RE - 3598 - Sessão: 22/09/2020 às 14:00

RELATÓRIO

Cuida-se de recurso interposto pelo PARTIDO DEMOCRÁTICO TRABALHISTA (PDT) de SANTO ÂNGELO contra sentença do Juízo da 45ª Zona Eleitoral - Santo Ângelo (fls. 253-257), que desaprovou a prestação de contas da agremiação relativa ao exercício 2017, determinou a suspensão do repasse de quotas do Fundo Partidário pelo período de 6 (seis) meses e o recolhimento ao Tesouro Nacional dos valores provindos de fonte vedada, no montante de R$ 5.820,00, acrescidos de multa de 5% sobre a quantia irregular.

Em suas razões (fls. 263-269), o recorrente sustenta a constitucionalidade do art. 55-D da Lei n. 9.096/95, com a redação dada pela Lei n. 13.831, de 17 de maio de 2019, e o equívoco da decisão proferida por esta Corte nos autos do RE 35-92. Defende que o julgamento analisou matéria eleitoral tendo em conta mecanismos da legislação tributária e que a determinação de recolhimento de valores não constitui renda da União. Argumenta que a condenação não é certa, de modo que o reconhecimento da inconstitucionalidade viola a segurança jurídica, e que eventual devolução integrará o Fundo Partidário, o que revela que não se trata de receita da União. Aduz que o intuito da Lei n. 13.831/19 é possibilitar a higidez financeira dos partidos políticos e permitir o desenvolvimento de suas funções no estado democrático de direito. Requer a reforma da sentença e a aprovação das contas, mesmo com ressalvas, bem como a anistia da devolução dos recursos a que foi condenado.

Com contrarrazões (fls. 273-275), nesta instância, os autos foram com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que opinou pelo conhecimento e desprovimento do recurso (fls. 279-287).

É o breve relatório.

VOTO

Senhor Presidente,

Eminentes colegas:

O recurso é tempestivo e preenche os demais requisitos de admissibilidade, razão pela qual dele conheço.

Na hipótese, o recorrente insurge-se contra a declaração de inconstitucionalidade do art. 55-D da Lei n. 9.096/95, realizada nos autos do RE n. 35-92 e observada pelo juízo a quo nos fundamentos da sentença que desaprovou as contas do exercício. O recurso não questiona a existência das doações, os valores, a qualificação de autoridade dos doadores ou a existência ou não de filiação partidária, residindo a controvérsia tão somente na aplicabilidade da anistia sobre as quantias consideradas oriundas de fonte vedada.

Assim, delineados os limites recursais, cumpre reprisar que o julgamento questionado ficou assim ementado, no ponto que importa:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO DE 2015. DESAPROVAÇÃO. MATÉRIA PRELIMINAR ACOLHIDA. INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 55-D DA LEI N. 9.096/95, INCLUÍDO PELA LEI N. 13.831/19. MÉRITO. RECEBIMENTO DE RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA E DE FONTE VEDADA. PORCENTAGEM REPRESENTATIVA DAS IRREGULARIDADES DIANTE DA TOTALIDADE DOS RECURSOS ARRECADADOS NO PERÍODO. AFASTADA A APLICAÇÃO DOS POSTULADOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. MANUTENÇÃO DO JUÍZO DE DESAPROVAÇÃO. REDUZIDO O PERÍODO DE SUSPENSÃO DO FUNDO PARTIDÁRIO. AFASTADA A CONDIÇÃO DE QUE A SANÇÃO SUBSISTA ATÉ QUE OS ESCLARECIMENTOS SEJAM ACEITOS PELA JUSTIÇA ELEITORAL. PROVIMENTO PARCIAL.

