RE - 2841 - Sessão: 30/09/2020 às 14:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto pelo PARTIDO DEMOCRÁTICO TRABALHISTA (PDT) de HORIZONTINA em face da sentença que desaprovou sua prestação de contas referente ao exercício financeiro de 2018, em virtude do recebimento de recursos oriundos de fontes vedadas, com a determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional da quantia de R$ 2.492,00, devidamente atualizada, e acrescida da multa de 20%, bem como de suspensão do repasse de quotas do Fundo Partidário pelo período de 2 (dois) meses (fls. 79-84).

Em suas razões, o partido político sustenta que os recursos foram doados por filiados à agremiação. Assevera que as provas trazidas aos autos são aptas a comprovar a filiação partidária dos doadores, de forma a afastar a imposição sentencial. Requer o provimento do recurso para que sejam aprovadas as contas (fls. 86-92).

A Procuradoria Regional Eleitoral opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 99-102v.).

É o relatório.

VOTO

Senhor Presidente,

Eminentes colegas,

O apelo é tempestivo e atende aos demais pressupostos recursais, motivo pelo qual dele conheço.

Inicialmente, consigno que o presente processo trata de recurso eleitoral do partido político, relativo à decisão de sua prestação de contas do exercício financeiro de 2018, regida pela Resolução TSE n. 23.546/17.

1. Mérito

No mérito, as contas foram desaprovadas devido ao recebimento de contribuição partidária, no montante de R$ 2.492,00, procedente de pessoas físicas que exerciam função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, ou cargo ou emprego público temporário, considerada, portanto, fonte vedada de arrecadação para partidos políticos.

De fato, assiste razão ao juiz a quo ao reputar o recurso como irregular, pois o inc. IV e o § 1º do art. 12 da Resolução TSE n. 23.546/17 preveem a proibição ao recebimento de valores provenientes de autoridades públicas, assim entendidas as pessoas que exerçam cargos de chefia ou direção na administração pública direta ou indireta.

O recorrente alegou que as contribuições, consideradas como de fonte vedada e impugnadas pelo juízo a quo, foram realizadas por pessoas físicas filiadas à agremiação, embora ocupantes de cargos comissionados na administração pública municipal de Horizontina/RS.

Para dar fundamento às razões recursais, aponta como elemento de prova as fichas de filiação dos doadores ao PDT, relativamente às pessoas de Jonatan Fernandes Fagundes (filiação em 12.06.2017), de Franciele Carina Beilke (filiação em 12.04.2017) e de Nilson Cavalheiro Bones (filiação em 12.04.2017) (fls. 46-48).

Entretanto, por meio da consulta ao Sistema Filiaweb, não foi identificado o vínculo partidário das pessoas indicadas pela agremiação, cabendo entender que foram documentos produzidos unilateralmente e destituídos de fé pública (fls. 36-38). Por corolário, conclui-se serem doadores não filiados ao partido político.

Portanto, como bem consignou o juízo a quo, o recorrente não logrou provar a filiação partidária dos doadores. A fim de evitar tautologia, reproduzo trecho relevante da decisão vergastada (fl. 81):

As fichas e declarações de filiação apresentadas pelo partido constituem-se em documentos unilaterais, desprovidos de fé pública e que podem ser facilmente confeccionados a qualquer tempo, inclusive após a ocorrência das doações irregulares e dos pareceres constantes deste feito. Ademais, não há reconhecimento de firma ou qualquer outro elemento que demonstre que as fichas e declarações foram efetivamente assinadas no momento da filiação e não em momento posterior. Neste sentir, a Súmula nº 20 do TSE estabelece que documentos unilaterais e desprovidos de fé pública não são idôneos a comprovar a filiação partidária. Por conseguinte, o recebimento de recursos oriundos de fontes vedadas pelo órgão partidário em epígrafe é conclusão inarredável. (Grifei.)

Dessa forma, o caso dos autos amolda-se à jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, senão vejamos:

ELEIÇÕES 2018. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. REGISTRO DE CANDIDATURA. DEPUTADO ESTADUAL. CONDIÇÃO DE ELEGIBILIDADE. FILIAÇÃO PARTIDÁRIA. NÃO COMPROVAÇÃO. DECISÃO EM CONFORMIDADE COM A JURISPRUDÊNCIA DO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL. SÚMULA Nº 30/TSE. REEXAME DE PROVAS. SÚMULA N° 24/TSE. AGRAVO DESPROVIDO.

1. A documentação sem fé pública, unilateralmente produzida pelo candidato, não é prova apta da filiação partidária do candidato pelo prazo mínimo de seis meses antes do pleito, conforme assentada jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral.

2. A pretensão de reexame do conjunto probatório, ainda que arguida sob o pálio da mera revaloração da prova, é inviável em sede de recurso especial eleitoral porque esbarra no óbice da Súmula nº 24/TSE.

3. Agravo regimental a que se nega provimento.

(RESPE - Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral n. 060105176 -PORTO ALEGRE – RS; Acórdão de 08.11.2018; Rel. Min. Edson Fachin; Publicado em Sessão, Data: 08.11.2018.) (Grifei.)

