RE - 14615 - Sessão: 30/09/2020 às 14:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso inominado interposto pela UNIÃO, por meio da ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO, contra a decisão proferida pelo Juízo Eleitoral da 124ª Zona que extinguiu o feito, em fase de cumprimento de sentença, sob o fundamento de que não se mostra possível prosseguir com a satisfação do crédito, elencando precedentes relacionados ao reconhecimento da prescrição intercorrente (fl. 255 e v.).

Em suas razões, a União alega que em nenhum momento requereu a suspensão do processo. Sustenta que, sob a égide do CPC/15 e conforme entendimento do STJ, para o reconhecimento da prescrição intercorrente, é imprescindível a intimação do exequente para que dê andamento ao feito. Assevera que, conforme a Súmula n. 106 do STJ e diversos precedentes, não se verifica a prescrição intercorrente quando a demora no andamento do feito advém de motivos inerentes ao próprio mecanismo judiciário. Ao final, requer a reforma da decisão para que o feito retorne a tramitar perante o juízo a quo (fls. 260-265).

Intimada (fl. 269), a agremiação partidária não ofereceu contrarrazões (fl. 269v.)

Nesta instância, os autos foram com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que opinou pelo provimento do recurso (fls. 272-275v.).

É o relatório.

VOTO

Admissibilidade

Consabido que, em face da ausência de normas específicas na legislação eleitoral, a fase de cumprimento de sentença é regida precipuamente pelas disposições do Código de Processo Civil (CPC), por força do que dispõe o art. 1.015, parágrafo único, do próprio Estatuto Processual e o art. 2º, parágrafo único, da Resolução TSE n. 23.478/16, inclusive em relação às hipóteses de cabimento recursal e aos prazos processuais.

Desse modo, tratando-se de insurgência contra decisão proferida no cumprimento de sentença que extinguiu o processo, o recurso cabível é a apelação prevista no art. 1.009 do CPC (AgInt no REsp n. 1610253/RS, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 02.12.2019, DJe 04.12.2019), cujo prazo é de 15 (quinze) dias, e não o recurso inominado positivado no art. 265 do Código Eleitoral.

Nada obstante, plenamente cabível o conhecimento do recurso inominado interposto como apelação, ante a aplicação do princípio da fungibilidade recursal, uma vez que compatíveis os pressupostos de ambas as espécies e observado o prazo do recurso correto.

Além disso, a medida reforça o princípio da precedência do julgamento de mérito, insculpido, em especial, nos arts. 4º e 6º do CPC, que abrangem a instrumentalidade das formas e o aproveitamento dos atos processuais, em colaboração mútua das partes e do juiz, a fim de possibilitar uma solução de mérito justa e efetiva.

Destaca-se, ainda, que os autos do processo aportaram na Advocacia-Geral da União em 23.8.2019, sexta-feira (fl. 258), e o recurso foi interposto no dia 27.8.2019, terça-feira (fl. 259), ou seja, no prazo de 3 (três) dias, sendo indiscutível sua tempestividade.

Portanto, sendo tempestivo, e presentes os demais pressupostos de admissibilidade, conheço do presente recurso como apelação, passando ao exame da questão de mérito.

Mérito

A União insurge-se contra a decisão de primeiro grau que julgou extinto o processo em fase de cumprimento de sentença com fundamento na constatação de que as providências requeridas pelo exequente caracterizam "espumeira processual", uma vez que, conforme as razões decisórias, "limita-se o credor a articular diligências infrutíferas apenas para fins de movimentação mecânica do feito, quando resta claro que não se mostra possível prosseguir na satisfação do crédito" (fl. 255 e v.).

Impende registrar que o título executivo que funda o cumprimento de sentença foi constituído por decisão judicial transitada em julgado, na data de 22.01.2015 (fl. 164), proferida em sede de prestação de contas, em que o Partido Democrático Trabalhista (PDT) de Alvorada foi condenado ao recolhimento de R$ 40.210,00, porquanto o montante foi recebido de fonte vedada.

Isso posto, no caso vertente, a extinção do processo sem resolução de mérito demandaria a ocorrência de uma das seguintes hipóteses: primeiramente, a inatividade da Advocacia-Geral da União no exercício de sua função, a caracterizar o abandono da causa, ou, em segundo, o decurso do lapso da prescrição intercorrente.

Quanto ao primeiro aspecto, conforme exegese do art. 485, inc. III e § 1º, do CPC, se o autor não promover os atos e as diligências que lhe incumbirem e for intimado pessoalmente para dar andamento ao feito no prazo de cinco dias, mantendo-se inerte, o juiz poderá extinguir o feito, sem resolução de mérito.

Contudo, a análise pormenorizada dos autos não revela inatividade prolongada da União.

Deveras, extrai-se dos autos que, diante do trânsito em julgado da decisão sobre as contas partidárias, as peças do processo foram encaminhadas à União para a cobrança dos valores em 24.7.2015 (fl. 180).

Em 08.01.2018, a Advocacia-Geral da União requereu o cumprimento de sentença (fls. 182-186).