1. Incidente de inconstitucionalidade suscitado pelo Procurador Regional Eleitoral. 1.1. O art. 55-D da Lei n. 9.096/95, norma legal objeto do aludido incidente, incluído pela Lei n. 13.831/19, assinala a anistia das devoluções, cobranças ou transferências ao Tesouro Nacional que tenham como causa as doações ou contribuições efetuadas, em anos anteriores, por servidores públicos os quais exerçam função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, desde que filiados a partido político. Ausência de notícia de que tenha havido oferecimento dos dados relativos à previsão de estimativa de impacto orçamentário e financeiro quando da tramitação da proposta legislativa prevendo a renúncia da receita. Omissão que afronta a exigência constitucional incluída pela EC n. 95/16 no art. 113 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. A legislação infraconstitucional igualmente exige seja comprovado o impacto orçamentário e financeiro à concessão de benefício que gere a diminuição de receita da União, nos termos do art. 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal e arts. 114 e 116 da Lei n. 13.707/18. 1.2. A anistia das verbas consideradas como oriundas de fontes vedadas - benefício instituído em causa própria e sem qualquer finalidade pública subjacente - atenta ao princípio da moralidade administrativa e desvirtua a natureza jurídica do instituto. 1.3. Vício de inconstitucionalidade formal e material. Acolhimento da preliminar. Afastada, no caso concreto, a aplicação do art. 55-D da Lei n. 9.096/95, incluído pela Lei n. 13.831/19. (...) (grifo nosso)

(...)

(TRE/RS, Incidente de Arguição de Inconstitucionalidade, RE n. 35-92.2016.6.21.0005, Rel. Des. Eleitoral Gerson Fischmann, DEJERS de 23.8.2019.)

No incidente de inconstitucionalidade, as teses discutidas foram as seguintes:

O dispositivo legal objeto do incidente de inconstitucionalidade está assim redigido:

Art. 55-D. Ficam anistiadas as devoluções, as cobranças ou as transferências ao Tesouro Nacional que tenham como causa as doações ou contribuições feitas em anos anteriores por servidores públicos que exerçam função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, desde que filiados a partido político.

O artigo acima transcrito foi incluído na Lei n. 9.096/95 pela Lei n. 13.831/19, na data de 19.6.2019, oriundo da derrubada do veto do Presidente da República, por ocasião da sanção do Projeto de Lei n. 1.321/19.

As razões do veto foram as seguintes:

A propositura legislativa ao estabelecer, por intermédio da inclusão do art. 55-D na Lei nº 9.096, de 19 de setembro de 1995, que ficam anistiadas as devoluções, cobranças ou as transferências ao Tesouro Nacional que tenham como causa as doações ou contribuições feitas em anos anteriores por servidores públicos que exerçam função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, desde que filiados a partido político, acaba por renunciar receitas para a União, sem a devida previsão de estimativa de impacto orçamentário e financeiro, em infringência ao art. 113 do ADCT, art. 14 da LRF e arts. 114 e 116 da LDO de 2019.

Contudo, o Congresso Nacional, utilizando da prerrogativa prevista no § 4º do art. 66 da Constituição Federal, rejeitou o veto presidencial.

Como muito bem apontado pelo suscitante, não se tem notícia de que tenha havido apresentação dos dados relativos à estimativa de impacto orçamentário e financeiro quando da tramitação da proposta legislativa prevendo a renúncia da receita sob análise.

A exigência da mencionada estimativa tem sede constitucional, incluída pela EMC n. 95/16 no ADCT:

Art. 113. A proposição legislativa que crie ou altere despesa obrigatória ou renúncia de receita deverá ser acompanhada da estimativa do seu impacto orçamentário e financeiro.

Além disso, a legislação infraconstitucional igualmente exige a devida comprovação do impacto orçamentário e financeiro à concessão de benefício que gere a diminuição de receita da União (art. 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal e arts. 114 e 116 da Lei n. 13.707/18).

Assim, no ponto, o dispositivo legal em questão possui vício de inconstitucionalidade na origem.

O constituinte de 1988 foi contundente ao demonstrar a intenção de dedicar papel central aos partidos políticos no Estado Democrático de Direito, elegendo como fundamento da República Federativa do Brasil o pluralismo político.

As funções das agremiações partidárias, na dicção de Mario Justo López (Partidos Políticos: teoría general y régimen legal, p. 40-41), são: a) dar coerência à vontade popular; b) realizar a educação cívica dos cidadãos; c) servir de elo entre o governo e a opinião pública; d) selecionar aqueles que devem dirigir os destinos do Estado; e e) projetar a política de governo e controlar a sua execução.