Logo, por serem os documentos apresentados pelo partido político produzidos unilateralmente e desprovidos de fé pública, não são idôneos para comprovar a filiação partidária dos doadores. E, para além disso, registro que tal reconhecimento independe da verificação da presença ou não de má-fé por parte da agremiação.

Desse modo, pela ausência de filiação partidária, tais contribuintes são considerados fontes vedadas, nos termos do art. 12, § 1º, da Resolução TSE n. 23.546/17.

No caso dos autos, incide a norma do inc. V do art. 31 da Lei n. 9.096/95, com a redação da Lei n. 13.488/17, que entrou em vigor no dia 06.10.2017, com a seguinte redação:

Art. 31. É vedado ao partido receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive através de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

(…).

V - pessoas físicas que exerçam função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, ou cargo ou emprego público temporário, ressalvados os filiados a partido político. (Incluído pela Lei n. 13.488, de 2017)

Sendo assim, as contribuições decorrentes de pessoas físicas ocupantes dos cargos comissionados na Prefeitura de Horizontina, na quantia de R$ 2.492,00, devem ser consideradas fontes vedadas.

O valor irregularmente recebido representa 22,60% do total da receita arrecadada no exercício financeiro, R$ 11.025,60 (fl. 23), percentual que esta Corte entende impossibilitar a aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade, cabendo manter a desaprovação das contas.

2. Sanções: do recolhimento de valores ao Tesouro Nacional acrescido de multa e  da suspensão de recebimento do Fundo Partidário

2.1. Do recolhimento de valores ao Tesouro Nacional acrescido de multa

Diante do recebimento de recursos oriundos de fontes vedadas, tem-se que, nos termos do art. 37 da Lei n. 9.096/95, c/c os arts. 14, § 1º, e 49, ambos da Resolução TSE n. 23.546/17, os valores devem ser recolhidos ao Tesouro Nacional acrescidos de até 20%, in verbis:

Art. 37.  A desaprovação das contas do partido implicará exclusivamente a sanção de devolução da importância apontada como irregular, acrescida de multa de até 20% (vinte por cento). (art. 37 da Lei n. 9.9096/1995 com a redação dada pela Lei n. 13.165, de 2015)

Art. 14. O recebimento direto ou indireto dos recursos previstos no art. 13 sujeita o órgão partidário a recolher o montante ao Tesouro Nacional, por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU), até o último dia útil do mês subsequente à efetivação do crédito em qualquer das contas bancárias de que trata o art. 6º, sendo vedada a devolução ao doador originário.

§ 1º O disposto no caput também se aplica aos recursos provenientes de fontes vedadas que não tenham sido estornados no prazo previsto no § 5º do art. 11, os quais devem, nesta hipótese, ser recolhidos ao Tesouro Nacional.

Art. 49. A desaprovação das contas do partido implicará a sanção de devolução da importância apontada como irregular, acrescida de multa de até 20% (vinte por cento) (Lei nº 9.096/1995, art. 37).

Assim, considerando que o juízo a quo desaprovou as contas do recorrente, a aplicação da multa é decorrência lógica da decisão, a qual estabeleceu a sanção no patamar de 20%, grau máximo de penalidade.

Entretanto, é entendimento jurisprudencial que essa sanção deve ser determinada em grau proporcional. Ademais, trata-se de matéria de ordem pública, passível de modificação, razão pela qual altero a sanção para 5% sobre a importância apontada como irregular, atendendo à proporcionalidade da imposição.

Dessa maneira, tratando-se de irregularidade considerada grave e insanável, no valor total de R$ 2.492,00, representando 22,60% da receita arrecadada no exercício financeiro (R$ 11.025,60 - fl. 23), mantenho a sentença pela desaprovação, com o recolhimento da quantia apontada como irregular, acrescida da multa de 5%.

Nesse ponto, quanto à manutenção do recolhimento, ressalvo que esta Corte Eleitoral já se manifestou sobre o art. 55-D, incluído na Lei n. 9.096/95 pela Lei n. 13.831, de 19.6.2019, tendo reconhecido, de forma unânime, a inconstitucionalidade do dispositivo legal em comento, consoante ementa que transcrevo, no ponto que interessa:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO DE 2015. DESAPROVAÇÃO. MATÉRIA PRELIMINAR ACOLHIDA. INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 55-D DA LEI N. 9.096/95, INCLUÍDO PELA LEI N. 13.831/19. MÉRITO. RECEBIMENTO DE RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA E DE FONTE VEDADA. PORCENTAGEM REPRESENTATIVA DAS IRREGULARIDADES DIANTE DA TOTALIDADE DOS RECURSOS ARRECADADOS NO PERÍODO. AFASTADA A APLICAÇÃO DOS POSTULADOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. MANUTENÇÃO DO JUÍZO DE DESAPROVAÇÃO. REDUZIDO O PERÍODO DE SUSPENSÃO DO FUNDO PARTIDÁRIO. AFASTADA A CONDIÇÃO DE QUE A SANÇÃO SUBSISTA ATÉ QUE OS ESCLARECIMENTOS SEJAM ACEITOS PELA JUSTIÇA ELEITORAL. PROVIMENTO PARCIAL.

