RE - 35586 - Sessão: 18/12/2019 às 10:30

RELATÓRIO

O MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL de Taquari interpôs recurso contra a sentença proferida pelo Juízo da 56ª Zona Eleitoral (fls. 478-487v.) que, julgando improcedente a Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE) proposta pelo “Parquet”, entendeu não caracterizada a prática de abuso de poder político e de conduta vedada pelos investigados EMANUEL HASSEN DE JESUS e ANDRÉ LUÍS BARCELLOS BRITO, respectivamente, prefeito e vice-prefeito do Município de Taquari reconduzidos aos respectivos cargos na eleição de 2016.

Em suas razões recursais (fls. 491-498v.), o MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL junto à origem insurgiu-se contra a decisão de primeiro grau, sustentando que tanto o abuso de poder político como as condutas vedadas imputadas aos recorridos na inicial restaram plenamente comprovadas. Aduz, ainda, o recorrente, que o uso da estrutura administrativa do município por parte dos investigados comprometeu a normalidade e a legitimidade das eleições e que, tratando-se de município de pequeno porte, cada voto é decisivo no resultado do pleito. Assevera que os atos praticados pelos mandatários influenciaram a vontade do eleitor e que a gravidade dos fatos enseja a reforma da decisão de primeiro grau.

Os recorridos ofereceram contrarrazões (fls. 509-535), sustentando, sucintamente, que os fatos não restaram comprovados.

Nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral apresentou parecer pelo desprovimento do recurso (fls. 541-549v.).

É o relatório.

VOTO

Admissibilidade

O recurso é tempestivo. O Ministério Público Eleitoral na origem foi intimado em 05.12.2018 (fl. 490), quarta-feira, e a irresignação foi apresentada na sexta-feira, dia 07.12.2018 (fl. 491). Presentes os demais pressupostos de admissibilidade, dele conheço.

Mérito

Cuida-se de apreciar o recurso interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL nos autos de Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE) por ele proposta, julgada improcedente pelo juízo da 56ª Zona Eleitoral de Taquari (fls. 478-487v.), em razão da carência de prova quanto à prática de abuso do poder político e de condutas vedadas, consubstanciada na utilização da máquina pública em benefício da candidatura de EMANUEL HASSEN DE JESUS e de ANDRÉ LUIS BARCELLOS BRITO, prefeito e vice-prefeito, candidatos à reeleição no pleito de 2016.

O recorrente alega a ocorrência dos seguintes fatos: a) uso de bem público e dos serviços do assessor de imprensa do município para fotografar comício e utilizar o material em benefício da candidatura dos recorrentes; b) uso dos serviços de funcionários municipais na campanha política mediante publicações no Facebook; c) direcionamento das gestantes integrantes do movimento “gestantes podem mais” para o comício dos investigados; e d) utilização dos serviços médicos do município, em relação a grupo de gestantes para promover a campanha eleitoral e cooptar votos (fls. 491-498 v.).

Por sua vez, os recorridos asseveram que não praticaram as condutas a eles atribuídas, que os fatos carecem de provas e que as condutas são atípicas (fls. 509-535).

Por força do comando sentencial, os pedidos de cassação de diploma e de inelegibilidade formulados pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL foram julgados improcedentes, diante da ausência de prova do envolvimento dos representados, bem como da potencialidade lesiva e de condutas capazes de comprometer a normalidade e a legitimidade das eleições (fl. 486 e v.).

Antes de adentrar na análise fática, cumpre lançar algumas premissas teóricas.

A finalidade precípua da AIJE é apurar o uso indevido, o desvio ou o abuso do poder nos seus espectros econômico e político (ou emanado de autoridade), bem como a utilização indevida de veículos ou de meios de comunicação social, em benefício de candidato ou partido político, ilícitos que podem levar à declaração de inelegibilidade, pelo período de 8 (oito) anos, de todos os agentes que contribuíram para a sua prática, e à cassação do registro ou diploma do candidato beneficiado, como disciplinam o art. 14, § 9º, da Constituição Federal e o art. 22, incs. XIV e XVI, da LC n. 64/90, com a redação que lhe foi dada pela LC n. 135/10.

