E.Dcl. - 6346 - Sessão: 13/02/2020 às 14:00

RELATÓRIO

Trata-se de embargos de declaração opostos pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL em face do acórdão (fls. 1532-1542v.), que, por unanimidade, reconheceu, de ofício, a nulidade parcial da sentença condenatória recorrida, em razão da ausência de disponibilização de cópias integrais das mídias referentes às escutas ambientais e interceptações telefônicas à defesa, e considerou prejudicada a análise do mérito do recurso aviado pelos ora embargados.

Em suas razões, o MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL sustenta que o acórdão incorreu em omissão quanto à especificação do prejuízo à ampla defesa no caso concreto. Afirma que as ponderações vertidas da decisão não se referem, de modo específico, ao caso em tela, aplicando-se, indistintamente, a todo e qualquer processo em que realizadas gravações ambientais e/ou interceptações telefônicas. Assevera, também, carência de análise da prescrição da pretensão punitiva do Estado a partir das penas concretamente aplicadas na sentença anulada. Refere que, com a anulação do decreto condenatório, restou afastado o marco interruptivo da prescrição e, considerando que somente a defesa apelou, as penas porventura aplicadas não poderão exceder à dosimetria feita na decisão anulada. Assim, requer o suprimento do acórdão, com efeitos modificativos, a fim de afastar o prejuízo concreto sofrido pela defesa e reconhecer a validade da sentença; subsidiariamente, caso mantida a anulação, pugna pela análise da prescrição parcial dos crimes objeto do recurso (fls. 1551-1555v.).

Em contrarrazões, CRISTIANE KELLER e GILBERTO ANTONIO KELLER alegam que a não disponibilização do conteúdo integral das interceptações telefônicas viola o princípio do contraditório e da ampla defesa, sendo o prejuízo aos réus presumido pelo cerceamento de defesa. Defendem que, caso mantida a anulação da sentença, é necessária a manifestação expressa do Tribunal acerca da prescrição parcial dos crimes em análise. Requerem, em desfecho, a manutenção da nulidade da sentença e o acolhimento parcial dos embargos declaratórios, tão somente para suprir a omissão do acórdão recorrido quanto à prescrição parcial dos crimes objeto do recurso (fls. 1577-1582).

É o relatório.

VOTO

Admissibilidade

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

Mérito

1. Da alegada omissão quanto à especificação do prejuízo à ampla defesa no caso concreto

O Ministério Público Eleitoral sustenta que o acórdão embargado padece de omissão, uma vez que não especificou o prejuízo concreto à ampla defesa no caso concreto, decorrente da não disponibilização, nos autos, das mídias com as gravações completas das escutas ambientais e interceptações telefônicas que fundamentam a anulação da sentença condenatória.

Sem razão quanto ao ponto.

Em diversas passagens, o acórdão examinou a temática da violação ao devido processo legal e à ampla defesa como consequência da não disponibilização das mídias com os conteúdos integrais das gravações e interceptações realizadas, pontuando aspectos legais e reflexões jurisprudenciais, conforme excertos que destaco:

Esse entendimento foi recentemente reafirmado pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do segundo agravo regimental na ação penal AP 508, ocorrido na primeira sessão de julgamento de 2019, em 06.02.2019, redator para o acórdão o Ministro Edson Fachin, DJE de 08.02.2019.

Nesse julgado, o STF reiterou a posição de que, no âmbito do processo penal, é necessária a disponibilização do conteúdo integral das interceptações telefônicas realizadas, de modo que os acusados possam exercer plenamente o seu direito constitucional à ampla defesa, dispensando-se somente a degravação integral das conversas, salvo nos casos em que esta for determinada pelo relator do processo.

[…].

Assim, não foram juntados aos autos do processo-crime os CDs com o áudio das conversas telefônicas, suprimindo o acesso da defesa ao integral teor do material de áudio interceptado.

Entretanto, o entendimento sentencial quanto à prova de autoria lastreou-se, essencialmente, no teor das conversas telefônicas travadas pelos acusados.

A Lei n. 9.296/96 afirma explicitamente, em seu art. 6º, § 1º, que nos casos de a diligência possibilitar a gravação da comunicação interceptada, será determinada a sua transcrição. Feito isso, dispõe o parágrafo seguinte que a autoridade policial encaminhará o resultado da interceptação ao juiz, acompanhado de auto circunstanciado contendo o resumo das operações realizadas.

