RE - 54520 - Sessão: 11/11/2019 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto por CÁSSIO DE JESUS TROGILDO (fls. 487-493) contra decisão do juízo da 1ª Zona Eleitoral de Porto Alegre, que, nos autos do Requerimento de Registro de Candidatura n. 545-20.2016.6.21.0000, determinou a cassação do mandato de vereador ao qual o recorrente foi conduzido nas eleições de 2016 (fls. 478-480v.).

Na cronologia do processo, o Ministério Público Eleitoral propôs Ação de Impugnação de Registro de Candidatura (AIRC) referente ao pleito municipal de 2016 (fls. 51-58), com base no acórdão deste Tribunal (fls. 59-80) que, em sede de Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE n. 785-53.2012.6.21.0000), reconheceu a prática, por parte do ora recorrente, de abuso dos poderes político e econômico, nas eleições de 2012, com a imposição de cassação do diploma e de inelegibilidade pelo prazo de 8 (oito) anos, além da nulidade dos votos por incidência do art. 1º, inc. I, al. “d”, da Lei Complementar n. 64/90.

No processo da AIRC, o impugnante asseverou que, embora o aresto proveniente da AIJE em grau recursal (RE n. 785-53 – Rel. Dr. Ingo Wolfgang Sarlet) tenha sido liminarmente suspenso pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) nos autos da Ação Cautelar n. 622-22/RS (fls. 81-87v.) e da Reclamação n. 512-52 (fls. 95-98v.), a referida suspensão não afastou os efeitos secundários da condenação, motivo pelo qual requereu a procedência da AIRC, para o efeito de ser indeferido o registro de candidatura de CÁSSIO DE JESUS TROGILDO no pleito de 2016.

A Ação de Impugnação de Registro de Candidatura (AIRC) seguiu seu trâmite, conforme os arts. 3º e segs. da Lei Complementar n. 64/90.

Ao sentenciar, o magistrado de primeiro grau julgou procedente a impugnação, indeferindo o registro de candidatura do impugnado, sob o entendimento de que as liminares do TSE, que concederam efeito suspensivo ao recurso especial interposto, se restringiram a suspender os efeitos da execução do acórdão, limitando-se ao pedido de afastamento do candidato do cargo de vereador, sem atingir a inelegibilidade declarada (fls. 163-168).

Na mesma linha de compreensão, este Regional negou provimento aos recursos eleitorais interpostos por CÁSSIO DE JESUS TROGILDO e pelo PARTIDO TRABALHISTA BRASILEIRO (PTB) de Porto Alegre (fls. 170-180 e 182-192, respectivamente), para manter a sentença de indeferimento do pedido de registro de candidatura do impugnado, ora recorrente, à eleição municipal de 2016 (fls. 217-222).

Rejeitados os embargos de declaração opostos pelo candidato e sua agremiação (249-253v.), o vereador interpôs recurso especial (fls. 255-271).

Os autos subiram ao TSE, onde, em decisão monocrática (fls. 292-303), o Ministro relator do recurso especial no RRC n. 545-20, Napoleão Nunes Maia Filho, reconheceu a amplitude da suspensão para alcançar todas as sanções constantes da decisão condenatória proferida nos autos da AIJE, afastando, por consequência, a inelegibilidade e deferindo o registro de candidatura do recorrente.

Interposto agravo interno contra essa decisão (fls. 306-312), o TSE negou provimento ao recurso, preservando o registro do recorrente ao cargo de vereador para o pleito de 2016 (fls. 325-347). Com o trânsito em julgado em 05.4.2019 (fl. 350), o processo retornou ao juízo de origem, para fins de arquivamento.

Na sequência, aportou aos autos informação sobre o trânsito em julgado da decisão que impôs a cassação do diploma do candidato CÁSSIO DE JESUS TROGILDO e sua inelegibilidade pelo prazo de 8 (oito) anos, além da nulidade dos votos recebidos na eleição de 2012, prolatada na AIJE n. 785-53 (fls. 377-464).

Com vista dos autos do presente processo, o Ministério Público Eleitoral com atuação no juízo a quo se manifestou pelo arquivamento do processo, tendo em vista que a decisão que julgou improcedente a impugnação ao registro de candidatura do ora recorrente para as eleições de 2016 encontra-se abrigada pelo manto da coisa julgada (fl. 476 e v.).

Autos conclusos, o juiz sentenciante prolatou nova decisão (fls. 478-480v.) cassando o mandato do recorrente, por entender que a inelegibilidade referente às eleições de 2012 – decretada na AIJE n. 785-53 – é causa extintiva do mandato obtido em 2016. Considerou, ainda, que negar a possibilidade de cassação do mandato na presente AIRC, tornaria ineficiente a decisão declaratória que o tornou inelegível. Compreendeu o magistrado, outrossim, que o registro de candidatura do pleito de 2016 possuiu caráter precário, vez que o recorrente somente conseguiu participar da campanha eleitoral por força de liminar. Entendeu que a revogação das liminares autoriza a Justiça Eleitoral atribuir eficácia ao que foi decidido nos autos da AIJE e, por conseguinte, cassar o mandato de vereador.

Em sua irresignação (fls. 487-493), o recorrente alegou que a AIJE foi julgada após a diplomação das eleições de 2016 e que a inelegibilidade apurada naquela ação não impede o exercício do mandato eletivo para o qual foi empossado. Aduziu que a decisão recorrida ofende a coisa julgada, visto que a impugnação do registro de candidatura de 2016, desacolhida pelo TSE, transitou em julgado. Sustentou que o comando da cassação afronta a jurisprudência dos tribunais superiores. Por fim, pugnou pelo provimento do recurso a fim de ser reformada a decisão recorrida para manutenção do recorrente no mandato de vereador junto à Câmara Municipal de Porto Alegre.

Em contrarrazões (fls. 497-498v.), o Ministério Público Eleitoral da origem arguiu ausência de previsão legal de ato para impugnar o mandato em curso, devendo-se aguardar o eventual pedido de registro de candidatura de 2020 para suscitar qualquer restrição à participação do recorrente ao pleito. Com esses argumentos, requereu o provimento do apelo.

Encaminhados os autos com vista, a Procuradoria Regional Eleitoral opinou pelo provimento do recurso (fls. 511-513v.).

