Rp - 0603605-81.2018.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 19/11/2019 às 11:00

VOTO

Questão de ordem

Antes de apreciar as preliminares suscitadas pela defesa e o mérito da demanda, reputo importante fazer uma breve análise da competência deste relator para o julgamento da lide.

A presente ação foi ajuizada sob o rótulo de Representação, e assim autuada, para apurar a prática de suposta conduta vedada imputada aos representados, em afronta ao art. 73, inc. III, da Lei das Eleições. Ocorre que, muito embora nos pedidos finais o Ministério Público Eleitoral tenha requerido apenas a aplicação da multa prevista no § 4º, a ação também apresenta, em seu bojo, pedido de investigação quanto à ocorrência de abuso de autoridade, previsto no art. 22 da Lei Complementar n. 64/90.

Com efeito, pelo que se depreende da inicial, o caráter ilícito das condutas objeto da presente ação foi abordado não só sob a perspectiva de conduta vedada, mas, especialmente, de abuso do poder político, tanto que os próprios representados enfrentaram o tema e responderam, na sua defesa, que claramente não existia constrangimento. Não havia pressão.

Ademais, é cediço que o magistrado está autorizado a demarcar os limites do pedido a partir da ratio petendi substancial, orientando-se a defesa pelos fatos imputados ao demandado, e não pela capitulação legal atribuída pelo autor, segundo orientação consolidada no enunciado da Súmula n. 62 do TSE (“Os limites do pedido são demarcados pelos fatos imputados na inicial, dos quais a parte se defende, e não pela capitulação legal atribuída pelo autor”).

Logo, é de se confirmar a competência deste Relator para o julgamento do feito.

Preliminares

a) Cerceamento de defesa

Os representados suscitam preliminar de cerceamento de defesa sob o argumento de que o Ministério Público Eleitoral, não obstante tivesse conhecimento da existência do grupo de WhatsApp objeto da presente representação, deixou para requerer a extração de dados do aparelho celular somente no final da audiência. Alegam que tal fato teria causado prejuízo à defesa, pois, no momento em que tomou os depoimentos a procuradoria teve acesso ao grupo e as conversas ali manifestadas e buscou arrolar testemunhas baseadas nas tais conversas.

Com a devida vênia aos representados, tenho que o simples fato de o Ministério Público ter arrolado testemunhas com base nas conversas de WhatsApp não acarreta cerceamento de defesa. Para a configuração do cerceamento de defesa é necessário se fazer a demonstração do prejuízo sofrido, bem como o nexo de causalidade entre esse fato e a tese defensiva. Assim, seria necessário que os representados demonstrassem concretamente o alegado prejuízo.

Entendo, ao contrário, que o autor da ação, ao não ter requerido liminarmente a produção dessa prova, correu o risco de perdê-la, tanto que, das testemunhas arroladas, somente uma ainda possuía a integralidade das mensagens de texto recebidas.

Ademais, a extração dos dados foi requerida e deferida em audiência, sem qualquer protesto da parte que ora alega cerceamento de defesa.

Como se não bastasse, restou consignado, na audiência, que cumprida a diligência, a Secretaria Judiciária certificará nos autos a juntada da prova e as partes poderão se manifestar sobre o seu conteúdo quando forem intimadas da abertura do prazo comum para apresentação de alegações finais, não tendo a defesa se insurgido, novamente, quanto a esse ponto.

Note-se que todos os representados tiveram pleno e irrestrito acesso às provas constantes nos autos, de forma que lhes foi oportunizada a elaboração de uma consistente defesa.

Por essas razões, afasto a preliminar.

b) Ilegitimidade passiva

Suscitam, ainda, a ilegitimidade passiva para a causa dos representados José Ivo Sartori, José Paulo Dornelles Cairoli e Susana Kakuta.

Em relação aos dois primeiros, dizem que, apesar de a intenção do grupo de WhatsApp ter sido a de promover as suas candidaturas, não podem eles ser responsabilizados, uma vez que não faziam parte do grupo, tanto que na inicial só foram referidos na qualificação.

No que se refere a Susana, argumentam que ela teve participação no grupo assim como todos os demais componentes que, mesmo sendo mais ativos, não foram arrolados como polo passivo. Dizem que ninguém pode ser imputado de qualquer conduta em face de cinco mensagens enviadas.

Considerando que a participação - ou não - dos representados nos fatos investigados requer, necessariamente, a análise das provas produzidas, a preliminar será apreciada com o mérito.

c) Ausência de fundamento jurídico

Sustentam os representados a falta de fundamento jurídico da representação ao argumento de que EMÍLIA, que administrava o grupo de WhatsApp e fazia a entrega dos convites para os diretores, encontrava-se de férias no período.

A exemplo da anterior, essa preliminar também se confunde com o mérito e, com ele, será analisada.

Mérito

Trata-se de representação para apurar a ocorrência, ou não, de conduta vedada prevista no art. 73, inc. III, da Lei n. 9.504/97, cumulada com ação de investigação judicial eleitoral, a fim de investigar a ocorrência de abuso de poder de autoridade, nos termos do disposto no art. 22 da Lei Complementar n. 64/90.

O abuso de poder e as condutas vedadas tanto podem ser apurados em sede de representação específica quanto cumulativamente em sede de AIJE, haja vista atraírem o mesmo rito processual (art. 73, § 12, da Lei n. 9.504/97) e, não raras vezes, entrelaçarem-se pela sua sustentação fática, constituindo manifestações de abuso de poder em sentido amplo. Em ambos os formatos, no enfrentamento de cada caso concreto, o processamento pode ensejar decisões autônomas sobre uma mesma ocorrência fática, tendo em conta a normatividade e as cominações específicas dadas a cada ilícito eleitoral, sem que isso importe incongruência sistêmica.

No alusivo às condutas vedadas, o propósito da Lei das Eleições é construir ambientes político-eleitorais nos quais se assegure a igualdade de oportunidades entre os candidatos, atraindo relevo àquelas condutas destinadas à conformação do comportamento dos agentes públicos, justamente para evitar que a administração estatal seja desviada da execução do seu mister público em favorecimento de interesses particulares ligados à conquista de cargos eletivos.

No dizer do ilustre doutrinador José Jairo Gomes:

(...)

o caput do artigo 73 da LE esclarece que, aos agentes públicos, é proibida a realização dos comportamentos que especifica, porque tendem "a afetar a igualdade de oportunidade entre candidatos nos pleitos eleitorais". Aí está o bem jurídico que a regra em apreço visa proteger: a igualdade de oportunidades - ou de chances - entre candidatos e respectivos partidos políticos nas campanhas que desenvolvem. Haveria desigualdade se a Administração estatal fosse desviada da realização de seus misteres para auxiliar a campanha de um dos concorrentes, em odiosa afronta aos princípios da moralidade e impessoalidade. (...) Tendo em vista que o bem jurídico protegido é a igualdade no certame, a isonomia nas disputas, não se exige que as condutas proibidas ostentem aptidão ou potencialidade para desequilibrar o pleito, feri-lo ou alterar seu resultado.

(...)

(GOMES, Jairo José. “Direito Eleitoral”, 15ª ed., Ed. Atlas, 2019, p. 868.)

Subsumido o fato à norma, no que concerne ao art. 73, caput e incisos, da Lei Eleitoral, o legislador previu a suspensão imediata da conduta, quando for o caso, multa a todos os responsáveis (agente público, candidato, partido político e coligação) e, sem prejuízo da pena pecuniária, a cassação do registro ou diploma do candidato beneficiado (art. 73, §§ 4º, 5º e 8º).

Nada obstante, no caso concreto, cumpre realizar juízo de proporcionalidade e razoabilidade, fixando-se, à vista da gravidade dos fatos, sancionamento compatível com o grau de lesão ao bem jurídico tutelado pela norma, segundo orientação consolidada pelo TSE (RO n. 129624, Relator Min. Luís Roberto Barroso, DJE de 25.02.2019, pp. 32-33), perfilhada por este Regional (TRE-RS, RE n. 16451, Relator Des. Eleitoral Silvio Ronaldo Santos de Moraes, DJE de 14.7.2017, p. 10).

Por outro lado, sempre que caracterizada a conduta vedada, a multa estabelecida no § 4º do art. 73 da Lei das Eleições é de aplicação obrigatória, não incidindo o princípio da insignificância (AgReg no AI n. 11488, Relator Min. Arnaldo Versiani, DJE de 30.11.2009, p. 28).

Quanto ao abuso de poder, por seu norte, é conceituado por Rodrigo Lopez Zílio como todo ato emanado de pessoa que exerce cargo, emprego ou função que excede aos limites da legalidade ou da competência (Direito Eleitoral, 5ª ed., Porto Alegre: Editora Verbo Jurídico, p. 542).

Nos termos da jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, configura-se o abuso do poder político “quando o agente público, valendo-se de sua condição funcional e em manifesto desvio de finalidade, compromete a igualdade da disputa e a legitimidade do pleito em benefício de sua candidatura ou de terceiros” (Recurso Ordinário n. 172365, Relator Min. Admar Gonzaga, Publicação, publicado em 27.02.2018).

