PC - 0602383-78.2018.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 05/11/2019 às 17:00

VOTO

Conforme consta nos autos, após os procedimentos de exame, a unidade técnica apontou inconsistência nas contas de JOSE ALBERTO FOGAÇA DE MEDEIROS, em face do recebimento de depósitos em espécie, fracionados em uma mesma data, que somam R$ 8.000,00, realizados de modo distinto da transferência bancária, bem como de divergência entre a movimentação financeira declarada e aquela apurada nos extratos eletrônicos disponibilizados pelo TSE.

No tocante ao recebimento de doações mediante depósitos em dinheiro, o parecer técnico conclusivo restou assim vazado:

1. Item 1 do exame da prestação de contas, foram observadas, no extrato bancário e/ou extratos eletrônicos disponibilizados pelo TSE referente à conta 64087150-2, ag. 100, Banrisul, doações financeiras recebidas de pessoa física acima de R$ 1.064,10, realizadas de forma fracionada na mesma data (06/09/2018), e ainda distintas da opção de transferência eletrônica, contrariando o disposto nos arts. 22, I, §§ 1º, e 34, § 1º, I, da Resolução TSE nº 23.553/2017, conforme tabela abaixo:

Em que pese a manifestação do candidato, declarando, no ID 3318133 página 3, que “os valores em dinheiro foram estornados no mesmo dia e os valores em cheque assim que compensaram”, observou-se que os valores não foram restituídos aos doadores, mas repassados ao candidato a governador José Ivo Sartori. Nesse contexto, considera-se que o prestador utilizou os recursos recebidos de forma irregular, pois as doações financeiras provenientes de pessoas físicas acima de R$ 1.064,10, advindas de doações sucessivas realizadas por um mesmo doador em um mesmo dia, somente poderiam ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação.

O objetivo central da norma é tornar mais rígida a fiscalização da origem dos recursos. A regra existe para assegurar a rastreabilidade dos recursos (origem e destino), o que ficou comprometido quando a operação foi feita por meio diverso. A transferência eletrônica é a forma que confere maior transparência às doações e a que permite evitar o uso de recursos provenientes de fontes vedadas.

O montante de R$ 8.000,00 recebido em desacordo com a norma, ou seja, sob a forma de depósito em espécie e depósito em cheque, impossibilita o cruzamento de informações com o sistema financeiro nacional e obstam a confirmação da exata origem dos recursos recebidos, uma vez que para o depósito em espécie são lançadas as informações declaradas pelo depositante, diferentemente da transferência bancária, onde a operação é “conta a conta” o que garante a correta identificação da origem do recurso.

Neste passo, observa-se que o prestador de contas utilizou o recurso na campanha eleitoral e não apresentou Guia de Recolhimento da União que comprove o recolhimento dos valores recebidos de forma irregular. Assim, a falha enseja recolhimento ao Tesouro Nacional do valor de R$ 8.000,00, conforme art. 22, § 3°, da Resolução TSE n. 23.553/2017:

(…)

A unidade técnica apontou que o candidato recebeu, em sua conta bancária, doações financeiras em espécie recebidas de pessoa física, em montante acima de R$ 1.064,09, realizadas de forma fracionada, em uma mesma data, conforme a tabela supratranscrita.

A respeito da arrecadação de recursos para campanha por meio de recebimento de doações, dispõe o art. 22, §§1º e 2º, da Resolução TSE n. 23.553/17:

Art. 22. As doações de pessoas físicas e de recursos próprios somente poderão ser realizadas, inclusive pela internet, por meio de:

[...]

§ 1º As doações financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) só poderão ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação.

§ 2º O disposto no § 1º aplica-se também à hipótese de doações sucessivas realizadas por um mesmo doador em um mesmo dia.

Conforme se extrai do dispositivo transcrito, doações de valor igual ou superior R$ 1.064,10 devem ser realizadas por meio de transferência eletrônica entre contas bancárias, de modo a coibir a possibilidade de manipulações e transações transversas que ocultem ou dissimulem eventuais ilicitudes, como a utilização de fontes vedadas de recursos e a desobediência aos limites de doação, sendo imprescindível para a perfeita identificação do doador.