É o relatório.

VOTO

Admissibilidade Recursal

A decisão foi publicada no DEJERS no dia 03.6.2019 (fls. 482-484), e a petição recursal apresentada em 06.6.2019 (fl. 487), dentro, portanto, do tríduo previsto no art. 258 do Código Eleitoral e no art. 8º da Lei Complementar n. 64/90. Preenchidos os demais requisitos de admissibilidade, conheço do recurso.

Não havendo preliminares a serem examinadas, passo à análise do mérito.

Mérito

CÁSSIO DE JESUS TROGILDO interpõe recurso (fls. 487-493) contra decisão do juiz da 1ª Zona Eleitoral de Porto Alegre, que determinou a cassação do mandato de vereador ao qual foi conduzido nas eleições de 2016 (fls. 478-480v.).

A controvérsia, já minuciosamente descrita no relatório acima, é a seguinte.

O candidato ao cargo de vereador no município de Porto Alegre nas eleições de 2016 obteve, em sede recursal perante o TSE, liminar para suspender os efeitos da decisão que o condenou à cassação e à inelegibilidade nas eleições de 2012, proferida na AIJE n. 785-53.

Protegido por esse provimento liminar, teve deferido o registro de sua candidatura para concorrer na eleição proporcional de 2016, sagrando-se eleito.

Dita AIJE, por sua vez, transitou em julgado em 20.3.2019 (fl. 464), após o TSE negar provimento a recurso especial e manter a decisão do TRE-RS no sentido de cassar o diploma do recorrente e declará-lo inelegível por 8 (oito) anos.

Diante da notícia de que fora confirmada a condenação por abuso dos poderes político e econômico relativa às eleições de 2012, o juiz de origem do presente RRC exarou nova decisão invalidando o mandato do candidato eleito, relacionado ao pleito de 2016.

Inconformado com a nova decisão, recorre o vereador. Daí o apelo que ora se examina.

Nesse contexto, temos a existência de duas decisões prolatadas nos autos do Requerimento de Registro de Candidatura (RRC) de CÁSSIO DE JESUS TROGILDO ao cargo de vereador nas eleições de 2016, uma já transitada em julgado, deferindo o registro do recorrente, e a outra, nesta ocasião atacada, revogando o seu mandato.

Enfatizo, para melhor esclarecer a controvérsia, o trâmite paralelo de duas ações que se destacam no presente caso: (1) a Ação de Impugnação de Registro de Candidatura (AIRC), proposta nos autos do RRC n. 545-20, contra a candidatura para a campanha de 2016 e (2) a Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE) n. 785-53, relativa ao pleito de 2012 e que serviu de fundamento para que o Ministério Público Eleitoral propusesse a primeira.

Amparado em provimento liminar que suspendeu, por um período, os efeitos da decisão prolatada na referida AIJE, o recorrente teve seu registro de candidatura deferido pela Corte Superior nos autos da AIRC.

Desenhado o cenário, cuida-se de saber se, nos autos do presente RRC, com trânsito em julgado em 05.4.2019, o juiz de primeiro grau poderia repisar o exame do jus honorum do vereador eleito, em virtude da revogação de liminar a ele outrora concedida nos autos da AIJE n. 785-53, durante o transcurso do procedimento de registro.

Vejamos.

A atuação do magistrado nos presentes autos nos remete à dicção do art. 494 do CPC, que versa:

Art. 494. Publicada a sentença, o juiz só poderá alterá-la:

I – para corrigir-lhe, de ofício ou a requerimento da parte, inexatidões materiais ou erros de cálculo;

II – por meio de embargos de declaração.

O texto do dispositivo indica que a sentença publicada somente é passível de alteração pelo juízo do qual emanou, em caráter excepcional, nas hipóteses de inexatidão material, erro de cálculo ou vício de omissão, obscuridade ou contradição, mediante a oposição de embargos declaratórios. Além desses casos, inviável a alteração do conteúdo do julgamento pelo órgão judicial que o concebeu, nem mesmo a possibilidade de decretação de nulidade da sentença pelo próprio juízo prolator, posto que exaurido o seu ofício jurisdicional.

Assim sendo, nos presentes autos, depreende-se que o esgotamento da atuação do juízo da 1ª Zona Eleitoral de Porto Alegre ocorreu em 13.9.2016 (fl. 169) com a publicação da sentença de procedência da Ação de Impugnação de Registro de Candidatura (fls. 163-168).

Soma-se a isso a ocorrência do trânsito em julgado do acórdão proferido pelo TSE, referente ao RRC 545-20, deferindo o pedido de registro do recorrente ao cargo de vereador para o pleito de 2016.

Desse modo, após a remessa dos presentes autos pelo TSE (fl. 350) e seu recebimento pelo cartório eleitoral da 1ª Zona (fl. 350v.), competia ao juiz o arquivamento do feito.

O magistrado, no entanto, foi além do seu ofício jurisdicional, atuando após o término da sua jurisdição, para fins de emanar mais uma decisão nos autos, a qual não alcança as condições elencadas no transcrito art. 494 do CPC.

Evidenciada, também, a violação da coisa julgada.

Configurado o trânsito em julgado da decisão que deferiu a candidatura, concretizada está a decisão de mérito, pois não mais passível de recurso, consoante redação do art. 502 do CPC: Denomina-se coisa julgada material a autoridade que torna imutável e indiscutível a decisão de mérito não mais sujeita a recurso.

Aliado a isso, a jurisprudência do TSE sempre se preocupou em assentar que, uma vez superada a fase do processo eleitoral, somente em outra prevista na legislação é que se poderá examinar alegação de inelegibilidade – mesmo as de caráter constitucional (TSE – Resp n. 18.972 – Rel. Min. Fernando Neves).

Isso devido à natureza jurisdicional do processo de registro de candidatura e o exaurimento dos prazos para interposição de recursos, como bem pontuado pelo Des. Carlos Cini Marchionatti, no plenário desta Corte, em voto divergente vencedor lançado no RE n. 431-19, de relatoria do Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz, procedente de Fontoura Xavier/RS, do qual destaco o trecho abaixo reproduzido:

 

(…) frente à dinâmica do contexto eleitoral, depara-se com situações modificadoras sucedidas após a realização das eleições, muitas das quais num curto espaço de tempo posterior ao seu encerramento, como as ocorridas até a diplomação dos eleitos.