Em outras palavras, ocorre abuso de poder político quando o agente público desborda da função, cargo ou emprego público, favorecendo de forma desproporcional um candidato, desequilibrando a disputa eleitoral, na forma do art. 22, da LC n. 64/90, verbis:

Art. 22. Qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral poderá representar à Justiça Eleitoral, diretamente ao Corregedor-Geral ou Regional, relatando fatos e indicando provas, indícios e circunstâncias e pedir abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político, obedecido o seguinte rito:

[...]

XIV – julgada procedente a representação, ainda que após a proclamação dos eleitos, o Tribunal declarará a inelegibilidade do representado e de quantos hajam contribuído para a prática do ato, cominando-lhes sanção de inelegibilidade para as eleições a se realizarem nos 8 (oito) anos subsequentes à eleição em que se verificou, além da cassação do registro ou diploma do candidato diretamente beneficiado pela interferência do poder econômico ou pelo desvio ou abuso do poder de autoridade ou dos meios de comunicação, determinando a remessa dos autos ao Ministério Público Eleitoral, para instauração de processo disciplinar, se for o caso, e de ação penal, ordenando quaisquer outras providências que a espécie comportar;

[...]

XVI – para a configuração do ato abusivo, não será considerada a potencialidade de o fato alterar o resultado da eleição, mas apenas a gravidade das circunstâncias que o caracterizam.

Veja-se que não basta a mera configuração de desvio de função pelo agente público. A caracterização do abuso de poder político e, em consequência, a aplicação de suas graves consequências – cassação de registro, diploma ou mandato e decretação de inelegibilidade – exigem, além da caracterização da conduta como abusiva, seja demonstrada a gravidade das circunstâncias que permeiam o caso concreto, tendente a afetar a normalidade e a legitimidade do pleito correspondente.

Nesse sentido, é a jurisprudência deste Regional:

RECURSOS. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL E REPRESENTAÇÃO POR CONDUTAS VEDADAS. ABUSO DE PODER. ART. 22 DA LEI COMPLEMENTAR N. 64/90. CANDIDATURAS DE PREFEITO E VICE. PRELIMINARES AFASTADAS. EFEITO SUSPENSIVO. DESNECESSIDADE DE CONCESSÃO, JÁ EXPRESSA NO ART. 257, § 2º, DO CÓDIGO ELEITORAL. DEFERIMENTO DE CONTRADITA. AFINIDADE PARTIDÁRIA E ATUAÇÃO COMO CABOS ELEITORAIS. ART. 477 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. PREFACIAL DE OFÍCIO. REUNIÃO DA AIJE E DA REPRESENTAÇÃO PARA PROFERIMENTO EM CONJUNTO DA SENTENÇA. NÃO FORMAÇÃO DE LITISCONSÓCIO NECESSÁRIO. AUSÊNCIA DO AGENTE PÚBLICO NO POLO PASSIVO DA DEMANDA. ART. 115, INC. I, DO CPC. OPERADA A DECADÊNCIA. ART. 487, INC. II, DO CPC. EXTINÇÃO DO FEITO. MÉRITO. ABUSO DO PODER POLÍTICO. PAVIMENTAÇÃO DE RUAS. GRAVIDADE DAS CIRCUNSTÂNCIAS. INEXISTÊNCIA. LEI COMPLEMENTAR N. 135/10. PROVIMENTO. ELEIÇÕES 2016.

[...]

2. Mérito. A quebra da normalidade e legitimidade do pleito, pelo abuso do poder político, está ligada à gravidade da conduta, capaz de alterar a vontade do eleitor. Na espécie, a prefeitura realizou, nos meses de agosto e setembro, pavimentação asfáltica, pela qual o juízo monocrático, diante da proximidade temporal entre o final da obra e um comício político, entendeu que houve relação direta destes atos administrativos e os atos de campanha, trazendo proveito ao candidato da situação. Contudo, tais fatos, por si só, e à míngua de legislação que os proíba, não podem ser interpretados como abuso de poder politico. Natural que candidatos da situação se vinculem a obras bem recebidas pela comunidade.

Provimento.

(TRE-RS – RE n. 56328 – Rel. Des. EDUARDO AUGUSTO DIAS BAINY – DEJERS de 24.11.2017.) (Grifei.)

RECURSO. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. CONDUTA VEDADA. ELEIÇÃO 2012. PRELIMINARES AFASTADAS. NÃO CONFIGURADAS A INÉPCIA DA INICIAL E A FALTA DO INTERESSE DE AGIR. MÉRITO. ART. 73, INC. III, DA LEI N. 9.504/97. CEDÊNCIA DE SERVIDOR PARA USO NA CAMPANHA. PROCURADOR-GERAL DO MUNICÍPIO. DEDICAÇÃO EXCLUSIVA. ATUAÇÃO EM PROCESSOS ELEITORAIS. LICENÇA NÃO DEMONSTRADA. CONDUTA VEDADA COMPROVADA. ABUSO DE PODER NÃO CARACTERIZADO. MANUTENÇÃO DA LEGITIMIDADE E DA NORMALIDADE DO PLEITO. AFASTADA A INELEGIBILIDADE. PARCIAL PROVIMENTO.

[...]

3. Não é automática a subsunção da conduta vedada como ato abusivo, sendo necessária a demonstração da gravidade das circunstâncias que caracterizam o ato, como determinado no art. 22, XVI, da Lei Complementar n. 64/90. Não demonstrada a influência da conduta imputada na normalidade ou legitimidade da eleição. Reforma da sentença nesse ponto. Afastada a condenação do prefeito recorrente por abuso de poder político e de autoridade e, consequentemente, a pena de inelegibilidade.

4. Parcial provimento.

(TRE-RS – RE n. 69714 – Rel. DRA. DEBORAH COLETTO ASSUMPÇÃO DE MORAES – DEJERS de 13.11.2017.) (Grifei.)

RECURSOS. JULGAMENTO CONJUNTO. CONTINÊNCIA. REPRESENTAÇÃO. CONDUTA VEDADA. LEI N. 9.504/97. PREFEITO E VICE REELEITOS. CEDÊNCIA DE SERVIDOR PÚBLICO. CAMPANHA ELEITORAL. HORÁRIO DE EXPEDIENTE. CARACTERIZAÇÃO. MULTA. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. ABUSO DE PODER DE AUTORIDADE. LEI COMPLEMENTAR N. 64/90. PRÉ-CANDIDATO. CONVENÇÃO PARTIDÁRIA. CANDIDATURA NÃO ACOLHIDA. INDEFERIMENTO DA MANUTENÇÃO DA LICENÇA. ATO ADMINISTRATIVO. LEGALIDADE. ELEIÇÃO 2016.

(...)

3. RE 163-14 - Secretário Municipal da Administração, sem estar afastado de suas funções, nomeado representante legal da Coligação pela qual concorria à reeleição o prefeito e seu vice. Demonstrada a participação, durante o horário de expediente, de reunião no cartório eleitoral, acerca de propaganda para o pleito de 2016, bem como sua efetiva presença em atos e ações judiciais durante o período eleitoral. O engajamento do servidor público na campanha dos candidatos da situação revela conduta vedada, em afronta à legislação eleitoral. Todavia, necessária a demonstração da gravidade da conduta para atrair a sanção de cassação do registro ou do diploma. Infração que não se reveste de maior gravidade. Conduta vedada perpetrada por um único servidor, cujos serviços prestados não foram expressivos. Aplicação dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade. Suficiente a aplicação de multa. Eventual incidência de causa de inelegibilidade a ser avaliada por ocasião do registro de candidatura.

(...)

(TRE-RS – RE n. 16314 – Rel. DES. ELEITORAL SILVIO RONALDO SANTOS DE MORAES – DEJERS de 14.7.2017.) (Grifei.)

Estabelecidas essas premissas teóricas, prossigo no exame dos fatos atribuídos aos representados, quais sejam: a) criação, no WhatsApp, do grupo denominado MOBILIZAÇÃO SDECT, no qual teriam sido incluídos, sem prévio consentimento, servidores ocupantes de cargos em comissão e detentores de função gratificada, no âmbito da Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Ciência e Tecnologia do Estado do Rio Grande do Sul e cujo objetivo era a divulgação de atos de campanha e a convocação dos servidores para atuar ativamente em prol da candidatura da chapa integrada por José Ivo Sartori e José Paulo Dornelles Cairoli ao governo do estado, sendo que, alegadamente, as tratativas ocorriam, indistintamente, a qualquer tempo, fora ou dentro do horário de expediente; e b) oferecimento de convites para participação em jantares alusivos à campanha dos dois primeiros representados, SARTORI e CAIROLI, nos valores de R$ 1.000,00 e R$ 500,00.

Tais fatos teriam gerado constrangimento e tensão aos servidores, os quais, por serem demissíveis ad nutum, teriam ficado temerosos de perder o emprego ou a função, caso não participassem dos atos de campanha divulgados no grupo e não adquirissem os convites para os jantares.

Os representados sustentam que EMÍLIA, chefe de gabinete da Secretaria, encontrava-se em férias quando da criação do grupo, e que ninguém foi obrigado a nele permanecer, tampouco a comprar os aludidos convites.