Nas hipóteses de abuso de poder político e econômico, a atividade jurisdicional deve ser orientada pelos postulados da proporcionalidade e da razoabilidade para que se possa impor, ao candidato beneficiado, a gravosa penalidade de cassação do seu registro, diploma ou mandato eletivo e a penalidade de declaração de inelegibilidade àqueles que se envolveram nas práticas ilícitas.

Sob esse prisma, a Corte Superior definiu que, evidenciada conduta que comprometa a disputa eleitoral, compete ao órgão julgador delimitar, individualmente, a atuação dos envolvidos para fins de declaração de inelegibilidade, a qual, por constituir sanção de caráter personalíssimo, pode ser aplicada unicamente àqueles que cometeram, participaram ou anuíram com a conduta abusiva, ao passo que a penalidade de cassação do diploma ou do mandato alcança todos os candidatos beneficiados, independentemente da comprovação da sua responsabilidade subjetiva (REspe n. 81719, Relator Min. Herman Benjamin, DJE de 25.02.2019, pp. 30-32 e REspe n. 1635, Relator Min. Jorge Mussi, DJE de 17.04.2018, pp. 14-16).

O doutrinador Rodrigo López Zilio (Direito Eleitoral, Editora Verbo Jurídico, 5ª edição, p. 585 e verso) traz lição sobre as condutas vedadas:

As condutas vedadas – na esteira de entendimento da doutrina e jurisprudência – constituem-se como espécie do gênero abuso de poder e surgiram como um antídoto à reeleição, a qual foi instituída através da EC nº 16/97. Em verdade, pode-se conceituar os atos de conduta vedada como espécies de abuso de poder político que se manifestam através do desvirtuamento dos recursos materiais (incisos I, II, IV e §10º do art. 73 da LE), humanos (incisos III e V do art. 73 da LE), financeiros (inciso VI, a, VII e VIII do art. 73 da LE) e de comunicação (inciso VI, b e c do art. 73 da LE) da Administração Pública (lato sensu).

(...)

O bem jurídico tutelado pelas condutas vedadas é o princípio da igualdade entre os candidatos. Assim, desnecessário qualquer cotejo com eventual violação à normalidade ou legitimidade do pleito. Basta, apenas, seja afetada a isonomia entre os candidatos; nada mais. Neste sentido, aliás, o próprio caput do art. 73 da LE prescreve que são condutas vedadas porque “tendentes” a afetar a igualdade entre os candidatos. Ou seja, o legislador presume que tais condutas, efetivamente, inclinam-se a desigualar os contendores.

Exigir prova da potencialidade da conduta na lisura do pleito equivale a um esvaziamento do comando normativo, porquanto imporia um duplo ônus ao representante: a prova da adequação do ilícito à norma (legalidade estrita ou taxatividade) e a prova da potencialidade da conduta. A adoção dessa implica o esvaziamento da representação por conduta vedada, pois, caso necessária a prova da potencialidade, mais viável o ajuizamento da AIJE – na qual, ao menos, não é necessária a prova da tipicidade da conduta. Em suma, o bem jurídico tutelado pelas condutas vedadas é o princípio da isonomia entre os candidatos, não havendo que se exigir prova de potencialidade lesiva de o ato praticado afetar a lisura do pleito. Do exposto, a prática de um ato previsto como conduta vedada, de per si e em regra – salvo fato substancialmente irrelevante – é suficiente para a procedência da representação com base no art. 73 da LE, devendo o juízo de proporcionalidade ser aferido, no caso concreto, para a aplicação das sanções previstas pelo legislador (cassação do registro ou do diploma, multa, suspensão da conduta, supressão dos recursos do fundo partidário). (Grifei.)

Como se verifica, o bem jurídico tutelado é a isonomia entre os concorrentes ao pleito.

Estabelecidas essas premissas teóricas, prossigo no exame dos fatos. Os autos versam sobre o cometimento das condutas vedadas previstas nos incs. I, III e IV do art. 73 da Lei n. 9.504/97:

Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

I - ceder ou usar, em benefício de candidato, partido político ou coligação, bens móveis ou imóveis pertencentes à administração direta ou indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, ressalvada a realização de convenção partidária;

II - usar materiais ou serviços, custeados pelos Governos ou Casas Legislativas, que excedam as prerrogativas consignadas nos regimentos e normas dos órgãos que integram;