(...) ao contrário do nobre relator, penso não ser possível apreciar a questão no processo subjacente, pela razão primeira de que a coisa julgada formal já se operou. Não discordo de que a coisa julgada material não há, mas negar exaurimento jurídico-processual nos autos do Requerimento de Registro de Candidatura é ir de encontro a sua própria natureza, jurisdicional, a qual remete à inexorável subordinação às condições de admissibilidade dos demais recursos.

(...) Como consequência, sendo jurisdicional a decisão e esgotados os prazos recursais sem que contra ela haja recurso, configura-se a coisa julgada (formal), não podendo sobrevir outra decisão que modifique a anteriormente proferida, transitada em julgado, de maneira a conceder o que havia sido negado ou negar o que havia sido concedido.

(RE n. 43119 - Relator Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz, Redator do Acórdão Des. Carlos Cini Marchionatti. Data do julgamento: 16.5.2017.) (Grifo nosso.)

Nessa conjuntura, revela-se a Ação Rescisória Eleitoral, prevista no art. 22, inc. I, al. “j”, do Código Eleitoral, medida apta a flexibilizar o instituto da coisa julgada, desconstituindo-se a decisão judicial eleitoral já transitada em julgado, que decreta a inelegibilidade de pretenso candidato, com a possibilidade de rejulgamento da matéria.

Essa ação segue procedimento especial, seu prazo para interposição é de 120 dias contados do trânsito em julgado da decisão que se objetiva desfazer e a competência para processamento e julgamento recai ao TSE, e não ao juiz eleitoral de 1º grau.

José Jairo Gomes discorre sobre o tema:

A citada alínea j, I, art. 22 do CE atribui competência rescisória tão somente ao TSE, de sorte que apenas os julgados desse Tribunal podem ser rescindidos. Diante da expressa previsão legal e da incidência do princípio da especialidade, os Tribunais Regionais Eleitorais não detêm competência para processar e julgar a ação em tela, nem mesmo em face de seus próprios julgados.

A demanda deve ter por objeto a rescisão de decisão do próprio Tribunal Superior Eleitoral, proferida no âmbito de sua competência originária ou recursal. Destarte, esse sodalício não detém competência para rescindir julgado de Tribunal Regional, tampouco de juiz eleitoral de 1º grau. (GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 15. ed. São Paulo: Atlas, 2019. 993 p.) (Grifo nosso.)

Outra medida que emerge quando se pensa na intenção do magistrado a quo de invalidar o mandato é o Recurso contra Expedição de Diploma (RCED), constante no art. 262 do Código Eleitoral, meio adequado para os casos de inelegibilidade superveniente ou de natureza constitucional e de falta de condição de elegibilidade, cujos legitimados ad causam admitidos pela jurisprudência seriam os partidos políticos, as coligações, os candidatos e o Ministério Público, dentro do prazo de 3 dias, a partir da diplomação, para interposição.

Como visto, é cristalina a inaplicabilidade desses instrumentos no caso sob exame, dada a preclusão temporal, mas entendo oportuno trazer referências para corroborar a compreensão de que o magistrado exorbitou de seu ofício.

Qualquer uma das medidas mencionadas dependeriam da iniciativa das partes legitimadas para sua interposição, pois finalizada a atuação do magistrado mediante o trânsito em julgado da decisão no RRC, inviabilizada estava a apreciação de fato superveniente nos autos desse processo de registro, com intuito de fazer incidir a inelegibilidade do candidato, como fez o magistrado de origem.

Acrescento, ainda, meu alinhamento ao parecer da Procuradoria Regional Eleitoral ao assinalar o descumprimento da decisão do TSE sobre o registro em comento, conforme passagem do parecer que repriso abaixo (fl. 513):

(…) o decisum recorrido colide frontalmente com o que decidido pelo Tribunal Superior Eleitoral, que acolheu a pretensão recursal do então candidato, e deferiu o seu pedido de registro de candidatura para as eleições de 2016, calcada no entendimento de que o ora recorrente estava protegido pela decisão da Corte Superior Eleitoral que determinou a suspensão dos efeitos da cassação do mandato e da inelegibilidade decorrentes do aresto dessa Corte Eleitoral prolatado quando do julgamento do recurso interposto na AIJE 785-53/RS.

(…)

Em resumo, o recorrente teve sua candidatura legitimada pela decisão do Tribunal Superior Eleitoral, embora impugnada e com decisão de duas instâncias favoráveis ao pleito impugnatório, não podendo ele ser sancionado com a cassação do mandato neste e em razão deste processo.

(Grifo do autor.)

A afronta está caracterizada pelo não acolhimento da posição adotada pela Corte Superior que legitimou a candidatura do recorrente, embora impugnada, não estando o juiz autorizado a extinguir o mandato em curso neste mesmo processo e em razão dele.

Sustenta o magistrado, como fundamento para a decisão recorrida, a aplicação do art. 15 da Lei Complementar n. 64/90 na Ação de Impugnação de Registro de Candidatura, como possibilidade de anulação do diploma após o trânsito em julgado da decisão que declara a inelegibilidade.

Observo que a redação do referido artigo é uma das modificações resultantes da Lei Complementar n. 135/10, conhecida como a Lei da Ficha Limpa. Sua aprovação trouxe algumas alterações à Lei das Inelegibilidades com o intuito de moralizar as campanhas eleitorais.

Na época em que editada, muito se discutiu sobre sua constitucionalidade, vez que alargados os prazos de inelegibilidade de três para oito anos e, especialmente, porque se revolucionou o regime da eficácia das decisões judiciais.

Vejamos o dispositivo:

Art. 15. Transitada em julgado ou publicada a decisão proferida por órgão colegiado que declarar a inelegibilidade do candidato, ser-lhe-á negado registro, ou cancelado, se já tiver sido feito, ou declarado nulo o diploma, se já expedido. (Redação dada pela Lei Complementar nº 135, de 2010.) (Grifo nosso.)

Com efeito, até a publicação da Lei Complementar n. 135/10, a limitação ao jus honorum subordinava-se à decisão transitada em julgado, desconhecia-se a declaração de inelegibilidade fruto de decisão prolatada em segunda instância.