Pois bem. Para uma melhor compreensão, analiso os fatos, primeiramente sob o enfoque da conduta vedada, para, num segundo momento, apreciá-los à luz do abuso de autoridade.

I. Conduta insculpida no art. 73, inc. III, da Lei n. 9.504/97:

I.1. Do grupo de WhatsApp

Primeiramente, tendo em vista os termos da defesa, que invocou o § 2º do art. 28 da Resolução TSE n. 23.551/17, pelo qual as mensagens eletrônicas enviadas consensualmente por pessoa natural, de forma privada ou em grupos restritos de participantes, não se submetem ao caput deste artigo e às normas sobre propaganda eleitoral (...), esclareço que não se analisa, nestes autos, ilicitude na realização de propaganda eleitoral, mas de conduta vedada a agente público e abuso de autoridade.

O grupo "Mobilização SDECT" foi criado por EMÍLIA – fato incontroverso – no dia 17.9.2018, conforme se verifica no relatório de dados extraídos do WhatsApp da testemunha Sílvia Ortolan (ID 2237783). À ocasião, EMÍLIA postou a seguinte saudação:

Boa noite pessoal! Este grupo foi criado com a ideia de unir nossos esforços e nos mobilizarmos para a reeleição do nosso governador! Em breve postaremos mais informações. Conto com o apoio de todos vocês! É 15! É o Rio Grande no rumo certo!

O encerramento do grupo, com a exclusão dos participantes, por seu norte, ocorreu em 29.10.2018, um dia depois da realização do segundo turno das eleições de 2018, com a mensagem a seguir transcrita:

Bom dia pessoal! Parabéns pela garra e coragem de todos, se olharmos bem, perdemos a eleição, mas saímos vencedores, a união foi linda e mostrou que somos grandes como MDB, defendemos um grande e competente administrador. Sartori ficará na história como exemplo de homem público. Agora iniciamos um novo ciclo rumo a 2020 e 2022, não podemos baixar a guarda nem desanimar, todos juntos somos fortes. Obrigado e Parabéns a todos.

De acordo com o “requerimento de férias” juntado à contestação (ID 1915583), EMÍLIA requereu autorização para gozar férias no período compreendido entre 10.9.2018 e 09.10.2018. Já nos termos do documento apresentado na mesma ocasião, EMÍLIA estaria de férias no período de 06.9.2018 e 05.10.2018 (ID 1915633).

De qualquer sorte, o retorno ao trabalho teria ocorrido no dia 08 de outubro, segunda-feira, ou dia 10 de outubro, sendo certo, portanto, que as férias não contemplaram todo o lapso temporal da existência do grupo de mensagens, o qual se manteve em plena atividade por, no mínimo, mais 20 dias depois do retorno de EMÍLIA ao trabalho.

Infundada, pois, a alegação quanto à falta de fundamento jurídico trazida em sede de preliminar.

O horário de expediente na Secretaria, conforme afirmado pela própria EMÍLIA, em audiência, era das 08h30min às 12h00min e das 13h30min às 18h00min.

Nesse contexto, de acordo com o relatório ID 2237783, foram postadas mensagens, por EMÍLIA, em horário de trabalho, como, por exemplo, nos dias 10.10.2018, às 8h47min e às 15h54min; no dia 11.10.2018, às 10h09min. Nessa última, EMÍLIA conclama os servidores a participarem de evento na rótula das cuias e diz almocem antes ou depois, mas vamos nos unir com o pessoal, vamos fazer nossa parte!!!! É 15.

Ou seja, em pleno horário de expediente, a representada EMÍLIA convida os integrantes do grupo – que também estão em horário de trabalho – a participar de atos de campanha e ainda sugere que “almocem antes ou depois”.

Ora, o “antes” e o “depois” seriam, inevitavelmente, em horário de expediente, reservando-se o intervalo que deveria ser o de almoço para dedicação à campanha eleitoral.

Essa circunstância, por si só, já demonstra a subsunção do fato à norma consistente no uso de servidor público, ou de seus serviços, no horário de expediente.

E seguiram-se mais sete mensagens em horário não permitido, só nesse dia.

O mesmo ocorreu nos dias 15, 16 e 17. No dia 17, às 10h10min, EMÍLIA postou a seguinte mensagem:

Bom dia pessoal! Seguinte, hoje tem Tá na Mesa com os candidatos. Será feita uma mobilização lá na frente, além da que terá 12:00 na Ipiranga com Praia de Belas e Borges. Então, quem quiser trocar seu almoço pras 11:00 as 12:00 e acompanhar a mobilização na frente da Federasul está convidado. Os demais que quiserem, participam da mobilização das 12:00 as 13:00. ATENÇÃO: para quem participar das mobilizações, não esqueçam de registrar o ponto, pois estamos fazendo no nosso intervalo de almoço!

Nesse ponto, EMÍLIA autoriza, expressamente, os servidores a trocarem o horário de almoço para o intervalo das 11 às 12 horas e, no horário em que deveriam almoçar, fazerem campanha política. Depois, lembra a todos para registrarem o ponto, para demarcar que os atos de campanha ocorreriam no horário de almoço, o que, data vênia, é um engodo.

Ora, se o intervalo de almoço seria deslocado para outro horário, os atos de campanha foram, consequentemente, realizados durante o horário de expediente. E não se diga que ainda teriam meia hora livre para almoçar ao argumento de que a mobilização aconteceria das 12h às 13h, pois, obviamente, esse tempo seria consumido no percurso até os locais em que ocorreram os eventos, como rótula das cuias, Federasul e Largo da Epatur.

Seguiram-se outras postagens de Emília em horários de expediente, a saber:

18/10/2018 11:02 - +55 51 9694-2962: Bom dia pessoal! 12:00 hoje é rótula das cuias! Esperamos vcs!!!!

18/10/2018 17:46 - +55 51 9694-2962: Mobilização 18:00 na Epatur!! Quem puder ir!!! Vamossss

19/10/2018 10:15 - +55 51 9694-2962: Bom dia colegas!!!! Passando pra lembrar que hoje nossa mobilização das 12h as 13h é no Viaduto da Borges! Tá bonito! Vamos mostrar nossa força! Vamos juntos reeleger nosso governador!

19/10/2018 14:20 - +55 51 9694-2962: Boa tarde pessoal! Hoje 18:00 horas EPATUR novamente. Tá bonito demais!!

23/10/2018 10:57 - +55 51 9694-2962: Bom dia 23/10/2018 10:57 - +55 51 9694-2962: Lembrem-se que temos compromisso hoje

24/10/2018 11:18 - +55 51 9694-2962: Bom dia pessoal, com mais força e união! Hoje 12 horas é Rótula das Cuias. Um pequeno grupo dará uma volta em ruas próximas, para abordagem de eleitores. Quem se sente confortável para este trabalho e gosta desta parte, poderá ir junto, os demais permanecem mobilizados com bandeiras na rótula.

24/10/2018 11:18 - +55 51 9694-2962: AGORA É A HORA!!!! 24/10/2018 11:18 - +55 51 9694-2962: VAMOS VIRAR! 24/10/2018 11:18 - +55 51 9694-2962: COM QUEM PODEMOS CONTAR????? 24/10/2018 11:19 - +55 51 9694-2962: LEMBRANDO: temos somente mais hoje, amanhã, sexta, sábado e domingo!

24/10/2018 16:21 - +55 51 9694-2962: Otimo Gabriel! Entendemos que de tardezinha o pessoal q não é de Poa vai pras suas cidades trabalhar 24/10/2018 16:23 - +55 51 9694-2962: Quem for de Poa e desta região q vamos nos mobilizar, faz um esforço e vai com a gente! Meia horinha! Tudo é válido! Este é o momento! FALTAM POUCOS DIAS!!!!

24/10/2018 17:30 - +55 51 9694-2962: Vou de uber até ali, quem quiser ir junto só me avisar!!!! 24/10/2018 17:30 - +55 51 9694-2962: Vamos

25/10/2018 14:23 - +55 51 9694-2962: Muuuuito obrigada ao pessoal de sempre, que mais uma vez esteve junto!!! A gente sabe que está no caminho certo!!! Vamossss 25/10/2018 14:23 - +55 51 9694-2962: Hoje 18:00 é na Ipiranga com a Silva Só!!! Conto com vcs!!!!

26/10/2018 10:42 - +55 51 9694-2962: 12 hrs atrás da Escolinha do CAFF

26/10/2018 10:47 - +55 51 9694-2962: 1 - Emilia 2 - Fernanda 3 - Rafael 4 - Ana Paula 5 - Pingo 6 - Gabi 7 - Dionatan 8 - Paulo 9 - Lucídio 10 - Alicia 26/10/2018 11:19 - Luiz Carlos ASCOM: Luiz Cláudio Farias

Anoto que, além de Emília estar praticando atos de campanha eleitoral dentro da Secretaria, em horário de expediente, estava mobilizando os colegas para que fizessem o mesmo. Aliás, inclusive quando estava afastada do trabalho, gozando férias, seguia com a prática de abordar e aliciar colegas, para que se engajassem na campanha eleitoral.

