RE - 5975 - Sessão: 30/09/2020 às 14:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto pelo partido MOVIMENTO DEMOCRÁTICO BRASILEIRO – MDB de Marau (FLS. 325-333) contra sentença do Juízo da 62ª Zona (fls. 320-322v.) que desaprovou a prestação de contas relativa ao exercício financeiro de 2017 – cujo processo também é integrado pelos dirigentes partidários responsáveis –, determinando o recolhimento ao Tesouro Nacional do valor de R$ 5.800,00, em virtude do recebimento de recursos não identificados, acrescido de multa no percentual de 4%, e suspendendo o repasse de novas quotas do Fundo Partidário até o esclarecimento da origem dos recursos irregulares perante a Justiça Eleitoral.

Em suas razões, o recorrente sustenta que, com relação à parte do valor apontada como irregularmente havida, depósito de R$ 517,00, teria ocorrido equívoco do banco, o qual, em vez de digitar o CPF do doador, digitou o CNPJ do próprio partido; e, quanto às demais doações recebidas, que os respectivos doadores estão identificados nos recibos eleitorais.

Requer a reforma da sentença para aprovação das contas.

Nesta instância, com vista dos autos, a Procuradoria Regional Eleitoral opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 338-342).

É o relatório.

VOTO

Admissibilidade

O recurso é tempestivo (fls. 323v. e 325) e preenche os demais pressupostos de admissibilidade, razão por que dele conheço.

Mérito

O partido MOVIMENTO DEMOCRÁTICO BRASILEIRO – MDB do Município de Marau recorre da sentença proferida pelo juízo da 62ª Zona Eleitoral que desaprovou a suas contas anuais, relativas ao exercício financeiro de 2017, determinando o recolhimento ao Tesouro Nacional do valor de R$ 5.800,00, em virtude do recebimento de recursos de origem não identificada, nos termos do art. 14, caput, da Resolução TSE n. 23.464/15, e aplicou multa no percentual de 4% sobre a importância apontada como irregular, forte no art. 49, da mesma resolução, além da suspensão do recebimento de novas quotas do Fundo Partidário até que a justificativa fosse aceita por esta Justiça especializada.

Conforme parecer técnico conclusivo (fls. 72-73), foram apontadas duas falhas relativas ao recebimento de recursos de origem não identificada, a saber: a) receita identificada no extrato bancário com o CNPJ do próprio partido, no valor de R$ 517,00; e b) créditos sem especificação do CPF dos doadores no extrato bancário, no total de R$ 5.820,00.

Antes de analisar o mérito da questão, cabe aqui uma adequação, de ofício, dos valores considerados irregulares pelo juízo a quo, cuja soma importa em R$ 6.337,00, diferentemente do valor apontado na sentença para recolhimento ao erário, de R$ 5.800,00.

Embora a redação do decisum seja um tanto confusa, a falha relativa ao depósito de R$ 517,00 com o CNPJ do próprio partido, que ficou fora da soma final, foi claramente considerada pela magistrada sentenciante, que afastou os argumentos da defesa, nos seguintes termos:

[…]

A agremiação partidária aduziu que foi equívoco do banco na identificação de um depósito bancário no valor de R$ 517,00 […]

[…]

Com relação ao alegado erro da entidade bancária na correta identificação do doador, não é plausível a alegação. O referido lançamento caberia ter sido conferido diretamente pelo responsável pela realização, no momento em que perfectibilizado. Ainda, não é razoável a confusão entre o lançamento de um CPF e de um CNPJ.

[...]

Trata-se, portanto, de erro material na elaboração do cálculo.

Assim, tendo o juízo enfrentado as duas espécies de irregularidades – depósito identificado com CNPJ do próprio partido e outros sem qualquer especificação – e o recorrente, por seu norte, relacionado os valores em sua totalidade, ou seja, recorrido de toda a condenação, independentemente do total consignado na sentença, necessária a readequação das quantias, sem que isso importe em reformatio in pejus.

Feita essa observação, passo à análise das razões recursais.

Quanto ao recebimento de depósito identificado com o CNPJ do próprio partido, apontado pelo órgão técnico, o recorrente atribui a falha à instituição bancária, que teria digitado o CNPJ da agremiação, e não o do depositante.

Ocorre que, como bem pontuado pela juíza de primeiro grau, tal alegação não socorre o recorrente, uma vez que caberia ao depositante a conferência dos dados por ocasião da transação bancária. Ademais, não há, nos autos, qualquer documentação capaz de, eventualmente, corroborar a sua tese, como, por exemplo,  o extrato bancário da conta-corrente de Iura Kurtz contendo o lançamento do débito correspondente ao depósito realizado na conta bancária do partido.

Importante referir que o recibo emitido, por si só, não tem o condão de comprovar a origem do recurso, tanto que a legislação exige que as doações de recursos financeiros sejam efetuadas por meio de cheque cruzado ou transação bancária que identifique, obrigatoriamente, o CPF do doador ou contribuinte, nos termos do art. 8º, §§ 1º e 2º, da Resolução TSE n. 23.464/15.

O mesmo raciocínio aplica-se aos recursos recebidos sem qualquer identificação nos extratos bancários (fls. 31-42 e 258 e v.), cuja única indicação dos supostos doadores seriam os dados contidos nos recibos emitidos pelo partido, inservíveis como meio de prova, dada a sua unilateralidade.

Como bem ponderado pela Procuradoria Regional Eleitoral na fl. 340, verbis :

A informação bancária não pode ser suprida por dados contidos nos Livros Diário e Razão, Demonstrativo de Contribuições Recebidas ou recibos eleitorais, pois apenas os dados bancários possuem a confiabilidade decorrente da produção da prova por terceiro isento, no caso a instituição financeira, impedindo manipulação e fraudes.

Assim, como a cifra arrecadada pelo partido sem identificação de origem (R$ 6.337,00) representa expressivos 61% dos recursos obtidos pela agremiação ao longo do exercício financeiro (R$ 10.388,52 – fl. 257), correta a sentença que desaprovou as contas e determinou o recolhimento dos valores irregularmente recebidos ao erário, cabendo apenas a readequação do total, como já referido.

Relativamente à incidência da penalidade de multa, a juíza eleitoral de primeira instância fixou-a em 4% sobre a importância impugnada.

Considerando que o legislador estabeleceu que a multa deve incidir, de modo proporcional e razoável, em percentual de até 20% sobre as verbas apontadas como irregulares (art. 49, caput e § 2º, da Resolução TSE n. 23.464/15), e que, na presente prestação de contas, os recursos sem identificação de origem atingem 61% da receita anual da grei, tenho que o percentual fixado não guarda a devida proporção com o total irregularmente arrecadado. Todavia, incabível a majoração, ante a ausência de recurso do Ministério Público Eleitoral.

Relativamente à penalidade de suspensão do repasse de novas quotas do Fundo Partidário até o esclarecimento da origem dos recursos irregulares perante a Justiça Eleitoral, aplicada pelo juízo de origem, com base no art. 36, inc. I, da Lei n. 9.096/95, c/c o art. 47, inc. II, da Resolução TSE n. 23.464/15, este Colegiado firmou entendimento quanto à sua inaplicabilidade, a fim de evitar sancionamento por tempo infinito.

Nesse sentido, trago à colação a seguinte ementa:

 

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2016. DESAPROVAÇÃO. EXISTÊNCIA DE RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. RECEBIMENTO DE RECURSOS DE FONTE VEDADA. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. MULTA. AFASTADA A CONDIÇÃO DE QUE A SUSPENSÃO DO REPASSE DE NOVAS QUOTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO PERSISTA ATÉ QUE OS ESCLARECIMENTOS SOBRE A ORIGEM DO VALOR NÃO IDENTIFICADO VENHAM A SER ACEITOS PELA JUSTIÇA ELEITORAL. SANÇÃO POR TEMPO INFINITO. PENALIDADE NÃO ADMITIDA NO ORDENAMENTO JURÍDICO. PARCIAL PROVIMENTO.

1. Recebimento de recursos de origem não identificada. Depósito realizado por meio do CNPJ do próprio partido, sem a devida identificação do CPF do doador originário, contrariando os arts. 7º, caput, e 8º, § 1º, da Resolução TSE n. 23.464/15. A jurisprudência deste Tribunal pacificou entendimento de que a carência de identificação da fonte originária do recurso na própria operação bancária é falha grave, que impede o controle e prejudica a transparência das declarações contábeis.

2. Constatado o recebimento de doações provenientes de pessoa física detentora de cargo demissível ad nutum no executivo municipal, inserida no conceito de autoridade pública e enquadrada como fonte vedada de recursos. Aplicação da norma vigente ao tempo do exercício, em atenção aos princípios do tempus regit actum, da isonomia e da segurança jurídica. Tratando-se de contas relativas ao ano de 2016, o exame da contabilidade observa as prescrições normativas contidas na Resolução TSE n. 23.464/15, vigentes ao tempo dos fatos, consoante expressamente estabelece o art. 65, caput e § 3º, da Resolução TSE n. 23.546/17.

3. A proscrição legal da receita não é mitigada pelo fato de o doador possuir outras fontes de renda, ressalva não prevista pela norma de regência. Além disso, impossível separar os proventos pelas diferentes origens, pois, uma vez percebidos, misturam-se no patrimônio da mesma pessoa física.

4. A cifra total representa 60,25% de recursos arrecadados, mostrando-se inviável a aplicação dos postulados da proporcionalidade e da razoabilidade. Mantidos o período de suspensão do Fundo Partidário e o recolhimento ao Tesouro Nacional dos valores irregularmente percebidos, bem como o patamar estabelecido para a multa incidente.

5. Afastada a aplicação do art. 36, inc. I, da Lei n. 9.096/95. A interpretação teleológica da norma evidencia que o repasse de novas quotas do Fundo Partidário somente ficará suspenso até que a justificativa seja aceita pela Justiça Eleitoral ou haja o julgamento do feito. Interpretação diversa poderia redundar na imposição de sanção por tempo infinito, penalidade não admitida no ordenamento jurídico brasileiro.

6. Parcial provimento.

(Recurso Eleitoral n 3121, ACÓRDÃO de 24.4.2019, Relator GERSON FISCHMANN, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Data: 24.4.2019.)

 

Por esses motivos, estou encaminhando meu voto no sentido de dar parcial provimento ao recurso interposto pela agremiação unicamente para afastar a penalidade de suspensão do repasse de novas quotas do Fundo Partidário até o esclarecimento da origem dos recursos doados de forma irregular ao partido, mantendo o juízo de desaprovação da contabilidade, bem como a ordem de recolhimento da quantia glosada ao Tesouro Nacional e corrigindo, de ofício, o total para R$ 6.337,00, acrescido da pena de multa de 4%.

 

Dispositivo

Diante do exposto, VOTO pelo parcial provimento do recurso, para o fim de afastar a penalidade de suspensão do repasse de novas quotas do Fundo Partidário, mantendo a sentença de desaprovação das contas do MOVIMENTO DEMOCRÁTICO BRASILEIRO – MDB de Marau relativas ao exercício financeiro de 2017, bem como a determinação do recolhimento do valor irregular ao erário, recalculado para R$ 6.337,00 (seis mil, trezentos e trinta e sete reais), acrescido de multa no percentual de 4%.