A partir do seu surgimento, a inelegibilidade passou a ter efeitos imediatos, desde a publicação da decisão colegiada ou o seu trânsito em julgado, seja como efeito próprio (conteúdo da decisão) ou como efeito anexo, automaticamente soldado a ela. (COSTA, Adriano Soares da. Instituições de Direito Eleitoral. Teoria da Inelegibilidade – Direito Processual Eleitoral. 10. ed. rev. ampl. Belo Horizonte: Fórum, 2016. 458 p.).

A contar da alteração provocada pela Lei da Ficha Limpa, portanto, o exercício da capacidade eleitoral passiva pode sofrer restrição não apenas por decisão judicial transitada em julgado, mas também por julgamento de órgão colegiado.

Visto isso, retorno ao propósito do magistrado ao decidir, ao entender plausível a cominação do art. 15 da Lei Complementar n. 64/90 para declarar nulo o diploma do recorrente, haja vista o trânsito em julgado da ação condenatória de inelegibilidade (AIJE N. 785-53).

Ocorre, no entanto, que a aplicação do dispositivo em comento estaria preservada acaso o TSE tivesse mantido o indeferimento do registro do candidato, assim como ocorrido na primeira instância e neste Regional, como bem assinalou a Procuradoria Regional Eleitoral em seu parecer (fl. 513v.).

Como visto, diversamente da convicção do magistrado da origem, inaplicável o dispositivo em realce para a finalidade almejada.

Urge lembrar de outra importante modificação operada pela Lei Complementar n. 135/10, consistente na inclusão do art. 26-C na Lei Complementar n. 64/90, com o seguinte teor:

Art. 26-C. O órgão colegiado do tribunal ao qual couber a apreciação do recurso contra as decisões colegiadas a que se referem as alíneas d, e, h, j, l e n do inciso I do art. 1º poderá, em caráter cautelar, suspender a inelegibilidade sempre que existir plausibilidade da pretensão recursal e desde que a providência tenha sido expressamente requerida, sob pena de preclusão, por ocasião da interposição do recurso.

§ 1º Conferido efeito suspensivo, o julgamento do recurso terá prioridade sobre todos os demais, à exceção dos de mandado de segurança e de habeas corpus.

§ 2º Mantida a condenação de que derivou a inelegibilidade ou revogada a suspensão liminar mencionada no caput, serão desconstituídos o registro ou o diploma eventualmente concedidos ao recorrente. (Grifo nosso.)

Segundo as disposições da norma em relevo, o relator do órgão colegiado competente para apreciar o recurso poderá conceder efeito suspensivo à inelegibilidade, desde que expressamente peticionada pelo requerente e desde que exista plausibilidade da pretensão recursal.

A hipótese aqui, nestes autos, é de suspensão da própria inelegibilidade.

Por sua vez, o § 2º do art. 26-C da LC n. 64/90 cuida da situação do candidato beneficiado com a suspensão da inelegibilidade nas hipóteses previstas no dispositivo, prevendo que, mantida decisão condenatória de que originou a inelegibilidade ou revogada a suspensão liminar, serão desconstituídos o registro ou o diploma eventualmente concedidos ao recorrente.

Noto que, quanto a essa desconstituição, firmou-se posicionamento no sentido de que, mantida a condenação ou revogada a liminar de suspensão da inelegibilidade, o mandato não é atingido de forma automática. Necessário o exame da caracterização da inelegibilidade para efeito de indeferir o pedido de registro ou cancelar o diploma.

Com essa mesma compreensão é a Súmula n. 66 do TSE:

A incidência do § 2º do art. 26-C da LC n. 64/1990 não acarreta o imediato indeferimento do registro ou o cancelamento do diploma, sendo necessário o exame da presença de todos os requisitos essenciais à configuração da inelegibilidade, observados os princípios do contraditório e da ampla defesa. (Grifo nosso.)

Assim, o deferimento anterior do registro amparado por liminar não impede o seu desfazimento posterior, se a decisão judicial que o protegia deixa de existir. Porém, o § 2º do art. 26-C não pode ser implementado de forma automática. Necessária a compatibilização com as garantias constitucionais da ampla defesa e do contraditório para que o candidato tenha oportunidade de defender-se dos fatos referentes à inelegibilidade.

No caso dos autos, revogada a liminar e, por conseguinte, mantida a inelegibilidade do candidato e a cassação do diploma obtido nas eleições 2012, o juízo da 1ª Zona Eleitoral cassou, de forma automática, o mandato obtido no pleito de 2016.

Em prol do princípio da segurança jurídica, a inelegibilidade reconhecida após revogação da liminar que embasou o deferimento do pedido de registro somente se refletirá em eleições futuras, devendo ser alegada num eventual pedido de registro de candidatura, não podendo atingir o mandato em curso.

Trago precedente do Tribunal Superior Eleitoral:

ELEIÇÕES 2012. RECURSO ESPECIAL. PREFEITO. REGISTRO DE CANDIDATURA. ART. 26-C DA LC n. 64/1990. REVOGAÇÃO. LIMINAR. CURSO DO MANDATO. SEGURANÇA JURÍDICA. NÃO APLICABILIDADE. ART. 26-C, § 2º, DA LC n. 64/1990.

1. Em homenagem ao princípio da segurança jurídica, a revogação ou suspensão dos efeitos da liminar que deu suporte à decisão de deferimento do registro de candidatura, nos termos do art. 26-C, § 2º, da LC n. 64/1990, somente pode vir a produzir consequências, na seara eleitoral, se, ocorrida ainda no prazo das ações eleitorais, desvelar uma das hipóteses de incidência.

2. In casu, a suspensão da liminar que deu suporte ao deferimento do registro do candidato eleito, ocorrida no curso do mandato, não tem o condão de desconstituí-lo, repercute seus efeitos, tão somente, nas eleições futuras.

3. Recurso especial provido.

(RECURSO ESPECIAL ELEITORAL n. 213-32.2013.6.26.0191 – CLASSE 32 - IBIÚNA SÃO PAULO - Relator originário: Ministro Luiz Fux, Redator para o acórdão: Ministro Gilmar Mendes – julgado em 25.6.2015 – pub. 03.10.2016, pp. 38-39, ano 2016, número 190 do DJE - TSE.) (Grifo nosso.)

