim de gravar vídeo para sua campanha, no qual exalta a aquisição do equipamento”, configurando violação ao art. 73, incs. I e VI, al. "b", da Lei n. 9.504/97.

O art. 73, inc. I, da Lei n. 9.504/97 proíbe "ceder ou usar, em benefício de candidato, partido político ou coligação, bens móveis ou imóveis pertencentes à administração direta ou indireta". Por sua vez, o art. 73, VI, al. "b", veda, nos três meses que antecedem o pleito, "autorizar publicidade institucional dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos".

A argumentação recursal, na verdade, envolve dois vídeos acostados com a petição inicial, sob os IDs 45849291 e 45849297, que teriam sido publicados em páginas pessoais do então Prefeito Genoir.

O primeiro vídeo (ID 45849291) retrata o recorrido, na rua, falando do dia nacional do produtor de leite, da importância econômica do setor e apresentando uma máquina agrícola parada em frente ao prédio da Prefeitura Municipal, com uma breve gravação do equipamento sendo operado em aparente manobra de estacionamento.

Na segunda publicação (ID 45849297), há imagens do mesmo maquinário, em uso em uma propriedade rural, com uma mensagem sobre a importância do bem para os criadores de gado leiteiro. Em certos momentos, Genoir figura na gravação falando com algumas pessoas.

A recorrente afirma que o vídeo acostado sob o ID 45849291 foi publicado em 22 de julho de 2024, dentro do período de vedação da publicidade institucional, porquanto no interstício de três meses antes do pleito.

Não obstante, a sentença concluiu pela ausência de demonstração da data da publicação e dos meios de divulgação do vídeo pela recorrente, pontuando que “não há demonstração, acerca dos vídeos que teriam sido publicados pelo representado, quanto à data da publicação ou meios de divulgação, sendo que, de sua análise, não se verifica qualquer tipo de menção a candidatos ou qualquer outra forma de campanha política” (ID 45849414).

Com efeito, a impugnação relativa ao meio de prova do conteúdo digital, já realizada em contestação (ID 45849378), restou renovada em contrarrazões (ID 45849426), nas quais está alegado que “não há nos autos qualquer prova robusta quanto à data da publicação do vídeo, não havendo designação de URL, tampouco ata notarial ou outro sistema de verificação de metadados a identificar o dia da publicação”, bem como que, “em que pese a alegação de que o vídeo foi publicado em julho de 2024, não há qualquer registro nesse sentido” (ID 45849426).

Assim, uma vez impugnados os vídeos e prints de postagens na internet, caberia à parte adversária demonstrar a data da efetiva publicação e a integridade do conteúdo, mediante ata notarial ou outro mecanismo de certificação quanto aos fatos digitais alegados, nos termos dos arts. 384, parágrafo único, e 422, § 1º, do CPC.

Na hipótese concreta, porém, essas medidas não foram adotadas pela recorrente, persistindo a fundada controvérsia sobre elementos essenciais à caracterização das condutas vedadas, razão pela qual deve ser confirmada a decisão pela fragilidade da prova para a condenação.

Além disso, as publicações teriam sido realizadas em sítios particulares do agente público, e não em páginas oficiais da Prefeitura, não havendo prova mínima de que tenham sido empregadas verbas públicas em suas produções.

Tais circunstâncias são suficientes para descaracterizar a figura da publicidade institucional vedada, porquanto, na linha do entendimento do TSE sobre o tema, “a veiculação de postagens sobre atos, programas, obras, serviços e/ou campanhas de órgãos públicos federais, estaduais ou municipais em perfil privado de rede social não se confunde com publicidade institucional autorizada por agente público e custeada com recursos públicos, a qual é vedada nos três meses que antecedem as eleições (art. 73, VI, b, da Lei nº 9.504/1997)” (Recurso Especial Eleitoral n. 37615, Acórdão, Relator: Min. Luís Roberto Barroso, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 74, Data 17.04.2020).

Quanto à conduta vedada prevista no art. 73, inc. I, da Lei das Eleições, o TSE consagrou a compreensão de que “a simples obtenção de imagens de bens públicos não é suficiente para caracterizar o ilícito, sendo necessário a constatação do desvio de finalidade”, porquanto “o que a lei veda é o uso efetivo, real, do aparato estatal em prol de campanha, e não a simples captação de imagens de bem público (Rp 3267–25, rel. Min. Marcelo Ribeiro, DJE de 21.5.2012)” (TSE – AREspE n. 0600557-38/SP, Relator.: Min. Sergio Silveira Banhos, Data de Julgamento: 24/03/2022).

No primeiro vídeo relacionado, observa-se que o aparelho agrícola estava em espaço público, acessível a qualquer pessoa, e não há qualquer interação direta entre o prefeito e a máquina ou com outras pessoas.

Por sua vez, no segundo vídeo, o maquinário aparece em operação em uma propriedade rural, não havendo elementos para se estabelecer se o espaço seria público ou privado e, tampouco, se as pessoas presentes e que conversam com o prefeito seriam servidores públicos ou não.

Assim, a prova produzida nos autos apresenta-se insuficiente e duvidosa quanto ao uso indevido do bem público e à veiculação de publicidade institucional, não estando comprovada a infração ao art. 73, incs. I e VI, al. "b", da Lei das Eleições.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo parcial provimento do recurso, ao efeito de condenar GENOIR MARCOS FLOREK e CÁSSIO JOSÉ KOLCENTI, individualmente, à multa no valor de R$ 10.641,00, por infração ao art. 73, § 10, da Lei n. 9.504/97, nos termos da fundamentação (fatos 1 e 2 do recurso), mantidos os demais pontos da sentença.