RE - 4870 - Sessão: 09/12/2019 às 11:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto pelo PARTIDO SOCIALISTA BRASILEIRO (PSB) de CRISTAL contra a decisão interlocutória que indeferiu o pedido de aplicação da anistia instituída pelo art. 2º da Lei n. 13.831/19, dispositivo que incluiu o art. 55-D na Lei n. 9.096/95, em virtude de o requerimento ter sido formulado após o trânsito em julgado da sentença que desaprovou a prestação de contas da agremiação, quando já deferido o pedido de parcelamento da dívida (fl. 178).

Em suas razões, preliminarmente, requer o recebimento do recurso com efeito suspensivo. No mérito, afirma que o entendimento do juízo a quo não se mostra razoável, por traduzir-se em interpretação que acarreta prejuízo aos partidos políticos. Alega que o trânsito em julgado da condenação é critério meramente processual e formal e que as agremiações com processos não transitados em julgado serão beneficiadas pela novel legislação. Defende que o recurso pretende uniformizar o tratamento a ser dado às legendas que cometeram infrações idênticas e postula a reforma da decisão recorrida (fls. 181-184).

A Procuradoria Regional manifestou-se pelo desprovimento do recurso e, subsidiariamente, pela declaração incidental de inconstitucionalidade do art. 55-D da Lei n. 9.096/95 (fls. 190-194).

É o relatório.

VOTO

Inicialmente, consigno que o art. 257 do Código Eleitoral é expresso ao estabelecer que os recursos eleitorais não terão efeito suspensivo, sendo incabível a suspensão do feito requerida nas razões recursais.

No mérito, a sentença que julgou as contas do exercício financeiro de 2015 do Partido Socialista Brasileiro de Cristal condenou a sigla a recolher ao Tesouro Nacional as quantias de R$ 24.803,15 - recebida de fontes vedadas - e de R$114,03, provenientes de recursos de origem não identificada, acrescidas de multa de 5% cada (fls. 109-111v.), e com trânsito em julgado em 13.10.2017 (fl. 113).

A seguir, em 30.4.2018, o magistrado a quo deferiu o pedido de parcelamento da dívida em 72 parcelas (fls. 123-124), data a partir da qual o partido passou a comprovar nos autos o adimplemento do débito.

Todavia, em 2.8.2019, depois da entrada em vigor do art. 55-D da Lei n. 9.096/1995, promulgado em 19.6.2019, após a derrubada pelo Congresso Nacional de veto presidencial, a agremiação peticionou pela aplicação do referido dispositivo, que estabelece: “Ficam anistiadas as devoluções, as cobranças ou as transferências ao Tesouro Nacional que tenham como causa as doações ou contribuições feitas em anos anteriores por servidores públicos que exerçam função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, desde que filiados a partido político”.

A decisão recorrida indeferiu o pedido nos seguintes termos:

A anistia concedida pelo art. 2º da Lei 13.831/2019, que acrescentou, entre outros, o art. 55-D à Lei 9.096/95 (que concede a anistia), não se aplica ao caso em tela, eis que o art. 3º daquela lei disciplina que suas disposições têm eficácia imediata para os processos de prestação de contas dos órgãos partidários em andamento, a partir de sua publicação, ainda que julgados, mas não transitados em julgados.

Registre-se que a Lei 13.831/19 foi publicada em junho de 2019 (promulgação de parte vetada), e o processo em epígrafe transitou em julgado em outubro de 2017.

Sendo assim, indefiro o pedido de anistia (fls. 176/177) e determino o regular prosseguimento do feito.

Determino, ainda, o sobrestamento dos presentes autos, no sistema SADP, para o fim específico de, eventualmente, não ocasionar ausência de movimentação por mais de 30 (trinta) dias (fl. 178).

O raciocínio do magistrado está correto, pois não é admitida a discussão de questões relativas à fase de conhecimento do processo na etapa de cumprimento da condenação, sob pena de ofensa à coisa julgada.

A todo efeito, transitada em julgado a sentença, não é possível invocar nova legislação, não vigente ao tempo do exercício financeiro, a fim de que seja aplicada de forma retroativa, uma vez que, após o trânsito em julgado, a decisão é abarcada pela imutabilidade da sentença, em virtude da eficácia preclusiva da coisa julgada, ainda que verse sobre matéria de ordem pública, nos exatos termos do art. 508 do CPC/15.

