Pet - 0600474-64.2019.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 18/11/2019 às 14:00

VOTO

WAMBERT GOMES DI LORENZO, eleito, em 2016, vereador no município de Porto Alegre pelo PARTIDO REPUBLICANO DA ORDEM SOCIAL (PROS), pleiteia seja declarada a justa causa para sua desfiliação.

Relata que, decorrido cerca de um mês das eleições gerais de 2018, em que concorreu, sem êxito, ao cargo de deputado federal, encaminhou carta à comissão provisória do partido ora requerido, explanando problemas e dificuldades sofridas durante o processo eleitoral de 2018, ocasião em que recebeu autorização para solicitar sua desfiliação e, ainda, a promessa de que não seria ajuizada, contra si, ação de perda de mandato por infidelidade partidária.

Diz que, até o momento do ajuizamento da presente ação, seu nome ainda constava na relação de filiados do PROS.

O partido requerido, tão logo tomou conhecimento da ação, peticionou ratificando os termos da ata juntada pelo autor. Diz que só não procedeu, de ofício, à desfiliação do autor por não possuir acesso ao sistema filiaweb.

Pois bem.

Inicialmente, convém consignar que os mandatos parlamentares, como é cediço, pertencem aos partidos, de modo que a chancela judicial para desfiliação partidária sem perda do mandato, como pretende o autor, é medida excepcional que demanda a comprovação da chamada justa causa, cujo rol taxativo está previsto no parágrafo único do art. 22-A da Lei n. 9.096/95, verbis:

Parágrafo único. Consideram-se justa causa para a desfiliação partidária somente as seguintes hipóteses:

I - mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário;

II - grave discriminação política pessoal; e

III - mudança de partido efetuada durante o período de trinta dias que antecede o prazo de filiação exigido em lei para concorrer à eleição, majoritária ou proporcional, ao término do mandato vigente.

O procedimento, tanto da ação de perda de mandato eletivo quanto da ação declaratória de justa causa para desfiliação partidária, está disciplinado na Resolução TSE n. 22.610/07.

No caso dos autos, ao tomar conhecimento da ação por meio de consulta pública ao sistema Processo Judicial Eletrônico (PJE) e, mesmo depois de citado para respondê-la, o partido requerido limitou-se a ratificar integralmente os termos da ata juntada com a inicial, na qual restou consignado que a agremiação partidária concorda com a desfiliação e não ingressaria com ação de perda de mandato por desfiliação partidária em desfavor do autor.

Na linha do bem-lançado parecer da Procuradoria Regional Eleitoral, a concordância do partido, por si só, não legitima a desfiliação sem perda do cargo, tendo presente que a fidelidade partidária é postulado que se extrai do princípio maior relativo à soberania popular, do qual emana a lição de que o corpo eleitoral é o verdadeiro titular do mandato representativo.

Com efeito, muito embora os mandatos pertençam às agremiações pelas quais se elegeram os parlamentares, a questão relativa à fidelidade partidária é de interesse da coletividade, seja pela defesa da vontade popular e dos princípios democráticos, seja em face do modelo de financiamento público de campanha vigente, em que os recursos do Fundo Partidário e, agora, do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) são vertidos aos partidos políticos, de acordo com critérios previamente estabelecidos pelo Tribunal Superior Eleitoral, os quais os repassam aos candidatos.

Tanto é assim que a própria Resolução TSE n. 22.610/07 prevê a legitimidade do Ministério Público Eleitoral para ajuizar a ação caso o partido ou o suplente não o faça no prazo de 30 dias (art. 1º, § 2º).

Partindo da premissa de que se trata de um direito indisponível, insuscetível de negociação entre as partes, passo à análise da questão.

Nesse sentido, extraio da carta apresentada pelo autor ao réu, o seguinte trecho:

(…) o que observamos nas últimas eleições foi uma completa venda da alma do partido a interesses fisiológicos. O PROS aliou-se com o PT e o PcdoB, com uma atitude de interesse pouco republicano permitindo que as estaduais se aliassem a quem interessasse.

Optamos por manter a nossa fidelidade ideológica e apoiamos aqui no estado o candidato do PSL e seus aliados. Porém, o discurso da nacional, pautado por um pseudo-pragmatismo, jogou para os dois lados, permitindo falsamente que apoiássemos quem desejássemos na estadual. Porém, não foi bem assim que aconteceu, pois na prática sofremos retaliações, com sérios prejuízos à nossa campanha aqui no RS.

Assim, fomos surpreendidos com o apoio ao PT e o não cumprimento de promessas, com a total falta de apoio e retaliação com a distribuição de recursos, algo que não esperávamos quando, no início, tínhamos nos filiado ao PROS. Destaco que naquele momento da campanha eleitoral não havia o que fazer, pois qualquer atitude de saída do partido implicaria na desistência da candidatura , já que não há a possibilidade de mudança de partido durante o processo eleitoral.

(…) Durante a minha campanha, respondi muito sobre o posicionamento da nacional, meus eleitores, na sua grande maioria, apoiavam o candidato Bolsonaro e muitas vezes fui insultado e ofendido por estar vinculado involuntariamente ao PT. (...)

(Grifei.)