Portanto, a Justiça Eleitoral não está autorizada a rever o registro com eficácia jurídica garantida por sentença transitada em julgada nos autos da corrente Ação de Impugnação de Registro de Candidatura (AIRC) – para desfazer o mandato atual –, por motivo da revogação da tutela que, em outro momento, suspendia a inelegibilidade. Isso caracterizaria violação à coisa julgada e ao princípio da segurança jurídica.

Não se sustenta o argumento posto na decisão recorrida de que o candidato obteve seu registro sob condição e por isso, deixando de existi-la, seria plausível sua revisão. Assim como, que teria assumido o risco de concorrer e disputar o pleito acobertado por uma tutela provisória que poderia, a qualquer momento, ser revogada, já que o registro ter-se-ia dado de forma precária.

Diz a referida decisão (fl. 480-v.):

(…) quando foi se fazer o registro de candidatura para as eleições de 2016, o candidato sabia que o estava fazendo de forma precária, posto que sua candidatura de 2012 fora impugnada a tempo e só não se concretizou pela liminar que obteve, suspendendo os efeitos da decisão daquele ano de 2012, posteriormente estendida para 2016.

De tal forma que, agora já julgada a impugnação de 2012 e considerado inelegível, mas já tendo cumprido aquele mandato, nada há a fazer. Porém, em relação ao mandato das eleições de 2016, cuja candidatura só conseguiu registrar devido à liminar do anterior pleito, revogada (gize-se), e considerando que este expediente se trata de uma Ação de Impugnação de Registro de Candidatura (eleições de 2016), o caminho que resta é dar eficácia ao decidido, de que é inelegível, e, como efeito reflexo, determinar-se a cassação do seu mandato de vereador. (Grifo do autor.)

Insta registrar ser incabível o deferimento de registro sob condição resolutiva, nos termos do art. 49 da Resolução TSE n. 23.455/15, a qual dispôs sobre a escolha e o registro dos candidatos nas eleições de 2016.

Com efeito, o registro de candidatura somente pode ser conferido, sob condição, nos casos de interposição recursal por aqueles candidatos que inicialmente tiveram seu registro de candidatura indeferido. Nessa situação, a condição corresponderia ao provimento do apelo pela segunda instância, o mesmo que dizer que o candidato participa da campanha eleitoral sub judice, subordinado à confirmação do recurso ofertado.

É a situação daquele candidato que teve seu pedido de registro indeferido e se insurge contra a decisão de indeferimento, mediante recurso, continuando a concorrer até o pronunciamento definitivo da Justiça Eleitoral, consoante os termos do art. 16-A da Lei das Eleições:

Art. 16-A - O candidato cujo registro esteja sub judice poderá efetuar todos os atos relativos à campanha eleitoral, inclusive utilizar o horário eleitoral gratuito no rádio e na televisão e ter seu nome mantido na urna eletrônica enquanto estiver sob essa condição, ficando a validade dos votos a ele atribuídos condicionada ao deferimento de seu registro por instância superior. (Grifo nosso.)

Apesar de a doutrina de José Jairo Gomes entender que o pedido de registro de candidatura de quem é beneficiado com suspensão de inelegibilidade deva ser deferido sob condição, pois se trataria de ato precário, a jurisprudência caminha em sentido contrário. (GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 15. ed. São Paulo: Atlas, 2019. 345 p.).

Nessa linha, é o que revelam os fundamentos da Ministra Luciana Christina Guimarães Lóssio no REspe n. 383-75.2014.6.11.0000, in verbis:

A expressão "registro sob condição" é, em Direito Eleitoral, normalmente reservada à situação do candidato que, tendo o seu requerimento de candidatura indeferido pela Justiça Eleitoral, recorre tempestivamente e concorre no pleito sob a condição de ter o seu apelo provido pela Instância superior. Daí se dizer que ele tem o registro, embora indeferido, porque recorreu. Mas a subsistência posterior do seu registro fica sob uma condição, qual seja a de lograr êxito no recurso eleitoral. Então, concorrer "sob condição", inclusive com seu nome na urna eletrônica e podendo fazer campanha, é próprio daquele candidato que teve o seu requerimento de candidatura inicialmente indeferido. (Grifo nosso.)

Como visto, não decidiu acertadamente o magistrado ao considerar precário o registro do candidato, ora recorrente. Pelo contrário, o deferimento do registro de TROGILDO fundamentou-se em decisão proferida pelo TSE, em grau de recurso, na qual a Justiça Eleitoral reconheceu a aptidão do candidato a participar da campanha eleitoral tendo em vista o preenchimento das condições legais para tanto.

Essas cláusulas normativas que possibilitam (condições de elegibilidade) ou impedem (causas de inelegibilidade) o exercício da cidadania passiva são averiguadas no momento em que o requerimento do registro de candidatura é formalizado. É do que trata o § 10 do art. 11 da Lei n. 9.504/97, segundo o qual as condições de elegibilidade e as causas de inelegibilidade devem ser aferidas no momento da formalização do pedido de registro da candidatura, ressalvadas as alterações, fáticas ou jurídicas, supervenientes ao registro que afastem a inelegibilidade.

Dessa forma, quando incidir causa de inelegibilidade no momento em que o registro de candidatura é postulado, deve o pedido ser impugnado pelas partes legitimadas ou indeferido de ofício pela Justiça Eleitoral, assim como, acaso suspensa por provimento cautelar, o exercício da cidadania passiva deve ser viabilizado.

A parte final do dispositivo ressalva a incidência de (…)alterações, fáticas ou jurídicas, supervenientes ao registro que afastem a inelegibilidade. No ponto, preocupou-se o legislador em conferir eficácia à obtenção superveniente de elegibilidade, para o candidato que no momento do registro detinha uma causa de inelegibilidade e que, posteriormente, deixando de existir, por motivo de evento de natureza fática ou jurídica, possa ter garantido o seu direito fundamental de cidadania passiva.