Ademais, o art. 3º da Lei n. 13.831/19, que incorporou a anistia à Lei dos Partidos Políticos ao incluir no texto da Lei n. 9.096/95 o art. 55-D, estabelece que “as disposições desta Lei terão eficácia imediata nos processos de prestação de contas e de criação dos órgãos partidários em andamento, a partir de sua publicação, ainda que julgados, mas não transitados em julgado”.

Além disso, no âmbito do Tribunal Superior Eleitoral e deste TRE-RS, está consolidado o entendimento de que as alterações legislativas nas normas eleitorais não se aplicam aos processos eleitorais de forma retroativa, por força do princípio do tempus regit actum estabelecido no art. 6º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro.

ELEIÇÕES 2014. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. DOAÇÃO DE RECURSOS ACIMA DO LIMITE LEGAL. PESSOA JURÍDICA. DECADÊNCIA. NÃO OPERADA. ADI Nº 4650. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE QUE NÃO SE APLICA A DOAÇÕES CONSOLIDADAS NAS ELEIÇÕES ANTERIORES À DATA DO JULGAMENTO. IRRETROATIVIDADE DA LEI Nº 13.165/2015. PRINCÍPIO DO TEMPUS REGIT ACTUM. INEXISTÊNCIA DE CARÁTER CONFISCATÓRIO DA MULTA. PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. AFASTAMENTO DA MULTA OU FIXAÇÃO DO SEU VALOR AQUÉM DO LIMITE MÍNIMO LEGAL. IMPOSSIBILIDADE. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. O prazo para o ajuizamento da representação por doação acima do limite legal é de 180 (cento e oitenta) dias, contados a partir da diplomação, conforme entendimento firmado por este Tribunal Superior. 2. A declaração de inconstitucionalidade do art. 81 da Lei nº 9.504/97 operou os seus efeitos a partir da sessão de julgamento da ADI nº 4650, a saber, 17 de setembro de 2015, alcançando as doações de campanhas a se realizarem no prélio eleitoral de 2016 e os subsequentes, não sendo essa a hipótese dos autos, que versa sobre doação realizada no pleito de 2014. 3. A revogação do art. 81 da Lei das Eleicoes não alcança as doações realizadas em eleições anteriores, notadamente por se tratar de atos jurídicos perfeitos consolidados sob a égide de outro regramento legal eleitoral, situação que se equaciona pela incidência do princípio do tempus regit actum, nos termos do art. 6º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. 4. O TSE já se pronunciou no sentido de que a multa por doação de campanha acima do limite legal não tem natureza confiscatória, já que não possui origem tributária, mas, sim, de penalidade aplicável em decorrência de prática de ato ilícito. 5. Os postulados fundamentais da proporcionalidade e da razoabilidade são inaplicáveis para o fim de afastar a multa cominada ou aplicá-la aquém do limite mínimo definido em lei, sob pena de vulneração da norma que fixa os parâmetros de doações de pessoas física e jurídica às campanhas eleitorais. 6. Agravo regimental desprovido.

(TSE, AI: 8259 BELO HORIZONTE - MG, Relator: LUIZ FUX, Data de Julgamento: 08/11/2016, Data de Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 29, Data 09.02.2017, Página 53.)

 

RECURSO. REPRESENTAÇÃO. DOAÇÃO DE RECURSOS ACIMA DO LIMITE LEGAL. PESSOA FÍSICA. ART. 23 DA LEI N. 9.504/97. ELEIÇÕES 2016. CONDENAÇÃO. IRRETROATIVIDADE DA APLICAÇÃO DA LEI N. 13.488/2017 EM RELAÇÃO AOS FATOS OCORRIDOS ANTES DE SUA VIGÊNCIA. PRINCÍPIOS DO TEMPUS REGIT ACTUM E DA SEGURANÇA JURÍDICA. MANUTENÇÃO DA MULTA. DESPROVIMENTO. Doação para campanha eleitoral acima do limite legal. Irretroatividade da Lei n. 13.488/17, a qual passou a vigorar após a doação irregular, em consideração aos princípios do tempus regit actum e da segurança jurídica. Incidência da legislação vigente ao tempo dos fatos, que estabelecia a sanção pecuniária de cinco a dez vezes o valor doado em excesso. Aplicação da multa no patamar mínimo legal. Provimento negado.

