PC - 0602351-73.2018.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 03/12/2019 às 17:00

VOTO

Após a análise técnica da contabilidade apresentada pelo candidato, a Secretaria de Controle e Auditoria Interna (SCI) deste Tribunal concluiu pela existência de dívidas de campanha referentes a despesas efetuadas e não pagas até a apresentação das contas, no montante de R$ 21.800,00, conforme a seguinte tabela:


Ocorre que, nos termos do art. 35, § 1º, da Resolução TSE n. 23.553/17, todas as despesas contraídas durante a campanha “deverão estar integralmente quitadas até o prazo de entrega da prestação de contas à Justiça Eleitoral”.

Em sua defesa, o candidato alega que tinha previsão de receber, durante o período de campanha, o valor de R$ 100.000,00 do Fundo Partidário. No entanto, este montante ficou bloqueado no órgão nacional do partido em razão do indeferimento inicial da sua candidatura. Sem o esperado repasse, afirma que as obrigações restaram pendentes de pagamento. Assevera, ainda, que os débitos serão honrados até a próxima eleição de 2022, por meio dos frutos de seu trabalho e de seus vencimentos futuros (ID 2350533).

As afirmações, no entanto, não bastam ao saneamento da falha.

Deveras, não havendo o pleno adimplemento de todas as dívidas de campanha, a legislação eleitoral prevê um tratamento específico e objetivo para a hipótese, qual seja, a assunção da dívida pelo partido político da respectiva circunscrição, na forma dos §§ 2º e 3º do art. 35 da citada resolução, verbis:

Art. 35. (…).

§ 2º Eventuais débitos de campanha não quitados até a data fixada para a apresentação da prestação de contas podem ser assumidos pelo partido político (Lei nº 9.504/1997, art. 29, § 3º; e Código Civil, art. 299).

§ 3º A assunção da dívida de campanha somente é possível por decisão do órgão nacional de direção partidária, com apresentação, no ato da prestação de contas final, de:

I - acordo expressamente formalizado, no qual deverão constar a origem e o valor da obrigação assumida, os dados e a anuência do credor;

II - cronograma de pagamento e quitação que não ultrapasse o prazo fixado para a prestação de contas da eleição subsequente para o mesmo cargo;

III - indicação da fonte dos recursos que serão utilizados para a quitação do débito assumido.

Com efeito, a regra tem por escopo permitir a fiscalização da arrecadação dos recursos que serão utilizados para o custeio da despesa, mesmo após as eleições, no bojo das contas apresentadas, anualmente, pelos partidos políticos, notadamente a conferência quanto à eventual utilização de receitas de origem não identificada ou de verbas de fonte proscrita em campanhas eleitorais.

O pagamento da dívida pelo candidato após o esgotamento do processo eleitoral, e fora dos parâmetros trazidos pela legislação, representa infração grave às normas que regulamentam a arrecadação de recursos, porquanto os valores manejados escapam a qualquer controle ou exame pela Justiça Eleitoral.

A mesma linha é encampada pela jurisprudência do TSE:

ELEIÇÕES 2016. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO. PRESTAÇÃO DE CONTAS DE CANDIDATO. DESAPROVAÇÃO PELA INSTÂNCIA ORDINÁRIA. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. AUSÊNCIA DE SIMILITUDE FÁTICA. ÓBICE SUMULAR. EXISTÊNCIA DE DÍVIDA DE CAMPANHA NÃO ASSUMIDA PELO PARTIDO POLÍTICO. JURISPRUDÊNCIA DO TSE. NÃO INCIDÊNCIA DOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE PARA FINS DE APROVAÇÃO DAS CONTAS. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. Na hipótese, a Corte Regional desaprovou a Prestação de Contas do agravante, em virtude da existência de dívida de campanha não assumida pelo Partido Político. 2. Não merece reparo o entendimento da decisão agravada que confirmou a incidência da Súmula 28 do TSE na hipótese dos autos, haja vista a ausência de similitude fática, pressuposto recursal apto à configuração do dissídio jurisprudencial, pois as duas decisões do TSE elencadas a título de paradigmas tratam de falhas de naturezas diversas em Prestações de Contas, quais sejam, ausência de emissão de recibo eleitoral; e pagamento de despesas por meio de cheque avulso que não transitou pela conta bancária única de campanha. 3. Conforme a orientação da jurisprudência deste Tribunal, a dívida de campanha não assumida a tempo pelo Partido Político configura vício insanável, o que afasta a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, acarretando a desaprovação das contas. Nessa linha, o AgR-REspe 2632-42/MG, Rel. Min. ROSA WEBER, DJe de 20.10.2016, e o AgR-REspe 2232-44/PR, Rel. Min. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, DJe de 28.10.2015. 4. Agravo Regimental desprovido.

(TSE - AI n. 18749 CURITIBA - PR, Relator: Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Data de Julgamento: 15.3.2018, Data de Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Data 12.4.2018.) (Grifei.)

Além disso, pagamentos programados para depois da análise e do julgamento das contas, e fora do procedimento de assunção de dívida pelo diretório partidário, devem ser considerados como valores de origem não identificada, em face da completa ausência de identificação do doador, conforme enuncia o art. 34, § 1º, inc. I, da multicitada resolução.

Em realidade, o próprio recebimento de produto ou serviço, destinado ao fomento da candidatura, sem a contrapartida financeira correspondente, despendida pelo candidato ou pela sigla partidária, pode, em muitos casos, configurar uma doação oculta ou dissimulada, oriunda de fontes vedadas de recursos, realizada à margem dos procedimentos técnicos de fiscalização da Justiça Eleitoral.