Como eixo fundante da democracia representativa, os partidos devem respeitar a soberania popular, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa humana e são obrigados a prestar contas à Justiça Eleitoral.

O instituto da prestação de contas tem como escopo emprestar transparência à atividade partidária, identificar a origem e a destinação dos recursos utilizados nas disputas eleitorais, tudo com o propósito de evitar o aporte de dividendos ilícitos no processo eleitoral e evitar o abuso do poder econômico.

Nessa medida, quando esses mesmos organismos que deveriam ser os protagonistas da democracia representativa, em uma verdadeira queda de braço com o Poder Executivo, instituem anistia de todas as verbas consideradas oriundas de fontes vedadas, forçoso reconhecer ofensa direta ao princípio da prestação de contas. Não só isso, sendo o benefício em causa própria e sem qualquer finalidade pública, para dizer o mínimo, há inequívoca violação ao princípio da moralidade administrativa (art. 37, caput, da CF).

A anistia igualmente coloca em situação não isonômica e em posição desfavorável aquelas agremiações partidárias que adimpliram suas obrigações com o recolhimento de importâncias glosadas pela Justiça Eleitoral quando do exame e fiscalização de suas contas.

Significa dizer, nas palavras do eminente Procurador Regional Eleitoral, depois do jogo jogado, mudam as regras e, de forma benevolente e casuísta, concede-se anistia aos que se encontram em mora.

Para além disso, subverte a natureza jurídica do instituto da Anistia, realizando uma aplicação retroativa da Lei n. 13.488/17, que autorizou as doações daqueles que exercem cargo ou função demissível ad nutum, desde que filiados.

Com efeito, a jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de não ser possível a aplicação retroativa das disposições da Lei n. 13.488/17:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS ANUAL. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO DE 2015. PRELIMINAR. MANUTENÇÃO DOS DIRIGENTES PARTIDÁRIOS NO POLO PASSIVO. ILEGITIMIDADE NÃO CONFIGURADA. MÉRITO. RECEBIMENTO DE DOAÇÕES DE FONTES VEDADAS. ALTERAÇÃO LEGISLATIVA. PERMITIDA A CONTRIBUIÇÃO DE FILIADOS. INAPLICABILIDADE AO CASO CONCRETO. APLICAÇÃO DA LEGISLAÇÃO VIGENTE À ÉPOCA DOS FATOS. PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA. MANUTENÇÃO DO JUÍZO DE IRREGULARIDADE DA DOAÇÃO. REDUÇÃO DO PRAZO DE SUSPENSÃO DO RECEBIMENTO DAS QUOTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. PARCIAL PROVIMENTO.

(...)

3. A Lei n. 13.488/17, publicada em 06.10.17, alterou a redação do art. 31 da Lei n. 9.096/95 - Lei dos Partidos Políticos -, excluindo a vedação de doação de pessoa física que exerça função ou cargo público demissível ad nutum, desde que filiada ao partido beneficiário.

4. Inaplicabilidade ao caso concreto. Incidência da legislação vigente à época dos fatos. Prevalência do princípio da segurança jurídica e da paridade de armas no processo eleitoral, em detrimento da aplicação pontual da retroatividade in bonam partem. Manutenção do juízo de irregularidade das contribuições advindas de cargos demissíveis ad nutum, ainda que os contribuintes sejam filiados à agremiação.

(...)

6. Provimento parcial.

(TRE-RS; Recurso Eleitoral n. 14-97, Relator: Dr. Luciano André Losekann, julgado em 04.12.17, por unanimidade.) (Grifei.)

Ressalto que esse entendimento é adotado pelo Tribunal Superior Eleitoral: a legislação que regula a prestação de contas é aquela que vigorava durante o exercício contábil, por força do princípio da anualidade eleitoral, da isonomia, do tempus regit actum, e das regras que disciplinam o conflito de leis no tempo (ED-ED-PC n. 96183/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJE de 18.3.2016).

Portanto, como reação à interpretação dada pelos Tribunais, o legislador, por meio de expediente nada republicano, moral e ético, aprova regramento anistiando todas doações advindas de servidores demissíveis ad nutum filiados, atribuindo eficácia imediata nos processos de prestação de contas e de criação dos órgãos partidários em andamento, a partir de sua publicação, ainda que julgados (art. 3º da Lei n. 13.831/19).