Os termos da carta, de que houve retaliação ao autor com reflexo na distribuição de recursos, não foram contestados pelo partido. Ao contrário, o réu, expressamente, destacou a autenticidade dos documentos anexados pelo requerente quando da distribuição da ação, restando, portanto, incontroversos.

Como se observa, não se trata de mera rispidez ou dissabores, os quais não seriam suficientes para a configuração de justa causa para a desfiliação partidária, mas animosidade, que redundou em retaliação ao autor por parte do partido, durante o processo eleitoral de 2018, tornando insustentável a manutenção do vínculo partidário, fato reconhecido pelo próprio partido.

A ata da reunião realizada pela Comissão Provisória do Partido Republicano da Ordem Social de Porto Alegre (PROS) corrobora a noticiada animosidade, como se observa no seguinte trecho:

Foi reconhecido, entre os membros, com exceção do próprio vereador que se absteve de qualquer manifestação, a existência de clara animosidade por parte de alguns dirigentes sobre a postura adotada pelo Sr. Wambert Gomes Di Lorenzo durante a campanha eleitoral. Ao não apoiar o candidato do Partido dos Trabalhadores à Presidência da República, entendem a maioria dos presentes, o mencionado vereador demonstrou que não estava nenhum pouco interessado em respeitar e cumprir as determinações estabelecidas pela Direção Nacional do PROS.

Nesse contexto, após exaustivo debate, foi aprovado por maioria absoluta, com exceção do próprio interessado que se absteve, que o partido não possui mais interesse em manter o Sr. Wambert Gomes Di Lorenzo em seus quadros de filiados.

A Procuradoria Regional Eleitoral, em criteriosa análise, ressalvando que a concordância do partido com a desfiliação sem perda do cargo não configura, por si só, justa causa para desfiliação, como já referido, manifestou-se pela procedência da ação, conforme trecho a seguir transcrito que agrego às minhas razões de decidir:

No presente caso, há fundados elementos a demonstrar um ambiente de animosidade em relação ao requerente por parte do partido em que atualmente filiado, o que se deduz a partir do que registrado na ata de reunião juntada no ID 3301133, cujos trechos acima foram destacados. Nesse sentido, o precedente jurisprudencial emanado da Corte Superior Eleitoral:

Ação declaratória de existência de justa causa. Desfiliação partidária. A correspondência enviada pela presidência de diretório regional a parlamentar evidencia o clima de animosidade existente entre as partes, a configurar grave discriminação pessoal apta para justificar a saída da legenda, o que é ainda reforçado pela sugestão do próprio partido de que se efetive a respectiva desfiliação. Agravo regimental a que se nega provimento. (Recurso Ordinário nº 2371, Acórdão, Relator(a) Min. Arnaldo Versiani, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Data 06/08/2010, Página 52- 53) (destaquei)

Assim, resta caracterizada justa causa para a desfiliação do requerente, qual seja, grave discriminação política pessoal, na forma do art. 22-A, II, da Lei n. 9.096-97. Acrescente-se que o requerente trouxe aos autos comprovação de que o partido não mais o quer em seus quadros como filiado, tendo em vista que não concordou com as ações por ele praticadas durante a sua campanha eleitoral para o cargo de deputado estadual em 2018, como a divulgação de santinho com candidato a presidente diverso do apoiado pelo partido. Dessarte, em tendo o requerente demonstrado, de forma justificada, que sua permanência na agremiação requerida tornou-se insustentável e, tendo a Comissão Provisória do PROS de Porto Alegre, por maioria absoluta, aprovado que não possui mais interesse em manter o requerente em seu quadro de filiados e que não iria propor Ação de Perda de Cargo Eletivo para não prejudicar o requerente, resta ser declarada a desfiliação deste, sem perda do mandato eletivo. (Grifei.)

A jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral é firme no sentido de que o reconhecimento pelo partido de grave discriminação pessoal ao filiado é suficiente para caracterizar a justa causa para o desligamento:

AÇÃO DE PERDA DE CARGO ELETIVO POR DESFILIAÇÃO PARTIDÁRIA. VEREADOR. ANUÊNCIA. PARTIDO POLÍTICO. JUSTA CAUSA RECONHECIDA.

- Conforme precedentes desta Corte, o reconhecimento, pelo partido político, de grave discriminação pessoal em relação ao filiado, bem como a anuência com a sua desfiliação partidária, é suficiente para a caracterização da justa causa que permite a mudança de legenda sem a perda do direito ao exercício do cargo. Precedentes: AgR-Pet nº 894-16, rel. Min. Henrique Neves, DJE de 29.8.2014; AgR-Pet nº 898-53, rel. Min. João Otávio de Noronha, DJE de 12.8.2014.

Agravo regimental a que se nega provimento.

(Agravo de Instrumento n. 113848, Acórdão, Relator Min. Henrique Neves Da Silva, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Data: 20.9.2016, p. 34.)

Assim, reconhecendo a justa causa para a desfiliação de WAMBERT do PROS, encaminho o meu voto no sentido de julgar procedente a ação.

Diante do exposto, VOTO pela procedência do pedido formulado por WAMBERT GOMES DI LORENZO para o fim de declarar a justa causa para sua desfiliação do PARTIDO REPUBLICANO DA ORDEM SOCIAL (PROS), sem perda do seu mandato de Vereador na Câmara Municipal de Porto Alegre.