III - ceder servidor público ou empregado da administração direta ou indireta federal, estadual ou municipal do Poder Executivo, ou usar de seus serviços, para comitês de campanha eleitoral de candidato, partido político ou coligação, durante o horário de expediente normal, salvo se o servidor ou empregado estiver licenciado;

IV - fazer ou permitir uso promocional em favor de candidato, partido político ou coligação, de distribuição gratuita de bens e serviços de caráter social custeados ou subvencionados pelo Poder Público;

V - nomear, contratar ou de qualquer forma admitir, demitir sem justa causa, suprimir ou readaptar vantagens ou por outros meios dificultar ou impedir o exercício funcional e, ainda, ex officio, remover, transferir ou exonerar servidor público, na circunscrição do pleito, nos três meses que o antecedem e até a posse dos eleitos, sob pena de nulidade de pleno direito, ressalvados:

(…)

(Grifo nosso)

 

Passo à análise individualizada dos fatos.

1) Conduta vedada. Uso de bem público em benefício da candidatura dos recorrentes (art. 73, inc. I, da Lei n. 9.504/97)

A dicção legal procura evitar que os bens públicos sejam utilizados com o fim de obter determinada vantagem, apta a causar desequilíbrio eleitoral. O objetivo dos bens públicos é, justamente, servir ao público e ser por ele utilizado, e não por determinado candidato, sob pena de flagrante desvio de finalidade. Logo, o que se impede aqui é o uso desvirtuado dos bens públicos refletindo na vitória desse ou daquele candidato.

A inicial aduz que, no período eleitoral de 2016, o assessor de imprensa do município, que também atuava como fotógrafo na campanha dos investigados, teve acesso privilegiado ao prédio da prefeitura para fotografar o evento denominado “abraço da lagoa”, promovido pelos recorridos.

O ponto controvertido é estabelecer se o ingresso do assessor de imprensa no telhado da prefeitura, para o fim de fotografar evento que veio a ser utilizado na campanha dos representados, seria vedado aos demais candidatos e a outras pessoas da população.

Com efeito, restou demonstrado nos autos que a entrada no prédio municipal ocorreu sem autorização formal, tendo se sujeitado tão somente à permissão da vigilância do local. De acordo com a prova colhida, trata-se de prática usual, uma vez que qualquer pessoa pode acessar o telhado do prédio da prefeitura.

Desse modo, inexiste prova de que o acesso tenha sido restringido aos correligionários, simpatizantes da campanha dos recorridos, privilegiando-os com a utilização da estrutura municipal, ou que se tenha impossibilitado o acesso dos demais candidatos e seus cabos eleitorais ao mesmo espaço.

Por esses motivos, as pretensões condenatórias fundadas na conduta vedada descrita no art. 73, inc. I, da Lei n. 9.504/97 merecem ser refutadas, devido à insuficiência de provas.

2) Conduta vedada. O uso dos serviços de funcionários municipais na campanha política mediante publicações no Facebook (art. 73, inc. III, da Lei n. 9.504/97)

A previsão legal busca impedir que a submissão hierárquica no âmbito da administração pública seja pretexto suficiente para desequilibrar o pleito eleitoral.

Note-se que a norma tem como objetivo evitar a utilização indevida do quadro de pessoal da Administração Pública, causando interferência na paridade de armas, na igualdade de chances dos competidores eleitorais.

Na prática, se o servidor está em horário de expediente, é sua obrigação realizar as atribuições do seu cargo, em benefício da coletividade e não de determinado candidato, sob pena de se caracterizar ilicitude eleitoral.

Por outro lado, se o agente público (servidor ou empregado público) não estiver em horário de serviço, é perfeitamente possível que, por disposição própria, trabalhe em prol de determinado candidato. Prestigia-se, assim, a livre manifestação do pensamento, a possibilidade de aderir livremente ao ideal político que mais lhe agrade, tradução do pluralismo político (art. 1°, inc. V, da CF).

No caso, cumpre examinar a eventual utilização de servidores públicos e estagiários da prefeitura em atos de campanha no horário de expediente, com destaque ao uso das páginas da rede social Facebook, por exemplo, para manifestação favorável à candidatura dos investigados, ora recorridos.