De outra banda, a palavra anistia é derivada do grego amnestía, que significa esquecimento. Na atualidade, anistiar significa um esquecimento das infrações cometidas, isto é, como se as condutas ilícitas nunca tivessem sido praticadas.

Desde a Grécia, vem sendo implementada a anistia como medida geral de clemência, benevolência, posteriormente a acontecimentos ocorridos por lutas, conflitos, provocados por motivos e circunstâncias de caráter político.

Tem, por fundamento, razões de ordem pública e não pode ser utilizada como favorecimento egoístico ou em causa própria, pressupõe a ocorrência de fatos que foram punidos, mas, por motivos de conveniência, são esquecidos, com o objetivo do restabelecimento da tranquilidade do Estado.

Rui Barbosa ensina que vem sendo aplicada desde Solon, 594 anos antes da era cristã, sendo instituto de ampla incidência ao longo da história, sempre em caráter geral e imbuída de finalidade pública.

Como adverte João Barbalho, "a anistia não se inspira só nos sentimentos de humanidade e clemência, mas não menos ou principalmente no bem do Estado, em ponderosas razões de ordem pública".

Na espécie, quando o legislador refere que a anistia deve incidir inclusive em relação aos processos em andamento, ou seja, antes da condenação, e se dirige apenas aos partidos políticos (individual), sem qualquer finalidade pública subjacente, evidente o desvio da própria natureza jurídica do tão importante instrumento de pacificação social.

Não é demais lembrar que o poder concedido ao legislador não é ilimitado e está sujeito a controle.

Lênio Streck, na sua obra Hermenêutica Jurídica em Crise, adverte para o que se pode chamar de integridade legislativa, significa dizer, o legislador igualmente há de fazer leis de modo coerente, observando uma sequência lógica e histórica.

Desse tema também se ocupou Ronald Dworkin, na sua obra O Império do Direito, no sentido de que a integridade legislativa deve ser concebida como limite de possibilidades de criação do direito pelos legisladores. Daí a assertiva de que as normas devem ser concebidas de forma a constituir um sistema único e coerente de justiça e equidade.

Nessa quadra, cabe lembrar que também deve ser imposto aos legisladores a construção da história legislativa como na metáfora de Dworkin do romance em cadeia, no sentido de que cada lei criada deve representar o capítulo seguinte da mesma obra.

Por derradeiro, acrescento que há outros dispositivos nessa mesma Lei n. 13.831/19 de constitucionalidade e integridade duvidosa, como é o caso daqueles que retiram a possibilidade de a Justiça Eleitoral rejeitar contas ou aplicar penalidade às agremiações partidárias que deixaram de aplicar o percentual mínimo de recursos para o financiamento das candidaturas femininas. Entretanto, deixo de avançar no tema, pois não é objeto do presente incidente.

Em resumo, o art. 55-D, inserido na Lei dos Partidos Políticos pela Lei n. 13.831/19, padece de vício de inconstitucionalidade formal e material, na medida em que deixou de ser apresentada estimativa de impacto orçamentário, violou os princípios da prestação de contas, da moralidade administrativa e da integridade legislativa.

Com essas considerações, entendo que merece acolhimento o incidente de inconstitucionalidade suscitado, afastando, no caso concreto, a aplicação do art. 55-D da Lei n. 9.096/95, incluído pela Lei n. 13.831/19.

Pois bem, tendo o Plenário da Corte realizado o exame de constitucionalidade do dispositivo, não cabe a rediscussão da matéria.

Sabe-se que os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente (art. 926 do Código de Processo Civil), bem como observar a orientação do plenário do órgão (art. 927, inc. V, do mesmo diploma).

Em especial, acerca do julgamento do mencionado incidente, peço vênia para transcrever a doutrina de Ingo Wolfgang Sarlet, Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero, especificamente sobre o ponto que aqui se examina – a possibilidade de rediscussão quando declarada pelo plenário de tribunal a inconstitucionalidade de dispositivo:

Uma vez decidida a questão constitucional pelo Plenário ou Órgão Especial, os órgãos fracionários ficam obrigados perante a decisão tomada pelo órgão qualificado. O parágrafo único do art. 949 do CPC de 2015 é expresso no sentido de que os órgãos fracionários não ficam obrigados apenas diante de precedente do STF, mas também de decisão do Plenário ou Órgão Especial do Tribunal.

