PC - 0602146-44.2018.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 04/11/2019 às 17:00

VOTO

Após a realização dos procedimentos técnicos e da análise dos documentos e esclarecimentos prestados, a Secretaria de Controle Interno e Auditoria deste TRE emitiu parecer conclusivo, apontando irregularidade consistente na ausência de comprovação da despesa de R$ 1.335,00, efetuada com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC).

O prestador informou o pagamento de R$ 1.335,00 ao fornecedor Arte Recriada, por meio do cheque n. 900010.

Todavia, essa anotação não encontra respaldo nos extratos bancários, os quais apontam que o saque foi realizado por empresa diversa daquela noticiada pelo prestador, como esclareceu o parecer conclusivo:

Em consulta ao extrato bancário eletrônico, disponibilizado pelo TSE no site http://divulgacandcontas.tse.jus.br, verifica-se que a operação de saque do cheque n. 900010 apresenta como contraparte a pessoa jurídica Marktup por Wirecard, CNPJ 08.718.431/0001-08, e não o fornecedor Arte Recriada, CNPJ 13.431.575/0001-64, declarado como recebedor do cheque na prestação de contas.

Para a prova de correção da despesa, o órgão técnico solicitou ao prestador a apresentação de cópia do cheque correspondente. A parte, por sua vez, argumentou ter demonstrado o gasto por meio de nota fiscal e declaração da empresa Arte Recriada. Alega, também, que o saque por terceira pessoa não representa irregularidade, pois o título pode ser endossado pela empresa credora.

Exposta a situação, entendo não estar comprovada a despesa, diante da ausência de apresentação de cópia do cheque nominal.

A Resolução TSE n. 23.553/17 estabelece que os gastos financeiros somente podem ser realizados por cheque nominal, transferência bancária ou débito em conta:

Art. 40. Os gastos eleitorais de natureza financeira, ressalvados os de pequeno vulto previstos no art. 41 e o disposto no § 4º do art. 10 desta resolução, só podem ser efetuados por meio de:


I - cheque nominal;

II - transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário; ou

III - débito em conta.

A prestação de contas tem a finalidade de esclarecer e demonstrar a movimentação de recursos de campanha, permitindo que se identifique a origem das receitas e o destino das despesas, notadamente aquelas efetuadas com recursos públicos, como o Fundo Partidário e o Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC).

Esse objetivo justifica todas as formalidades impostas aos candidatos, desde a arrecadação de recursos, passando pela realização de despesas, até a apresentação das contas de campanha.

Nessa linha de raciocínio, não basta que o prestador informe o destinatário de uma despesa específica ou apresente nota fiscal do serviço. O gasto deve ser feito por meio de operações que permitam à Justiça verificar se os recursos financeiros foram realmente entregues aos credores nominados.

Em relação ao cheque, propriamente, o título precisa ser nominal, conforme expressa determinação normativa, porque isso garante sua efetiva entrega ao credor informado e permite identificar a cadeia de endossos.

De nada adiantaria exigir-se que a transação se faça por cheque nominal, se a Justiça Eleitoral não puder solicitar cópia do título para averiguar se houve, de fato, a emissão nominal ao credor informado na prestação de contas.

A Resolução TSE n. 23.553/17 admite que a Justiça Eleitoral requeira outros documentos aptos a esclarecer a movimentação financeira, além dos constantes no rol obrigatório, como se extrai do art. 56, § 2º, inc. II:

art. 56.

§ 2º Para subsidiar o exame das contas prestadas, a Justiça Eleitoral poderá requerer a apresentação dos seguintes documentos, observado o que dispõe o § 1º deste artigo:

I - documentos fiscais e outros legalmente admitidos que comprovem a regularidade dos gastos eleitorais;

II - outros elementos que comprovem a movimentação realizada na campanha eleitoral, inclusive a proveniente de bens ou serviços estimáveis.

Tal providência não diz respeito à presunção de má-fé do prestador. Trata-se de diligência para verificar se houve o efetivo cumprimento da norma: a emissão de cheque nominal ao fornecedor. A adequada demonstração dos gastos de campanha realizados com recursos públicos é ônus de todo o candidato, por dever de transparência imposto pelo princípio republicano a todos que gerenciam ou utilizam verbas públicas.

Não se nega a possibilidade de endosso do título pelo fornecedor. Contudo, a microfilmagem dos cheques busca esclarecer se foram efetivamente emitidos de forma nominal e para o fornecedor da campanha. São esses fatos que devem ser asseverados com a prova. Eventual endosso posterior é irrelevante para a regularidade das contas.

Dessa forma, a ausência da cópia do cheque leva à não comprovação do gasto, tendo em vista (a) a finalidade da prestação de contas; (b) o dever de emissão de cheques nominais; (c) a possibilidade de requerimento de diligências adicionais, para além dos documentos de apresentação obrigatória; e (d) a natureza pública dos recursos utilizados.