A sentença é irretocável no ponto, motivo pelo qual adoto o excerto abaixo como fundamentos para afastar a irregularidade apontada na inicial, transcrevo (fls. 482v.-483):

Do que observo das fotos das postagens de Lilli Steffen constantes nas fls. 147/150, nenhuma se deu em horário ou dia de trabalho. As quatro primeiras se deram depois das 20hs, já a última no dia 20 de setembro, sabidamente feriado estadual. Já as postagens das fls. 214/215, não há como se verificar o horário. No que respeita às postagens das fls, 214/218, supostamente de outros estagiários, vejamos. A postagem de Mauren Castro (fl. 216), em nítido apoio à candidatura dos réus, ocorreu no dia 22/08/16, às 11h48min (fl .309). Segundo sua ficha ponto, Mauren trabalhou neste dia, no turno da manhã, das 08hs até as 12hs. Já a postagem de João Timotéo (fl. 216-verso) não consta nenhum apoio aos réus. Em relação a Aline Lopes de Borba, Juliana Silva da Rosa, Eduardo Adam Nunes e Rodrigo Pereira Rodrgiues não há prova do vínculo de estágio ou contrato com o Município (e aqui a reportagem publicada em jornal não se pode ser considerada como meio adequado de prova, até porque havia outras possibilidades), tampouco dos horários de trabalho, o que impede a verificação do vínculo jurídico e da coincidência entre a data e horário da postagem com a prestação de serviço ao Município. Assim, a única postagem comprovadamente existente em horário de trabalho por funcionário se deu por Mauren Castro.

(…)

De toda forma, é visível que as fichas ponto contêm horários idênticos e exatos (das 08hs às 12hs, e das 13h30min às 16h30min durante todo o período de 16/08/16 a 15/09/16), o que causa certa dúvida a respeito da precisão. Ora, no mínimo é estranho o cumprimento tão exato dos horários... E veja-se que a postagem se deu às 11h48min. Então, é possível que tenha ocorrido após o encerramento do expediente matinal por Mauren.

Mas também não há prova de que tenha sido uma postagem determinada pela chefia ou pelos candidatos ou que se tenha dado pela livre manifestação do pensamento político de Mauren. E a questão aqui é se a simples postagem, em horário duvidoso em relação ao serviço, sem a prova da influência (direta ou indireta) dos réus, pode ser considerada ilegal e, neste caso, trazer prejuízos eleitorais a eles? Entendo que a singular postagem, não. Talvez plurais postagem (em grande volume), em horário de trabalho, por diversas pessoas que sejam funcionárias do município, possa demonstrar o abuso de poder político, dependendo da situação e de outros elementos que caracterizem a influência sobre os funcionários para destinarem a sua força de trabalho à campanha política. Não é este o caso, todavia. Por conseguinte, o rumo é também afastar a ilegalidade apontada pelo Ministério Público neste particular, pela ausência de provas. (…)

(Grifo nosso)

 

Nessa linha, a previsão sancionatória vindicada pelo recorrente padece de respaldo legal. Trata-se de demanda na qual não se discute a ocorrência dos fatos, eis que incontroversos. Todavia, eles não são irregulares.

As restrições aos agentes públicos, constantes nos arts. 73 e seguintes da Lei n. 9.504/97, devem ser lidas estritamente, sob o prisma de que se trata de normas de cunho sancionador. A prova colhida no decorrer da instrução, inclusive de origem testemunhal, foi muito bem analisada pelo juízo de origem, cuja decisão, no ponto, deve ser mantida em seus exatos fundamentos.

Entende o recorrente, ainda, que a utilização do assessor de impressa da prefeitura para fotografar o evento “Abraço à Lagoa” infringe o inc. III do art. 73 em análise.

Os autos demonstram, contudo, que o ato ocorreu no domingo, fora do horário de expediente, afastando, pois, a proibição legal do apoio do servidor à campanha eleitoral dos candidatos investigados.

3) Conduta vedada. Utilização dos serviços médicos do município, em relação a grupo de gestantes para promover a campanha eleitoral (art. 73, inc. IV, da Lei n. 9.504/97)

Nesse inciso, o agente público faz o uso promocional, em benefício de determinado candidato, da distribuição gratuita de bens e de serviços. Isto é, o agente utiliza determinado programa ou projeto social que envolva bens ou serviços, custeados ou fomentados pelo Poder Público, em prol da campanha eleitoral.