Intimado, o partido não realizou o pagamento espontâneo (fl. 191), razão pela qual o Juízo da 124ª Zona determinou a penhora de ativos financeiros via BacenJud (fl. 192), providência que não logrou êxito em virtude da ausência de saldo positivo em conta (fl. 197).

Em continuidade, o juízo a quo determinou a intimação do órgão hierarquicamente superior do partido para a realização de descontos no repasse de quotas do Fundo Partidário (fl. 198).

Diante do silêncio do diretório estadual da agremiação (fl. 204), a União foi intimada para manifestação quanto ao prosseguimento do feito, em 05.7.2018 (fl. 205).

A Advocacia-Geral da União, em 13.7.2018, postulou a renovação da intimação do diretório estadual da sigla partidária para o cumprimento da determinação judicial, sob pena de multa diária (fl. 207).

Com a informação da ausência de repasses do Fundo Partidário ao executado no ano de 2017 (fl. 211 e v.), a União, em 24.9.2018, requereu a intimação do Diretório Estadual do PDT para informar o critério utilizado para o repasse da verba partidária aos órgãos municipais (fl. 214). O pedido, porém, foi indeferido, sob o fundamento de que inútil à satisfação do crédito (fl. 216).

A União, então, requereu consultas aos sistemas RENAJUD e INFOJUD dos últimos dois anos, em petição protocolada na data de 26.02.2019 (fl. 220).

Com a negativa das consultas,  o juízo eleitoral determinou a inclusão do executado no cadastro de inadimplentes (fl. 226).

Em 19.7.2019, a Advocacia-Geral da União postulou a renovação da consulta ao sistema BacenJud, uma vez que transcorridos mais de 12 meses da última determinação de bloqueio (fl. 233), sobrevindo, após, a decisão ora recorrida, que indeferiu a solicitação e julgou extinto o feito (fl. 255 e v.).

Portanto, consoante se observa dos autos, durante todo o curso executivo, a Advocacia-Geral da União manteve-se ativa na persecução da satisfação do crédito, peticionando e requerendo diligências para a localização de bens do executado de forma fundamentada, não havendo a configuração de abandono de causa ou, mesmo, mera "espumeira processual" na conduta da exequente.

Em relação ao segundo aspecto antes mencionado, necessário verificar a incidência de eventual prescrição intercorrente, que desponta quando o exequente permanece inerte por prazo superior ao de prescrição do direito material vindicado, conforme interpretação extraída do art. 202, parágrafo único, do Código Civil.

Na hipótese, tratando-se de cumprimento de sentença iniciado sob a égide do CPC de 2015, o reconhecimento do fenômeno prescricional depende da fiel observância do procedimento e dos prazos previstos nos §§ 1º, 2º, 4º e 5º do art. 921, do mesmo Estatuto, que disciplinam a prescrição intercorrente no âmbito das dívidas cíveis.

Dessa forma, não localizados bens penhoráveis, cumpriria ao magistrado observar o regramento específico previsto no art. 921, inc. III e parágrafos, do CPC, conforme bem explicita o escólio de Araken de Assis (Manual de Execução. 18. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016, p. 442):

O fundamento da prescrição no curso do processo, isto é, da prescrição intercorrente, localiza-se na necessidade social de não expor o executado, indefinidamente, aos efeitos da litispendência.96 E, ademais, harmoniza-se com o direito fundamental processual à duração razoável do processo.

A última forma desse assunto resulta do art. 921, §§ 1.º, 4.º e 5.º, c/c art. 924, V. Inexistindo bens penhoráveis (art. 921, III), o juiz suspenderá a execução pelo prazo de um ano, reza o art. 921, § 1.º, no curso do qual não fluirá a prescrição intercorrente, e, findo este, determinará o arquivamento dos autos (art. 921, § 1.º), sem baixa na distribuição, podendo os autos serem desarquivados, a qualquer tempo, surgindo bens penhoráveis (art. 921, § 3.º). E uma vez transcorrido o prazo de um ano do art. 921, § 1.º, fluirá o prazo prescricional (v.g., no caso do cheque, é brevíssimo, a teor do art. 59 da Lei 7.357/1985). Vencido o prazo, ouvidas as partes (art. 921, § 5.º), o juiz extinguirá a execução com fundamento na prescrição intercorrente (art. 924, V).

Na mesma linha, colaciono a lição da doutrina conjunta de Guilherme Marinoni, Daniel Mitidiero e Sérgio Cruz Arenhart (Novo curso de processo civil. Vol. II. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 994):

De todo modo, o início do cômputo do prazo de prescrição intercorrente só se dá após um ano da paralisação do processo por não serem localizados bens penhoráveis, se não houver manifestação do exequente (art. 921, §§ 1º e 4.°). Assim, não localizados bens penhoráveis, o processo pode ficar paralisado por um ano, sem que nesse prazo corra a prescrição. Findo esse prazo, tem início o cômputo do lapso de prescrição intercorrente e, verificada a sua ocorrência e depois de ouvidas as partes em quinze dias, pode-se reconhecer essa causa de extinção da execução.

