RE - 1503 - Sessão: 17/09/2020 às 14:00

RELATÓRIO

Cuida-se de recurso eleitoral interposto pelo PROGRESSISTAS (PP) de Coqueiros do Sul contra a sentença do Juiz Eleitoral da 15ª Zona – Carazinho que desaprovou suas contas relativas ao exercício de 2017, em razão do recebimento de recursos de origem não identificada, no somatório de R$ 1.584,30, e determinou o recolhimento desse valor ao Tesouro Nacional, acrescido de multa de 20%, bem como a suspensão de recebimento de novas quotas do Fundo Partidário até o esclarecimento da origem dos recursos (fls. 129-131).

Nas razões do apelo, a agremiação busca afastar a caracterização do montante glosado como recursos de origem não identificada, sustentando que, relativamente ao crédito do valor de R$ 84,30 em sua conta-corrente, se tratou de erro cometido pela instituição bancária e, quanto à despesa de R$ 1.500,00 com serviços contábeis, o pagamento se deu com recursos do Fundo de Caixa. Postula, ao final, o provimento do apelo, para que as contas sejam aprovadas ou, subsidiariamente, aprovadas com ressalvas (fls. 138-141).

A Procuradoria Regional Eleitoral, em parecer, opina pelo provimento parcial do recurso (fls. 148-151v.).

É o relatório.

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

No mérito, as contas foram desaprovadas em razão de o órgão partidário ter recebido R$ 84,30 em sua conta-corrente, em 23.1.2017, sem a identificação do respectivo doador ou contribuinte, e de ter sido apurado que a grei realizou pagamento, na quantia de R$ 1.500,00, por prestação de serviços contábeis sem o devido trânsito do valor empregado para pagamento pela conta bancária.

No tocante ao primeiro fato ensejador da desaprovação das contas, cumpre transcrever, por elucidativo, excerto do parecer da Procuradoria Regional Eleitoral:

Consoante se infere do parecer conclusivo (fl. 54), a agremiação partidária recebeu a quantia de R$ 84,30 (oitenta e quatro reais e trinta centavos), cujo depositante não restou identificado.

Entretanto, a agremiação partidária, visando sanar a irregularidade apontada pela unidade técnica, apresentou prova de que houve o depósito equivocado do valor de R$ 84,30 no dia 23-01-2017, por meio de documento expedido pela Caixa Econômica Federal, em que esta informou o estorno do referido crédito realizado indevidamente (fl. 74).

Assim, o recurso dever ser provido nesse ponto, para excluir do montante a ser recolhido ao Tesouro Nacional a quantia de R$ 84,30 (oitenta e quatro reais e trinta centavos).

 

Deveras, o partido político logrou comprovar, pela juntada do documento de fl. 74, que o crédito de R$ 84,30 em sua conta-corrente decorreu de equívoco cometido pela instituição bancária, tendo havido, posteriormente, o ajuste, por meio do respectivo débito, em 16.4.2018.

Assim, diante da prova do estorno bancário, não há que se falar em aporte de receita de fonte desconhecida, devendo o recurso ser provido em relação ao ponto.

O segundo fundamento para a desaprovação das contas foi o pagamento, pela agremiação, de despesa de R$ 1.500,00 sem o trânsito do valor pela conta bancária, o que, no entender do juízo a quo, configurou recebimento de recursos de origem não identificada.

A tal respeito, sustenta o órgão partidário, nas razões de apelo, que se tratou de emprego de reserva em dinheiro constituída ainda no exercício anterior:

Conforme referido em todas as manifestações realizadas pela agremiação partidária ao longo do processo de prestação de contas, referido valor (R$ 1.500,00) já existiam em caixa (em moeda) registrados no balanço e prestação de contas apresentadas relativo ao exercício de 2016, e foram utilizados para o pagamento de despesas regulares da agremiação, registradas contabilmente e na prestação de contas apresentadas à esta R. Justiça Eleitoral.

 

A reserva em dinheiro, ou Fundo de Caixa, encontra-se disciplinada no art. 19 da Resolução TSE n. 23.464/15, verbis:

Art. 19. Para efetuar pagamento de gastos de pequeno vulto, o órgão partidário, de qualquer esfera, pode constituir reserva em dinheiro (Fundo de Caixa), que observe o saldo máximo de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), desde que os recursos destinados à respectiva reserva transitem previamente por conta bancária específica do partido e, no ano, não ultrapasse 2% (dois por cento) dos gastos lançados no exercício anterior.

§ 1º O saldo do Fundo de Caixa pode ser recomposto mensalmente, com a complementação de seu limite, de acordo com os valores despendidos no mês anterior.

