RE - 1174 - Sessão: 22/09/2020 às 14:00

RELATÓRIO

O PARTIDO SOCIALISTA BRASILEIRO (PSB) de Caxias do Sul interpôs agravo de instrumento (fls. 02-07v.) contra decisão proferida pelo Juízo da 136ª Zona Eleitoral (fl. 357 e verso) que, nos autos da PC n. 37-57.2016.6.21.0136, relativa ao exercício financeiro de 2015, indeferiu o seu pedido de anistia do dever de devolução do montante atualizado de R$ 32.361,28 ao Tesouro Nacional (fls. 344-345v.), formulado com base no art. 55-D da Lei n. 9.096/95, acrescentado pela Lei n. 13.831/19.

Nas razões recursais, o agravante requereu, preliminarmente, a concessão de efeito suspensivo ou, de forma alternativa, o deferimento de antecipação de tutela, suspendendo-se os efeitos da decisão impugnada, com fundamento no art. 1.019, inc. I, do CPC. No mérito, postulou o provimento do recurso para que fosse reconhecida a anistia do dever de devolução ao erário do valor anteriormente citado, defendendo que a decisão seria nula, porque a magistrada de primeiro grau teria:

a) promovido, de ofício, a fase do cumprimento de sentença, sem prévio pedido do Ministério Público Eleitoral, contrariando o disposto no art. 523, caput, do CPC, de acordo com o qual a instauração da fase executiva depende de requerimento da parte interessada; e

b) deixado de aplicar o art. 55-D da Lei n. 9.096/95, introduzido pela Lei n. 13.831/19 – o qual, no seu entender, também tornaria sem efeito a penalidade de suspensão do repasse de quotas do Fundo Partidário, fixada pelo período de 1 ano e 2 meses –, desatendendo, com isso, a regra do art. 3º do diploma modificador, que previu a incidência imediata das novas disposições, a partir da sua publicação, sobre os processos de prestação de contas dos órgãos partidários em andamento, ainda que julgados, desde que não transitados em julgado.

O pedido de concessão de efeito suspensivo foi indeferido (fls. 361-362v.).

Com vista dos autos, a Procuradoria Regional Eleitoral exarou parecer pelo conhecimento e desprovimento do recurso (fls. 368-373).

É o relatório.

VOTO

Admissibilidade Recursal

O recurso é tempestivo, uma vez que o agravante foi intimado da decisão recorrida por meio de publicação de nota de expediente no DEJERS no dia 25.9.2019 (fl. 358 e verso), vindo a interpor o recurso em 1º.10.2019 (fl. 02), dentro, portanto, do prazo de 15 dias fixado no art. 1.003, § 5º, do CPC, assim como preenche os demais requisitos de admissibilidade postos nos arts. 1.015, parágrafo único, a 1.017 do Diploma Processual Civil.

Ressalto ser cabível a interposição de recurso de agravo de instrumento contra decisões exaradas em sede de cumprimento de sentença, nos termos do parágrafo único do art. 1.015 do CPC, não incidindo, na hipótese, a regra constante do art. 19, caput, da Resolução TSE n. 23.478/16, segundo a qual são irrecorríveis as decisões interlocutórias ou sem caráter definitivo em sede de feitos eleitorais.

Nesse sentido, cito a seguinte decisão deste Tribunal:

RECURSO INOMINADO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. DIRETÓRIO MUNICIPAL. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2016. DESAPROVAÇÃO. LIQUIDAÇÃO DA SENTENÇA POR ARBITRAMENTO. RECURSO INCABÍVEL. ERRO GROSSEIRO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. NÃO CONHECIDO.

O Código de Processo Civil, em seu art. 1.015, é expresso ao indicar o cabimento de agravo de instrumento contra decisões interlocutórias proferidas na fase de liquidação ou de cumprimento de sentença, no processo de execução e no processo de inventário. Incabível a interposição de recurso inominado com base na aplicação do princípio da fungibilidade recursal.

Não conhecimento.