Exceção à proibição legal são as situações extraordinárias, como os casos de calamidade pública, estado de emergência, ou os programas governamentais autorizados em lei e já em execução (e não mera previsão) na respectiva lei orçamentária (art. 73, § 10, da Lei n. 9.504/97).

Nesse contexto, a conduta trazida na inicial refere-se à utilização de serviços médicos do município para promover a campanha eleitoral de EMANUEL HASSEN DE JESUS e ANDRE LUIS BARCELLOS BRITO e cooptar votos para sua reeleição.

O recorrente argumenta que o representado ANDRÉ, prefeito em exercício, por ocasião das férias de Emanuel, teria direcionado gestantes integrantes do movimento “gestantes podem mais” para o comício de campanha dos investigados.

No mesmo sentido, Elisandra Steffen, estagiária, também teria incentivado as participantes do grupo de gestantes, mediante rede social, a comparecer no comício.

Mais, afirma o recorrente que foi realizada, no final do evento, uma reunião com as representantes do referido grupo, condicionando a normalidade dos atendimentos obstétricos à captação de votos para a chapa dos investigados.

Em resumo, sustenta que os recorridos tinham total controle sobre o agendamento das consultas, por interferência política, em benefício eleitoral.

A sentença do magistrado de origem bem apreciou a prova produzida nos autos a respeito da situação fática, motivo pelo qual, novamente, adoto-a como fundamentação deste voto, nos seguintes termos (fls. 485v.-486):

Da análise das provas, algumas constatações são possíveis: (i) não foi confirmado pelas testemunhas que o atendimento médico estaria condicionado ao voto ou à eleição dos representados; (ii) não foi confirmado pelas testemunhas o pedido de voto, tampouco que houve a intervenção dos representados para o atendimento; (iii) no final do comício o Prefeito e o Vice-Prefeito falaram com as representantes do movimento das mulheres gestantes, mas não em reunião reservada; (iv) Lili fez o convite pelas redes sociais; (v) não ficou demonstrado que foi o Vice-Prefeito que fez o convite no prédio da Prefeitura; (vi) não ficou demonstrado que o Prefeito fez referência à presença do movimento das mulheres gestantes no comício; (vii) não foi evidenciado que aconteceu melhoria nos atendimento especificamente durante a campanha eleitoral. O que observo é que realmente está evidenciado que houve o convite por parte de funcionários do município para que o grupo fosse ao comício de campanha dos representados para tratar do assunto que lhe interessava diretamente com os representados. Também há prova de que ao final do comício os representados falaram com o grupo sobre a questão dos atendimentos médicos. Não há, por outro lado, prova direta da interferência dos representados na ação que captou o movimento para o comício. E também não há provas de quantas pessoas do grupo foram ao evento de campanha.

(…)

Cabe construir argumentativamente a resposta para o caso, isto é, se há potencialidade lesiva na conduta apta a comprometer a normalidade e a legitimidade das eleições? Entendo que algumas circunstâncias são cruciais para a definição e a construção da resposta adequada ao caso: (i) não se sabe o número de pessoas captadas ou o número de integrantes que poderia ser angariado para o comício com tal conduta; (ii) não houve pedido de votos, o condicionamento do atendimento ao voto e demonstração de que houve interferência nos agendamentos ou melhoria das consultas após o evento. Isso, ao meu ver, acaba definindo uma baixa potencialidade lesiva da conduta demonstrada, sem descaracterizar a sua ilegalidade e o possível sancionamento pela via adequada. Entendo que a captação ilícita de um número indefinido de eleitores (que pode ter sido dois ou trinta, mas não se sabe...) para o comício, por servidores do município, em benefício dos representados (única conduta demonstrada) não preenche a exigência legal da potencialidade lesiva capaz de comprometer a normalidade e a legitimidade das eleições, data venia. Conclusão diversa certamente seria se todos os fatos afirmados na inicial (ou menos todos aqueles envolvendo este episódio) fossem comprovados. No entanto, apenas um deles e em grau de lesividade bem menos elevado foi demonstrado. E, malgrado a sua ilegalidade, não verifico uma nocividade comprometedora às eleições, o que milita em favor da manutenção dos eleitos no exercício do seu mandato. Em última análise, o encaminhamento da fundamentação exposta é pela improcedência de todos os pedidos formulados pelo Ministério Público, por força da ausência de demonstração da potencialidade lesiva de condutas capazes de comprometer a normalidade e a legitimidade das eleições.