(TRE-RS, RE: 3133 GARIBALDI - RS, Relator: LUCIANO ANDRÉ LOSEKANN, Data de Julgamento: 07/08/2018, Data de Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 144, Data 10.08.2018, Página 5.)

Assim, a decisão merece ser mantida.

Acrescento que, para os processos de prestação de contas que se encontram ainda na fase de conhecimento, este Tribunal, na sessão de julgamento de 19.8.2019, declarou a inconstitucionalidade do art. 55-D da Lei n. 9.096/95, nos termos transcritos abaixo:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO DE 2015. DESAPROVAÇÃO. MATÉRIA PRELIMINAR ACOLHIDA. INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 55-D DA LEI N. 9.096/95, INCLUÍDO PELA LEI N. 13.831/19. MÉRITO. RECEBIMENTO DE RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA E DE FONTE VEDADA. PORCENTAGEM REPRESENTATIVA DAS IRREGULARIDADES DIANTE DA TOTALIDADE DOS RECURSOS ARRECADADOS NO PERÍODO. AFASTADA A APLICAÇÃO DOS POSTULADOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. MANUTENÇÃO DO JUÍZO DE DESAPROVAÇÃO. REDUZIDO O PERÍODO DE SUSPENSÃO DO FUNDO PARTIDÁRIO. AFASTADA A CONDIÇÃO DE QUE A SANÇÃO SUBSISTA ATÉ QUE OS ESCLARECIMENTOS SEJAM ACEITOS PELA JUSTIÇA ELEITORAL. PROVIMENTO PARCIAL.

1. Incidente de inconstitucionalidade suscitado pelo Procurador Regional Eleitoral. 1.1. O art. 55-D da Lei n. 9.096/95, norma legal objeto do aludido incidente, incluído pela Lei n. 13.831/19, assinala a anistia das devoluções, cobranças ou transferências ao Tesouro Nacional que tenham como causa as doações ou contribuições efetuadas, em anos anteriores, por servidores públicos os quais exerçam função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, desde que filiados a partido político. Ausência de notícia de que tenha havido oferecimento dos dados relativos à previsão de estimativa de impacto orçamentário e financeiro quando da tramitação da proposta legislativa prevendo a renúncia da receita. Omissão que afronta a exigência constitucional incluída pela EC n. 95/16 no art. 113 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. A legislação infraconstitucional igualmente exige seja comprovado o impacto orçamentário e financeiro à concessão de benefício que gere a diminuição de receita da União, nos termos do art. 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal e arts. 114 e 116 da Lei n. 13.707/18. 1.2. A anistia das verbas consideradas como oriundas de fontes vedadas - benefício instituído em causa própria e sem qualquer finalidade pública subjacente - atenta ao princípio da moralidade administrativa e desvirtua a natureza jurídica do instituto. 1.3. Vício de inconstitucionalidade formal e material. Acolhimento da preliminar. Afastada, no caso concreto, a aplicação do art. 55-D da Lei n. 9.096/95, incluído pela Lei n. 13.831/19.

(...)

6. Parcial provimento.

(TRE-RS, RE n. 35-92, Rel. Des. Eleitoral Gerson Fischmann, julgado em 19.8.2019, DEJERS 23.8.2019.)

Além disso, tramita, atualmente, no Supremo Tribunal Federal, a Ação Direta de Inconstitucionalidade ADI n. 6.230, de relatoria do Ministro Ricardo Lewandowski, ajuizada pela Procuradoria Geral da República, em 17.9.2019, contra os dispositivos da Lei n. 13.831/2019 invocados no parecer ministerial: art. 1º, na parte em que altera os §§ 2º e 3º do art. 3º da Lei n. 9.096 de 1995; e art. 2º, na parte que acrescenta os arts. 55-A, 55- B, 55-C e 55-D à Lei n. 9.096, de 1995, estando pendente de análise a Medida Cautelar requerida.

Com essas considerações, entendo que o recurso não comporta provimento.

Ante o exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso.