RE - 2173 - Sessão: 03/03/2020 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto pelo PROGRESSISTAS – DIRETÓRIO MUNICIPAL DE CARAZINHO/RS contra sentença que desaprovou as contas da agremiação, referentes à movimentação financeira do exercício de 2018, frente ao recebimento de doações de origem não identificada, no total de R$ 23.179,00, bem como de fonte vedada, no valor de R$ 810,00, perfazendo o montante de R$ 23.989,00 (vinte e três mil, novecentos e oitenta e nove reais), determinou o recolhimento dos valores ao Tesouro Nacional, acrescidos de multa de 18%, assim como suspendeu o repasse de novas quotas do Fundo Partidário pelo período de 1 (um) ano, nos termos do art. 47, inc. I, da Resolução TSE n. 23.546/17 (fls. 241-244).

Em sua irresignação, o recorrente sustenta ter recebido contribuições de seus filiados, no valor total de R$ 23.029,00, e pondera que os recursos não transitaram em conta bancária por desconhecimento dessa obrigatoriedade, embora toda a arrecadação do exercício financeiro tenha sido lançada no livro-caixa com os dados de receitas e despesas. Afirma que os depósitos não identificados, nos valores de R$ 110,00 e R$ 40,00, tratam de doações, e atribui a ausência de dados dos depositantes a erro da instituição bancária. Alega que o depósito de R$ 810,00 não é procedente de fonte vedada, pois a doadora, apesar de detentora de cargo compreendido como autoridade pública, era filiada ao partido político. Nesse ponto, defende que a ficha de inscrição no partido deve servir como prova da condição de filiada da doadora, nada obstante seu nome não conste na lista de filiados enviada à Justiça Eleitoral. Assevera que a administração partidária agiu de boa-fé ao informar a totalidade de recursos e despesas nos registros contábeis apresentados, os quais são suficientes para análise e aprovação das contas. Por fim, aponta erro material no dispositivo da sentença por ter consignado a aplicação da Resolução TSE n. 23.464/15, norma revogada pela Resolução TSE n. 23.546/17. Requer a reforma da sentença para que as contas sejam aprovadas com ressalvas (fls. 249-257).

A Procuradoria Regional Eleitoral opinou pelo desprovimento do recurso e acolhimento do pedido de retificação do dispositivo da sentença quanto à resolução aplicável ao feito (fls. 267-276).

É o relatório.

VOTO

Inicialmente, assiste razão ao recorrente e à Procuradoria Regional Eleitoral quando apontam o equívoco no dispositivo da sentença ao consignar a aplicação da Resolução TSE n. 23.464/15 ao feito, pois o processo trata do exercício financeiro de 2018, regulamentado pela Resolução TSE n. 23.546/17.

De todo o modo, a questão não representa prejuízo algum para as partes, considerando que a decisão indica o art. 60, inc. I, al. “b”, da Resolução TSE n. 23.464/15 como fundamento para a inscrição do devedor inadimplente no Cadastro Informativo de Créditos não Quitados do Setor Público Federal (CADIN), e que o mesmo texto está literalmente reproduzido no art. 60, inc. I, al. “b”, da Resolução TSE n. 23.546/17.

No mérito, a prestação de contas do Diretório Municipal do Progressistas de Carazinho foi desaprovada em razão do recebimento de doações de origem não identificada, no total de R$ 23.179,00, e da percepção de contribuição de fonte vedada, proveniente de autoridade pública, no valor de R$ 810,00, repassada por Secretária Municipal de Saúde.

No tocante ao aporte de doações de origem não identificada, o partido abriu conta bancária somente no final do exercício financeiro, em 02.10.2018, e, durante o ano em questão, arrecadou contribuições partidárias de filiados, no montante de R$ 23.029,00, as quais não circularam por instituição bancária, e recebeu dois depósitos não identificados nos valores de R$ 110,00 e de R$ 40,00.

Embora as razões recursais estejam fundadas no desconhecimento da obrigatoriedade e no princípio da boa-fé, o fato é que a Lei dos Partidos Políticos – Lei n. 9.096/95, desde a sua edição, prevê, no art. 39, § 3°, que as doações em recursos financeiros devem ser, necessariamente, efetuadas diretamente na conta bancária do partido.