O mesmo entendimento é sufragado pela jurisprudência do STJ:

RECURSO ESPECIAL. CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO. AUSÊNCIA DE BENS PASSÍVEIS DE PENHORA. SUSPENSÃO DO PROCESSO. INÉRCIA DO EXEQUENTE. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. INOCORRÊNCIA. ATO PROCESSUAL ANTERIOR AO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. MANUTENÇÃO DA SEGURANÇA JURÍDICA. NECESSIDADE DE PRÉVIA INTIMAÇÃO DO EXEQUENTE PARA DAR ANDAMENTO AO FEITO PARA INÍCIO DA CONTAGEM DO PRAZO PRESCRICIONAL.

1. A prescrição intercorrente ocorre no curso do processo e em razão da conduta do autor que, ao não prosseguir com o andamento regular ao feito, se queda inerte, deixando de atuar para que a demanda caminhe em direção ao fim colimado.

2. No tocante ao início da contagem desse prazo na execução, vigente o Código de Processo Civil de 1973, ambas as Turmas da Seção de Direito Privado sedimentaram a jurisprudência de que só seria possível o reconhecimento da prescrição intercorrente se, antes, o exequente fosse devidamente intimado para conferir andamento ao feito.

3. O Novo Código de Processo Civil previu regramento específico com relação à prescrição intercorrente, estabelecendo que haverá a suspensão da execução "quando o executado não possuir bens penhoráveis" (art. 921, III), sendo que, passado um ano desta, haverá o início (automático) do prazo prescricional, independentemente de intimação, podendo o magistrado decretar de ofício a prescrição, desde que, antes, ouça as partes envolvidas. A sua ocorrência incorrerá na extinção da execução (art. 924, V).

4. O novel estatuto trouxe, ainda, no "livro complementar" (arts. 1.045-1.072), disposições finais e transitórias a reger questões de direito intertemporal, com o fito de preservar, em determinadas situações, a disciplina normativa já existente, prevendo, com relação à prescrição intercorrente, regra transitória própria: "considerar-se-á como termo inicial do prazo da prescrição prevista no art. 924, inciso V [prescrição intercorrente], inclusive para as execuções em curso, a data de vigência deste Código" (art. 1.056).

5. A modificação de entendimento com relação à prescrição intercorrente acabaria por, além de surpreender a parte, trazer-lhe evidente prejuízo, por transgredir a regra transitória do NCPC e as situações já consolidadas, fragilizando a segurança jurídica, tendo em vista que o exequente, com respaldo na jurisprudência pacífica do STJ, estaria ciente da necessidade de sua intimação pessoal, para fins de início do prazo prescricional.

6. Assim, seja em razão da segurança jurídica, seja pelo fato de o novo estatuto processual estabelecer dispositivo específico regendo a matéria, é que, em interpretação lógico-sistemática, tem-se que o atual regramento sobre prescrição intercorrente deve incidir apenas para as execuções ajuizadas após a entrada em vigor do CPC/2015 e, nos feitos em curso, a partir da suspensão da execução, com base no art. 921.

7. Na hipótese, como o deferimento da suspensão da execução ocorreu sob a égide do CPC/1973 (ago/1998), há incidência do entendimento jurisprudencial consolidado no sentido de que não tem curso o prazo de prescrição intercorrente enquanto a execução estiver suspensa com base na ausência de bens penhoráveis (art. 791, III), exigindo-se, para o seu início, a intimação do exequente para dar andamento ao feito.

8. Recurso especial provido.

(REsp n. 1620919/PR, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 10.11.2016, DJe 14.12.2016.) (Grifei.)

Evidencia-se, portanto, que, na espécie, não localizados bens passíveis de penhora, o prazo prescricional somente teria início após o período de suspensão de um ano a que alude o § 4º do art. 921 do CPC, pressuposto não observado na decisão recorrida, o que destitui de fundamento jurídico a extinção do processo.

Não bastasse, o TSE veio a tornar indiscutível a adoção do prazo prescricional de 10 (dez) anos para a execução de multas eleitorais, lapso que a jurisprudência tem estendido a todas as imposições pecuniárias de natureza eleitoral, na esteira do verbete objeto da Súmula n. 56:

A multa eleitoral constitui dívida ativa de natureza não tributária, submetendo-se ao prazo prescricional de 10 (dez) anos, nos moldes do art. 205 do Código Civil.

Dessarte, ainda que se cogite o início do curso do lapso prescritivo e se admita que os requerimentos para realização de diligências que se mostraram infrutíferas em localizar bens do devedor não têm o condão de suspender ou interromper o prazo de prescrição intercorrente (EDcl no AgRg no AREsp n. 594.062/RS, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 19.3.2015, DJe 25.3.2015), não se vislumbra o decurso do decênio sequer entre a deflagração do cumprimento de sentença e a decisão extintiva do processo, a justificar a extinção do feito.

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo provimento do recurso, para determinar o retorno dos autos à origem para o prosseguimento do cumprimento de sentença.