As condutas vedadas, como referido anteriormente, têm natureza objetiva, razão pela qual não há espaço para maiores reflexões: EMÍLIA praticou a conduta vedada do art. 73, inc. III, da Lei Eleitoral à medida que cedeu o próprio serviço à campanha dos dois primeiros representados, SARTORI e CAIROLI, e, na condição de chefe de gabinete da Secretaria, cooptou o serviço de outros funcionários, em detrimento do serviço público.

Nesse sentido, a jurisprudência:

EMENTA - ELEIÇÕES 2016 - RECURSO ELEITORAL - AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL - ABUSO DE PODER ECONÔMICO E POLÍTICO - DEMANDA JULGADA IMPROCEDENTE - CONFIGURAÇÃO DE CONDUTAS VEDADAS AOS AGENTES PÚBLICOS - POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DE SANÇÃO EM SEDE DE AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL - EXISTÊNCIA DE PEDIDO DE APLICAÇÃO DE MULTA - APLICAÇÃO DA MÁXIMA DA MIHI FACTUM DABO TIBI IUS - VEICULAÇÃO DE PUBLICIDADE INSTITUCIONAL EM PERÍODO VEDADO - MANUTENÇÃO DE PLACAS DE PUBLICIDADE INSTITUCIONAL APÓS O PERÍODO DE TRÊS MESES ANTES DO PLEITO - CONFIGURAÇÃO DA CONDUTA VEDADA NO ARTIGO 73, VI, "B", DA LEI Nº 9.504/97 - UTILIZAÇÃO DE SERVIDORES PÚBLICOS PARA A REALIZAÇÃO DE PROPAGANDA ELEITORAL - VEICULAÇÃO DE PROPAGANDA VIA FACEBOOK NO HORÁRIO DE EXPEDIENTE - CONDUTA VEDADA NO ARTIGO 73, III, DA LEI Nº 9.504/97 CONFIGURADA - ALEGAÇÃO DE ABUSO DE PODER POLÍTICO - COMPRA DE APOIO POLÍTICO - CONJUNTO PROBATÓRIO FRÁGIL QUE NÃO DEMONSTRA A EXISTÊNCIA DO ILÍCITO - CONFIGURAÇÃO DA GRAVIDADE DA CONDUTA SE CONSIDERADAS AS ILÍCITUDES PERPETRADAS DURANTE O PERÍODO ELEITORAL EM CONJUNTO - AUSÊNCIA DE GRAVIDADE - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

(...)

5. A utilização de servidores públicos para a divulgação de propaganda eleitoral por meio da rede social Facebook durante o horário de expediente configura a conduta vedada no artigo 73, III, da Lei nº 9.504/97.

(...)

7. Recurso parcialmente provido para o fim de condenar os recorridos pela prática das condutas vedadas no artigo 73, III e VI, "b", da Lei nº 9.504/97.

(RECURSO ELEITORAL n. 29293, ACÓRDÃO n. 53169 de 03.7.2017, Relator NICOLAU KONKEL JÚNIOR, Publicação: DJ - Diário de justiça, Data: 07.7.2017.)

EMENTA - RECURSO ELEITORAL. REPRESENTAÇÃO ESPECÍFICA. PRELIMINAR. NULIDADE DA SENTENÇA. EMPREGO DE CONCEITOS JURÍDICOS INDETERMINADOS, SEM EXPLICAÇÃO QUANTO AO MOTIVO CONCRETO DE SUA INCIDÊNCIA NO CASO. REJEIÇÃO. CONDUTA VEDADA. CESSÃO DE BENS MÓVEIS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E CESSÃO DE SERVIDOR PÚBLICO EM PROL DE CAMPANHA. LEI 9.504/1997, ART. 73, I E III. ALEGAÇÃO DE POSTAGEM DE PROPAGANDA ELEITORAL EM HORÁRIO DE EXPEDIENTE. CONFIGURAÇÃO. EXCEÇÃO QUANTO AO SERVIDOR PÚBLICO EM GOZO DE FÉRIAS. CIRCUNSTÂNCIAS QUE REVELAM O PRÉVIO CONHECIMENTO DOS BENEFICIÁRIOS. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.

1. Não é nula a sentença se esta contém a análise das questões de fato e de direito, ainda que o exame das provas tenha operado em desconformidade com o entendimento da parte.

2. O art. 73, III da Lei nº 9.504/1997 veda a cessão do servidor público em favor de campanha eleitoral, salvo se estiver licenciado, ressalva que se estende ao gozo de férias, folgas, descansos etc.

3. O que a lei proíbe é a atividade de campanha política do servidor enquanto deva estar prestando serviço público para o qual é remunerado.

4. Demonstrado que um dos servidores se encontrava em férias no período em que participou de atividades de campanha, resta afastada a hipótese de conduta vedada a seu respeito.

5. Eventual irregularidade do ato administrativo deve ser demonstrada de plano pelo representante, dado o restrito âmbito cognitivo da representação, máxime porque a legalidade do ato se presume.

6. Caracterizada a conduta vedada do art. 73, III da Lei nº 9.504/1997 quando servidores públicos compartilham material de campanha do Prefeito e candidato à reeleição em horário de expediente.

7. Nos termos da jurisprudência do TSE, é imprescindível a comprovação do prévio conhecimento do candidato beneficiado pela conduta vedada, não podendo haver responsabilidade com base em presunção. Precedentes.

8.Na espécie, as circunstâncias demonstram o prévio conhecimento dos beneficiários acerca da conduta vedada praticada.

9.A multa pelo cometimento de conduta vedada deve ser aplicada com razoabilidade e proporcionalidade.

10.Recurso conhecido e parcialmente provido.

(RECURSO ELEITORAL n 20847, ACÓRDÃO n 53016 de 15.5.2017, Relator ROBERTO RIBAS TAVARNARO, Publicação: DJ - Diário de justiça, Data 19.5.2017.)

Logo, configurada a prática de conduta vedada, cabendo apenas a análise quanto à responsabilização de cada um dos representados, o que será feito em tópico próprio.

I.2. Da venda dos convites em horário de expediente

Da mesma forma como os atos de campanha praticados no contexto do grupo de WhatsApp incidiram em conduta vedada, entendo que o oferecimento de convites para jantares a servidores, também durante o horário de expediente, feito por EMÍLIA e diretores de departamentos, configuram a mesma ilicitude.

Sobre esse ponto, a testemunha Luciane Mancuso declarou que estava substituindo o chefe como diretora administrativa, ocasião em que recebeu de Emília cerca de dez ou doze convites de R$ 500,00 para repassar aos subordinados. Disse que, na divisão em que trabalha, havia cinco colegas ocupantes de cargos em comissão, os quais eram bem ativos na campanha e estavam preocupados em não adquirir os convites, tendo se juntado a eles para compra de, pelo menos, um. Eram em cinco e cada um deu R$ 100,00 (ID 2205833).

A testemunha Samuel dos Santos Pasqualini afirmou ter sido chamado na diretoria administrativa, durante o horário de expediente, ocasião em teria recebido um convite para o primeiro jantar em prol da campanha de Sartori (ID 2205983).

Outra testemunha, Bianca da Cunha Veríssimo, disse que no setor em que trabalha – patrimônio – não foram entregues convites, por ser pequeno, mas nos maiores foram; que no dia do convite de um mil reais, todos ficaram em choque e que quando chegou o convite de R$ 500,00 a sua chefe organizou uma “vaquinha” para poder comprá-lo (IDs 2206383 e 2206333).

Veja-se que, do depoimento das testemunhas, se depreende claramente que os convites foram oferecidos e comercializados dentro da Secretaria, em pleno horário de expediente, fato que caracteriza o uso de servidor público para comitês de campanha eleitoral de candidato, partido político ou coligação, vedado pela legislação eleitoral.

A própria defesa, em sede de alegações finais, aduz que os convites eram entregues aos diretores de departamento e estes tinham o condão de oferecer aos servidores, não restando dúvida de que a Chefe de Gabinete EMÍLIA, conforme relato da testemunha Luciana Mancuso, e os diretores de departamento serviram-se das instalações da Secretaria para praticar atos de campanha eleitoral, comercializando convites para jantares em prol dos candidatos que apoiavam (ID 2342833).

I.3. Da participação da representada SUSANA

A responsabilidade da representada SUSANA resta configurada, tanto em relação ao grupo de WhatsApp quanto à venda de convites.

A representada EMÍLIA, chefe de gabinete da Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Ciência e Tecnologia do Estado, declarou, em juízo, ter criado o grupo “Mobilização SDECT” a pedido de SUSANA, que era administradora do grupo, juntamente com EMÍLIA e outras duas colegas (ID 2206483 e 2206433).

Muito embora as testemunhas tenham dito que SUSANA participava pouco do grupo, é inequívoca a sua responsabilidade, uma vez que, como integrante, tinha pleno conhecimento do conteúdo das mensagens postadas em horário de expediente. Assim, na condição de titular da pasta, superior hierárquica de EMÍLIA, tinha a obrigação de coibir tais práticas.