A interpretação combinada dos referidos dispositivos legais não deixa dúvidas da imprescindibilidade da juntada aos autos do CD com o áudio da interceptação telefônica, quando possível a gravação.

[…].

E mais, o áudio das conversas interceptadas é essencial também para a conferência da própria transcrição feita pelo órgão ministerial, não apenas para verificar a participação efetiva dos réus, mas também para averiguar o teor da degravação propriamente dito.

[…].

Em síntese, entendo imprescindível ao pleno exercício do direito de defesa o acesso ao CD com o áudio das degravações, conforme reiteradamente tem afirmado o Supremo Tribunal Federal.

O princípio do contraditório, postulado do devido processo legal, por ser requisito de validade da ação, assegura às partes o direito igualitário de informação e reação, assim entendidos como a garantia de participação e a oportunidade de resposta em condição de isonomia e paridade de armas, sobretudo nos atos processuais de produção de provas.

Em suas razões, o douto Procurador Regional Eleitoral enuncia que as ponderações lançadas não se referem de modo específico ao caso concreto, “aplicando-se, indistintamente, a todo e qualquer processo em que realizadas gravações ambientais e/ou interceptações telefônicos”. Ademais, entende que a falta de insurgência dos réus em relação à questão confirma a fidedignidade das gravações, “afastando qualquer prejuízo da ausência de juntada das mídias”.

Tais argumentos, porém, não constituem omissões do acórdão, uma vez que logicamente superadas pela própria natureza absoluta emprestada pela decisão embargada à referida nulidade.

Tal qualificação é claramente aferível a partir dos pontos destacados na transcrição do decisum embargado, quais sejam, a possibilidade de reconhecimento de ofício da nulidade, a não submissão à convalidação ou preclusão em virtude do silêncio dos réus, bem como, especialmente, a violação de princípios fundamentais do processo penal.

Deveras, tratando de nulidade absoluta, é afirmação comum da doutrina processualista penal que o prejuízo ao interessado é presumido, ou, como leciona Eugênio Pacelli, “O que há é verdadeira afirmação ou pressuposição da existência de prejuízo”.

Prossegue o doutrinador: “Evidentemente, o que poderá ser objeto de prova é a existência ou não da violação à lei, ou seja, da irregularidade. Mas, uma vez demonstrada esta, o prejuízo dela decorrente é sua consequência inevitável” (Curso de processo penal. 22. ed. São Paulo: Atlas, 2018, p. 715).

Destarte, suficientemente enfrentada a violação às normas constitucionais e legais atinentes às garantias fundamentais do contraditório e da ampla defesa em desfavor dos réus, despicienda a exposição de prejuízo específico ao caso concreto advindo do ato nulo.

2. Da alegação de omissão na análise da prescrição da pretensão punitiva pelas penas concretamente aplicadas na sentença anulada

Subsidiariamente, caso mantido o acórdão embargado, o Ministério Público Eleitoral entende que o Tribunal não enfrentou a análise da prescrição da pretensão punitiva do Estado pelas penas concretamente aplicadas na sentença anulada, tendo em vista que restou afastado o marco interruptivo previsto no art. 117, inc. IV, do CP.

Os argumentos da Procuradoria Regional Eleitoral devem ser acolhidos.

Com efeito, nos termos do art. 61, caput, do CPP, a prescrição penal é matéria de ordem pública, devendo ser declarada de ofício tão logo vencido o prazo legalmente estabelecido, em qualquer momento ou grau de jurisdição.

Dessa feita, modificado o marco do interregno prescritivo pela anulação do decreto condenatório, cumpre a integração do acórdão com o enfrentamento da extinção prescritiva da punibilidade.

Nesse trilhar, passo ao suprimento do decisório.

Inicialmente, ressalto que a anulação da sentença condenatória ocorreu durante julgamento de recurso de apelação exclusivo da defesa.

Na hipótese, aplica-se o princípio da non reformatio in pejus indireta, pelo qual a pena aplicada em concreto na sentença condenatória, posteriormente anulada pelo Tribunal, não pode ser majorada em novo julgamento quando somente a defesa houver recorrido.