(Recurso Eleitoral n. 1284, Relator Des. Eleitoral GERSON FISCHMANN, Publicação: DEJERS – Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 225, Data 03.12.2019, p. 2.) (Grifei.)

Com essas considerações, conheço o recurso.

Mérito

Inicialmente, como mencionei ao indeferir o pleito de atribuição de efeito suspensivo ao presente recurso (fls. 361-362v.), carece de respaldo legal a tese do agravante de instauração de ofício do procedimento de cumprimento de sentença pelo Juízo da 136ª Zona Eleitoral de Caxias do Sul, independentemente de requerimento prévio do Ministério Público Eleitoral, em contrariedade com a disciplina do art. 523, caput, do CPC, que exige a iniciativa da parte interessada para o início da execução.

E isso porque a legitimidade para a execução judicial de valores que devem ser transferidos ao Tesouro Nacional, a adoção de medidas extrajudiciais voltadas à cobrança do crédito previamente à instauração da fase de cumprimento de sentença e a celebração de acordo com o devedor, após o transcurso do prazo para o recolhimento espontâneo de quantias devidas em processos de prestação de contas, pertence à União, por intermédio da Advocacia-Geral da União (AGU), e não ao Ministério Público Eleitoral.

A normativa constou expressamente do art. 63, caput, da Resolução TSE n. 23.432/14, a seguir transcrito:

Art. 63. Transcorrido o prazo previsto no inciso I, alínea “b”, do art. 62, sem que tenham sido recolhidos os valores devidos, a Secretaria Judiciária do Tribunal ou o Cartório Eleitoral encaminhará os autos à Advocacia-Geral da União, para que promova as medidas cabíveis visando à execução do título judicial, mediante a apresentação de petição de cumprimento de sentença nos próprios autos, nos termos dos arts. 475-I e seguintes do Código de Processo Civil.

§ 1o A Advocacia-Geral da União poderá adotar medidas extrajudiciais para cobrança do crédito previamente à instauração da fase de cumprimento de sentença, bem como propor a celebração de acordo com o devedor, nos termos da legislação em vigor.

§ 2o Esgotadas as tentativas de cobrança extrajudicial do crédito, a Advocacia-Geral da União solicitará à Secretaria de Administração do Tribunal ou ao Cartório Eleitoral que proceda à inscrição do devedor e/ou devedores solidários no Cadin e apresentará petição de cumprimento de sentença ao juízo eleitoral, instruída com memória de cálculo atualizada.

Regramento idêntico foi reproduzido no art. 61 tanto da Resolução TSE n. 23.464/15 quanto da Resolução TSE n. 23.546/17 e, finalmente, no art. 60 da Resolução TSE n. 23.604/19, que regulamentaram o Título III – Das Finanças e Contabilidade dos Partidos – da Lei n. 9.096/95.

Além disso, após o trânsito em julgado da decisão que julga as contas do partido ou regulariza a sua situação de inadimplência junto a esta Justiça Especializada, ou seja, em momento processual anterior ao ajuizamento do cumprimento de sentença pela União, o cartório, mediante impulsionamento do juízo eleitoral competente, deve proceder à atualização do valor a ser recolhido ao erário, à intimação do devedor para pagamento no prazo legal e à notificação dos órgãos nacional e estadual do partido do inteiro teor da decisão.

O art. 60, incs. I e III e § 1º, da Resolução TSE n. 23.546/17, que disciplinava o procedimento a ser adotado nos processos de prestação de contas, à época em que prolatada a decisão atacada, contemplou expressamente tais diligências cartorárias, como se depreende da leitura do seu teor:

Art. 60. Transitada em julgado a decisão que julgar as contas do órgão partidário ou regularizar a situação do órgão partidário:

I - a Secretaria Judiciária do Tribunal ou o Cartório Eleitoral, nos casos de prestação de contas dos órgãos de qualquer esfera, deve proceder de acordo com os termos da decisão transitada em julgado e, quando for o caso, deve:

a) notificar os órgãos nacional e estaduais do partido sobre o inteiro teor da decisão; e

