RE - 983 - Sessão: 10/12/2019 às 17:00

RELATÓRIO

Cuida-se de recurso eleitoral na prestação de contas do diretório municipal do PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT) de NOVA BOA VISTA contra sentença que julgou desaprovados seus registros contábeis, os quais abrangem a movimentação financeira do exercício de 2017.

A sentença (fls. 95-96v.) julgou desaprovadas as contas diante da constatação do recebimento de recursos de origem não identificada, determinando o recolhimento do valor de R$ 3.893,64 (três mil, oitocentos e noventa e três reais e sessenta e quatro centavos) ao Tesouro Nacional, acrescido da multa de 20%, bem como a suspensão de repasses de recursos do fundo partidário até o esclarecimento da origem dos recursos.

Em seu recurso (fls. 99-106), a agremiação alega, preliminarmente, nulidade do feito, por ausência de intimação quanto ao parecer conclusivo. No mérito, sustenta que a ausência de escrituração contábil digital não impede a análise das contas, além do que a doação realizada está devidamente identificada com o CNPJ do diretório nacional. Ainda, em relação à quantia recebida, no valor de R$ 3.435,74, declara que estava em conta no banco Crehnor e que, em razão da declaração de falência desta instituição financeira, o valor restou transferido para a conta do Banco do Brasil. Requer o recebimento do recurso em seu duplo efeito e, no mérito, a aprovação das contas ou a aprovação com ressalvas.

É o relatório.

VOTO

O recurso é tempestivo.

Preliminarmente, o recorrente requer a nulidade da sentença, por ter sido cerceado o seu direito de defesa, em virtude de falta de intimação do prestador para que se manifestasse a respeito do parecer técnico que opinou pela desaprovação das contas.

A preliminar não prospera.

Eventual cerceamento foi suprido com a publicação de Nota de Expediente n. 62/2019 (fl. 90) veiculada no DEJERS, no dia 25.6.2019, notificando o partido e seus advogados para oferecerem defesa e requererem a produção de provas. Conforme fl. 91, as partes restaram silentes.

Ainda, a Nota de Expediente n. 93/2019 (fl. 92) intimou o prestador de contas para a apresentação das alegações finais, prazo que transcorreu, igualmente, sem manifestação (fl. 93).

Por essas razões, afasto a preliminar de cerceamento de defesa.

No tocante aos recursos de origem não identificada, os arts. 7º, caput, e 8º, § 1º, da Resolução TSE n. 23.464/15 estipulam que as transações bancárias em favor do prestador de contas devem ser feitas, obrigatoriamente, mediante cheque cruzado ou depósito bancário direto, sempre com identificação do CPF do doador. Transcrevo o teor dos dispositivos em comento:

Art. 7º As contas bancárias somente podem receber doações ou contribuições com identificação do respectivo número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) do doador ou contribuinte, ou no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ) no caso de recursos provenientes de outro partido político ou de candidatos.

Art. 8º As doações realizadas ao partido político podem ser feitas diretamente aos órgãos de direção nacional, estadual, distrital, municipal e zonal, que devem remeter à Justiça Eleitoral e aos órgãos hierarquicamente superiores do partido o demonstrativo de seu recebimento e respectiva destinação, acompanhado do balanço contábil (Lei nº 9.096, de 1995, art. 39, § 1º).

§1º As doações em recursos financeiros devem ser, obrigatoriamente, efetuadas por cheque cruzado em nome do partido político ou por depósito bancário diretamente na conta do partido político (Lei nº 9.096/95, art. 39, § 3º).

§ 2º O depósito bancário previsto no § 1º deste artigo deve ser realizado nas contas “Doações para Campanha” ou “Outros Recursos”, conforme sua destinação, sendo admitida sua efetivação por qualquer meio de transação bancária no qual o CPF do doador ou contribuinte, ou o CNPJ no caso de partidos políticos ou candidatos, sejam obrigatoriamente identificados.

O examinador técnico identificou recebimento de recursos por meio de operações bancárias, sem identificação do doador de origem, no valor de R$ 3.893,64 (três mil, oitocentos e noventa e três reais e sessenta e quatro centavos).

Com efeito, a jurisprudência deste Tribunal pacificou o entendimento de que a carência de identificação da fonte originária do recurso na própria operação bancária é falha grave que impede o controle da Justiça Eleitoral sobre eventuais fontes vedadas e prejudica a transparência das declarações contábeis.

Nessa linha, colaciono o seguinte julgado:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. DIRETÓRIO ESTADUAL. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2016. PARECER TÉCNICO PELA DESAPROVAÇÃO. RECEBIMENTO DE RECURSOS DE FONTE VEDADA. EXISTÊNCIA DE RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. FALHAS DE REDUZIDA REPRESENTATIVIDADE FRENTE À MOVIMENTAÇÃO. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. POSTULADOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

1. Entendimento deste Tribunal no sentido de que a nova redação dada ao art. 31, inc. V, da Lei n. 9.096/95, pela Lei n. 13.488/17, denominada Reforma Eleitoral, não se aplica às doações realizadas antes da vigência do normativo, ou seja, 06.10.2017.

2. Não é permitido aos partidos políticos receber doações ou contribuições de titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta quando detenham a condição de autoridades. Recursos procedentes de ocupantes de cargos de chefia e direção, todos considerados fontes vedadas, enquadrados na proibição do art. 31, inc. II, da Lei n. 9.096/95.

3. As receitas obtidas por meio de depósito com a indicação do CNPJ do próprio partido devem ser consideradas como de origem não identificada, uma vez descumprido o preceito do art. 7º da Resolução TSE n. 23.464/15.

4. As falhas apuradas totalizam 3,41% do total de recursos arrecadados pela agremiação. Aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Determinado o recolhimento do valor recebido de forma irregular ao Tesouro Nacional.

5. Aprovação com ressalvas.

(TRE-RS – PC n. 24-44.2017.6.21.0000, relator Des. Federal João Batista Pinto Silveira, julgado em 23.10.2018, unânime.) (Grifei.)

Em sua argumentação recursal, a agremiação alega que os valores foram identificados com o CNPJ do próprio partido, porém não foram demonstrados nos autos os doadores originários, bem como de onde provinham os montantes nas transferências entre contas.

Conforme exposto, a sistemática normativa exige que a identificação do contribuinte deve ocorrer na própria operação bancária. Ainda que admitindo outros meios de prova, a jurisprudência exige que a comprovação da origem dos recursos seja efetuado por intermédio de registros bancários, tais como, por exemplo, comprovante de depósito ou extrato bancário da conta dos doadores, não bastando a mera declaração consignada em documento de uso interno pelo partido.

A ilustrar referido posicionamento, elenco os seguintes julgados:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2016. DESAPROVAÇÃO. PERCEPÇÃO DE RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. RECOLHIMENTO DO VALOR IRREGULAR AO TESOURO NACIONAL. AFASTADA A PENALIDADE DE SUSPENSÃO DO RECEBIMENTO DE NOVAS QUOTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. PARCIAL PROVIMENTO.

Recebimento de depósitos em espécie não identificados com o CPF do doador e outros dois depósitos com identificação do próprio partido como doador originário, sem emissão de recibo para quaisquer dessas operações, caracterizando o ingresso de receita de origem não identificada. Os esclarecimentos prestados pelo partido não conferem segurança e confiabilidade para se considerar a falha como sanada.

Manutenção da determinação de recolhimento dos valores irregulares ao Tesouro Nacional acrescido de multa de 10%. Afastada a penalidade de suspensão do recebimento de novas quotas do Fundo Partidário até que o partido preste esclarecimentos à Justiça Eleitoral. A interpretação teleológica do texto do art. 36, inc. I, da Lei dos Partidos Políticos evidencia que o repasse de novas quotas do Fundo Partidário somente ficará suspenso até que a justificativa seja aceita pela Justiça Eleitoral ou haja o julgamento do feito.

Parcial provimento.

(TRE-RS – PC n. 23-57.2017.6.21.0033, relator Des. Eleitoral Silvio Ronaldo Santos de Moraes, julgado em 20.11.2018, unânime.) (Grifei.)

 

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO 2016. DESAPROVAÇÃO. AFASTADA PRELIMINAR DE CERCEAMENTO DE DEFESA. MÉRITO. RECEBIMENTO DE RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. DEPÓSITOS SEM A INDICAÇÃO DOS CONTRIBUINTES. FALTA DE CPF NOS EXTRATOS BANCÁRIOS. MANUTENÇÃO DA REPROVAÇÃO DAS CONTAS. AFASTADA A PENALIDADE DE SUSPENSÃO DO REPASSE DE QUOTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. CORREÇÃO DO VALOR A SER RECOLHIDO AO TESOURO NACIONAL. PROVIMENTO PARCIAL. 1. Preliminar afastada. Cabe ao magistrado a avaliação da necessidade ou não da produção probatória, não configurando cerceamento de defesa o indeferimento de prova entendida como prescindível para o deslinde da demanda. 2. Sentença de desaprovação das contas. Aporte de quantia considerada como proveniente de fonte vedada e de origem não identificada. Reforma da decisão nesse ponto. Superado o exame no aspecto da vedação imposta aos doadores exercentes de cargos demissíveis ad nutum. Afastada a penalidade de suspensão do repasse de quotas do Fundo Partidário. 3. Evidenciados depósitos na conta do partido sem identificação dos contribuintes. Ausente o registro dos respectivos números de inscrição no cadastro de pessoas físicas (CPF), nos extratos bancários, dos doadores. Rejeitada a tese que atribui responsabilidade ao sistema bancário, haja vista a obrigação de conhecimento e observância das normas vigentes pela grei partidária. Insuficiente a relação de doadores apresentada pela agremiação, por tratar-se de documento produzido internamente pelo recorrente. Exigência legal da identificação do contribuinte por operação bancária. Caracterizado, assim, o emprego de valores de origem não identificada. 4. Mantida a desaprovação das contas. Correção do numerário apontado como irregular, valor a ser recolhido ao Tesouro Nacional. 5. Parcial provimento.

(TRE-RS - RE n. 2158 NOVO HAMBURGO - RS, Relator: MARILENE BONZANINI, Data de Julgamento: 05/11/2018, Data de Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 202, Data 07/11/2018, Página 3.) (Grifei.)

Contudo, o juízo a quo fixou a suspensão do fundo partidário até que o esclarecimento da origem dos recursos seja aceito.

Com efeito, da análise sistemática da regulamentação, verifica-se que a suspensão de quotas, até que a origem dos recursos seja informada, somente tem razão de ser durante a tramitação do feito e não após a prolação da decisão que julga as contas, pois nela deve ser determinado que os recursos de origem não identificada retornem, integralmente, aos cofres públicos. Veja-se que não há prazo e nem será aberto um tempo para esclarecimentos, tornando-se indeterminada a suspensão do fundo partidário, o que não se afigura razoável e proporcional.

Assim, interpretação diversa poderia redundar na imposição de sanção por tempo infinito, penalidade não admitida no ordenamento jurídico brasileiro, sendo certo que, após a prolação da sentença, sequer teria lugar o exame de eventuais novos esclarecimentos:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2016. DESAPROVAÇÃO. PERCEPÇÃO DE RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. RECOLHIMENTO DO VALOR IRREGULAR AO TESOURO NACIONAL. AFASTADA A PENALIDADE DE SUSPENSÃO DO RECEBIMENTO DE NOVAS QUOTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. PARCIAL PROVIMENTO.

Recebimento de depósitos em espécie não identificados com o CPF do doador e outros dois depósitos com identificação do próprio partido como doador originário, sem emissão de recibo para quaisquer dessas operações, caracterizando o ingresso de receita de origem não identificada. Os esclarecimentos prestados pelo partido não conferem segurança e confiabilidade para se considerar a falha como sanada.

Manutenção da determinação de recolhimento dos valores irregulares ao Tesouro Nacional acrescido de multa de 10%. Afastada a penalidade de suspensão do recebimento de novas quotas do Fundo Partidário até que o partido preste esclarecimentos à Justiça Eleitoral. A interpretação teleológica do texto do art. 36, inc. I, da Lei dos Partidos Políticos evidencia que o repasse de novas quotas do Fundo Partidário somente ficará suspenso até que a justificativa seja aceita pela Justiça Eleitoral ou haja o julgamento do feito.

Parcial provimento.

(TRE-RS – PC n. 23-57.2017.6.21.0033, relator Des. Eleitoral Silvio Ronaldo Santos de Moraes, julgado em 20.11.2018, unânime.)

Ante o exposto, VOTO pelo provimento parcial do recurso, mantendo a desaprovação das contas e a determinação do recolhimento ao Tesouro Nacional da quantia de R$ 3.893,64 (três mil, oitocentos e noventa e três reais e sessenta e quatro centavos), com acréscimo de multa de 20%, excluída a suspensão do recebimento de quotas do Fundo Partidário até o esclarecimento da origem dos recursos, nos termos da fundamentação.