PC - 0602252-06.2018.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 09/12/2019 às 11:00

VOTO

Trata-se de prestação de contas de JEAN PAUL TYBA, candidato a deputado estadual nas eleições de 2018.

Após a realização dos procedimentos técnicos, a Secretaria de Controle Interno e Auditoria deste TRE, em seu parecer conclusivo, apontou irregularidades referentes a: (a) recebimento de recursos de origem não identificada, em virtude da existência de notas fiscais emitidas contra o CNPJ do candidato, não contabilizadas, no montante de R$ 8.347,00; e (b) existência de dívida de campanha, no valor de R$ 12.283,20.

Assim, somadas as irregularidades, tem-se o total de R$ 20.630,20.

Passo à análise discriminada de cada apontamento.

a) Dos recursos de origem não identificada

No que se refere a esta primeira irregularidade, o órgão técnico constatou omissões de registros de despesas no Sistema de Prestação de Contas Eleitoral, configurando a infração do disposto no art. 56, inc. I, “g”, da Resolução TSE n. 23.553/17, pois a Prefeitura de Porto Alegre/RS e a Secretaria da Fazenda do Estado do Rio Grande do Sul informaram que foram emitidas notas fiscais contra o CNPJ do prestador, no montante de R$ 8.347,00, nos seguintes termos:

Dessa forma, há omissão de registros financeiros no referido sistema, o que caracteriza falha grave, uma vez que não é possível identificar a origem dos recursos que foram utilizados para o pagamento dessas despesas, circunstância que corresponde ao disposto no art. 16 da Resolução TSE n. 23.553/2017:

Art. 16. O uso de recursos financeiros para o pagamento de gastos eleitorais que não provenham das contas específicas de que tratam os arts. 10 e 11 implicará a desaprovação da prestação de contas do partido político ou do candidato.

§ 1º Se comprovado o abuso do poder econômico por candidato, será cancelado o registro da sua candidatura ou cassado o seu diploma, se já houver sido outorgado (Lei nº 9.504/1997, art. 22, § 3º).

§ 2º O disposto no caput também se aplica à arrecadação de recursos para campanha eleitoral que não transitem pelas contas específicas previstas nesta resolução.

Sobre as omissões de registros de despesas constatadas pela SCI, a parte prestadora afirmou o seguinte:

O candidato reconhece a existência das notas fiscais apontadas no relatório, porém não tinha conhecimento da situação de lançamento na Prestação de Contas, porém contratou contador para a elaboração de sua prestação de contas e não se envolvia com a parte contábil, deixando para este a incumbência de realizar o trabalho.

Para tanto, solicitou informação ao contador, Sr Amilton Machado, que se negou a realizar a retificação no sistema eleitoral, sob a alegação de que somente a realizaria por ordem judicial. Com isso, o candidato se vê impedido, neste momento, de realizar a retificação no sistema do SPCE, pois

não possui os arquivos do sistema para realizar a retificação.

Por tais razões se faz necessário o requerimento de concessão de prazo para o candidato providenciar novo contador para realizar a Prestação de Contas Retificadora, caso não seja aceita a inclusão no sistema pelos técnicos do TRE-RS.

Não obstante a isso, o candidato informa que os valores apresentados nas referidas notas fiscais não foram pagos na sua integralidade. O candidato não conseguiu efetuar os pagamentos dentro dos prazos legais e, por isso, realizou os pagamentos no decorrer do ano, utilizando recursos próprios.

Vale ressaltar que foi a primeira vez que o candidato participou de uma eleição e, por isso, não possuía conhecimento dos procedimentos que deveriam ser realizados. O prazo de 3 dias é exíguo e o candidato não conseguiu acesso a todos os documentos necessários para juntar nos autos.

Não obstante, a afirmação do prestador, transcrita acima, trata-se apenas de conjectura, na medida em que não há comprovação do alegado.

Frise-se que, oportunizado um segundo prazo para o interessado manifestar-se, nos termos por ele mesmo solicitados, restou a irregularidade sem esclarecimentos, pois a oportunidade não foi aproveitada.