O escopo da norma é possibilitar o cruzamento de informações com o Sistema Financeiro Nacional, de modo a permitir que a fonte declarada seja confirmada por meio dos mecanismos técnicos de controle da Justiça Eleitoral.

A regulamentação também é aplicável na ocorrência de sucessivas movimentações de recursos em um mesmo dia, situação em que o limite indicado na norma eleitoral deve ser aferido com base no resultado da soma das operações realizadas pelo mesmo doador, como ocorreu na hipótese vertente.

Assim, a ausência de comprovação segura do doador caracteriza os recursos como de origem não identificada, cujo valor correspondente – R$ 8.000,00 – deve ser recolhido ao Tesouro Nacional, nos termos preconizados pelos arts. 22, § 3º, e 34, § 1º, inc. I, da Resolução TSE n. 23.553/17, verbis:

Art. 22 (...)

§ 3º As doações financeiras recebidas em desacordo com este artigo não podem ser utilizadas e devem, na hipótese de identificação do doador, ser a ele restituídas ou, se isso não for possível, recolhidas ao Tesouro Nacional, na forma prevista no caput do art. 34 desta resolução.

(...)

Art. 34. Os recursos de origem não identificada não podem ser utilizados por partidos políticos e candidatos e devem ser transferidos ao Tesouro Nacional por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU).

§ 1º Caracterizam o recurso como de origem não identificada:

I - a falta ou a identificação incorreta do doador; e/ou

(...)

Tendo em vista que os valores acima especificados foram utilizados na campanha, há de ser determinado o recolhimento da quantia irregular aos cofres públicos.

Nesse sentido, colaciono julgado do Tribunal Superior Eleitoral,  o qual entendeu que, comprovado o recebimento de depósitos em espécie em valor acima do permitido, impõe-se o recolhimento ao Tesouro Nacional da verba correspondente:

ELEIÇÕES 2016. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. VEREADOR. DOAÇÃO. DEPÓSITO BANCÁRIO. EM ESPÉCIE. VALOR SUPERIOR A R$ 1.064,10. TRANSFERÊNCIA ELETRÔNICA. EXIGÊNCIA. ART. 18, § 1º DA RES. TSE Nº 23.463/2015. DETERMINAÇÃO DE RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. PROVIMENTO.

1. In casu, trata-se de prestação de contas relativa às eleições de 2016 em que o candidato ao cargo de vereador recebeu doação de recursos para sua campanha, por meio de depósito bancário, no valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais).

2. Nas razões do regimental, o Parquet argumenta que não foi observado o art. 18, § 1º, da Res.-TSE nº 23.463/2015, segundo o qual "as doações financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) só poderão ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação".

3. A Corte Regional, soberana na análise dos fatos e provas, atestou a identificação da doadora do valor apontado como irregular por meio do número do CPF impresso no extrato eletrônico da conta de campanha.

4. Consoante decidido nesta sessão, no julgamento do AgR-REspe nº 265-35/RO, a maioria deste Tribunal assentou que a exigência de que as doações acima de R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) sejam feitas mediante transferência eletrônica não é meramente formal e o seu descumprimento enseja, em tese, a desaprovação das contas.

5. Considerando a maioria formada no presente julgamento nos mesmos termos do paradigma supracitado, reajusto o meu voto no caso vertente a fim de dar provimento ao recurso do Ministério Público Eleitoral para condenar o recorrido a recolher aos cofres públicos o valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais).

6. A desaprovação das contas em virtude de eventual gravidade da irregularidade mostra-se inaplicável na espécie, em respeito ao princípio da congruência, uma vez que referida pretensão não foi objeto do recurso especial.

7. Agravo regimental acolhido para dar provimento ao recurso especial, com determinação de recolhimento ao erário do valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais).

(TSE – AgR-REspe n. 529-02.2016.6.08.0010/ES, Rel. Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, julgado em 11.9.2018, publicado no DJE – Diário de justiça eletrônico, Tomo 250, de 19.12.2018, pp. 92-93.)

No que tange ao apontamento relacionado à divergência entre a movimentação financeira declarada por JOSE ALBERTO FOGAÇA DE MEDEIROS e aquela apurada nos extratos eletrônicos disponibilizados pelo TSE, tal configura mera impropriedade, não tendo o condão de macular a confiabilidade das contas do candidato, consoante conclusão do órgão técnico, que merece acolhimento:

Assim, considera-se o apontamento como impropriedade, por se tratar de erro material, não comprometendo a confiabilidade das informações declaradas pelo prestador de contas.