 

Nesse contexto, não há como imputar aos recorridos a prática de conduta vedada.

 

4) Abuso de poder político. Utilização dos serviços médicos do município, em relação a grupo de gestantes para promover a campanha eleitoral (art. 22 da LC n. 64/90)

Os fatos descritos na inicial, relacionados aos serviços de saúde do município, serão agora examinados sob o enfoque do abuso de poder político.

Nessa conjuntura, é oportuno lembrar que, de acordo com a jurisprudência consolidada pelo TSE, não ocorre violação ao princípio do “no bis in idem” quando, em sede de AIJE, fatos descritos como conduta vedada são também apreciados sob a perspectiva do abuso de poder, hipótese na qual, provada a gravidade das circunstâncias, é perfeitamente viável a incidência tanto das sanções estabelecidas na Lei n. 9.504/97 quanto na LC n. 64/90 relativamente aos fatos objeto da lide (AI n. 34838, Relator Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, DJE de 27.02.2019 e RO n. 643257, Relatora Min(a). Fátima Nancy Andrighi, DJE de 02.5.2012).

O abuso de poder econômico e político está previsto no art. 22 da Lei Complementar n. 64/90, cujo teor segue:

Art. 22. Qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral poderá representar à Justiça Eleitoral, diretamente ao Corregedor-Geral ou Regional, relatando fatos e indicando provas, indícios e circunstâncias e pedir abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político, obedecido o seguinte rito:

(…)

XVI - para a configuração do ato abusivo, não será considerada a potencialidade de o fato alterar o resultado da eleição, mas apenas a gravidade das circunstâncias que o caracterizam.

 

Cabe considerar que a vedação ao abuso de poder é norma aberta, com a finalidade de impedir comportamentos que extrapolem o exercício regular da capacidade econômica e de posições públicas capazes de causar indevido desequilíbrio ao pleito.

Afora sua generalidade, isto é, ausência de taxatividade quanto ao seu objeto, a AIJE destina-se à tutela da normalidade e legitimidade das eleições. Nesse toar, para que se imponha o juízo condenatório, é necessário aferir a gravidade das circunstâncias que envolvem as condutas ilícitas, conforme o inc. XVI do art. 22 da LC n. 64/90, adotando-se, como diretrizes, o comportamento do agente, a forma, a natureza e a finalidade do ato, seus efeitos e a extensão do dano causado.

Indo ao encontro de tais premissas, o TSE vem reiterando, em seus julgamentos, a imprescindibilidade de quadros probatórios que indiquem, de forma robusta, condutas suficientemente graves, tendentes a macular a higidez do pleito, para que possam incidir as penalidades de declaração de inelegibilidade e cassação do mandato (RO n. 178849, Relator Min. Luís Roberto Barroso, DJE de 28.03.2019 e RO n. 78553, Relator Min. Luiz Fux, DJE de 06.11.2018).

No caso concreto, assevero que a prova dos autos é insuficiente, não sendo possível sancionar os recorridos com as graves penas previstas pela legislação de regência, mormente a declaração de inelegibilidade pelo prazo de 8 (oito) anos, com os elementos constantes nos autos. Relativamente ao abuso de poder em forma lata, não há suficiente demonstração da gravidade das circunstâncias.

Segundo a Procuradoria Regional Eleitoral, os autos evidenciam a caracterização do abuso do poder político em benefício da campanha dos investigados na esfera administrativa. No entanto, segundo o parecer (fl. 548v.), no âmbito eleitoral a prática abusiva exige a potencialidade lesiva caracterizada pela gravidade das circunstâncias, nos termos do já referido art. 22, inc. XVI, da LC n. 64/90.

Nesse sentido, bem andou a Procuradoria Regional Eleitoral quanto ao estudo das provas e às conclusões sobre a interferência dos investigados nos serviços de saúde do município. Adiro às razões expendidas pelo ilustre Procurador Regional Eleitoral, no cotejo com os dispositivos legais (fls. 546v.-549):

Inicialmente, quanto à suposta interferência do representado Emanuel Hassen de Jesus nos serviços de saúde do município para beneficiar as gestantes do movimento “gestantes podem mais”, a alegação foi baseada nas conversas pelo WhatsApp entre a gestante Ana Borba e o Prefeito.