Dessa forma, na esteira da jurisprudência deste Tribunal, a irregularidade enseja o recolhimento das quantias ao Tesouro Nacional, por aplicação do disposto no art. 34 da Resolução TSE n. 23.553/17, o qual prevê que os recursos de origem não identificada não podem ser utilizados por partidos políticos e candidatos e devem ser transferidos ao Tesouro Nacional por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU).

Na mesma linha de entendimento, destaco os seguintes julgados deste Tribunal:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. DEPUTADO ESTADUAL. ARRECADAÇÃO E DISPÊNDIO DE RECURSOS RELATIVOS ÀS ELEIÇÕES GERAIS DE 2018. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE PAGAMENTO DE DESPESAS REALIZADAS COM RECURSOS DO FUNDO PARTIDÁRIO. DEVOLUÇÃO DE CHEQUES QUE NÃO FORAM PAGOS NEM APARECEM REGISTRADOS NA CONCILIAÇÃO BANCÁRIA. FALHAS QUE REPRESENTAM 39,50% DA TOTALIDADE DOS VALORES AUFERIDOS NA CAMPANHA. RECOLHIMENTO DA QUANTIA IRREGULAR AO TESOURO NACIONAL. DESAPROVAÇÃO.

1. Das irregularidades. 1.1. Identificada a ausência de comprovação de pagamento de despesas realizadas com recursos do Fundo Partidário, consoante previsto nos arts. 37, 56, inc. II, alínea "c" e 63, da Resolução TSE nº 23.553/17. Efetuados gastos de campanha com a realização do pagamento por meio diverso do previsto na aludida resolução (cheque, transferência bancária ou débito em conta), impossibilitando o cruzamento de informações com o sistema financeiro nacional e obstando a aferição do real beneficiário do recurso público. 1.2. Devolução de cheques pela conta bancária específica para a movimentação financeira da campanha eleitoral, os quais não foram pagos nem aparecem registrados na Conciliação Bancária. Valores assinalados como recursos de origem não identificada, conforme dispõe o art. 34 da Resolução TSE n. 23.553/17. 1.3. Dívida de campanha não assumida pelo partido político.

2. Falhas de natureza grave, que representam o percentual de 39,50% da totalidade dos valores arrecadados na campanha. Impossibilidade de aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade para um juízo de aprovação de contas, ainda que com ressalvas.

3. Recolhimento da quantia considerada irregular ao Tesouro Nacional. Desaprovação.

(TRE-RS; PC n. 0602887-84.2018.6.21.0000; Relator: Des. Eleitoral Roberto Carvalho Fraga; sessão de 07.10.2019; DJE de 10.10.2019.)

 

PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. DEPUTADO ESTADUAL. ARRECADAÇÃO E DISPÊNDIO DE RECURSOS RELATIVOS ÀS ELEIÇÕES GERAIS DE 2018. DÍVIDA DE CAMPANHA. DOAÇÕES EFETUADAS MEDIANTE DEPÓSITO EM DINHEIRO COM VALOR ACIMA DO LIMITE REGULAMENTAR. DEVOLUÇÃO DE CHEQUE NÃO ESCRITURADO NAS CONTAS. DESPESA COM CESSÃO DE VEÍCULO PERTENCENTE AO PRÓPRIO CANDIDATO. FALHAS QUE REPRESENTAM 42,45% DO MONTANTE AUFERIDO DURANTE A CAMPANHA ELEITORAL. RECOLHIMENTO DA QUANTIA IRREGULAR AO TESOURO NACIONAL. DESAPROVAÇÃO.

1. Débitos de campanha sem pagamento até a data fixada para a apresentação das contas devem ser assumidos pelo partido político, após decisão do órgão nacional de direção partidária, com a entrega, no ato da prestação de contas final, de acordo expressamente formalizado, cronograma de pagamento e quitação e indicação da fonte dos recursos que serão utilizados para o adimplemento da dívida. Exigências dispostas no art. 35, §§ 2º e 3º, da Resolução TSE n. 23.553/17.

2. Recebimento de doações provenientes de pessoas físicas, por meio de depósitos em espécie, em quantias acima do limite regulamentar, descumprindo a obrigatoriedade de repasse por transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação, nos termos dos arts. 22, inc. I, § 1º, e 34, § 1º, inc. I, da Resolução TSE n. 23.553/17. Irregularidade que impossibilita a fiscalização da real origem da receita pela Justiça Eleitoral e compromete a confiabilidade das contas.

3. Existência de cheque devolvido que sequer foi escriturado nas contas, caracterizando recurso de origem não identificada diante da impossibilidade de verificação da fonte de pagamento para a despesa.

4. Despesa com cessão ou locação de veículo, cuja identidade do fornecedor é a do próprio prestador de contas. Falha formal e de somenos importância, considerada no contexto das demais inconsistências relacionadas pela unidade técnica.

5. Conjunto de apontamentos que representam 42,45% das receitas declaradas. Recolhimento dos recursos irregularmente recebidos ao Tesouro Nacional.

6. Desaprovação.

(TRE-RS; PC n. 0602805-53.2018.6.21.0000; Relator: Des. Eleitoral Miguel Antônio Silveira Ramos; sessão de 05.9.2019; DJE de 10.9.2019.)

A irregularidade envolve quantia que representa 18,52% das receitas declaradas na campanha (R$ 117.690,00), do que se deflui ser inviável a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade como forma de atenuar a gravidade da mácula sobre o conjunto das contas.

DIANTE DO EXPOSTO, VOTO pela desaprovação das contas, nos termos do art. 77, inc. III, da Resolução TSE n. 23.553/17, bem como pela determinação de recolhimento do montante de R$ 21.800,00 (vinte e um mil e oitocentos reais) ao Tesouro Nacional, com fulcro no art. 34, caput, da mesma Resolução.