Por conseguinte, as omissões de registros financeiros no Sistema de Prestação de Contas Eleitoral (SPCE-cadastro) hão de ser consideradas, tecnicamente, como ‘Recurso de Origem não Identificada’ e sujeito a recolhimento ao Tesouro Nacional o valor de R$ 8.347,00, uma vez que não foi possível confirmar a origem dos valores empregados no pagamento dos citados documentos fiscais, nos termos do art. 82 da Resolução TSE n. 23.553/17.

b) Das dívidas de campanha

Quanto à segunda irregularidade, conforme se observa do exame da prestação de contas, há dívidas de campanha declaradas na prestação de contas, decorrentes do não pagamento de despesas contraídas, no total de R$ 12.283,20.

Deveras, não havendo o pleno adimplemento de todas as dívidas de campanha, a legislação eleitoral prevê um tratamento específico e objetivo para a hipótese, qual seja, a assunção da dívida pelo partido político da respectiva circunscrição, na forma dos parágrafos 2º e 3º do art. 35 da citada resolução, verbis:

Art. 35. (…).

§ 2º Eventuais débitos de campanha não quitados até a data fixada para a apresentação da prestação de contas podem ser assumidos pelo partido político (Lei nº 9.504/1997, art. 29, § 3º; e Código Civil, art. 299).

§ 3º A assunção da dívida de campanha somente é possível por decisão do órgão nacional de direção partidária, com apresentação, no ato da prestação de contas final, de:

I - acordo expressamente formalizado, no qual deverão constar a origem e o valor da obrigação assumida, os dados e a anuência do credor;

II - cronograma de pagamento e quitação que não ultrapasse o prazo fixado para a prestação de contas da eleição subsequente para o mesmo cargo;

III - indicação da fonte dos recursos que serão utilizados para a quitação do débito assumido.

Com efeito, a regra tem por escopo permitir a fiscalização da arrecadação dos recursos utilizados para o custeio da despesa, mesmo após as eleições, no bojo das contas apresentadas anualmente pelos partidos políticos, notadamente a conferência quanto à eventual utilização de receitas de origem não identificada ou de verbas de origem proscrita em campanhas eleitorais.

O pagamento da dívida pelo candidato após o esgotamento do processo eleitoral e fora dos parâmetros trazidos pela legislação representa infração grave às normas que regulamentam a arrecadação de recursos, porquanto os valores manejados escapam a qualquer controle ou exame pela Justiça Eleitoral.

A mesma linha é encampada pela jurisprudência do TSE:

ELEIÇÕES 2016. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO. PRESTAÇÃO DE CONTAS DE CANDIDATO. DESAPROVAÇÃO PELA INSTÂNCIA ORDINÁRIA. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. AUSÊNCIA DE SIMILITUDE FÁTICA. ÓBICE SUMULAR. EXISTÊNCIA DE DÍVIDA DE CAMPANHA NÃO ASSUMIDA PELO PARTIDO POLÍTICO. JURISPRUDÊNCIA DO TSE. NÃO INCIDÊNCIA DOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE PARA FINS DE APROVAÇÃO DAS CONTAS. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. Na hipótese, a Corte Regional desaprovou a Prestação de Contas do agravante, em virtude da existência de dívida de campanha não assumida pelo Partido Político. 2. Não merece reparo o entendimento da decisão agravada que confirmou a incidência da Súmula 28 do TSE na hipótese dos autos, haja vista a ausência de similitude fática, pressuposto recursal apto à configuração do dissídio jurisprudencial, pois as duas decisões do TSE elencadas a título de paradigmas tratam de falhas de naturezas diversas em Prestações de Contas, quais sejam, ausência de emissão de recibo eleitoral; e pagamento de despesas por meio de cheque avulso que não transitou pela conta bancária única de campanha. 3. Conforme a orientação da jurisprudência deste Tribunal, a dívida de campanha não assumida a tempo pelo Partido Político configura vício insanável, o que afasta a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, acarretando a desaprovação das contas. Nessa linha, o AgR-REspe 2632-42/MG, Rel. Min. ROSA WEBER, DJe de 20.10.2016, e o AgR-REspe 2232-44/PR, Rel. Min. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, DJe de 28.10.2015. 4. Agravo Regimental desprovido.

(TSE - AI n. 18749 CURITIBA - PR, Relator: Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Data de Julgamento: 15.3.2018, Data de Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Data 12.4.2018.) (Grifei.)

