PC - 0602709-38.2018.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 11/11/2019 às 17:00

VOTO

Inicialmente, verifica-se que a prestadora apresentou novos documentos de forma intempestiva, após a emissão de parecer técnico e, inclusive, depois do parecer ministerial.

Ocorre que o procedimento da prestação de contas prevê ocasião específica para a apresentação de requerimentos, esclarecimentos e novos documentos pelo candidato, qual seja, a fase de expedição de diligências, de que trata o art. 72, § 1º, da Resolução TSE 23.553/17, para a qual houve a regular intimação da parte (ID 3316733).

Desse modo, após a emissão do parecer conclusivo, sem inovações sobre as quais não se tenha intimado o candidato, está preclusa a oportunidade de juntada de manifestações ou novas provas, conforme diretriz extraída do art. 75 da Resolução TSE n. 23.553/17.

Não olvido que este Tribunal, em hipóteses excepcionais, adota um posicionamento conciliatório entre o interesse público pela transparência das contas, buscando uma decisão de mérito completa e efetiva, e a necessidade de obediência aos exíguos prazos impostos pela legislação eleitoral. Nessa linha, tem-se conhecido de documentos juntados extemporaneamente quando aptos a sanear as falhas a partir de uma simples e imediata verificação jurídica, sem a necessidade de remessa dos autos ao setor técnico contábil para novo exame.

Este não é o caso dos autos, uma vez que a candidata reapresentou a integralidade de sua movimentação financeira por meio de contas retificadoras, sem tecer esclarecimentos ou indicações específicas sobre a repercussão de determinado documento ou aspecto contábil sobre as irregularidades verificadas no parecer conclusivo, tornando imprescindível a reaplicação dos procedimentos de exame pela unidade técnica.

Dessa forma, ausente hipótese ou justificativa para a relativização da regra da preclusão, os documentos apresentados intempestivamente não podem ser conhecidos, nos termos da jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral (AgR-REspe n. 773-55, rel. Min. Henrique Neves da Silva, DJe de 28.4.2016) e desta Corte (PC n. 0601791-50, Rel. Miguel Antônio Silveira Ramos, julgado em 05.8.2019).

A par de não serem conhecidos os documentos em tela, impõe-se, por ocasião do julgamento das contas, determinar a exclusão das informações retificadas da base de dados da Justiça Eleitoral, segundo a inteligência do art. 74, § 3º, da Resolução TSE n. 23.553/17:

§ 3º A validade da prestação de contas retificadora, assim como a pertinência da nota explicativa de que trata o § 2º serão analisadas e registradas no parecer técnico conclusivo de que trata o § 3º do art. 72, a fim de que a autoridade judicial sobre elas decida na oportunidade do julgamento da prestação de contas e, se for o caso, determine a exclusão das informações retificadas na base de dados da Justiça Eleitoral.

No que tange ao mérito, foram apontadas pela Secretaria de Controle Interno e Auditoria inconsistências nas contas de LIDIANE GUTH, em face da ausência de comprovação de despesas realizadas com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), no total de R$ 30.000,00, e da omissão de despesas no Sistema de Prestação de Contas Eleitorais (SPCE), que caracterizaria os recursos empregados em sua quitação como de origem não identificada, no importe de R$ 626,05.

Relativamente à primeira falha – ausência de comprovação de regular utilização de recursos do FEFC –, o parecer técnico conclusivo foi assim vertido:

1. Item 1 do exame da prestação de contas, o apontamento não foi sanado posto que a prestadora optou por não se manifestar:

“1) Do exame dos documentos vinculados no Sistema de Prestação de Contas Eleitoral (SPCE-Cadastro) foi identificada a ausência dos documentos comprobatórios relativos às despesas bem como dos respectivos comprovantes de pagamento (copia do cheque nominal ao fornecedor ou transferência bancária identificando a contraparte) realizadas com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha - FEFC (arts. 37, 56, II, alínea "c" e 63, da Resolução TSE nº 23.553/2017) no montante de R$ 30.000,00.”

Cabe referir que cumpre ao prestador comprovar a despesa com documentos fiscais e o pagamento com cheque nominal ou comprovante de transferência bancária, conforme art. 40 da Resolução TSE nº 23.553/2017, sob pena de recolhimento ao Tesouro Nacional dos valores não comprovados.

Com efeito, as falhas apontadas configuram irregularidades por não comprovação de gastos realizados com recursos públicos e ensejam o recolhimento ao Tesouro Nacional.

Posto isso, faz-se necessária a apresentação de prestação de contas retificadora na forma do art. 74 da Resolução TSE nº 23.553/2017, incluídas as vinculações dos arquivos de documentos digitalizados às respectivas despesas declaradas, consoante orientação disponibilizada por meio do Manual de Operacionalização do SPCE-Cadastro.