Nesse sentido, elenco as seguintes ementas:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. INDICAÇÃO DE VÍCIO INTEGRATIVO. PRESCRIÇÃO. ANULAÇÃO DO FEITO. VEDAÇÃO AO REFORMATIO IN PEJUS INDIRETA. MATÉRIA QUE NÃO FOI OBJETO DE APRECIAÇÃO PELO COLEGIADO EMBARGADO. REJEIÇÃO DOS ACLARATÓRIOS. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE ESTATAL. CONSTATAÇÃO. DECLARAÇÃO DE OFÍCIO. ART. 61, CAPUT, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. 1. Não há no acórdão embargado qualquer omissão, obscuridade, contradição ou erro material que justifique o acolhimento dos aclaratórios, já que a questão atinente à prescrição sequer foi aventada nas razões do recurso especial ou nos seguintes agravos interpostos. 2. É entendimento deste Sodalício que a proibição do agravamento da situação do acusado, prevista no artigo 617 do Código de Processo Penal, também se estende aos casos em que há a anulação da decisão recorrida, por intermédio de recurso exclusivo da defesa ou por meio de impetração de habeas corpus, de tal sorte que o órgão julgador que vier a proferir novo julgamento ficará vinculado aos limites da pena in concreto imposta na decisão anulada, não podendo, de forma alguma, recrudescer a sanção, sob pena de operar-se a vedada reformatio in pejus indireta. 3. Na hipótese, foi anulado o feito pelo Tribunal estadual, em recurso exclusivo da defesa, com efeitos ex tunc, desconstituindo-se o édito condenatório por ausência de citação válida do acusado, fundado o aresto na inobservância ao regramento plasmado nos arts. 406 e 408, ambos do CPP. 4. Desse modo, em homenagem ao postulado referido, eventual condenação pelo crime de peculato não poderá resultar na imposição de reprimenda mais gravosa do que aquela atingida pela decisão anulatória - de 2 (dois) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa -, impondo-se o reconhecimento da alvitrada prescrição da pretensão punitiva Estatal, ex officio, haja vista que já suplantado o lapso temporal de 4 (quatro) anos desde o último marco interruptivo, consistente no recebimento da denúncia em 15/02/2012, conforme exegese dos arts. 107, inciso IV, 109, inciso V, 110, § 1º, 114, inciso II, e 117, inciso I, todos do Código Penal. 5. Embargos de declaração rejeitados, com declaração, de ofício, de extinção da punibilidade do agente, por força da prescrição da pretensão punitiva estatal.

(STJ - EDcl no AgRg no AREsp n. 596663 MG 2014/0268560-3, Relator: Ministro JORGE MUSSI, Data de Julgamento: 12.6.2018, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 01.8.2018.) (Grifei.)

 

PENAL E PROCESSO PENAL. RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO DE DROGAS. NE REFORMATIO IN PEJUS INDIRETA. PARÂMETRO DE APLICAÇÃO. QUANTUM FINAL DE PENA FIXADO PELA DECISÃO ANULADA. PRESCRIÇÃO. CONSIDERAÇÃO DE PARTE DA PENA FIXADA EM SENTENÇA ANULADA. IMPOSSIBILIDADE. ATUAÇÃO DO MESMO REPRESENTANTE DO MINISTÉRIO PÚBLICO EM INSTÂNCIAS DISTINTAS, MAS APENAS NO EXERCÍCIO DA FUNÇÃO ACUSATÓRIA. IMPEDIMENTO. INOCORRÊNCIA. DEMONSTRAÇÃO DE PREJUÍZO. AUSÊNCIA. NULIDADE. INEXISTÊNCIA. PARTICIPAÇÃO EM ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. APLICAÇÃO RETROATIVA DO § 4º DO ART. 33 DA NOVA LEI DE DROGAS. INVIABILIDADE. REVOLVIMENTO FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO CONHECIDO EM PARTE E, NESSA EXTENSÃO, NÃO PROVIDO. 1. De acordo com entendimento doutrinário, no que diz respeito à situação advinda de recurso exclusivo da defesa - ou de habeas corpus -, enquanto a ne reformatio in pejus direta indica a proibição de agravamento por Juízo de instância superior a ne reformatio in pejus indireta se refere à vedação de piora por Juízo da mesma instância, tendo em vista a anulação de decisão anterior. 2. Não haverá reformatio in pejus indireta se, na decisão posterior à anulada, restar mantida a mesma pena imposta por esta última, ainda que sejam revistos os fundamentos embasadores da dosimetria penal. 3. No caso em exame, o recorrente, numa primeira decisão, foi condenado à pena de 4 anos e 4 meses de reclusão, em regime fechado, e ao pagamento de 60 dias-multa. Na ocasião, o Juízo de primeiro grau, após fixar a pena-base do delito previsto no art. 12, caput, da Lei n. 6.368/1976, aumentou a pena em 1/3 tendo em vista o disposto no art. 18, III, da mesma Lei de drogas. Diante da anulação da decisão por decisões do STJ e do STF, houve uma segunda decisão, já sob a vigência da Lei n. 11.343/2006, na qual o recorrente, novamente, foi condenado à mesma pena de 4 anos e 4 meses de reclusão, em regime fechado, e ao pagamento de 60 dias-multa. Na segunda condenação, o Juízo singular fixou a pena-base em patamar superior ao anteriormente estabelecido, deixando de aplicar a majorante descrita no art. 18, III, da antiga Lei de Drogas. 4. Hipótese em que não se verifica reformatio in pejus (indireta), já que, na segunda sentença, não se ultrapassou o quantum final de pena que, anteriormente, havia sido fixado pela primeira decisão condenatória, que foi anulada. 5. Incabível o reconhecimento de prescrição com base em parte da pena fixada na sentença anulada se a declaração de nulidade abarca a decisão como um todo, ainda que, em sentença posterior, tenha-se promovido revisão no embasamento da dosimetria penal. 6. No caso em apreço, tanto a Quinta Turma desta Corte (HC 28.586/MT) quanto a Primeira Turma do STF (AI 476.512/MT) reconheceram a nulidade de audiência de inquirição de testemunhas, em razão de ausência de defesa técnica, e, por isso, determinaram a nulidade do processo a partir dessa audiência, de modo a abarcar a decisão condenatória que havia sido proferida. Desse modo, houve anulação integral da primeira sentença condenatória, e não de parte da pena fixada nesta decisão. (…). 13. Recurso especial conhecido em parte e, nessa extensão, não provido.

(STJ - REsp n. 1542007 MT 2015/0162041-7, Relator: Ministro RIBEIRO DANTAS, Data de Julgamento: 22.3.2018, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 02.4.2018.) (Grifei.)

Assim, tendo em vista que somente as partes rés interpuseram o recurso, o quantum de pena privativa de liberdade imposta na decisão anulada, não mais passível de majoração, torna-se o parâmetro a ser utilizado na verificação da prescrição da pretensão punitiva, pois estabelece o máximo de pena aplicada aos acusados no caso concreto, incidindo, desse modo, o art. 110, § 1º, do CP, que prevê a nominada prescrição retroativa.

Com esa orientação, o seguinte julgado do STF:

HABEAS CORPUS. PENAL. IMPETRAÇÃO CONTRA DECISÃO MONOCRÁTICA. CONFIGURAÇÃO DE FLAGRANTE ILEGALIDADE. TRIBUNAL DO JÚRI. CONDENAÇÃO POR HOMICÍDIO DUPLAMENTE QUALIFICADO E LESÕES CORPORAIS. NOVA PRONÚNCIA. ALEGADA IMPOSSIBILIDADE DE REFORMATIO IN PEJUS INDIRETA. AUSÊNCIA DE RECURSO DA ACUSAÇÃO. CARACTERIZADA PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA NAS INSTÂNCIAS DE ORIGEM EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE DO PACIENTE. PRECEDENTES. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. 1. A soberania relativa do veredicto do conselho de sentença não enseja o agravamento da pena com base em novo julgamento pelo tribunal do júri em consequência de recurso exclusivo da defesa. 2. O Supremo Tribunal Federal tem admitido o reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva derivada de contagem de prazo adstrito a pena fixada em condenação posteriormente anulada quando questionada exclusivamente por recurso da defesa. 3. A Constituição da República impõe a necessária motivação de decisão judicial, principalmente em providência restritiva de direito, não se admitindo exceção à observância desse dever. 4. Habeas corpus não conhecido, mas concedida a ordem, de ofício, para reconhecer a extinção da punibilidade do paciente e determinar o trancamento da ação penal.