Em 2004, ao regulamentar a disposição, o TSE editou a Resolução n. 21.841 e estabeleceu que toda e qualquer arrecadação realizada pelos partidos políticos deve ser feita por intermédio das contas bancárias (art. 4°).

Idêntico dever foi reproduzido pelo Tribunal Superior Eleitoral, sucessivamente, nas Resoluções ns. 23.432/14, 23.464/15 e 23.546/17, sendo esta última a que regulamenta o exercício financeiro de 2018, objeto do presente exame.

Desse modo, ao manter a arrecadação e decidir pela abertura de conta bancária apenas no mês de outubro, ao final do exercício financeiro, o partido incorreu em grave irregularidade, que compromete de forma insanável a transparência e confiabilidade das contas.

No que tange às doações não identificadas de R$ 110,00 e R$ 40,00, totalizando R$ 150,00, a agremiação recorrente sustenta ter havido “erro de informação por parte da instituição bancária”, pois os CNPJ n. 00.000.563/4050-82 e n. 00.000.711/5320-95 não figuram na base de dados da Receita Federal do Brasil, correspondendo tais números, respectivamente, ao CPF n. 005.634.050-82, pertencente a Angela V. G. R. Alberici, e ao CPF n. 007.115.320-95, relativo a Marcelo Arruda Dias.

Contudo, tal alegação não é embasada em nenhuma prova. Nas contas bancárias apresentadas, há a indicação da doação de R$ 100,00, com o CNPJ n. 00.000.563/4050-82, que a agremiação atribuiu, em sua escrituração, a Gilmar de Moraes Weber, CPF n. 604.410.890; e da doação de R$ 40,00, com o CNPJ n. 00.000.711/5320-95, quantia que a grei declara ter sido repassada por Carla Beatriz Fiebig, CPF n. 604.410.890 (fl. 97).

Além disso, não socorre ao recorrente a atribuição da falha quanto aos dois depósitos bancários à instituição financeira, pois o art. 13 da Resolução TSE n. 23.546/17 é expresso ao vedar que as agremiações recebam “direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, recursos de origem não identificada”.

O art. 14 da referida norma, por sua vez, assenta que eventual recebimento de depósito sem identificação “sujeita o órgão partidário a recolher o montante ao Tesouro Nacional, por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU), até o último dia útil do mês subsequente à efetivação do crédito em qualquer das contas bancárias de que trata o art. 6º, sendo vedada a devolução ao doador originário”. Ou seja, não se discute, quanto a essa irregularidade, a existência de boa ou má-fé na conduta da legenda partidária, sendo certo que a obrigatoriedade de recebimento de contribuições e doações em espécie, por meio de depósitos identificados e realizados em conta bancária, é regra instituída por lei há pelo menos 23 anos e que “ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece”, na dicção do art. 3º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro.

Por fim, correto o juízo a quo ao apontar que o cargo de Secretária Municipal de Saúde enquadra-se no conceito de autoridade pública disciplinado no art. 12, inc. IV, § 1º, da Resolução TSE n. 23.546/17, devendo ser compreendida como procedente de fonte vedada a importância de R$ 810,00 repassada pela doadora à legenda recorrente.

A bem-lançada sentença também esclarece que não foi devidamente comprovada a condição de filiada da contribuinte, sendo inaplicável a ressalva prevista no § 1º do art. 12 da norma em questão: “§ 1º Consideram-se autoridades públicas, para fins do inciso IV do caput, pessoas físicas que exerçam função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, ou cargo ou emprego público temporário, ressalvados os filiados a partido político”.

Isso porque, nos termos da certidão da fl. 177, ao tempo da doação e ao menos até 12.6.2019, a doadora não figurava como filiada ao partido, nos sistemas da Justiça Eleitoral, não servindo, para tal prova, a cópia da ficha de inscrição partidária da fl. 239, ainda que datada de 10.5.2010, nos termos do enunciado da Súmula TSE n. 20: “A prova de filiação partidária daquele cujo nome não constou da lista de filiados de que trata o art. 19 da Lei n. 9.096/95, pode ser realizada por outros elementos de convicção, salvo quando se tratar de documentos produzidos unilateralmente, destituídos de fé pública.”