Ao contrário, não só anuiu com a conduta como, é certo, autorizou, pelo menos tacitamente, a mudança de horário de almoço, para que os servidores pudessem participar dos “bandeiraços” e de outros eventos no horário das 12 h às 13 h. No melhor dos cenários, que igualmente não a socorre, omitiu-se, quando deveria ter agido de acordo com a legislação eleitoral e com as normas expedidas pelo próprio chefe do executivo – Ordem de Serviço n. 001/2018, alterada pela de n. 004/2019 (ID 1915683 e 1915733).

No que tange à venda de convites para jantares, por outro lado, embora seja pouco provável que SUSANA, dada sua condição de integrante do primeiro escalão do governo, obviamente engajada na campanha de reeleição do então governador, desconhecesse os fatos ocorridos no âmbito da pasta da qual era titular; mormente, considerando o alvoroço que os valores – de R$ 500,00 e de R$ 1.000,00 – causaram entre os detentores de cargos em comissão e de funções gratificadas, a quem eram oferecidos os tais ingressos, o acervo dos autos não contém prova segura de sua participação e/ou ciência dos fatos.

I.4. Das responsabilidades de SARTORI E CAIROLI

Conforme afirmado por EMÍLIA, em seu depoimento (ID 2206433 e 2206483), os representados SARTORI e CAIROLI não participavam do grupo. A testemunha Luciane Mancuso, arrolada pelo próprio autor da ação, também afirmou, de modo seguro, que o grupo era formado por funcionários da Secretaria, detentores de cargos em comissão ou função gratificada (ID 2205833).

Tais afirmativas mostram-se absolutamente coerentes, pois, de fato, causaria até estranheza que o governador e seu vice, atribulados com as atividades inerentes aos cargos e à campanha à reeleição, tivessem disponibilidade para participar de grupos de WhatsApp com funcionários de secretarias.

Ademais, da análise das próprias conversas, conforme dados extraídos do celular da testemunha Sílvia Ortolan (ID 2237783), não se verifica, em nenhum momento, indícios de que SARTORI e CAIROLI tinham conhecimento da existência de tal grupo.

Nesse contexto, não se verifica a responsabilidade dos representados SARTORI e CAIROLI pelas condutas vedadas, os quais poderiam, em tese, ser penalizados na condição de meros beneficiários, nos termos do art. 73, § 8º, da Lei n. 9.504/97, verbis: aplicam-se as sanções do § 4º aos agentes públicos responsáveis pelas condutas vedadas e aos partidos, coligações e candidatos que delas se beneficiarem.

Todavia, o Tribunal Superior Eleitoral sedimentou o entendimento de que o favorecimento do candidato, por si só, não pode acarretar sua responsabilização objetiva, devendo ser analisada, no caso concreto, a sua efetiva participação ou, no mínimo, ciência dos fatos.

Para ilustrar, colaciono as ementas dos seguintes julgados do TSE:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PUBLICIDADE INSTITUCIONAL EM PERÍODO VEDADO. ART. 73, VI, b, DA LEI 9.504/97. COLOCAÇÃO DE PLACAS E PINTURAS EM BEM PÚBLICO. CONDUTA DA GESTÃO ANTERIOR. PRÉVIO CONHECIMENTO E RESPONSABILIDADE DOS AGRAVADOS NÃO DEMONSTRADOS. AGRAVO DESPROVIDO.

1. A responsabilização do beneficiário pela conduta vedada do art. 73, VI, b, da Lei 9.504/97 - publicidade institucional em período vedado nos três meses que antecedem o pleito - requer prova de seu conhecimento prévio acerca do ilícito. Precedentes.

2. Na espécie, além de a propaganda ter sido realizada pela administração anterior, é incontroverso que o agravado, ao assumir o cargo de governador do Piauí, editou decretos visando coibir a prática.

3. Concluir pela ciência prévia do agravado acerca dos ilícitos demandaria reexame de fatos e provas, o que é vedado em sede extraordinária, a teor da Súmula 24/TSE. 4. Agravo regimental desprovido.

(TSE - RESPE n. 56651 BRASÍLIA - DF, Relator: Min. Jorge Mussi, Data de Julgamento: 22.02.18, Data de Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 62, Data: 02.4.18, pp. 79-80.) (Grifei.)

ELEIÇÕES 2014. REPRESENTAÇÃO POR CONDUTA VEDADA. TIPO DO ART. 73, VI, b, DA LEI Nº 9.504/97. PRELIMINARES. ILEGITIMIDADE PASSIVA. INÉPCIA DA PETIÇÃO INICIAL. REJEIÇÃO. VEICULAÇÃO DE PROPAGANDA INSTITUCIONAL EM PERÍODO VEDADO. RESPONSABILIDADE OMISSIVA DA PRESIDENTE DA PETROBRAS. PROCEDÊNCIA DA REPRESENTAÇÃO. DEMAIS REPRESENTADOS. IMPROCEDÊNCIA. AUSÊNCIA DE PROVAS DE AUTORIZAÇÃO E/OU DE PRÉVIO CONHECIMENTO. INCOMPETÊNCIA PARA INTERVIR OU EXERCER CONTROLE NA PUBLICIDADE. PRECEDENTE ESPECÍFICO DO TSE: RP nº 778-73, REL. MIN. ADMAR GONZAGA. SOLUÇÃO EQUIVALENTE. FIXAÇÃO DA MULTA, IN CASU, EM PATAMAR INTERMEDIÁRIO. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE.

1. Impõe-se a rejeição das preliminares de ilegitimidade passiva e de inépcia da petição inicial, em razão, respectivamente, da Teoria da Asserção e da presença dos elementos necessários indicados na lei processual.

2. Caracteriza infração ao disposto no art. 73, inciso VI, alínea b, da Lei nº 9.504/97, a realização, em período crítico, de publicidade de produto não determinado, sem que se permita a clara compreensão sobre sua concorrência em mercado.

3. Responsabilidade da Presidente da Petrobras, porquanto, à luz dos elementos constantes dos autos, teve o controle da divulgação da peça publicitária irregular.

4. A indispensabilidade da comprovação de autorização ou prévio conhecimento dos beneficiários, quanto à veiculação de propaganda institucional em período vedado, afasta a procedência da representação em relação aos representados candidatos a cargos políticos.

5. Ausência de prova de participação do Ministro da Secretaria de Comunicação Social, cuja competência (genérica) para intervir ou exercer controle na publicidade da Petrobras não se mostra suficiente para alicerçar a respectiva condenação.

6. Precedente específico do Tribunal Superior Eleitoral: Rp nº 778-73, Rel. Min. Admar Gonzaga, julgada e publicada na Sessão de 3.9.2014.

7. Aplicação, in casu, de multa pecuniária a Maria das Graças Silva Foster, nos termos do art. 73, § 4º, da Lei das Eleicoes, em patamar intermediário, equivalente a 50.000 UFIRs, em atenção ao princípio da proporcionalidade.

8. Representação parcialmente procedente.

(TSE - RP n. 82802 DF, Relator: Min. TARCISIO VIEIRA DE CARVALHO NETO, Data de Julgamento: 11.9.14, Data de Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 184, Data: 01.10.14, pp. 24-25.) (Grifei.)

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. ART. 73, INCISO VI, ALÍNEA b, DA LEI Nº 9.504/97. CONDUTA VEDADA. PROPAGANDA INSTITUCIONAL. PRÉVIO CONHECIMENTO. BENEFICIÁRIO. RECURSO PROVIDO.

1. Para a conduta vedada prevista na alínea b do inciso VI do art. 73 da Lei nº 9.504/97, há que ser comprovado o prévio conhecimento do beneficiário. Precedentes.

2. Não é dado ao julgador aplicar a penalidade por presunção, já que do beneficiário não se exige, obviamente, a prova do fato negativo.

3. Recurso especial provido.

(Recurso Especial Eleitoral n. 49805, Acórdão de 01.10.14, Relatora Min. MARIA THEREZA ROCHA DE ASSIS MOURA, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 195, Data: 16.10.14, pp. 45-46.) (Grifei.)

Alinhando-se ao entendimento daquela Corte Superior, este Colegiado, em recente apreciação da matéria, afastou a responsabilização de candidatos e coligações cuja participação nos fatos - e/ou ciência - não restou comprovada:

REPRESENTAÇÕES. CONDUTAS VEDADAS A AGENTES PÚBLICOS. ART. 73, INC. I, DO CÓDIGO ELEITORAL. JULGAMENTO CONJUNTO. DEPUTADOS FEDERAIS REELEITOS. PREFEITOS. SECRETÁRIO MUNICIPAL. ELEIÇÕES 2018. REJEITADA A PRELIMINAR DE NÃO INCIDÊNCIA DO INC. I DO ART. 73 DA LEI N. 9.504/97 SOBRE FATO OCORRIDO ANTES DOS PEDIDOS DE REGISTRO DE CANDIDATURA. MÉRITO. DIVULGAÇÃO DE PUBLICIDADE PARA VINCULAR A AQUISIÇÃO DE BEM PÚBLICO A CANDIDATOS AO PLEITO. DEMONSTRADA A RESPONSABILIDADE DE SECRETÁRIO MUNICIPAL. AUSENTES REQUISITOS PARA A CARACTERIZAÇÃO DA PRÁTICA ILÍCITA QUANTO AOS DEMAIS REPRESENTADOS.

1. Preliminar rejeitada por carência de amparo legal. A conduta vedada prevista no art. 73, inc. I, da Lei n.9.504/97 pode ser configurada mesmo antes do pedido de registro de candidatura, ou seja, anteriormente ao denominado período eleitoral.

2. Veiculação de nomes de candidatos representados, em faixas afixadas em máquinas adquiridas pela municipalidade e expostas em praça pública, em razão de sua contribuição por meio de emenda parlamentar.

3. Reconhecida a utilização de bens públicos em benefício dos candidatos perante o eleitorado, quebrando a isonomia e desequilibrando a disputa eleitoral. Entretanto, para a caracterização da conduta vedada descrita no art. 73, inc. I, da Lei n. 9.504/97, a jurisprudência estabeleceu a necessidade de demonstração de que os agentes públicos, juntamente dos candidatos beneficiados, tinham prévio conhecimento do fato, ainda que na forma de ciência ou anuência, mesmo que tácita. Não basta, para a imposição de penalidade por prática da conduta vedada, relativa ao uso de bem público para promover candidaturas, a mera condição de beneficiários da infração.

4. Demonstrada unicamente a responsabilidade de Secretário Municipal pela veiculação dos cartazes impugnados, impondo sua condenação ao pagamento da multa mínima prevista no art. 73, inc. I, § 4º, da Lei n. 9.504/97. Ausentes provas para a condenação dos demais representados.

5. Improcedência da Rp n. 0603543-41. Parcial procedência da Rp n. 0603544-26.

(Rp n. 0603543-41, DES. ELEITORAL MIGUEL ANTÔNIO SILVEIRA RAMOS, julgado em 17.6.2019, publicado no DEJERS em 01.7.2019.) (Grifei.)

RECURSO. REPRESENTAÇÃO. CONDUTA VEDADA A AGENTE PÚBLICO. DIVULGAÇÃO DE PUBLICIDADE INSTITUCIONAL EM PERÍODO VEDADO. ART. 73, INC. VI, AL. “b”, DA LEI N. 9.504/97. MULTA. MATÉRIA PRELIMINAR AFASTADA. SUSPEIÇÃO DA MAGISTRADA. ILEGITIMIDADE PASSIVA DA CANDIDATA. MÉRITO. NÃO DEMONSTRADO O PRÉVIO CONHECIMENTO OU ANUÊNCIA DAS RECORRENTES. IMPROCEDÊNCIA. PROVIMENTO.

1. Matéria preliminar rejeitada. 1.1. Inexistência de prova da alegada parcialidade da magistrada. Tampouco caracterizada, nas relações enumeradas na arguição, qualquer das hipóteses de suspeição previstas nos incisos do art. 145 do Código de Processo Civil. Instituto que exige prova induvidosa e convincente do preenchimento da moldura legal, não sendo admitidas meras presunções ou interpretações ampliativas. 1.2. Por reflexo do princípio da unicidade da chapa majoritária, a candidata a vice-prefeita era uma das hipotéticas beneficiárias da conduta tida como irregular, supostamente realizada pelo então prefeito e candidato à reeleição, o que a coloca em posição de legitimada passiva de representação por conduta vedada, por dicção expressa do art. 73, §§ 4º e 8º, da Lei n. 9.504/97.

2. Incontroversa a publicação pelo então prefeito e candidato à reeleição, durante o período vedado, de publicidade institucional, em jornais locais, a qual propalava a aquisição de usina de asfalto para o patrimônio público municipal. Veiculação proibida nos três meses que antecedem ao pleito, ainda que seu conteúdo tenha caráter informativo, educativo ou de orientação social, conforme o disposto no art. 73, inc. VI, al. "b", da Lei n. 9.504/97. Ilicitude caracterizada independentemente da verificação de eventual promoção da imagem de autoridades ou mesmo da intenção ou finalidade eleitoreira da conduta.

3. Entendimento do Tribunal Superior Eleitoral no sentido de que a responsabilidade por conduta vedada não pode ser presumida pelo simples fato de a candidata ou coligação terem sido favorecidas pela conduta levada a efeito por terceiro, sendo indispensável elementos concretos que fundamentem eventual sancionamento das beneficiárias. Inexistência, no conjunto probatório, de qualquer elemento que embase a convicção acerca do prévio conhecimento, da anuência ou da ingerência das recorrentes sobre os expedientes publicitários autorizados pelo então prefeito. Inviável o juízo de procedência da demanda.

4. Provimento.

(RE n. 340-41, ACÓRDÃO n. 53016 de 15.5.2017, Relator DES. FEDERAL CARLOS EDUARDO THOMPSON FLORES LENZ julgado em 01.8.2019.) (Grifei.)

Assim, embora sejam partes legítimas para figurar no polo passivo da demanda, diferentemente do alegado em preliminar, inexistem elementos para configurar a responsabilidade dos representados SARTORI e CAIROLI, devendo ser julgada improcedente a demanda em relação a eles.

II. Do abuso de autoridade:

Sustenta o investigante que os servidores sob o comando da secretária de Estado, e de sua chefe de gabinete, ainda que não tenham sido explicitamente forçados a integrar a campanha de Sartori, tinham pouca liberdade para dizer não, já que são variadas as formas de pressão num ambiente dessa natureza.

Diz que as representadas SUSANA e EMÍLIA incorreram em abuso de autoridade, consistente no constrangimento imposto a servidores subordinados a praticarem atos de campanha eleitoral e adquirirem convites para jantares; que tal conduta configuraria assédio moral, de coação velada, “que exigiria muita ousadia do servidor para ser desafiada”.

É fato incontroverso que os servidores ocupantes de cargos comissionados e detentores de funções gratificadas – ou seja, servidores de livre nomeação e exoneração – foram incluídos num grupo de WhatsApp denominado Mobilização SEDCT, sem consulta prévia, e receberam convites para jantares, nos valores de R$ 500,00 e R$ 1.000,00, visando à arrecadação de fundos para a campanha à reeleição de SARTORI e CAIROLI.

Controversa, porém, a existência de coação ou constrangimento (“pressão”) sobre servidores com o fim de forçar a sua participação na campanha eleitoral e adquirir ingressos, sob ameaça velada de perda de cargos e funções, fato que caracterizaria, caso comprovado, abuso do poder de autoridade.

Anoto que não há, nos autos, notícia de exoneração ou represália a servidores por conta de não participação na campanha eleitoral. Ao contrário, a primeira pessoa a ser exonerada, no final de novembro, foi justamente um servidor que teria feito empréstimo para adquirir um convite de R$ 1.000,00, segundo referido pela testemunha Luciane Mancuso (ID 2205833), o que demonstra inexistir correlação entre a compra de convite e a manutenção do emprego ou função.

Cátia de Oliveira da Costa, servidora concursada, técnica, sem vinculação partidária, detentora da função gratificada de coordenadora substituta do departamento jurídico, disse que não sabe se alguém teria sido demitido do cargo ou da função por não ter participado das mobilizações, bem ainda que nunca se sentiu coagida ou ameaçada em face da campanha eleitoral (ID 2205183).

Leonardo Holzmann Neves, administrador, concursado, com função gratificada (FG) de diretor adjunto, disse que foi incluído no grupo, mas não teve participação ativa, e que não se sentiu coagido, porque sempre fez um trabalho técnico, e não tem vinculação partidária; que não tem conhecimento de que alguém tenha sido demitido em razão da não participação em bandeiraços ou jantares; que teve contato com colegas que relataram a sua insatisfação com a inclusão no grupo, mas não tem notícia sobre eventual desconforto a respeito dos convites para jantar ou dos respectivos valores (ID 2205233).

Lizette Maria Nique, filiada ao partido Cidadania, ocupante de cargo em comissão, foi incluída no grupo logo no início; não participou das mobilizações nem dos jantares, não foi pressionada; não tem conhecimento de que alguém tenha sido demitido por não ter comprado os convites; permanece no cargo até hoje; nunca ficou sabendo de alguém que tenha sido incluído no grupo de forma não voluntária (ID 2205733).