Pois bem.

Os gastos de campanha, sobretudo aqueles realizados com verbas públicas, devem ser comprovados mediante a apresentação de documentos idôneos, nos termos preconizados pelo art. 63 da Resolução TSE n. 23.553/17.

A falta de demonstração da regular utilização de recursos do Fundo Partidário e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) acarreta ao candidato o dever de devolver a importância correspondente ao erário, consoante dispõe o art. 82, § 1º, do multicitado diploma regulamentar, verbis:

Art. 82.

§ 1º Verificada a ausência de comprovação da utilização dos recursos do Fundo Partidário e/ou do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) ou a sua utilização indevida, a decisão que julgar as contas determinará a devolução do valor correspondente ao Tesouro Nacional no prazo de 5 (cinco) dias após o trânsito em julgado, sob pena de remessa de cópia digitalizada dos autos à representação estadual ou municipal da Advocacia-Geral da União, para fins de cobrança.

In casu, a candidata, embora tenha recebido do FEFC a quantia de R$ 30.000,00, não se desincumbiu da tarefa de comprovar sua correta utilização, motivo pelo qual lhe deve ser imposto o ressarcimento de valores ao Tesouro Nacional.

Entretanto, diversamente do apontado pela unidade técnica, o recolhimento aos cofres públicos não deve abarcar a totalidade de tais recursos, com o acréscimo daqueles considerados de origem não identificada, de que cuida o segundo apontamento. A operação matemática a ser aplicada no cálculo do valor a ser restituído aos cofres públicos não deve ser a adição, mas a subtração.

Explico.

No item n. 1 do parecer técnico, indicou-se que a candidata recebeu a quantia de R$ 30.000,00 do FEFC e que não logrou demonstrar a utilização deste valor, em face da não  juntada dos documentos aptos a comprovarem os gastos.

No item n. 2, a unidade técnica identificou, a partir de informações prestadas pela Prefeitura de São Paulo e pela Receita Estadual do Rio Grande do Sul, a emissão de notas fiscais por fornecedores de campanha contra o CNPJ da candidata, as quais deixaram de ser devidamente registradas no sistema SPCE, conforme tabela a seguir:

Com base nisso, o órgão técnico entendeu que a omissão de gastos caracterizou a receita empregada para sua quitação como de origem não identificada, implicando o dever de recolhimento ao erário.

Ora, as circunstâncias fáticas delineadas nestes autos indicam nitidamente que as despesas não registradas pela candidata, no total de R$ 626,05, foram quitadas com recursos do FEFC, cuja falha verificada nas contas consiste exatamente na falta de comprovação de gastos.

Logo, não há que se falar em recursos de origem não identificada.

Por conseguinte, os valores reputados de origem não identificada pelo setor técnico não devem ser recolhidos ao erário; devem, inversamente, porquanto consistem em documentos fiscais idôneos, ser contabilizados para abatimento do valor do FEFC devido, a título de falta de comprovação de gastos eleitorais.

Nesse passo, cumpre à candidata devolver ao erário a quantia de R$ 29.373,95 (R$ 30.000,00 – R$ 626,05).

Nesse passo, cumpre à candidata restituir ao erário a quantia de R$ 29.373,95, que é o resultado da subtração do montante recebido do FEFC sem comprovação de utilização na campanha (R$ 30.000,00) pelos gastos eleitorais revelados pelo órgão técnico (R$ 626,05).

Ultimada a análise, tem-se que as irregularidades apurados nestes autos perfazem o somatório de R$ 29.373,95, equivalente a 94,75% do total de receitas declaradas (R$ 31.000,00), o que inviabiliza a aplicação dos princípios da proporcionalidade ou razoabilidade para atenuar a importância das máculas sobre a regularidade do conjunto das contas.

Por derradeiro, consigno que, embora a presente decisão não reconheça a malversação de recursos públicos, os presentes autos virtuais se encontram à disposição da Procuradoria Regional Eleitoral para, assim desejando, extrair as cópias que entender pertinentes para encaminhamento ao Ministério Público Eleitoral em primeira instância, a fim de apurar eventual ilícito criminal, sendo desnecessária a intervenção da Justiça Eleitoral para essa finalidade.

Ante o exposto, VOTO pela desaprovação das contas de LIDIANE GUTH, com base no art. 77, inc. III, da Resolução TSE n. 23.553/17, com a determinação de recolhimento da quantia de R$ 29.373,95 ao Tesouro Nacional, nos termos do art. 82, § 1º, da mesma Resolução, e pela exclusão das informações retificadas da base de dados da Justiça Eleitoral, à luz do art. 74, § 3º, da Resolução TSE n. 23.553/17.