Assim, ultimada a análise do ajuste contábil do candidato, tem-se que a irregularidade detectada, no montante de R$ 8.000,00, representa apenas 0,31 % do total de receitas declaradas (R$ 2.502.526,80).

Desse modo, a quantia revela-se inexpressiva frente ao conjunto da contabilidade, de forma que se mostra adequado, mediante a aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade, afastar o severo juízo de desaprovação das contas, a fim de aprová-las com ressalvas, na esteira da jurisprudência do egrégio TSE:

ELEIÇÕES 2016. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. APLICABILIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

1. "Com base na compreensão da reserva legal proporcional, nem toda irregularidade identificada no âmbito do processo de prestação de contas autoriza a automática desaprovação de contas de candidato ou de partido político, competindo à Justiça Eleitoral verificar se a irregularidade foi capaz de inviabilizar a fiscalização" (AgR-REspe 2159-67, rel. Min. Gilmar Mendes, DJe de 11.3.2016).

2. Com relação à falha de omissão de receitas e despesas, consistiu ela no valor de R$ 295,20, a qual a própria Corte de origem assinalou não ser "capaz de levar à desaprovação das contas, sendo o caso de anotação de ressalvas, conforme o art. 68, II, da Res. TSE 23.463/2016".

3. Não obstante, o Tribunal a quo entendeu apta a ensejar a desaprovação das contas a irregularidade alusiva a doação que consistiu em recurso de origem não identificada. Todavia, conforme consta da decisão regional, é certo que a falha apontada correspondeu a aproximadamente 12% do total de recursos arrecadados para campanha eleitoral, mas é de se ponderar que se trata de uma campanha para vereador e o valor absoluto corresponde a R$ 1.000,00, a revelar o seu caráter diminuto, o que permite a aprovação com ressalvas.

4. Para fins de aplicação do princípio da razoabilidade e da proporcionalidade no âmbito dos processos de prestação de contas, a gravidade da falha tem relevância para a aferição da questão, mas outras circunstâncias podem ser ponderadas pelo julgador no caso concreto, notadamente se o vício, em termos percentuais ou absolutos, se mostra efetivamente expressivo.

Precedente: AgR-AI 211-33, red. para o acórdão Min. Henrique Neves, DJe de 19.8.2014. Agravo regimental a que se nega provimento.

(Recurso Especial Eleitoral n. 27324, Acórdão, Relator Min. ADMAR GONZAGA, Publicação: DJE-Diário de justiça eletrônico, Data 29.9.2017.) (Grifei.)

Na mesma linha, destaco a seguinte ementa desta Corte:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. ELEIÇÕES DE 2016. VEREADOR. LIMITE DE GASTOS COM ALIMENTAÇÃO. DIVERGÊNCIA QUANTO À AUTORIA DAS DOAÇÕES. IRREGULARIDADES INFERIORES A 10% DA ARRECADAÇÃO. PROPORCIONALIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. Gastos com alimentação que excedem em 3,2% o limite de despesas dessa natureza e divergência entre os dados do extrato bancário e as declarações de doações registradas no balanço contábil que expressam 3,57% dos recursos arrecadados. Falhas que, somadas, representam menos de 10% dos recursos utilizados na campanha, não prejudicando a confiabilidade das contas. Incidência do princípio da proporcionalidade. Provimento parcial. Aprovação com ressalvas.

(TRE-RS – RE n. 41060, Relator Des. Eleitoral MIGUEL ANTÔNIO SILVEIRA RAMOS, julgado em 25.6.2018, publicado no DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 112, em 27.6.2018, p. 6.)

Ante o exposto, VOTO pela aprovação com ressalvas das contas de JOSE ALBERTO FOGAÇA DE MEDEIROS e respectivos suplentes, com base no art. 77, inc. II, da Resolução TSE n. 23.553/17, e pela determinação de recolhimento da quantia de R$ 8.000,00 ao Tesouro Nacional, nos termos dos arts. 22, § 3º, e 34, caput, da mesma Resolução.