1. Incidente de inconstitucionalidade suscitado pelo Procurador Regional Eleitoral. 1.1. O art. 55-D da Lei n. 9.096/95, norma legal objeto do aludido incidente, incluído pela Lei n. 13.831/19, assinala a anistia das devoluções, cobranças ou transferências ao Tesouro Nacional que tenham como causa as doações ou contribuições efetuadas, em anos anteriores, por servidores públicos os quais exerçam função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, desde que filiados a partido político. Ausência de notícia de que tenha havido oferecimento dos dados relativos à previsão de estimativa de impacto orçamentário e financeiro quando da tramitação da proposta legislativa prevendo a renúncia da receita. Omissão que afronta a exigência constitucional incluída pela EC n. 95/16 no art. 113 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. A legislação infraconstitucional igualmente exige seja comprovado o impacto orçamentário e financeiro à concessão de benefício que gere a diminuição de receita da União, nos termos do art. 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal e arts. 114 e 116 da Lei n. 13.707/18. 1.2. A anistia das verbas consideradas como oriundas de fontes vedadas - benefício instituído em causa própria e sem qualquer finalidade pública subjacente - atenta ao princípio da moralidade administrativa e desvirtua a natureza jurídica do instituto. 1.3. Vício de inconstitucionalidade formal e material. Acolhimento da preliminar. Afastada, no caso concreto, a aplicação do art. 55-D da Lei n. 9.096/95, incluído pela Lei n. 13.831/19. (...) (grifo nosso)

(TRE/RS, Incidente de ARguição de Inconstitucionalidade, RE 35-92.2016.6.21.0005, Rel. Des. Eleitoral Gerson Fischmann, DEJERS de 23.8.2019.)

Pelas razões acima elencadas, o art. 55-D da Lei n. 9.096/95 foi considerado inconstitucional por este Egrégio Regional, por instituir hipótese de incidência destoante das normas extraídas da Constituição Federal.

Entretanto, como o caso em concreto não reconheceu a filiação partidária dos doadores das contribuições para a grei, não há falar em anistia a ser aplicada.

Nesses termos, o montante a ser recolhido ao Tesouro Nacional deve ser mantido nos termos da sentença.

2.2. Da suspensão do repasse de valores do Fundo Partidário por 2 meses

A decisão recorrida estabeleceu a penalidade de suspensão de recursos do Fundo Partidário por 2 (dois) meses, com suporte normativo no art. 47, inc. I, da Resolução TSE n. 23.546/17:

Art. 47. Constatada a violação de normas legais ou estatutárias, o órgão partidário fica sujeito às seguintes sanções:

I - no caso de recebimento de recursos das fontes vedadas de que trata o art. 12, sem que tenham sido adotadas as providências de devolução à origem ou recolhimento ao Tesouro Nacional na forma do art. 14, o órgão partidário fica sujeito à suspensão da distribuição ou do repasse dos recursos provenientes do Fundo Partidário pelo período de um ano (Lei nº 9.096/1995, art. 36, inciso II); e

[...]

A regra legal, com referência à sanção disposta no art. 36, inc. II, da Lei n. 9.096/95, estabelece que, “no caso de recebimento de recursos mencionados no art. 31, fica suspensa a participação no fundo partidário por um ano”.

No tocante à penalidade contida nos arts. 36, inc. II, da Lei n. 9.096/95 e 47, inc. I, da Resolução TSE n. 23.546/17, que preveem a suspensão do repasse de verbas do Fundo Partidário no caso de recebimento de recursos de fonte vedada, este Tribunal tem entendido pela aplicação da medida de forma proporcional e razoável, ponderando-se as circunstâncias do caso concreto, de forma a compatibilizar com a legislação.

Assim, em observância ao caso dos autos e ao quantum da irregularidade, mantenho a penalidade da suspensão do repasse de novas quotas do Fundo Partidário pelo período de 2 meses.

Dessa forma, tratando-se de contas relativas ao exercício financeiro de 2018, além do recolhimento da quantia irregular ao Tesouro Nacional, nos termos da fundamentação, a sanção aplicável será a prevista no art. 37, caput, da Lei n. 9.096/95, qual seja, a multa fixada de forma proporcional sobre a importância considerada irregular, fixada em 5%, a incidir sobre o montante de R$ 2.492,00, o que perfaz o valor de R$ 124,60, bem como a suspensão do repasse de quotas do Fundo Partidário pelo período de 2 (dois) meses.

Ante o exposto, VOTO pelo parcial provimento do recurso, para manter a desaprovação das contas, determinar o recolhimento ao Tesouro Nacional de R$ 2.492,00 (dois mil, quatrocentos e noventa e dois reais), acrescido de multa de R$ 124,60 (cento e vinte e quatro reais e sessenta centavos), e manter a suspensão do repasse de quotas do Fundo Partidário pelo período de 2 (dois) meses.

É como voto, Senhor Presidente.