(STF - HC n. 165376 SP - SÃO PAULO 0082734-89.2018.1.00.0000, Relator: Min. CÁRMEN LÚCIA, Data de Julgamento: 11.12.2018, Segunda Turma, Data de Publicação: DJe-138 26.6.2019.) (Grifei.)

Entretanto, embora a sentença condenatória anulada por recurso exclusivo da defesa persista como balizadora do máximo de pena, esvazia-se de eficácia como marco interruptivo do prazo prescricional, cujo transcurso deve ser verificado entre o recebimento da denúncia e a data de publicação da decisão condenatória válida, consoante estabelece o art. 117, incs. I e IV, do CP.

A propósito, o seguinte julgado:

PROCESSUAL PENAL E PENAL. HABEAS CORPUS. ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR CONTRA MENOR. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA. ACÓRDÃO CONDENATÓRIO ANULADO. CONSUMAÇÃO.

1. Não servindo acórdão condenatório anulado para interrupção do prazo prescricional , é esta constatada entre o recebimento da denúncia e a prolação do acórdão condenatório válido.

2. Habeas corpus concedido para o reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva.

(HC n. 185.749/SP, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 18.11.2014, DJe 04.12.2014.) (Grifei.)

Estabelecidas tais premissas, para fins de prescrição, desconsiderados os acréscimos decorrentes da continuidade delitiva e do concurso material de delitos, na forma do art. 119 do CP e da Súmula n. 497 do STF, as penas privativas de liberdade em concreto a serem consideradas são:

i) em relação a Gilberto, de 02 anos de reclusão pelos crimes de corrupção eleitoral e de 02 anos e 08 meses de reclusão pelos crimes de peculato; e

ii) para Cristiane, de 01 ano e 10 meses de reclusão pelos crimes de corrupção eleitoral e de 02 anos de reclusão pelos crimes de peculato (fls. 1448v.-1453).

Dessarte, a teor do previsto nos arts. 109, inc. V, do CP, as infrações penais cuja pena máxima aplicada não excede 02 anos prescrevem em 04 anos. Por sua vez, especificamente quanto aos crimes de peculato, no que concerne a Gilberto, cuja pena aplicada é superior a 02 anos de privação da liberdade, a prescrição advém em 8 anos, consoante ao inc. IV do citado dispositivo.

Posto que o recebimento da denúncia ocorreu em 16.10.2015 (fl. 860), tendo transcorrido período superior a 04 anos na presente data, somente não restaram alcançados pela prescrição penal os crimes de peculato imputados a Gilberto.

Portanto, impõe-se o reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva pela prescrição retroativa de todos os fatos típicos relacionados a Cristine e dos crimes de corrupção eleitoral em relação a Gilberto. Por decorrência, o processamento e julgamento do presente processo penal deve prosseguir apenas no que se refere aos crimes de peculato em face de Gilberto.

Isso porque se observa na jurisprudência do TSE uma interpretação extensiva do art. 81 do CPP, de modo que, ainda que desapareça a causa que atraiu a competência para a Justiça Eleitoral, seja em razão de desclassificação, absolvição ou extinção de punibilidade, impõe-se ao órgão jurisdicional a continuidade no julgamento da causa, aproveitando-se a instrução criminal realizada e atendendo-se aos princípios da economia processual e da identidade física do juiz (art. 399, § 2º, do CPP).

Com este alinhamento, o seguinte julgado:

Habeas corpus. Trancamento de ação penal. Apropriação indébita. 1. A jurisprudência deste Tribunal é no sentido de que, mesmo operada a prescrição quanto ao crime eleitoral, subsiste a competência da Justiça Eleitoral. 2. Não há falar em nulidade por violação ao art. 93, IX, da Constituição Federal, se a decisão de recebimento da denúncia está fundamentada de forma sucinta. 3. É inadmissível a extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva com fundamento em pena hipotética, independentemente da existência ou sorte do processo penal (Súmula 438-STJ). Denegação da ordem.

(TSE - HC n. 280568 ES, Relator: Min. ARNALDO VERSIANI LEITE SOARES, Data de Julgamento: 29.10.2010, Data de Publicação: DJE - Diário da Justiça Eletrônico, Data 01.02.2011, pp. 97-98.) (Grifei.)