(…)

III - na hipótese de prestação de contas dos órgãos regionais ou municipais, a Secretaria Judiciária dos TREs ou os cartórios eleitorais, conforme o caso, além das providências previstas no inciso I, devem:

a) intimar o órgão partidário hierarquicamente superior para:

1. proceder, até o limite da sanção, ao desconto e retenção dos recursos provenientes do Fundo Partidário destinados ao órgão sancionado, de acordo com as regras e critérios de que trata o inciso II do art. 3º;

2. destinar a quantia retida à conta única do Tesouro Nacional;

3. juntar ao processo da prestação de contas a respectiva GRU, na forma prevista na decisão; ou

4. informar, quanto ao processo da prestação de contas e no prazo máximo de quinze dias, a inexistência ou insuficiência de repasses destinados ao órgão partidário sancionado;

(…)

§ 1º Incide atualização monetária e juros moratórios, calculados com base na taxa aplicável aos créditos da Fazenda Pública, sobre os valores a serem recolhidos ao Tesouro Nacional, desde a data da ocorrência do fato gerador até a do efetivo recolhimento, salvo se tiver sido determinado de forma diversa na decisão judicial. (Grifei.)

Essas providências, aliás, também constaram do texto da Resolução TRE-RS n. 298/17 (alterada pela Resolução TRE-RS n. 331/19), destinada a regulamentar, no âmbito da Justiça Eleitoral deste Estado, entre outros assuntos, o procedimento para o recolhimento de valores ao erário e o seu respectivo parcelamento, sendo de observância obrigatória pela Secretaria Judiciária deste Regional e serventias cartorárias do interior.

Logo, nos despachos de fls. 334 e 338 e verso, a magistrada de primeira instância não instaurou de ofício o procedimento de cumprimento de sentença, em violação ao art. 523, caput, do Diploma Processual Civil, mas, tão somente, determinou fossem cumpridas as diligências previstas no art. 60 da Resolução TSE n. 23.546/17, atuando no sentido de dar efetividade à decisão que havia imposto ao partido o dever de transferência, ao Tesouro Nacional, da quantia irregularmente arrecadada durante o exercício financeiro de 2016.

No pertinente à incidência do art. 55-D da Lei 9.096/95, introduzido pela Lei n. 13.831/19, pelo qual restaram anistiadas as devoluções, as cobranças ou as transferências, ao Tesouro Nacional, decorrentes de doações ou contribuições efetuadas em anos anteriores por servidores públicos exercentes de função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, desde que filiados a partido político, verifiquei que, de fato, como trazido à colação pelo agravante, o Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais, no julgamento do Recurso Eleitoral n. 23-64.2018.613.0350, em acórdão de relatoria do Des. Eleitoral ANTÔNIO AUGUSTO MESQUITA FONTE BOA, publicado no DJEMG de 30.8.2019, posicionou-se no sentido de reconhecer a eficácia imediata das disposições introduzidas pela Lei n. 13.831/19 no texto da Lei dos Partidos Políticos, dentre as quais a do art. 55-D.

Recentemente, inclusive, aquele egrégio Regional rejeitou, por maioria de votos, preliminar suscitada de ofício acerca da inconstitucionalidade dos arts. 55-D, 55-B e 55-C da Lei n. 9.096/95, ao julgar a Prestação de Contas n. 142-76.2016.613.0000, em acórdão publicado no DJEMG de 13.2.2020, para cuja redação foi designado o Des. Eleitoral MARCOS LINCOLN DOS SANTOS.

No âmbito do Supremo Tribunal Federal, encontra-se pendente de julgamento a Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 6230/DF, ajuizada pela Procuradoria-Geral da República em 16.9.2019, buscando a declaração de inconstitucionalidade do art. 1º da Lei n. 13.831/19, na parte em que alterou os §§ 2º e 3º do art. 3º da Lei n. 9.096/95, bem como do seu art. 2º, na parte em que acrescentou os arts. 55-A, 55-B, 55-C e 55-D ao texto da Lei n. 9.096/95, retirando-os do ordenamento jurídico, sob o fundamento, em síntese, de violação aos arts. 1º, 2º, 3º, 5º, incs. I, II, XXXV, XXXVI, XLI, LV e LIV, 17, inc. III, 37 e 113 do Ato das Disposições Constitucionais e Transitórias da Constituição Federal.