Alinhado a isso, tem-se a Súmula n. 70 do TSE, a qual chancela a candidatura quando o término do prazo de inelegibilidade se dá antes das eleições: O encerramento do prazo de inelegibilidade antes do dia da eleição constitui fato superveniente que afasta a inelegibilidade, nos termos do art. 11, § 10, da Lei n.º 9.504/1997.

Extrai-se daí a fixação do termo final para arguição da alteração fático-jurídica superveniente como sendo a data do pleito, porque é nesse momento que o eleitor deve comparecer às urnas para o exercício do voto.

A inelegibilidade superveniente é aquela que aparece após o registro, não podendo, portanto, ser alegada naquele momento. Mas deve ocorrer até a eleição. É o que diz o verbete da Súmula TSE n. 47:

A inelegibilidade superveniente que autoriza a interposição de recurso contra expedição de diploma, fundado no art. 262 do Código Eleitoral, é aquela de índole constitucional ou, se infraconstitucional, superveniente ao registro de candidatura, e que surge até a data do pleito.

Nos ensinamentos de José Jairo Gomes:

Para gerar efeito jurídico, o posterior afastamento da causa de inelegibilidade deve ocorrer até a data do pleito, pois é nesse momento que o cidadão exerce o direito de sufrágio e pratica o ato jurídico de votar; é aí, portanto, que o candidato deve integralizar todos os requisitos necessários ao exercício da cidadania passiva.

Ademais, a questão atinente ao afastamento da inicial causa de inelegibilidade deve ser arguida no âmbito da jurisdição ordinária, ou seja, no bojo do recurso interposto contra a decisão denegatória de registro. Entretanto, sua arguição em recurso especial eleitoral (e também em recurso extraordinário) depende da existência de prévio debate e efetivo pronunciamento do tribunal regional, havendo, portanto, esgotamento das vias ordinárias. (Grifo nosso) (GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 15. ed. São Paulo: Atlas, 2019. 333 p.)

Da leitura, depreende-se que a alteração fático-jurídica deve ser levantada no requerimento de registro de candidatura que ainda esteja tramitando nas instâncias ordinárias e que, ultrapassada a data da eleição, a referida alteração não surtirá efeito em relação ao registro de candidatura correspondente.

No cenário dos autos, a revogação da liminar com a consequente manutenção da condenação na AIJE seria fato superveniente de restabelecimento da inelegibilidade, ocorrido após o pleito de 2016. Desse modo, seus efeitos não podem atingir o registro de candidatura, nem o diploma atinente àquela eleição já ultrapassada.

Isto é, para que a revogação da liminar tivesse aptidão para modificar a situação do candidato ainda para as eleições de 2016, deveria ter ocorrido até a data daquele pleito, o que não se verificou.

Todos esses argumentos expostos até aqui e que anunciam o sentido do meu voto, estão manifestados em acórdão do Tribunal Superior Eleitoral, por ocasião do pleito de 2014, em processo tido como o leading case da matéria, fixando a tese a ser observada nos registros de candidatura daquele ano:

RECURSO ESPECIAL. RECEBIMENTO. RECURSO ORDINÁRIO. ELEIÇÕES 2014. INELEGIBILIDADE. ART. 26-C DA LC N° 64190. LIMINAR. SUSPENSÃO. REGISTRO. DEFERIMENTO. SEM CONDIÇÃO. DESPROVIMENTO.

1.Recebe-se como recurso ordinário o recurso especial interposto contra acórdão que verse sobre inelegibilidade.

2.Formalizada a candidatura, se o candidato reúne todas as condições de elegibilidade, bem como não incide em causa de inelegibilidade, ainda que esta última esteja suspensa por força de provimento cautelar, é de se viabilizar o exercício da cidadania passiva, sem qualquer ressalva (art. 11, § 10, da Lei n. 9.504/97).

3.Recurso especial recebido como ordinário e a ele negado provimento.

FIXAÇÃO DE TESE A SER OBSERVADA NOS REGISTROS DE CANDIDATURA DO PLEITO DE 2014:

1.O registro de candidatura não pode ser deferido de forma condicional (CPC, art. 460, parágrafo único).

2.A posterior concessão de liminar que suspende a causa da inelegibilidade pode ser conhecida pelas instâncias ordinárias como fato superveniente, na forma do art. 11, § 10, da Lei n. 9.504/97.

3.No curso do processo de registro de candidatura, a manutenção da decisão condenatória que causa a inelegibilidade ou a revogação da liminar que suspendia seus efeitos podem ser conhecidas pelas instâncias ordinárias, para os fins do § 20, do art. 26-C da Lei Complementar n. 64/90, desde que observados os princípios do contraditório e da ampla defesa.

4. A incidência do § 2º do art. 26-C da Lei Complementar n. 64/90 não acarreta o imediato indeferimento do registro ou o cancelamento do diploma. Nessa hipótese, é necessário o exame da presença de todos os requisitos essenciais à configuração da inelegibilidade.

5. Os fatos supervenientes que atraiam ou restabeleçam a inelegibilidade, se verificados durante o curso do requerimento de registro de candidatura perante as instâncias extraordinárias ou após o seu trânsito em julgado, somente poderão ser arguidos em Recurso contra a Expedição de Diploma, na forma do art. 262 do Código Eleitoral.

(TSE – Recurso Especial Eleitoral n. 0000383-75.2014.6.11.0000 – Rel. Min. Luciana Christina Guimarães Lóssio – Publicado em Sessão, data: 23.9.2014.)

Depreende-se da ementa do referido julgado o firme posicionamento do TSE no sentido de que os fatos supervenientes que atraiam ou restabeleçam a inelegibilidade, se ocorridos no decurso do requerimento de registro de candidatura nas instâncias extraordinárias ou após o seu trânsito em julgado, tão somente poderão ser suscitados em sede de RCED (art. 262 do CE).

Nos presentes autos, o fato superveniente que atraiu a inelegibilidade - a revogação da liminar outrora concedida - ocorreu quase três anos após a diplomação, muito além do prazo previsto para interposição daquela ação.

Não houve, como visto, a provocação da atividade jurisdicional com a finalidade de invalidação do mandato do vereador TROGILDO.