Mais recentemente, o Pleno do TSE confirmou decisão monocrática da eminente Min. Luciana Lóssio, lançada nos seguintes termos (RESPE: 15020056040014 - AM, Relatora: Min. Luciana Christina Guimarães Lóssio, Data de Julgamento: 29.9.2015, DJE de 19.11.2015):

Inicialmente, em referência a competência da Justiça Especializada para o julgamento do feito, e de proveito reavivar a redação do art. 81 do CPP:

Art. 81. Verificada a reunião dos processos por conexão ou continência, ainda que no processo da sua competência própria venha o juiz ou tribunal a proferir sentença absolutória ou que desclassifique a infração para outra que não se inclua na sua competência, continuará competente em relação aos demais processos.

Isso posto, ainda que reconhecida a prescrição do delito que determinou a atração dos crimes conexos para o julgamento desta Justiça Especializada, a continuidade do julgamento por esse órgão, em observância à regra da perpetuatio jurisdictionis, é medida que se impõe.

Nesse sentido, "mesmo operada a prescrição em relação ao crime eleitoral, subsiste a competência desta Justiça especializada" (HC n. 584, Rel. Mm. MARCELO RIBEIRO, DJ de 8.4.2008).

Na mesma toada, o ilustre Min. Luiz Fux teceu as seguintes considerações em julgamento de caso bastante semelhante (Recurso Especial Eleitoral n. 294357, Acórdão, Relator Min. Luiz Fux, DJE de 16.6.2017):

Por fim, em obiter dictum, ressalta-se que subsiste a competência desta Justiça Especializada para a apuração de delitos comuns, mesmo nos casos em que haja o reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva quanto ao crime eleitoral conexo. Ante o idêntico fundamento técnico-jurídico, igualmente persiste a competência deste ramo da Justiça nas hipóteses em que haja absolvição do acusado no que se refere ao delito eleitoral.

Da doutrina, colaciono o ensinamento de José Jairo Gomes (Crimes e Processo Penal Eleitoral. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2018, p. 352.):

Uma vez definida a competência por conexão ou continência, ela se manterá até o julgamento final de todos os crimes, ainda que seja extinta a punibilidade pelo crime de competência atrativa antes do julgamento dos demais, segundo o art. 82 do CPP.

Assim, há perpetuatio jurisdictionis, exceto nos casos de surgimento ou extinção superveniente de foro privilegiado, e surgimento ou extinção superveniente de competência do Tribunal do Júri.

O entendimento é corroborado, ainda, pela doutrina de Luiz Carlos Gonçalves, consoante à qual, “Fixada a competência da Justiça Eleitoral, ocorrerá ‘perpetuatio jurisdicionis’, que não cederá na eventualidade de que o crime propriamente eleitoral prescreva. Nesse sentido, TSE, HC n. 325-SP, j. 25.5.1998, rel. Min. Nilson Naves.” (Crimes eleitorais e processo penal eleitoral. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2015, p. 168).

Ante o exposto, VOTO pelo acolhimento parcial dos embargos declaratórios, a fim de integrar o acórdão nos termos da fundamentação, conferindo-lhes efeitos infringentes para:

a) extinguir a punibilidade do réu GILBERTO ANTÔNIO KELLER pela prática dos delitos previstos no art. 299 do Código Eleitoral, por cinco vezes, na forma do art. 71 do Código Penal, em razão do reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva, com fundamento nos arts. 107, inc. IV, 109, inc. V, e 110, § 1º, todos do Código Penal, e art. 61 do Código de Processo Penal;

b) extinguir a punibilidade da ré CRISTIANE KELLER pela prática dos delitos previstos no art. 299 do Código Eleitoral, por cinco vezes, e no art. 312 do Código Penal, por três vezes, na forma do art. 71 do Código Penal, em razão do reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva, com fundamento nos arts. 107, inc. IV, 109, inc. V, e 110, § 1º, todos do Código Penal, e art. 61 do Código de Processo Penal; e

c) determinar a remessa dos autos ao Juízo Eleitoral da 021ª Zona, para a continuidade do processo e julgamento de GILBERTO ANTÔNIO KELLER em face da conduta tipificada no art. 312 do Código Penal, por três vezes, na forma do art. 71 do Código Penal, observando-se as providências determinadas no acórdão embargado (fls. 1533-1542v.).