Este Regional, por sua vez, no julgamento do RE n. 35-92.2016.6.21.0005, acolheu o incidente suscitado pela Procuradoria Regional Eleitoral, declarando a inconstitucionalidade formal e material do art. 55-D da Lei n. 9.096/95, com a redação dada pela Lei n. 13.831/19, em acórdão relatado pelo Des. Eleitoral GERSON FISCHMANN e publicado no DEJERS de 23.8.2019, com a seguinte ementa:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO DE 2015. DESAPROVAÇÃO. MATÉRIA PRELIMINAR ACOLHIDA. INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 55-D DA LEI N. 9.096/95, INCLUÍDO PELA LEI N. 13.831/19. MÉRITO. RECEBIMENTO DE RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA E DE FONTE VEDADA. PORCENTAGEM REPRESENTATIVA DAS IRREGULARIDADES DIANTE DA TOTALIDADE DOS RECURSOS ARRECADADOS NO PERÍODO. AFASTADA A APLICAÇÃO DOS POSTULADOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. MANUTENÇÃO DO JUÍZO DE DESAPROVAÇÃO. REDUZIDO O PERÍODO DE SUSPENSÃO DO FUNDO PARTIDÁRIO. AFASTADA A CONDIÇÃO DE QUE A SANÇÃO SUBSISTA ATÉ QUE OS ESCLARECIMENTOS SEJAM ACEITOS PELA JUSTIÇA ELEITORAL. PROVIMENTO PARCIAL. 1. Incidente de inconstitucionalidade suscitado pelo Procurador Regional Eleitoral. 1.1. O art. 55-D da Lei n. 9.096/95, norma legal objeto do aludido incidente, incluído pela Lei n. 13.831/19, assinala a anistia das devoluções, cobranças ou transferências ao Tesouro Nacional que tenham como causa as doações ou contribuições efetuadas, em anos anteriores, por servidores públicos os quais exerçam função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, desde que filiados a partido político. Ausência de notícia de que tenha havido oferecimento dos dados relativos à previsão de estimativa de impacto orçamentário e financeiro quando da tramitação da proposta legislativa prevendo a renúncia da receita. Omissão que afronta a exigência constitucional incluída pela EC n. 95/16 no art. 113 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. A legislação infraconstitucional igualmente exige seja comprovado o impacto orçamentário e financeiro à concessão de benefício que gere a diminuição de receita da União, nos termos do art. 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal e arts. 114 e 116 da Lei n. 13.707/18. 1.2. A anistia das verbas consideradas como oriundas de fontes vedadas - benefício instituído em causa própria e sem qualquer finalidade pública subjacente - atenta ao princípio da moralidade administrativa e desvirtua a natureza jurídica do instituto. 1.3. Vício de inconstitucionalidade formal e material. Acolhimento da preliminar. Afastada, no caso concreto, a aplicação do art. 55-D da Lei n. 9.096/95, incluído pela Lei n. 13.831/19

(Grifei).

Desse modo, seguindo a orientação firmada por esta Corte no julgamento do precedente acima citado, afasto a incidência do art. 55-D da Lei n. 9.096/95, incluído pela Lei n. 13.831/19, na hipótese dos autos, refutando a pretensão deduzida pelo agravante.

Assim, pelas razões expostas, estou encaminhando meu voto no sentido de negar provimento ao presente agravo de instrumento.

Diante do exposto, VOTO por negar provimento ao agravo de instrumento interposto pelo PARTIDO SOCIALISTA BRASILEIRO (PSB) de Caxias do Sul, mantendo integralmente a decisão impugnada.