Luciane Mancuso, sem vinculação partidária, declarou que, durante o período das eleições 2018, trabalhava na Secretaria de Ciência e Tecnologia, no departamento administrativo, e detinha uma FG de chefe de divisão. Informou que foi adicionada no grupo de WhatsApp pela chefe de gabinete, Emília, sem ter sido consultada previamente. Aduziu que tal grupo era formado por detentores de cargo em comissão ou servidores que possuíam FG; que alguns colegas saíram do grupo e foram contatados por Emília, que os instou a voltar, sendo que alguns retornaram, outros não; que não sabe de ameaça ou pressão; que não saiu do grupo, ficou observando. Afirmou, ainda, que recebia notificações de mensagens o tempo todo e acabou silenciando o aplicativo; que recebeu convite duas vezes para comprar ingresso para jantar. Disse que não comprou o primeiro até porque é apartidária e não tinha a menor possibilidade de comprar um convite de mil reais. Por ocasião do segundo jantar, acrescentou, quando estava substituindo o chefe como diretora administrativa, recebeu de Emília cerca de dez ou doze convites de R$ 500,00 para repassar aos subordinados. Esclareceu que na divisão em que trabalha existiam cinco CCs, os quais eram bem ativos na campanha e estavam preocupados pela não aquisição de convites, então acabou se juntando aos seus subordinados para compra de, pelo menos, um convite. Tanto ela quanto os colegas experimentaram uma sensação de desconforto quando receberam a oferta dos convites. Quando recebeu os convites para vender, perguntou à Emília como deveria abordar os colegas. Sentiu-se numa saia justa, pois o cargo em comissão é de livre nomeação e exoneração, e as pessoas têm consciência disso. Não questionou o motivo pelo qual as pessoas saíram do grupo, mas provavelmente foi porque não concordavam com o seu objetivo. Afirmou que ninguém foi demitido por não ter participado do grupo de bandeiraço ou por não ter comprado convite, mas sabe de um colega que fez um empréstimo de R$ 1.000,00 no Banrisul, a fim de adquirir um ingresso para o jantar e foi o primeiro a ser exonerado, no final de novembro. Declarou, ainda, que Emília não lhe disse que os servidores tinham obrigação de comprar o convite (ID 2205833).

Samuel dos Santos Pasqualini, cargo de confiança, informou que trabalhava na divisão de informática no departamento administrativo da secretaria. Que, ao ser incluído no grupo, viu do que se tratava e saiu, sendo que, um ou dois dias depois, a chefe de gabinete lhe chamou no WhatsApp e perguntou se poderia incluí-lo novamente, ao que respondeu que não gostaria. Então, prosseguiu, foi questionado se era contra a reeleição de Sartori, ao que respondeu que não, que poderiam contar com ele, mas não queria participar do grupo, não mais sendo abordado. Disse, ainda, que foi chamado na diretoria administrativa e recebeu um convite para o jantar de campanha do Sartori, durante o horário de expediente. Declarou ter ficado um tanto inseguro sobre o que fazer, mas devolveu o convite. Disse que ficou sabendo do segundo jantar, mas para esse não recebeu convite e que, pelo que sabe, todos os colegas detentores de CC ou FG receberam, sendo que alguns compraram; pelos comentários que ouviu dos colegas, eles ficaram chocados; um colega fez empréstimo para comprar um convite de mil reais (ID 2205983).

Graziela Porto Silva, relações públicas, sem filiação partidária, declarou que trabalhava como cargo em comissão na SDCET nas eleições de 2018 e que foi incluída no grupo, através do seu celular particular, no qual se manifestou uma única vez, prometendo fazer-se mais presente quando retornasse de viagem, mas nunca se fez efetivamente presente. Informou que o grupo estava sempre no silencioso, razão pela qual não sabia o que acontecia, exceto pelo que um colega lhe contava a respeito da campanha. Afirmou ter comprado um convite para não se indispor, pois qualquer melindre lhe incomoda, mas não foi ao jantar. Teria pago, qualquer que fosse o partido, pois não gosta de embates. Sentiu-se à vontade para comprar o ingresso sem participar do jantar porque, pelo que conhecia de sua  diretora, na época, não lhe parecia uma pessoa que iria lhe tiranizar por causa disso. Acrescentou que só ficou sabendo de pessoas incomodadas com a situação através de conversas de corredor, pois, na sua sala, o único colega CC estava engajado, de corpo e alma, na campanha. Disse ter ficado sabendo de pessoas insatisfeitas, que não contavam com aquele gasto, outras tiraram “empréstimo minuto” e alguns dividiram o valor do convite. Declarou não saber se alguém foi demitido por não ter participado dos atos de campanha e que, apesar de não ter comparecido aos bandeiraços, é ocupante de cargo em comissão até hoje (ID 2206133).

Bianca da Cunha Veríssimo, funcionária pública concursada, declarou ser filiada há muitos anos a partido político, que ganha FG desde a metade do governo Sartori e que não recebeu convite para participar da campanha eleitoral. Informou ter participado do grupo, no qual foi incluída por Emília, sem ser consultada. Afirmou que ficou no grupo, mas pouco interagia; que algumas pessoas saíam, mas não sabe se quem saiu foi cobrado a voltar. Acrescentou que Gustavo, cujo nome estava salvo na sua agenda, saiu e retornou, mas não sabe quem mais saiu, porque só aparecia o número do telefone. Informou que, no setor em que trabalha, patrimônio, não foram entregues convites, pois é um setor pequeno, mas que nos maiores foram. Declarou que, no dia do convite de mil reais, todos ficaram em choque e que, quando chegou o convite de R$ 500,00, a sua chefe fez uma “vaquinha” para adquiri-lo. Disse não ter se sentido pressionada a comprar convite, apenas se sentiria se todos participassem, exceto ela. Afirmou que quem não tinha dinheiro simplesmente não comprou, e que não chegou a ser questionada sobre o porquê não participava de eventos. Por fim, declarou que o setor de recursos humanos tinha o número de celular de todos porque recebiam gratificação para estarem disponíveis (ID 2206383 e 2206333) .

Sílvia Ortolan, secretária-executiva do Cluster de tecnologias para a saúde no Departamento de Promoção Comercial e Assuntos Internacionais da Secretaria, detentora da FG de coordenadora, informou que recebeu convite para participar de campanha eleitoral em favor de Sartori, por meio do grupo de WhatsApp; que não pediu para ser incluída e não tentou sair do grupo. Declarou, também, que não era participante assídua, e que não se considerava nem a favor nem contra a reeleição de Sartori e, por isso, não participava dos eventos que eram divulgados no grupo, pois não queria se expor, uma vez que, a cada gestão, tem um chefe diferente. Acrescentou ter ficado surpresa e, em alguns momentos, incomodada com a sua inclusão no grupo, porque as negativas aos convites lhe causavam constrangimento e que, no seu entender, se criou uma sensação de temor em todos os participantes, uma vez que somente cargos em comissão e detentores de FG estavam no grupo, mas que nunca se sentiu pessoalmente ameaçada pois a sua FG era merecida pelo trabalho que desempenhava e não por vinculação política. Relatou que, de maneira geral, houve um descontentamento dos colegas que foram incluídos no grupo sem consentimento prévio. Aduziu que não recebeu convites para os jantares, mas sabe de colegas que receberam e pagaram, e que tomou conhecimento acerca de reclamações sobre os valores dos convites, mas não diretamente para ela. Que sabe de uma cotização para comprar os convites por colegas que não tinham dinheiro para compra individual. Afirmou, ainda, não ter conhecimento de colega que tenha se sentido coagido ou pressionado a adquirir convite ou participar da campanha, mas que, de maneira geral, os colegas se sentiram pressionados e, de certa forma, com medo de perder a função, por serem detentores de cargos demissíveis ad nutum. Disse, por fim, não ter conhecimento de servidor que tenha sido demitido por não participar da campanha (ID 2206583 e 2206533).

Por sua vez, a representada EMÍLIA, chefe de gabinete, ocupante de cargo em comissão, declarou ter participado da campanha porque acreditava nela. Acrescentou que criou o grupo “Mobilização SDECT” a pedido de SUSANA, e que esta era uma das administradoras do grupo. Sobre os convites, disse que ninguém tinha obrigação de comprá-los e que não recebeu reclamações de servidores eventualmente descontentes, razão pela qual entendeu que não havia esse problema (ID 2206483 e 2206433).

Em resumo, pelo que se extrai dos relatos acima citados, alguns servidores sentiram-se desconfortáveis por terem sido incluídos no grupo de WhatsApp sem consulta prévia. Outros ficaram chocados com o valor dos convites. No entanto, verifica-se que quem deixou o grupo no modo silencioso, a exemplo de Graziela; quem saiu do grupo, como procedeu Samuel; quem não participou da campanha nem comprou convites para os jantares, como fizeram as testemunhas Sílvia, Lizette e Leonardo, não foi penalizado.

A testemunha Samuel disse que, quando saiu do grupo, foi questionado por EMÍLIA se era contra a reeleição de SARTORI, mas não parece que essa pergunta tenha sido feita em tom de ameaça, tanto que o próprio servidor ficou à vontade para, quando lhe ofereceram convite, devolvê-lo.

Compreende-se que possa ter ocorrido um receio, por parte dos servidores, de eventual penalização por não corresponderem às expectativas dos superiores hierárquicos, mas essa circunstância só foi relatada “por ouvir dizer”, por conversas de corredor de que outros colegas estariam receosos. O próprio servidor que, segundo a testemunha Luciane Mancuso, teria contraído um empréstimo de R$ 1.000,00 para adquirir um convite e que, portanto, poderia trazer outros elementos para o deslinde da questão, não foi sequer arrolado como testemunha.

De qualquer sorte, como referido pelos representados, esse desconforto decorria, pelo que se percebe, da prova produzida nos autos, de um sentimento íntimo dos servidores, não por atitudes ameaçadoras dos representados, mesmo na forma velada.

O Tribunal Superior Eleitoral, ao reformar acórdão deste TRE-RS em caso semelhante, o qual ficou conhecido como o “churrasco salgado”, guardadas as devidas proporções, entendeu ter, no máximo, ocorrido uma situação de desconforto ou, quando muito, um temor reverencial.

Naqueles autos, ficou consignado pelo Ministro relator, ainda, que, mesmo que eventualmente algum convite tivesse sido comprado sob coação, haveria de ser feito um juízo de proporcionalidade entre o ilícito praticado e a sanção a ser imposta, o que, no caso concreto, afastaria a incidência de cassação de diploma, considerando o pequeno valor do convite no contexto de uma campanha para deputado estadual.

Para melhor compreensão, colaciono a ementa do referido julgado:

ELEIÇÕES 2014. RECURSO ORDINÁRIO. DEPUTADO ESTADUAL. ABUSO DE PODER. ART. 30-A DA LEI Nº 9.504/1997. INOCORRÊNCIA. CONDUTA VEDADA. MAJORAÇÃO DA MULTA. 1. Para afastar legalmente determinado mandato eletivo obtido nas urnas, compete à Justiça Eleitoral, com base na compreensão da reserva legal proporcional, verificar, com fundamento em provas robustas admitidas em direito, a existência de grave ilícito eleitoral suficiente para ensejar as severas e excepcionais sanções de cassação de diploma e de declaração de inelegibilidade.

2. O abuso do poder político qualifica-se quando a estrutura da administração pública é utilizada em benefício de determinada candidatura ou como forma de prejudicar a campanha de eventuais adversários, incluindo neste conceito quando a própria relação de hierarquia na estrutura da administração pública é colocada como forma de coagir servidores a aderir a esta ou aquela candidatura, pois, nos termos do art. 3º, alínea j, da Lei nº 4.898/1965, configura abuso de autoridade qualquer atentado "aos direitos e garantias legais assegurados ao exercício profissional".

2.1. Da leitura da vasta prova testemunhal e documental, verifica-se, com bastante clareza e coerência, que o deputado não ofereceu nenhum convite para os servidores da Assembleia, tampouco há referência à participação em reunião ou em encontros para tratar do tema com servidores com ou sem função gratificada, mas simplesmente concordou com a realização do jantar e com o preço fixado por convite, devidamente comprovado no processo de prestação de contas. Além disso, a realização de jantares de adesão pelos deputados é uma prática comum na Assembleia e sua realização foi devidamente comunicada à Justiça Eleitoral.

2.2. Suposta coação no oferecimento dos convites a servidores (eventual perda da função em caso de recusa na aquisição de convite do jantar). A prova testemunhal dos autos, produzida em juízo, indica uma situação de desconforto ou, quando muito, um temor reverencial. Nesse ponto, nos termos do art. 153 do Código Civil, não se qualifica como coação "a ameaça do exercício normal de um direito, nem o simples temor reverencial". O próprio servidor que teria sido demitido porque não comprou o convite esclarece que foi informado de que não seria obrigatória a compra do convite, o que se mostra coerente com as outras provas dos autos, inclusive com a baixa adesão ao jantar, pois, de 2.500 servidores da Assembleia Legislativa, apenas 19 com função compraram o convite do jantar (de um montante de 189 servidores com FG).

2.3. Realização de auditoria no Departamento de Gestão de Pessoas. É inegável que o segundo representado (Superintendente-Geral da Assembleia) falou sobre o tema na reunião sobre os convites para o jantar, mas pessoas participantes da referida reunião já sabiam que essa auditoria estava programada em momento anterior, como se verifica dos depoimentos das testemunhas. A lembrança inoportuna sobre a auditoria não ganha a qualificação de coação sobre os servidores presentes na reunião, muito menos de grave abuso de poder político, suficiente para se chegar à severa sanção de cassação de diploma de um deputado estadual. Some-se a isso a circunstância de que outras auditorias foram realizadas na Assembleia na gestão do representado, o que reforça a conclusão de que não se tratava de uma fiscalização pontual, mas apenas de um procedimento programado anteriormente com o fim de evitar gastos públicos desnecessários.

2.4. Demissão de servidor supostamente em razão da recusa em comprar o convite. O próprio servidor esclarece que foi informado de que não seria obrigatória a compra do convite, o que se mostra coerente com as outras provas dos autos e afasta a alegação de coação. E ainda: a prova dos autos não demonstra de forma robusta que a exoneração decorreu apenas do fato de o servidor não ter adquirido o convite, pois, além de outros servidores não terem comprado o convite e não terem perdido a função gratificada, o depoente enfatizou que a conclusão sobre sua demissão decorreria de "achismo".

3. Art. 30-A da Lei nº 9.504/1997.

3.1. Além de inexistir prova contundente e cabal de que todos ou alguns (e quais) convites foram adquiridos mediante grave coação, não há nos autos a tentativa de impedir a fiscalização da Justiça Eleitoral, a má-fé portanto, requisito indispensável para a incidência do art. 30-A da Lei das Eleições.

3.2. Ainda que se considere que um ou outro convite foi adquirido mediante grave coação (apenas como argumentação, reitere-se), a incidência da referida norma exige um juízo de proporcionalidade entre o ilícito praticado e a sanção a ser imposta, o que, no caso concreto, afastaria a incidência de cassação de diploma, considerando o pequeno valor do convite no contexto de uma campanha para deputado estadual (cf. o REspe nº 28.448/AM, redatora para o acórdão Min. Nancy Andrighi, julgado em 22.3.2012).

4. Condutas vedadas.

4.1. A cassação por conduta vedada, à semelhança do art. 30-A da Lei das Eleições, exige um juízo de proporcionalidade entre o ilícito praticado e a sanção a ser imposta. A cassação do diploma com fundamento nos incisos I (utilização de uma sala para reunião para tratar da questão dos convites) e V (suposta exoneração do servidor em período vedado) não se revela razoável ao concreto, mormente quando um dos fatos é absolutamente controverso nas provas dos autos (inciso V).

4.2. Art. 73, inciso III, da Lei das Eleições. A referida proibição alcança somente os servidores do Poder Executivo e não os do Legislativo (cf. o AgR-REspe nº 137472/RS, rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 1º.3.2016).

4.3. Majoração da multa com fundamento no inciso II. O Regional desconsiderou que o representado não era apenas deputado, mas presidente da Assembleia Legislativa, exigindo-se um cuidado maior no trato da coisa pública. E ainda: o valor da conduta vedada é representativo, levando-se em conta a própria remuneração do representado, razão pela qual a multa merece ser majorada. 5. Recursos ordinários dos representados providos. Recurso do MPE conhecido como ordinário e provido em parte. Recurso da Coligação desprovido. Prejudicada a AC nº 203-31/RS.

(Recurso Ordinário n. 265041, Acórdão, Relator Min. Gilmar Mendes, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 88, Data 08.5.2017, Página 124.)

No caso concreto, como já referido, um servidor teria feito empréstimo para comprar o convite, mas nem sequer foi ouvido como testemunha, não se sabendo, portanto, as suas motivações. Outros, é certo, fizeram vaquinha para compra de um convite, mas aqueles que decidiram não comprar não sofreram nenhuma retaliação.

Nesse diapasão é que estou externando meu convencimento pela não caracterização do abuso de autoridade imputado aos representados, uma vez que não restou provada a alegada coação aos servidores para que adquirissem convites ou participassem de eventos de campanha.

Do sancionamento.

Feitas essas considerações, e afastado o alegado abuso de poder, reputo adequada a aplicação de penalidade pecuniária às representadas EMÍLIA e SUSANA na condição de agentes públicos responsáveis pelas condutas vedadas.

De acordo com o § 4º do artigo afrontado, o descumprimento do nele disposto acarretará a suspensão imediata da conduta vedada, quando for o caso, e sujeitará os responsáveis à multa no valor de cinco a cem mil UFIR.

Anoto que os ilícitos ocorreram no âmbito da Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Ciência e Tecnologia do Estado do Rio Grande do Sul e alcançaram um grupo restrito de servidores – cerca de quarenta pessoas – ocupantes de cargos em comissão e detentores de função gratificada.

Assim, entendo plausível aplicar a sanção pecuniária no mínimo legal previsto no art. 73, § 4º, da Lei n. 9.504/97, equivalente a cinco mil UFIRs, a cada uma das representadas SUSANA KAKUTA e EMÍLIA ROVEDA LAUERMANN, procedendo à conversão para moeda corrente, nos termos da Resolução TSE n. 23.457/15, tendo em vista a extinção da UFIR desde o ano 2000, ocasião em que alcançou o valor de R$ 1,0641.

Dispositivo

Diante do exposto, afastada a matéria preliminar aventada pelos representados, VOTO pela improcedência da Representação, proposta pelo Ministério Público Eleitoral, em relação a JOSÉ IVO SARTORI e JOSÉ PAULO DORNELLES CAIROLI, e pela procedência parcial em relação a SUSANA KAKUTA e EMÍLIA ROVEDA LAUERMANN, para o fim de aplicar-lhes, individualmente, por infração ao art. 73, inc. III, da Lei n. 9.504/97, a multa prevista § 4º do citado artigo, no valor de cinco mil UFIRs – convertida para o montante de R$ 5.320,50 (cinco mil, trezentos e vinte reais e cinquenta centavos).