A ausência dessa prova mostra-se ainda mais grave no caso em análise, pois os extratos bancários indicam que o saque foi feito por pessoa diversa do fornecedor da campanha.

Ademais, o prestador informou ter solicitado ao banco a microfilmagem do título ainda em dezembro de 2018 (ID 1672233), mas deixou de apresentá-lo, não obstante tenha se manifestado nos autos posteriormente.

Dessa forma, considera-se não comprovada a despesa de R$ 1.335,00 com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), valor que deverá ser recolhido ao Tesouro Nacional, nos termos do art. 82, § 1º, da Resolução TSE n. 23.553/17:

art. 82.

§ 1º Verificada a ausência de comprovação da utilização dos recursos do Fundo Partidário e/ou do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) ou a sua utilização indevida, a decisão que julgar as contas determinará a devolução do valor correspondente ao Tesouro Nacional no prazo de 5 (cinco) dias após o trânsito em julgado, sob pena de remessa de cópia digitalizada dos autos à representação estadual ou municipal da Advocacia-Geral da União, para fins de cobrança.

Tal falha representa ínfimo montante dos recursos movimentados (0,9%), de forma que se mostra adequado, mediante a aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade, afastar o juízo de reprovação das contas, a fim de aprová-las com ressalvas, na esteira da jurisprudência do egrégio TSE e deste Tribunal:

ELEIÇÕES 2016. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. PRÍNCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. APLICABILIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

1. "Com base na compreensão da reserva legal proporcional, nem toda irregularidade identificada no âmbito do processo de prestação de contas autoriza a automática desaprovação de contas de candidato ou de partido político, competindo à Justiça Eleitoral verificar se a irregularidade foi capaz de inviabilizar a fiscalização" (AgR-REspe 2159-67, rel. Min. Gilmar Mendes, DJe de 11.3.2016).

2. Com relação à falha de omissão de receitas e despesas, consistiu ela no valor de R$ 295,20, a qual a própria Corte de origem assinalou não ser "capaz de levar à desaprovação das contas, sendo o caso de anotação de ressalvas, conforme o art. 68, II, da Res. TSE 23.463/2016".

3. Não obstante, o Tribunal a quo entendeu apta a ensejar a desaprovação das contas a irregularidade alusiva a doação que consistiu em recurso de origem não identificada. Todavia, conforme consta da decisão regional, é certo que a falha apontada correspondeu a aproximadamente 12% do total de recursos arrecadados para campanha eleitoral, mas é de se ponderar que se trata de uma campanha para vereador e o valor absoluto corresponde a R$ 1.000,00, a revelar o seu caráter diminuto, o que permite a aprovação com ressalvas.

4. Para fins de aplicação do princípio da razoabilidade e da proporcionalidade no âmbito dos processos de prestação de contas, a gravidade da falha tem relevância para a aferição da questão, mas outras circunstâncias podem ser ponderadas pelo julgador no caso concreto, notadamente se o vício, em termos percentuais ou absolutos, se mostra efetivamente expressivo.

Precedente: AgR-AI 211-33, red. para o acórdão Min. Henrique Neves, DJe de 19.8.2014. Agravo regimental a que se nega provimento.

(Recurso Especial Eleitoral n. 27324, Acórdão, Relator Min. ADMAR GONZAGA, Publicação: DJE-Diário de justiça eletrônico, Data 29.9.2017.) (Grifei.)

 

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. ELEIÇÕES DE 2016. VEREADOR. LIMITE DE GASTOS COM ALIMENTAÇÃO. DIVERGÊNCIA QUANTO À AUTORIA DAS DOAÇÕES. IRREGULARIDADES INFERIORES A 10% DA ARRECADAÇÃO. PROPORCIONALIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. Gastos com alimentação que excedem em 3,2% o limite de despesas dessa natureza e divergência entre os dados do extrato bancário e as declarações de doações registradas no balanço contábil que expressam 3,57% dos recursos arrecadados. Falhas que, somadas, representam menos de 10% dos recursos utilizados na campanha, não prejudicando a confiabilidade das contas. Incidência do princípio da proporcionalidade. Provimento parcial. Aprovação com ressalvas.

(TRE-RS - RE n. 41060 PORTO ALEGRE - RS, Relator: MIGUEL ANTÔNIO SILVEIRA RAMOS, Data de Julgamento: 25.6.2018, Data de Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 112, Data 27.6.2018, Página 6.)

Ante o exposto, VOTO pela aprovação com ressalvas das contas, com a determinação de recolhimento da quantia de R$ 1.335,00 ao Tesouro Nacional.