Não é apenas o órgão fracionário que submeteu a questão de constitucionalidade ao quorum qualificado que fica vinculado à decisão. Todas as Câmaras ou Turmas ficam obrigadas perante a decisão tomada pelo Plenário ou pelo Órgão Especial.

Assim, uma vez decidida a questão constitucional no Tribunal, as Câmaras ou Turmas não mais podem submeter a arguição de inconstitucionalidade ao Plenário ou ao Órgão Especial. Até porque estes estão proibidos de voltar a tratar da questão constitucional sem que presentes os requisitos hábeis a justificar a revogação de precedentes, como a transformação dos valores sociais ou da concepção geral do direito ou, ainda, erro manifesto. Aliás, é improvável que a decisão do Tribunal, sem ter chegado à análise do STF, possa estar sujeita a tais condições.

Advirta-se que a alteração da composição do órgão julgador não é suficiente para a revogação do precedente. Da mesma forma, os fundamentos que foram levantados quando do julgamento não podem simplesmente voltar a ser discutidos. O rejulgamento é viável apenas quando se tem consciência de que a manutenção do precedente constitui a eternização de um erro ou de uma injustiça, seja porque há equívoco grosseiro na decisão, seja porque a evolução da sociedade e do direito está a mostrar que a decisão primitiva não mais pode prevalecer. 

Frise-se que todos os juízos – inclusive os de 1.º grau – subordinados ao Tribunal de Justiça ou Regional Federal ficam vinculados à decisão tomada pelo Plenário ou pelo Órgão Especial.

(Curso de direito constitucional – 6. ed. – São Paulo: Saraiva, 2017, edição eletrônica)

O julgamento recente (que mitiga a possibilidade de ocorrência da evolução da sociedade e do direito) e a ausência dos requisitos hábeis a justificar a revogação de precedente, nos termos da valorosa doutrina mencionada, são obstáculos à rediscussão pleiteada pelo recorrente.

LENZA, a propósito, cita voto de Ilmar Galvão, proferido no RE n. 190.175-8/PR, no qual o então Ministro do Supremo Tribunal Federal pondera que

declarada a constitucionalidade ou inconstitucionalidade de determinada lei, pela maioria absoluta dos membros de certo Tribunal, soaria como verdadeiro despropósito, notadamente nos tempos atuais, quando se verifica de maneira inusitada, a repetência desmesurada de causas versantes da mesma questão jurídica, vinculadas à interpretação da mesma norma, que, se exigisse, em cada recurso apreciado, a renovação da instância incidental da arguição de inconstitucionalidade, levando as sessões da Corte a uma monótona e interminável repetição de julgados da mesma natureza

(LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado - 19. ed. rev., atual. e amp. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 320.)

Nessa linha, como já houve manifestação desta Corte sobre a inconstitucionalidade da norma em questão, o emprego do precedente pelo juízo a quo, além de recomendado pela legislação processual, possibilita que se evite a monótona e interminável repetição do entendimento consagrado por ocasião do julgado paradigma.

A questão de a anistia implicar renúncia de receita está expressamente admitida pela Corte no precedente transcrito, de forma que os argumentos do embargante nesse ponto constituem apenas inconformismo com a tese que foi consagrada pelo Plenário.

Mesmo que assim não fosse, é possível adensar as considerações sobre a renúncia de receita ao enfrentar os argumentos do recurso.

Embora o recorrente construa sua tese amparado na premissa de que receita da União é tão somente a tributária, verifico que a Lei n. 4.320, de 17 de março de 1964, que estatui Normas Gerais de Direito Financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal, não autoriza tal conclusão.

O estatuto define que as receitas podem ser classificadas em Receitas Correntes e Receitas de Capital, sendo que as primeiras são as receitas tributárias, de contribuições, patrimonial, agropecuária, industrial, de serviços e outras e, ainda, as provenientes de recursos financeiros recebidos de outras pessoas de direito público ou privado, quando destinadas a atender gastos classificáveis em Despesas Correntes (art. 11).

As condenações judiciais, em especial aquelas que determinam o recolhimento de valores ao Tesouro Nacional para repasse ao Fundo Partidário, parecem um exemplo perfeito da última modalidade de receita corrente acima mencionada.

Veja-se que, examinando o Orçamento Da União - Projeto de Lei Orçamentária - Exercício Financeiro 2019, Volume III, disponível em http://www.planejamento.gov.br/assuntos/orcamento-1/orcamentos-anuais/2019/ploa/volume-3.pdf, é possível verificar que os recursos do Fundo Partidário estão contidos no orçamento do Poder Judiciário, especificamente junto às despesas previstas para a Justiça Eleitoral (fl. 109 do documento), sendo classificado como “Outras Despesas Correntes” (fl. 227 da peça orçamentária).

Sob essa perspectiva, é inegável que os valores recolhidos ao Tesouro Nacional para fim de destinação ao Fundo Partidário constituem receita da União, da categoria receita corrente, destinada a atender despesa específica prevista no orçamento do Poder Judiciário.

Ademais, no controle de constitucionalidade, ainda que existam diversos aspectos sob os quais a norma possa ser reputada válida, a existência de uma mácula é suficiente para a declaração de sua inconstitucionalidade.

No exame sobre a constitucionalidade da norma realizado no incidente já transcrito, estão reconhecidas as violações ao processo legislativo e aos princípios da moralidade administrativa, da prestação de contas e da integridade legislativa.

Assim, mesmo que o art. 55-D da Lei dos Partidos Políticos fosse constitucional sob o ponto de vista da anualidade eleitoral, ou da isonomia e segurança jurídica, teses do recorrente, o reconhecimento da falha no processo legislativo - pela não observância da apresentação da estimativa de impacto orçamentário – é suficiente para a declaração de inconstitucionalidade.

Nessa toada, não se vislumbra interesse da parte na realização de digressões sobre aspectos que não terão, por si sós, aptidão para influir no julgamento quando da existência de um fator preponderante.

Por fim, registro que, diante do regime jurídico aplicável às doações de fonte vedada, não cabe a discussão de circunstâncias de cunho subjetivo em relação ao ingresso das aludidas receitas, uma vez que a regra proibitiva incide objetivamente, bastando a ocorrência do aporte dos recursos.

Por fim, conforme apontado pela Procuradoria Regional Eleitoral em seu parecer, “considerando que os recursos de fonte vedada representaram 13,69% do total arrecadado, não houve afronta ao princípio da proporcionalidade, tendo a multa sido fixada em patamar adequado de 5%”.

No entanto, apesar de a pena de multa ter sido fixada com equidade, penso que a determinação da suspensão do repasse de quotas do Fundo Partidário pelo período de 6 (seis) meses é excessiva, principalmente considerando os precedentes do Tribunal Superior Eleitoral que afirmam ser essencial ponderar todas as circunstâncias do caso concreto na análise da sanção mais adequada e compatibilizar a necessidade de sobrevivência dos diretórios partidários e a inibição de práticas irregulares. (Recurso Especial Eleitoral n. 3757, Acórdão, Relator Min. Tarcisio Vieira De Carvalho Neto, Diário de justiça eletrônico de 02.8.2019; Recurso Especial Eleitoral n. 7237, Acórdão, Relator Min. Tarcisio Vieira De Carvalho Neto, Diário de justiça eletrônico de 02.10.2018.)

Na hipótese, considerando essa diretiva e os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, reduzo o período de suspensão do repasse de quotas do Fundo Partidário para 2 (dois) meses.

Ante o exposto, VOTO pelo provimento parcial do recurso, tão somente para reduzir para 2 (dois) meses a sanção de suspensão do repasse de recursos do Fundo Partidário, mantendo a desaprovação das contas do exercício 2017 do PARTIDO DEMOCRÁTICO TRABALHISTA (PDT) de SANTO ÂNGELO e a determinação de recolher ao Tesouro Nacional os valores provindos de fonte vedada, no montante de R$ 5.820,00, acrescidos de multa de 5% sobre a quantia irregular.

É como voto, senhor Presidente.