Mais recentemente, este Tribunal decidiu, por maioria, caso cujos meandros jurídicos são semelhantes aos da situação vertente. Naquele momento, discutiu-se acerca da possibilidade de, nos autos de Requerimento de Registro de Candidatura ao cargo de prefeito, com trânsito em julgado, admitir-se a reanálise do registro que fora deferido encoberto por tutela provisória, haja vista revogação dessa liminar antes da diplomação.

O resultado do julgamento, fruto de divergência do Des. Carlos Cini Marchionatti, redator do acórdão, foi no sentido da impossibilidade do reexame da decisão de deferimento do registro naquela circunstância apresentada nos autos.

Destaco a ementa do julgado e trechos dos votos que o acompanharam:

Recurso. Registro de candidatura. Impugnação. Prefeito e vice. Rejeição de contas públicas. Inelegibilidade preexistente ao registro. Tutela provisória. Art. 1º, inc. I, al. “g”, da Lei Complementar n.64/90. Eleições 2016.

1. Deferido o registro de candidato a prefeito, com base em provimento liminar obtido na Justiça Comum, suspendendo os efeitos de Decreto Legislativo da Câmara Municipal que rejeitou suas contas como gestor público, no exercício de 2011. Revogada, todavia, a tutela de urgência no dia anterior à diplomação, permanecendo válido o decreto legislativo de rejeição das contas.

2. As condições de elegibilidade e as causas de inelegibilidade devem ser aferidas no momento do pedido de registro da candidatura, ressalvadas as alterações, fáticas ou jurídicas, supervenientes ao registro que afastem a inelegibilidade. Art. 11, § 10, da Lei n. 9.504/97.

3. Dada a natureza jurisdicional do processo de registro, esgotados os prazos recursais sem ter havido recurso, resta imutável a sentença. Operada a coisa julgada formal. Incabível a reabertura de fase já superada do processo eleitoral.

4. Disputar o pleito "sob condição" pressupõe o candidato que teve o seu requerimento de candidatura inicialmente indeferido e que concorre sob a condição de ter seu apelo provido pela instância superior. Caso diverso dos autos.

5. O conteúdo da norma do § 2° do art. 26-C não se confunde com a natureza do pronunciamento jurisdicional que julga o requerimento de registro. No momento do pedido de candidatura, o requerente reunia todas as condições de elegibilidade, bem como não incidia em causa de inelegibilidade, ainda que esta última estivesse suspensa por força de provimento cautelar. Salvaguardado o exercício da cidadania passiva, sem qualquer condição ou ressalva.

6. A revogação da liminar ou a manutenção da condenação que ensejou a incidência da inelegibilidade somente produzem efeitos no processo de registro de candidatura que esteja tramitando nas vias ordinárias, e até a data da eleição. Superada essa fase, a questão só poderá ser discutida em sede de Recurso Contra a Expedição de Diploma, todavia não interposto. Incidência do instituto da preclusão temporal.

Provimento negado.

(…)

Des. Carlos Cini Marchionatti:

(voto divergente)

O voto do eminente relator, Desembargador Paulo Afonso Brum Vaz, é primoroso, completo e coerente em si mesmo, com conclusões que encontram eco em doutrina autorizada.

Todavia, reiterando minha forma de decidir em casos como este, em que a discussão gira em torno da legitimidade de mandatário do cargo de prefeito, penso que a cautela e o resultado das urnas devem se sobrepor nos casos cuja ofensa à legalidade e gravidade dos fatos sejam discutíveis. Especialmente quando com apoio na jurisprudência do TSE.

Para tanto, inicio renovando a referência ao princípio da segurança jurídica.

A preservação da segurança jurídica é por todos nós desejada; disso ninguém duvide.

(...)

A isso agrego que a justiça não prescinde da segurança jurídica e do devido processo legal, assim como da certeza, sendo indispensáveis à manutenção da própria justiça.

Os fatos em causa, cuja interpretação está a ensejar divergência neste Pleno, com possível contraposição ao entendimento predominante do TSE, no meu pensar não podem redundar na invalidação da eleição. Para mim, deve prevalecer a vontade do eleitor, na medida do esgotamento da diplomação em relação à qual inexistiu recurso, conforme se verá.

A meu juízo, inexiste respaldo jurídico, jurisprudencial, em condições de ocasionar alteração no resultado do pleito. Há valores democráticos e republicanos para serem preservados com a confirmação do pleito, que prefiro à sua invalidação.

(…)

Em virtude da evolução pretoriana, ganhou espaço o entendimento de que tanto causas supridoras de inelegibilidades como inelegibilidades supervenientes podem ser ao depois aventadas, mesmo findo o respectivo processo de registro de candidatura.

Fixou-se, então, no tocante à arguição negativa posterior ao procedimento de registro, que ela poderá ocorrer nos casos de condição de elegibilidade ou inelegibilidade previstas na Constituição Federal e nos de inelegibilidades supervenientes – estas, observadas até a data das eleições –, por intermédio do Recurso Contra a Expedição de Diploma – RCED (art. 262 do Código Eleitoral).

(…)

Porém, frente à dinâmica do contexto eleitoral, depara-se com situações modificadoras sucedidas após a realização das eleições, muitas das quais num curto espaço de tempo posterior ao seu encerramento, como as ocorridas até a data da diplomação dos eleitos.

Essa é justamente a celeuma que nos aflige.

Ao contrário do nobre relator, penso não ser possível apreciar a questão no processo subjacente, pela razão primeira de que a coisa julgada formal já se operou. Não discordo de que coisa julgada material não há, mas negar o exaurimento jurídico-processual nos autos do Requerimento de Registro de Candidatura é ir de encontro a sua própria natureza, jurisdicional, a qual remete à inexorável subordinação às condições de admissibilidade dos demais recursos.

(…)

Dr. Luciano André Losekann:

Senhora Presidente, ilustres colegas:

Em que pese o judicioso voto do Des. Paulo Brum Vaz, estou a acompanhar a divergência inaugurada pelo Des. Marchionatti. E o faço não apenas porque a jurisprudência do TSE se consolidou, preponderantemente, na mesma linha do voto divergente, mas, também, em homenagem ao princípio da segurança jurídica.

No caso concreto, corre-se o risco de, em sendo adotada a linha de pensamento do Des. Paulo – respeitabilíssima, diga-se de passagem -, havendo recurso ao TSE, termos de voltar sobre nossos passos, com inegáveis prejuízos não para o recorrente, tampouco para os recorridos, mas, sobretudo, à população de Fontoura Xavier.

