INQ - 2938 - Sessão: 25/11/2019 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de procedimento instaurado a partir de duas ocorrências policiais registradas em face de NATANIEL SATIRO DO VAL CANDIA, eleito prefeito de Amaral Ferrador nas eleições de 2016, nas quais o cidadão comunicante declarou ter a posse de gravação de áudio, captada durante a campanha do pleito de 2016, em que o investigado prometeu a instalação de um poço artesiano e/ou ofertou emprego a duas pessoas.

Após análise preliminar, o Juízo da 19ª Zona Eleitoral acolheu promoção do Ministério Público Eleitoral e declinou a competência para este Tribunal, entendendo que o suposto fato delituoso verificou-se no dia do registro do boletim de ocorrência policial, 24.12.2018, quando NATANIEL SATIRO DO VAL CANDIA já estaria em exercício no cargo de prefeito.

A Procuradoria Regional Eleitoral manifesta-se pelo declínio da competência ao juízo a quo, pois as ocorrências policiais indicam a prática do fato, em tese, em data não especificada, mas durante o período eleitoral de 2016, circunstância que atrai a aplicação do entendimento firmado pelo STF e pelo STJ no sentido de que o foro por prerrogativa de função incide apenas quanto aos crimes cometidos durante o exercício do mandato eletivo e relacionados às funções desempenhadas.

É o relatório.

VOTO

A promoção ministerial pela declinação da competência fundamenta-se no recente entendimento das Cortes superiores de que a regra do art. 29, inc. X, da Constituição Federal, prevendo a competência originária dos Tribunais Regionais Eleitorais para o processo e julgamento de ação penal eleitoral contra ocupante do cargo eletivo de prefeito, deve restringir-se às hipóteses em que os supostos crimes tenham sido cometidos no exercício do cargo e com pertinência às funções exercidas (STF, Questão de Ordem na Ação Penal Originária n. 937, Plenário, Rel. Min. Roberto Barroso, j. em 03.5.2018 - Info 900; STJ, Questão de Ordem na Ação Penal Originária n. 857, Corte Especial, Rel. para acórdão Min. João Otávio de Noronha, j. em 20.6.2018).

A nova compreensão justifica-se nas disfuncionalidades verificadas na conformação atual do instituto, que foi concebido como uma garantia em razão da relevância do cargo ou da função desempenhada, a fim de resguardar a liberdade e a independência de atuação dos agentes, não ostentando caráter pessoal.

No caso dos autos, embora os registros policiais tenham sido realizados após a assunção do investigado no cargo de prefeito, em 24.12.2018, declarou o noticiante Roger Lock Skopinski que a suposta promessa de emprego e de construção de poço artesiano ocorrera anteriormente, durante a campanha eleitoral de 2016, quando NATANIEL SATIRO DO VAL CANDIA era tão somente um candidato ao cargo eletivo.

Da minudente análise da Procuradoria Regional Eleitoral sobre os elementos de prova contidos nos autos, em especial o termo de declarações do noticiante, o áudio captado, o vídeo e a imagem anexados ao termo de declarações, tem-se que os fatos foram, em tese, praticados somente em 2016, e que após, entre 2017 e 2018, os eleitores supostamente corrompidos teriam apenas conversado sobre o assunto, inclusive pessoalmente, com o investigado.

Portanto, com razão o órgão ministerial ao concluir que “o único fato que, em tese, poderia ser capitulado como crime eleitoral (CE, art. 299) – promessa de construção de poço artesiano e/ou oferta de emprego a (possíveis) eleitores, (infere-se:) em troca dos seus votos – teria ocorrido durante a campanha eleitoral de 2016, quando NATANIEL SATIRO DO VAL CANDIA não se encontrava no exercício do mandato de Prefeito Municipal”.

Conforme pondera o Parquet eleitoral, a circunstância de NATANIEL, agora na condição de prefeito, receber a eleitora alegadamente corrompida em seu gabinete e conversar sobre “sua cobrança acerca das promessas de campanha”, não conduz à alteração da competência jurisdicional para supervisão da apuração criminal, pois o delito, acaso efetivamente comprovado, “restou consumado até no máximo a data do pleito de 2016”.

Além disso, a Procuradoria Regional Eleitoral acrescenta que, dos indícios de prova coletados até o momento, o desentendimento público ocorrido em 24.12.2018 entre o comunicante Roger Lock Skopinski e o investigado não caracteriza tipo penal apto a atrair a competência originária desta Corte para a supervisão de eventual investigação criminal.

Assim, o posicionamento dos tribunais superiores quanto à restrição do foro por prerrogativa de função deve ser adotado neste feito, na esteira do entendimento da jurisprudência deste Regional:

INQUÉRITO POLICIAL. SUPOSTA PRÁTICA DOS DELITOS TIPIFICADOS NOS ARTS. 324, 325 E 326, C/C 327, INC. III, E ART. 350, TODOS DO CÓDIGO ELEITORAL. ELEIÇÕES 2016. PREFEITO. PRERROGATIVA DE FORO. NOVA INTERPRETAÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. LIMITAÇÃO AO EXERCÍCIO DO CARGO. DECLÍNIO DE COMPETÊNCIA.

O Supremo Tribunal Federal assentou nova interpretação para restringir a aplicação do foro por prerrogativa de função apenas aos delitos praticados no exercício do cargo e com pertinência com as funções exercidas. Investigação por suposta prática de crimes em período anterior à assunção ao cargo de prefeito. Acolhimento da preliminar ministerial. Insubsistência da competência criminal originária por prerrogativa de foro.

Declínio da competência.

(TRE-RS, INQ n. 83-32.2017.6.21.0000, relator Des. Eleitoral EDUARDO AUGUSTO DIAS BAINY, DEJERS de 15.10.2018.)

INQUÉRITO. CRIME ELEITORAL. ART. 324 DO CÓDIGO ELEITORAL. ELEIÇÕES 2016. NOVO ENTENDIMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. PRERROGATIVA DE FORO. LIMITAÇÃO AO EXERCÍCIO DO CARGO. CANDIDATO AO CARGO DE PREFEITO NA ÉPOCA DO FATO. DECLÍNIO DE COMPETÊNCIA.

Suposta prática de crime durante debate eleitoral que antecedeu ao pleito, período em que o investigado detinha apenas a condição de candidato ao cargo de prefeito. Novo posicionamento do Supremo Tribunal Federal no sentido de limitar o foro por prerrogativa de função às hipóteses em que a prática delitiva ocorrer no exercício do cargo e em decorrência de suas atribuições. Alinhamento deste Tribunal à nova interpretação. Não subsiste a competência originária criminal desta Corte, reconhecida ao juízo eleitoral de primeiro grau. Acolhida a promoção ministerial.

(TRE-RS, INQ n. 3-33.2018.6.21.0162, relator Des. Eleitoral JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, DEJERS de 28.09.2018.)

Com esses fundamentos, assento que este Tribunal não é competente para processar e julgar originariamente o investigado pelo fato objeto do presente inquérito.

DIANTE DO EXPOSTO, voto pelo acolhimento da promoção ministerial, declinando da competência ao Juízo Eleitoral da 19ª Zona Eleitoral – Encruzilhada do Sul –, para que, após a abertura de vista, o membro do Ministério Público Eleitoral oficiante adote as providências que entender cabíveis.