PC - 0602786-47.2018.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 11/11/2019 às 17:00

VOTO

Após a realização dos procedimentos técnicos, a Secretaria de Controle Interno e Auditoria deste TRE, em seu parecer conclusivo, apontou irregularidades referentes (a) à aplicação de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) e (b) ao recebimento de recursos de origem não identificada.

No que tange à primeira irregularidade, a unidade técnica apontou que, analisando os extratos bancários da conta-corrente destinada à movimentação de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha, foram verificadas “despesas sem informação de contraparte relativamente aos fornecedores, cuja comprovação exige a apresentação dos respectivos comprovantes de pagamento (copia do cheque nominal ao fornecedor ou transferência bancária identificando a contraparte, conforme art. 40, da Resolução TSE nº 23.553/2017)”, não sendo possível “identificar cheque nominal ou transferência bancária aos fornecedores”, nas operações constantes do quadro abaixo:

Observando-se o quadro, percebe-se que dois gastos foram pagos com cheques, nos valores de R$ 5.000,00 e R$ 2.000,00, e que foram realizadas compras, por meio de cartão de débito, nos montantes de R$ 202,13, R$ 146,67, R$ 100,00, R$ 100,00, R$ 100,00 e R$ 183,23.

Relativamente às compras pagas na função débito com cartão, cumpre anotar que a Resolução TSE n. 23.553/17, em seu art. 40, inc. III, dispõe que uma das formas aceitas para realização de gastos eleitorais é o débito em conta:

Art. 40. Os gastos eleitorais de natureza financeira, ressalvados os de pequeno vulto previstos no art. 41 e o disposto no § 4º do art. 10 desta resolução, só podem ser efetuados por meio de:

I - cheque nominal;

II - transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário; ou

III - débito em conta.

Analisando-se o extrato eletrônico, disponível em http://www.tse.jus.br/eleicoes/eleicoes-2018/divulgacandcontas#/candidato/2018/2022802018/RS/210000604682/extratos, em confronto com os documentos fiscais apresentados pela candidata, verifica-se que as despesas acima, nos importes de R$ 202,13, R$ 146,67, R$ 100,00, R$ 100,00, R$ 100,00 e R$ 183,23, que totalizam R$ 832,03, foram realizadas na função débito, em plena observância às normas de regência.

Todavia, a prestadora não apresentou os comprovantes de depósitos, aptos a demonstrar que os valores foram efetivamente entregues às pessoas indicadas nas respectivas notas fiscais. Note-se que os comprovantes são de fácil obtenção pela candidata, não havendo justificativas para tal omissão.

Assim, é devido o recolhimento do valor de R$ 832,03 ao Tesouro Nacional, na forma do art. 34, § 1º, inc. I, da Resolução TSE n. 23.553/17, devido à caracterização dos recursos como de origem não identificada.

Insuperável a falha, também, no que tange aos cheques de R$ 5.000,00 e de R$ 2.000,00, cuja microfilmagem não foi juntada aos autos.

A microfilmagem dos títulos de crédito fez-se necessária em virtude de a consulta ao extrato eletrônico disponibilizado pelo TSE não ter identificado os beneficiários dos pagamentos acima referidos, que totalizam R$ 7.000,00.

A prestação de contas tem o objetivo de esclarecer e demonstrar a movimentação de recursos de campanha, permitindo que se identifique a origem das receitas e o destino das despesas, notadamente aquelas realizadas com recursos públicos, como o Fundo Partidário e o Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC).

Essa finalidade justifica todas as formalidades impostas aos candidatos, desde a arrecadação de recursos, passando pela realização de despesas, até a apresentação das contas de campanha.

Nessa linha de raciocínio, não basta que o prestador informe o destinatário de uma despesa específica ou apresente nota fiscal do serviço. O gasto deve ser realizado por meio de operações que permitam à Justiça verificar se os recursos financeiros foram, efetivamente, entregues aos credores informados.

Entretanto, diversamente da conclusão da área técnica, a ausência de cópia de cheque ao fornecedor ou de transferência bancária identificando o beneficiário não enseja o recolhimento ao erário, quando restarem comprovados os gastos por meio de documentos idôneos, como na hipótese vertente.

À luz do § 1° do art. 82 da Resolução TSE n. 23.553/17, tal providência é exigida apenas nos casos em que se verificar o recebimento de recursos de fonte vedada ou de origem não identificada ou, relativamente aos recursos do Fundo Partidário e/ou do FEFC, quando inexistir comprovação hábil de sua utilização ou seu emprego for considerado indevido.

Nesse sentido, colaciono recente acórdão desta Corte, da lavra do Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. DEPUTADO FEDERAL. ELEIÇÕES 2018. PARECER TÉCNICO E MANIFESTAÇÃO MINISTERIAL PELA DESAPROVAÇÃO DAS CONTAS. UTILIZAÇÃO IRREGULAR DE RECURSOS ORIUNDOS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA (FEFC). DEMONSTRADA APLICAÇÃO DOS RECURSOS PÚBLICOS. INDEVIDA A IMPOSIÇÃO DE RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. DESAPROVAÇÃO.

A natureza pública dos recursos oriundos do FEFC estabelece ao prestador o dever de assegurar a demonstração da sua correta aplicação, com obediência aos ditames legais e regulamentares, que exigem, dentre outras prescrições, a identificação do real beneficiário na própria transação bancária.

Tratando-se da contratação individual de pessoas físicas para serviços de distribuição de material de campanha, em que dispensada a emissão de documento fiscal, os gastos estão comprovados por meio da juntada dos correspondentes recibos de pagamento, na forma facultada pelo § 2º do art. 63 da Resolução TSE n. 23.553/17. Irregularidade quanto ao meio de pagamento utilizado, em desacordo ao disposto no art. 40, inc. I, da Resolução TSE n. 23.553/17.

Nesse contexto, diante da demonstração da aplicação dos recursos públicos com os recibos acostados, é indevida a imposição de recolhimento ao Tesouro Nacional. A falha corresponde a 36,08% do total das despesas de campanha, inviabilizando a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, impondo o juízo de reprovação das contas.

Desaprovação.

(TRE-RS, PC n. 0602655-72.2018.6.21.0000, Relator Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, julgado em 05.9.2019, publicado no DEJERS em 10.9.2019.)

Portanto, diante da demonstração da devida aplicação dos recursos por meio de comprovantes de pagamento idôneos, incabível a imposição de recolhimento de valores ao erário, em face da ausência de previsão legal dessa consequência.

No tocante à segunda falha apurada pela unidade de contas, foi observado, a partir de análise do extrato bancário referente à conta n. 61601780-6, agência 839, do Banco do Estado do Rio Grande do Sul, que a candidata recebeu, no dia 27.9.2018, em sua conta-corrente de campanha, doação de R$ 2.000,00 procedente de pessoa física, realizada por meio de dois depósitos bancários sucessivos em dinheiro, em uma operação de R$ 1.064,00 e outra de R$ 936,00.

Com efeito, os depósitos violam as normas de regência instituídas para conferir maior poder de controle sobre a movimentação de campanha. Não obstante tenham sido esses depósitos identificados no extrato bancário pelo CPF, a forma escolhida pelo doador impossibilita o cruzamento de informações com o sistema financeiro nacional, obstando a aferição da exata origem da receita, sendo o recurso considerado de origem não identificada.

A identificação do doador no depósito em dinheiro não supre a falha, na esteira de entendimento do Tribunal Superior Eleitoral, que decidiu que a exigência de transferência eletrônica para valores acima de R$ 1.064,10 não é meramente formal, cujo descumprimento enseja, em tese, a desaprovação das contas.

Colaciono, a seguir, a ementa do referido julgado:

ELEIÇÕES 2016. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. VEREADOR. DOAÇÃO. DEPÓSITO BANCÁRIO. EM ESPÉCIE. VALOR SUPERIOR A R$ 1.064,10. TRANSFERÊNCIA ELETRÔNICA. EXIGÊNCIA. ART. 18, § 1º DA RES.—TSE Nº 23.463/2015. DETERMINAÇÃO DE RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. PROVIMENTO.

1. In casu, trata-se de prestação de contas relativa às eleições de 2016 em que o candidato ao cargo de vereador recebeu doação de recursos para sua campanha, por meio de depósito bancário, no valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais).

2. Nas razões do regimental, o Parquet argumenta que não foi observado o art. 18, § 1º, da Res.-TSE n° 23.463/2015, segundo o qual "as doações financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) só poderão ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação".

3. A Corte Regional, soberana na análise dos fatos e provas, atestou a identificação da doadora do valor apontado como irregular por meio do número do CPF impresso no extrato eletrônico da conta de campanha.

4. Consoante decidido nesta sessão, no julgamento do AgR-REspe n° 265-35/RO, a maioria deste Tribunal assentou que a exigência de que as doações acima de R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) sejam feitas mediante transferência eletrônica não é meramente formal e o seu descumprimento enseja, em tese, a desaprovação das contas.

5. Considerando a maioria formada no presente julgamento nos mesmos termos do paradigma supracitado, reajusto o meu voto no caso vertente a fim de dar provimento ao recurso do Ministério Público Eleitoral para condenar o recorrido a recolher aos cofres públicos o valor de R$ 2.000,00 (dois mil reals).

6. A desaprovação das contas em virtude de eventual gravidade da irregularidade mostra-se inaplicável na espécie, em respeito ao princípio da congruência, uma vez que referida pretensão não foi objeto do recurso especial.

7. Agravo regimental acolhido para dar provimento ao recurso especial, com determinação de recolhimento ao erário do valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais).

(TSE – AgR-REspe n. 529-02, Relator Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, julgado em 11.9.2018, publicado no DJe, tomo 250, de 19.12.2018, pp. 92-93.)

A irregularidade enseja recolhimento do valor ao Tesouro Nacional, pois o art. 34, § 1º, inc. I, da Resolução TSE n. 23.553/17 determina o procedimento em caso de recursos de origem não identificada, como ocorre no caso dos autos.

Anoto, desde já, que essa doação não está sob o manto do art. 22, § 1º, da Resolução TSE n. 23.553/17, que, a contrario sensu, permite que as doações financeiras inferiores a R$ 1.064,10 sejam realizadas por meio outro que não a transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação, desde que devidamente identificado o contribuinte.

Ora, em que pese os depósitos glosados, isoladamente, não tenham excedido o valor de R$ 1.064,10, a soma deles alcançou a cifra de R$ 2.000,00. E, na inteligência do art. 22, § 2º, da multicitada resolução, as doações sucessivas, realizadas por um mesmo doador em uma mesma data, somam-se. Logo, foi extrapolado aquele limite regulamentar, cujo corolário é o julgamento dos recursos como sendo de origem não identificada.

Transcrevo, a seguir, o referido art. 22, caput e parágrafos aplicáveis à espécie:

Art. 22. As doações de pessoas físicas e de recursos próprios somente poderão ser realizadas, inclusive pela internet, por meio de:

I - transação bancária na qual o CPF do doador seja obrigatoriamente identificado;

(...)

§ 1º As doações financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) só poderão ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação.

§ 2º O disposto no § 1º aplica-se também à hipótese de doações sucessivas realizadas por um mesmo doador em um mesmo dia.

§ 3º As doações financeiras recebidas em desacordo com este artigo não podem ser utilizadas e devem, na hipótese de identificação do doador, ser a ele restituídas ou, se isso não for possível, recolhidas ao Tesouro Nacional, na forma prevista no caput do art. 34 desta resolução.

§ 4º As consequências da utilização dos recursos recebidos em desacordo com este artigo serão apuradas e decididas por ocasião do julgamento da prestação de contas.

(…)

A forma irregular em que os recursos provenientes dessa doação ingressaram na campanha eleitoral maculou a receita, impondo a desaprovação das contas.

Assim, as falhas apuradas nestes autos somam R$ 9.832,03, representando 68,04% da receita declarada pela prestadora, conduzindo à desaprovação por comprometerem a contabilidade.

Desse montante, a quantia de R$ 2.832,03 deve ser recolhida ao Tesouro Nacional por aplicação do disposto no art. 34, § 1º, inc. I, e no § 1° do art. 82,  ambos da Resolução TSE n. 23.553/17.

Por fim, consigna-se que os presentes autos virtuais encontram-se à disposição da Procuradoria Regional Eleitoral para, assim desejando, extrair as cópias que entender pertinentes para encaminhamento ao Ministério Público Eleitoral em primeira instância, a fim de apurar eventual ilícito criminal, sendo desnecessária a intervenção da Justiça Eleitoral para essa finalidade.

Diante do exposto, VOTO pela desaprovação das contas e autorizo a Procuradoria Regional Eleitoral a remeter cópias digitais dos autos ao Ministério Público Eleitoral para apuração de eventuais ilícitos criminais.