§ 2º O saque dos valores destinados ao Fundo de Caixa devem ser realizados da conta bancária específica do partido, mediante a emissão de cheque nominativo em favor do próprio órgão partidário.

§ 3º Consideram-se de pequeno vulto os gastos cujos valores individuais não ultrapassem o limite de R$ 400,00 (quatrocentos reais), vedado, em qualquer caso, o fracionamento desses gastos.

§ 4º A utilização dos recursos do Fundo de Caixa não dispensa a comprovação dos gastos nos termos do art. 18 desta resolução.

§ 5º O percentual e os valores previstos neste artigo podem ser revistos, anualmente, mediante Portaria do Presidente do Tribunal Superior Eleitoral.

 

Ressai da leitura do dispositivo, portanto, que, para a agremiação realizar pagamento de despesas em espécie, estas devem ser de pequeno vulto, vale dizer, até R$ 400,00.

Outrossim, o Fundo de Caixa, com saldo máximo de R$ 5.000,00, que pode ser recomposto mensalmente, deve ser constituído com recursos que tenham transitado pela conta bancária específica do partido, por saque realizado mediante emissão de cheque nominal ao próprio órgão partidário, não podendo o montante, no ano, superar 2% dos gastos lançados no exercício anterior.

Vê-se, pois, que é necessário o atendimento a diversos requisitos para que a constituição do Fundo de Caixa seja regular e, por consequência, possa, de maneira livre de mácula, ocorrer o pagamento em espécie de despesas.

In casu, de pronto, verifica-se que a despesa não foi de pequeno vulto, porquanto o valor despendido para pagar os serviços contábeis alcançou a cifra de R$ 1.500,00.

Além disso, o simples argumento de que a quantia em espécie integrava o Fundo de Caixa formado no exercício anterior não é suficiente para demonstrar, nestes autos, a origem lícita dos recursos.

Mostra-se irregular, assim, a importância utilizada para pagamento do gasto, cuja origem não restou esclarecida.

Este também é o entendimento da Procuradoria Regional Eleitoral, que, acerca do tema, assim se pronunciou:

No que tange à irregularidade apontada pela unidade técnica correspondente ao pagamento de despesas por serviços contábeis, no valor de R$ 1.500,00 (hum mil e quinhentos reais), sem o trânsito pela conta bancária da agremiação, esta alega que o pagamento foi realizado com o saldo em caixa que o partido mantinha.

Segundo a agremiação partidária, o valor de R$ 1.500,00 já existia em caixa e foi registrado no balanço e prestação de contas apresentadas, relativas ao exercício de 2016.

Contudo, o pagamento em espécie somente seria admissível caso constituído fundo de caixa – na forma do art. 19 da Resolução 23.464/2015 – e desde que não excedidos R$ 400,00. Desse modo, ainda que a agremiação tenha constituído fundo de caixa, o valor das despesas pagas em espécie supera o limite legal.”

(…)

Tem-se, portanto, correta a conclusão exarada pela unidade técnica e pela sentença, qual seja, a de impossibilidade de aferição da origem dos recursos pagos por serviços contábeis, eis que não transitaram pela conta bancária da agremiação.”

 

Nesse passo, sendo considerada a receita empregada para pagamento da despesa como de origem não identificada, representando 37% da movimentação total do exercício (R$ 4.020,20; fl. 54), é imperativa a desaprovação das contas e a condenação ao recolhimento da importância correspondente ao Tesouro Nacional, com o acréscimo de multa, exatamente como entendeu o magistrado de piso.

Entrementes, considerando as circunstâncias do caso vertente, tais como tratar-se de órgão partidário de diminuto município com modesta movimentação de recursos financeiros (fl. 24), entendo que a multa, estabelecida no patamar máximo na sentença – 20% –, deva ser reduzida para 5%, sanção que se afigura mais consentânea com a irregularidade constatada.

O valor a ser recolhido aos cofres públicos, portanto, passa a ser de R$ 1.500,00, de origem não esclarecida, somados a R$ 75,00, de multa, resultando em R$ 1.575,00.

Ainda, merece ser revista a penalidade aplicada pelo juízo monocrático, fixada nos termos do art. 36, inc. I, da Lei n. 9.096/95, consistente na suspensão do recebimento das quotas do Fundo Partidário até que o esclarecimento sobre a origem dos recursos seja aceito pela Justiça Eleitoral.

Interpretando referida norma, este Tribunal tem entendido pelo afastamento da penalidade, ao fundamento de que, por vezes, é impossível ao prestador oferecer as explicações devidas sobre a origem dos valores, ou mesmo de que, após o julgamento das contas, com a determinação de recolhimento dos valores aos cofres públicos como forma de saneamento da falha, sequer haveria oportunidade processual para o exame de novos esclarecimentos, culminando em penalidade perpétua.