Para além disso, como vaticinado no voto divergente, houve - quer gostemos ou não - coisa julgada formal quando se deferiu o registro da candidatura do então candidato a prefeito, ainda que esse registro tenha ocorrido sob o amparo de uma medida cautelar deferida na órbita da Justiça Comum Estadual para suspender, ainda que momentaneamente, os efeitos do decreto legislativo que desaprovou as contas do recorrido José Flávio Godoy da Rosa, referentes ao exercício de 2011.

(…)

Não me parece, igualmente, que o art. 26-C, § 2º, da Lei Complementar n. 64/90 [introduzido pela Lei Complementar nº 135/2010], possa ser aplicado e com o elastério que lhe deu o voto do eminente Relator, ao efeito de, ultrapassada a fase de registro de candidatura e por força da simples revogação de liminar em agravo de instrumento na órbita da Justiça Comum, tornar o recorrido José Flávio, novamente, inelegível, por simples petição endereçada pelo Ministério Público ao Juízo Eleitoral nos autos da própria impugnação ao registro de candidatura já julgada [que deu o recorrido José, à época, como "elegível", ainda que por força de tutela de urgência concedida em ação cível], mormente se o Ministério Público Eleitoral na origem, ao depois, não ajuizou no tempo oportuno o chamado Recurso Contra a Expedição de Diploma (RCED).

(…)

Dr. Silvio Ronaldo Santos de Moraes:

Examinei atentamente os memoriais apresentados pelo recorrido e, ponderando as implicações processuais do deferimento do pedido formulado pelo Ministério Público, da forma como operada nestes autos, inclino-me a acompanhar o voto divergente.

Inicialmente, ressalto que compartilho das nobres considerações do Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz acerca da necessidade de compromisso com a moralidade e a ética no processo político-eleitoral.

No entanto, na análise de situação limítrofe, como é a dos autos, penso que deve merecer maior prestígio a segurança jurídica.

Pouco resta a acrescentar após as profundas análises do caso realizadas pelos ilustríssimos colegas que fundamentam a divergência. O Des. Marchionatti, com o habitual brilhantismo, destaca o intuito de fazer prevalecer a vontade do eleitor, na medida do esgotamento da diplomação em relação à qual inexistiu recurso, sendo a interposição recursal o elemento que poderia conferir condição à candidatura. O Dr. Losekann, com a racionalidade que lhe é peculiar, ressalta que o procedimento judicial é uma garantia da observância do devido processo legal, que não pode ser afastada por mais reprovável que possa parecer, a priori, a conduta do administrador público na aplicação dos recursos e finanças públicas.

(…)

Examinando rigorosamente a redação do art. 26-C da mencionada lei complementar, não se verifica a possibilidade de suspensão da inelegibilidade gerada por tal alínea, de modo que o registro de candidatura não foi deferido de forma condicional, mesmo que se admita tal possibilidade.

Vejamos:

"Art. 26-C. O órgão colegiado do tribunal ao qual couber a apreciação do recurso contra as decisões colegiadas a que se referem as alíneas d, e, h, j, l e n do inciso I do art. 1º poderá, em caráter cautelar, suspender a inelegibilidade sempre que existir plausibilidade da pretensão recursal e desde que a providência tenha sido expressamente requerida, sob pena de preclusão, por ocasião da interposição do recurso.

§ 1º Conferido efeito suspensivo, o julgamento do recurso terá prioridade sobre todos os demais, à exceção dos de mandado de segurança e de habeas corpus.

§ 2º Mantida a condenação de que derivou a inelegibilidade ou revogada a suspensão liminar mencionada no caput, serão desconstituídos o registro ou o diploma eventualmente concedidos ao recorrente. (Grifos meus.)"

Não sendo aplicável o caput deste artigo ao caso que envolve a alínea g – deferimento sob condição do registro de candidatura -, por consequência também não é possível a desconstituição prevista no parágrafo segundo.

Assim, seria possível considerar carente de amparo legal a pretensão do Ministério Público Eleitoral, mesmo sem examinar a tempestividade do pedido.

Nesse sentido, encontrei precedente do Tribunal Superior Eleitoral. Em tal julgado, é manifesta a preocupação com a situação que poderia ser gerada acaso acolhida a pretensão do Parquet: a eternização de demandas no Poder Judiciário, ou o processo de registro que não termina:

(…)

Estabelecidas essas premissas, ressalto que, após muita reflexão e exame detido das questões postas em debate, sempre com muito respeito ao posicionamento em sentido contrário, estou convencido do acerto da conclusão expressada no voto divergente no sentido de negar provimento ao recurso inominado interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL.

Dr. Jamil Andraus Hanna Bannura:

Acompanho o relator, com a vênia dos demais integrantes da Corte.

Dr. Eduardo Augusto Dias Bainy:

Coma vênia do relator, acompanho a divergência.

(RE n. 43119 - Relator Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz, Redator do Acórdão Des. Carlos Cini Marchionatti. Data do julgamento: 16.5.2017)

Reitero que, em atenção à cláusula geral do § 10 do art. 11 da Lei n. 9.504/97, ao direito constitucional à elegibilidade e à eficácia ao procedimento de registro de candidatura, não se pode manter a decisão que pretende alijar o jus honorum do ora recorrente, legitimamente eleito pelo povo, quando já esgotada a diplomação em relação à qual inexistiu recurso.

O procedimento judicial regular é uma garantia da observância do devido processo legal, por mais reprovável que, ao que tudo parece indicar, possa ter sido a conduta do administrador público.

Caso acolhida a tese da decisão recorrida, estaria o Poder Judiciário eternizando suas demandas, em especial tornando infindável o processo de registro.

Dessa forma, respaldado nos princípios da segurança jurídica e do devido processo legal, estou convencido do desacerto da conclusão expressada na decisão do juiz de origem que cassou o mandato de vereador do município de Porto Alegre, referente às eleições de 2016.

Diante do exposto, VOTO pelo provimento do recurso interposto por CÁSSIO DE JESUS TROGILDO, para manter o mandato de vereador junto à Câmara Municipal de Porto Alegre, alcançado nas eleições de 2016.