Além disso, pagamentos programados para data posterior à análise e ao julgamento das contas e fora do procedimento de assunção de dívida pelo diretório partidário devem ser considerados como valores de origem não identificada, em face da ausência de especificação da origem dos valores, conforme enuncia o art. 34, § 1º, da multicitada resolução.

Em realidade, o próprio recebimento de um produto ou serviço destinado ao fomento da candidatura, sem a contrapartida financeira correspondente despendida pelo candidato ou pela sigla partidária, pode, em muitos casos, configurar uma doação oculta ou dissimulada recebida de fontes vedadas de recursos, realizada à margem dos procedimentos técnicos de fiscalização da Justiça Eleitoral.

Dessa forma, na esteira da jurisprudência deste Tribunal, a irregularidade enseja o recolhimento das correspondentes quantias ao Tesouro Nacional, por aplicação do disposto no art. 34 da Resolução TSE n. 23.553/17, o qual prevê que os recursos de origem não identificada não podem ser utilizados por partidos políticos e candidatos e devem ser transferidos ao Tesouro Nacional por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU).

Na mesma linha de entendimento, destaco o seguinte julgado deste Tribunal:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. DEPUTADO ESTADUAL. ARRECADAÇÃO E DISPÊNDIO DE RECURSOS RELATIVOS ÀS ELEIÇÕES GERAIS DE 2018. DÍVIDA DE CAMPANHA. DOAÇÕES EFETUADAS MEDIANTE DEPÓSITO EM DINHEIRO COM VALOR ACIMA DO LIMITE REGULAMENTAR. DEVOLUÇÃO DE CHEQUE NÃO ESCRITURADO NAS CONTAS. DESPESA COM CESSÃO DE VEÍCULO PERTENCENTE AO PRÓPRIO CANDIDATO. FALHAS QUE REPRESENTAM 42,45% DO MONTANTE AUFERIDO DURANTE A CAMPANHA ELEITORAL. RECOLHIMENTO DA QUANTIA IRREGULAR AO TESOURO NACIONAL. DESAPROVAÇÃO.

1. Débitos de campanha sem pagamento até a data fixada para a apresentação das contas devem ser assumidos pelo partido político, após decisão do órgão nacional de direção partidária, com a entrega, no ato da prestação de contas final, de acordo expressamente formalizado, cronograma de pagamento e quitação e indicação da fonte dos recursos que serão utilizados para o adimplemento da dívida. Exigências dispostas no art. 35, §§ 2º e 3º, da Resolução TSE n. 23.553/17.

2. Recebimento de doações provenientes de pessoas físicas, por meio de depósitos em espécie, em quantias acima do limite regulamentar, descumprindo a obrigatoriedade de repasse por transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação, nos termos dos arts. 22, inc. I, § 1º, e 34, § 1º, inc. I, da Resolução TSE n. 23.553/17. Irregularidade que impossibilita a fiscalização da real origem da receita pela Justiça Eleitoral e compromete a confiabilidade das contas.

3. Existência de cheque devolvido que sequer foi escriturado nas contas, caracterizando recurso de origem não identificada diante da impossibilidade de verificação da fonte de pagamento para a despesa.

4. Despesa com cessão ou locação de veículo, cuja identidade do fornecedor é a do próprio prestador de contas. Falha formal e de somenos importância, considerada no contexto das demais inconsistências relacionadas pela unidade técnica.

5. Conjunto de apontamentos que representam 42,45% das receitas declaradas. Recolhimento dos recursos irregularmente recebidos ao Tesouro Nacional.

6. Desaprovação.

(TRE-RS; PC n. 0602805-53.2018.6.21.0000; Relator: Des. Eleitoral Miguel Antônio Silveira Ramos; sessão de 05.9.2019; DJE de 10.9.2019.)

As irregularidades que envolvem a quantia representam altíssimos 420,30% das receitas declaradas na campanha (R$ 4.828,00), do que se deflui ser, de todo, inviável a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. O juízo de desaprovação é medida que se impõe.

DIANTE DO EXPOSTO, VOTO pela desaprovação das contas, nos termos do art. 77, inc. III, da Resolução TSE n. 23.553/17, bem como pela determinação de recolhimento do montante de R$ 20.630,20 (vinte mil, seiscentos e trinta reais e vinte centavos) ao Tesouro Nacional, com fulcro no art. 34, caput, da mesma resolução.