Trago à baila aresto desta Corte, de minha relatoria, sufragando tal posicionamento:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2016. DESAPROVAÇÃO. PERCEPÇÃO DE RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. RECOLHIMENTO DO VALOR IRREGULAR AO TESOURO NACIONAL. AFASTADA A PENALIDADE DE SUSPENSÃO DO RECEBIMENTO DE NOVAS QUOTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. PARCIAL PROVIMENTO.

(…).

Manutenção da determinação de recolhimento dos valores irregulares ao Tesouro Nacional acrescido de multa de 10%. Afastada a penalidade de suspensão do recebimento de novas quotas do Fundo Partidário até que o partido preste esclarecimentos à Justiça Eleitoral. A interpretação teleológica do texto do art. 36, inc. I, da Lei dos Partidos Políticos evidencia que o repasse de novas quotas do Fundo Partidário somente ficará suspenso até que a justificativa seja aceita pela Justiça Eleitoral ou haja o julgamento do feito.

Parcial provimento.

(TRE-RS – PC n. 23-57.2017.6.21.0033, relator Des. Eleitoral Silvio Ronaldo Santos de Moraes, julgado em 20.11.2018, unânime.)

 

Contudo, a partir de proposta do eminente Des. Eleitoral Gerson Fischmann, encaminhada na sessão de 28.01.2020, por ocasião do julgamento do RE 8-98, esta Corte sinalizou a necessidade de aprofundar a reflexão sobre o tema, de modo que o posicionamento não implique negativa de aplicação de qualquer forma de reprimenda à utilização de recursos de origem não identificada, enquanto inequívoca a vontade legislativa de sancionar em específico a irregularidade.

Por outro lado, compatibilizando os princípios da segurança jurídica, da isonomia e da confiança dos jurisdicionados para que se promova a atualização dos iterativos precedentes deste Tribunal em um mesmo sentido, enunciou-se que eventual mudança jurisprudencial deve ocorrer apenas para os exercícios financeiros de 2019 e posteriores.

Colaciono a ementa do aludido julgado:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. DIRETÓRIO MUNICIPAL. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2017. DESAPROVAÇÃO. PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA POR CERCEAMENTO DE DEFESA REJEITADA. MÉRITO. RECEBIMENTO DE RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. AFASTAMENTO, DE OFÍCIO, DA PENALIDADE DE SUSPENSÃO DO REPASSE DE NOVAS QUOTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. DESPROVIMENTO.

(…).

3. Falha que representa 85,08 % do montante auferido pelo partido no exercício financeiro em análise. Manutenção do recolhimento ao erário e da aplicação de multa. Afastada a penalidade de suspensão do recebimento de novas quotas do Fundo Partidário imposta de modo a persistirem seus efeitos até que os esclarecimentos sobre a origem dos recursos sejam aceitos pela Justiça Eleitoral. Proposta a discussão do tema para as prestações de contas do exercício financeiro de 2019, a fim de conferir efetividade e compatibilidade entre as sanções de suspensão de recebimento de quotas do Fundo Partidário e de recolhimento dos recursos ao Tesouro Nacional, estabelecidas no inc. I do art. 36 e no § 3º do art. 37 da Lei n. 9.096/1995, respectivamente.

4. Desprovimento.

(TRE; RE 8-98.2018.6.21.0083; Relator Des. Eleitoral Gerson Fischmann; julgado em 09.03.2020.) Grifei.

 

Tenho que a modulação levada a efeito é pertinente, encontra amparo legal no art. 926, caput, do CPC, bem como suporte doutrinário no Enunciado n. 319 do Fórum Permanente de Processualistas Civis, consoante o qual, “Os tribunais poderão sinalizar aos jurisdicionados sobre a possibilidade de mudança de entendimento da corte, com a eventual superação ou a criação de exceções ao precedente para casos futuros”.

Dessa forma, é devido o afastamento da penalidade prevista no art. 36, inc. I, da Lei n. 9.096/95, no caso concreto, na esteira da jurisprudência deste Tribunal, ressalvando-se futura reanálise do tema para os exercícios financeiros de 2019 e posteriores.

 

Ante o exposto, VOTO pelo parcial provimento do recurso, para, mantendo a desaprovação das contas, reduzir o valor a ser recolhido ao Tesouro Nacional para R$ 1.500,00 e a multa aplicada para 5% deste montante, bem como afastar a sanção de suspensão do recebimento de quotas do Fundo Partidário prevista no art. 36, inc. I, da Lei n. 9.096/95.