(…)

Da troca de mensagens supra, é possível extrair mais uma orientação do Prefeito do que, efetivamente, um tratamento diferenciado. O Prefeito afirma que o atendimento está normal para as gestantes de forma indiscriminada. Diga-se que não há qualquer pedido de voto.

No máximo haveria apenas indício de eventual desvio de finalidade, consistente em permitir o agendamento apenas a um grupo de mulheres em detrimento de outras decorrente da afirmação de que a atendente agendou a consulta após ver a mensagem trocada pelo Prefeito. Ocorre que as mensagens, como transcrito acima, não são no sentido de direcionar o atendimento, mas apenas no sentido de que este estaria normal. Sendo que, ouvidas as gestantes em juízo, Helena Francisca de Oliveira afirmou que não foi preciso a intervenção do Prefeito para que fosse atendida, conforme referido na sentença (fl. 484v.) e a gestante Ana Borba afirmou apenas que, depois que criaram o grupo, conversaram com o Prefeito e o atendimento foi normalizado, conforme referido no recurso (fl. 495).

Desta forma, não vislumbramos o desvio de finalidade caracterizador do abuso de poder político em relação à alegada interferência do representado Emanuel Hassen de Jesus nos serviços de saúde do município.

Outrossim, quanto ao direcionamento das gestantes para o comício dos representados, a sentença acolheu o entendimento de que as gestantes integrantes do movimento “gestantes podem mais” dirigiram-se à Prefeitura, a fim de levar reclamações ao Prefeito Emanuel Hassen de Jesus, vulgo Maneco, mas foram informadas que o mesmo estava afastado, mas que poderiam ser recebidas por ele no comício que realizaria.

Neste ponto, a única divergência entre a sentença e o relato da Promotoria Eleitoral diz com a pessoa responsável por direcionar as gestantes. Pela Promotoria teria sido o Prefeito em exercício e candidato a Vice-Prefeito, André Luis Barcellos Brito, já para o juízo a quo seriam servidores da Prefeitura.

(…)

Nesse ponto, tenha o direcionamento das gestantes ao comício sido feito pelo Prefeito em exercício ou por funcionários da Prefeitura, estaria caracterizado o abuso do poder político, vez que uma questão administrativa, que deveria ter sido tratada na Prefeitura, deu ensejo ao encaminhamento das gestantes, também eleitoras, para o comício eleitoral dos investigados.

Havendo evidente desvio de finalidade no ato praticado pelo Prefeito em exercício ou pelos funcionários da Prefeitura.

E não há dúvida que o abuso do poder político, no presente caso, teria se dado em benefício da campanha dos investigados.

Ocorre que, para caracterizar o ato abusivo no âmbito eleitoral, diferentemente da seara administrativa, não basta o desvio de finalidade, mas, igualmente, a gravidade das circunstâncias, nos termos do inc. XVI do art. 22 da Lei Complementar 64/90.

Neste ponto, a gravidade das circunstâncias tem que estar relacionada com o bem jurídico tutelado pela LC n. 60/90, que, no tocante ao abuso de poder político, é a normalidade e legitimidade do pleito por força do disposto no art. 14, § 9º, da CF/88 e art. 19, § único, da referida lei complementar, acima transcritos.

Assim, e ainda que a diferença de votos entre o primeiro e o segundo colocado no pleito tenha sido de 573 votos, não nos parece que apenas esse ato de direcionamento das gestantes para o comício do investigado Emanuel Hassen de Jesus seja suficiente para afetar a normalidade e legitimidade do pleito de forma a cassar o diploma dos candidatos eleitos e torná-los inelegíveis.

(Grifei.)

Assim, diversamente do sustentado pelo recorrente, a sentença desafiada mostra -se consentânea com o conjunto probatório produzido, assim como em relação ao exame da gravidade das circunstâncias, pois não restou demonstrado que as condutas tiveram influência na legitimidade do pleito, bem jurídico protegido pela norma.

À vista dessas considerações, não havendo nos atos impugnados lesão à legitimidade e à normalidade do pleito de Taquari, a sentença de improcedência deve ser mantida.

Diante do exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso, mantendo sentença de 1º grau, por seus próprios fundamentos.