Portanto, assiste razão ao magistrado singular ao invocar o art. 21 da Resolução TSE n. 23.117/09: “Art. 21. A prova da filiação partidária, inclusive com vista à candidatura a cargo eletivo, será feita com base na última relação oficial de eleitores recebida e armazenada no sistema de filiação."

Com esse entendimento, colho na jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral:

ELEIÇÕES 2016. REGISTRO DE CANDIDATURA. INDEFERIMENTO. FILIAÇÃO PARTIDÁRIA. NÃO COMPROVAÇÃO.

(...)

3. Conforme reiterada jurisprudência desta Corte, documentos produzidos unilateralmente por candidato ou partido, tais como ficha de filiação e relação interna extraída do Filiaweb, não são aptos a comprovar a filiação partidária.

4. “A relação interna do partido constitui, conforme previsto no art. 8º, I, da Res.-TSE nº 23.117, um 'conjunto de dados de eleitores filiados a partido político, destinado ao gerenciamento pelo órgão partidário responsável por seu fornecimento à Justiça Eleitoral'. Trata-se, pois, de documento interno e produzido de forma unilateral pela agremiação, razão pela qual não se presta para a comprovação da filiação partidária.” (AgR-REspe nº 282-09, rel. Min. Henrique Neves da Silva, PSESS em 12.12.2012.)

Agravo regimental a que se nega provimento.

(TSE, Recurso Especial Eleitoral n. 14455, Acórdão, Relator Min. Henrique Neves Da Silva, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data 13.10.2016.)

Por todo o exposto, tendo em vista que as irregularidades alcançam o montante de R$ 23.989,00, representando 422,82% do total de recursos regularmente arrecadados pela agremiação no exercício financeiro (R$ 5.673,50), deve ser mantido o juízo de desaprovação das contas.

Em relação às sanções aplicadas, a determinação de recolhimento do valor irregular ao Tesouro Nacional é consequência específica do recebimento de recursos de origem não identificada e de fonte vedada, como deflui do art. 46, inc. III, al. “a” e “b”, da Resolução TSE n. 23.546/17.

A aplicação da multa, de forma razoável e proporcional, no patamar de 18%, decorre da expressa previsão estabelecida no art. 49, caput e § 2º, da mesma norma, igualmente não comportando reparo a sentença, nesse ponto.

A suspensão do recebimento de novas quotas do Fundo Partidário deriva da incidência do disposto no art. 36 da Lei n. 9.096/95, regulamentado pelo art. 47, incs. I e II, da Resolução TSE n. 23.546/17:

Art. 47. Constatada a violação de normas legais ou estatutárias, o órgão partidário fica sujeito às seguintes sanções:

I - no caso de recebimento de recursos das fontes vedadas de que trata o art. 12, sem que tenham sido adotadas as providências de devolução à origem ou recolhimento ao Tesouro Nacional na forma do art. 14, o órgão partidário fica sujeito à suspensão da distribuição ou do repasse dos recursos provenientes do Fundo Partidário pelo período de um ano (Lei nº 9.096/1995, art. 36, inciso II); e

II - no caso de não recolhimento ao Tesouro Nacional dos recursos de origem não identificada de que trata o art. 13, deve ser suspensa a distribuição ou o repasse dos recursos provenientes do Fundo Partidário até que o esclarecimento da origem do recurso seja aceito pela Justiça Eleitoral (Lei n. 9.096/1995, art. 36, inciso I).

No caso dos autos, o período de um ano de suspensão fixado na sentença também afigura-se razoável e proporcional à dimensão das irregularidades existentes nas contas, pois as falhas superam em muito os recursos regularmente arrecadados pelo recorrente (422,82%), devendo ser mantida a sanção.

Ante todo o exposto, VOTO pelo provimento parcial do recurso, tão somente para acolher o requerimento de que o feito observe o rito estabelecido na Resolução TSE n. 23.546/17, e mantenho os demais termos da sentença recorrida.