RE - 1345 - Sessão: 09/03/2020 às 11:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso contra decisão que desaprovou a prestação de contas relativa ao exercício de 2015 do DIRETÓRIO MUNICIPAL do PARTIDO TRABALHISTA BRASILEIRO (PTB) de CANOAS.

A sentença (fls. 177-180) julgou desaprovadas as contas do partido diante do recebimento de recursos de origem não identificada (RONI), no montante de R$ 5.136,00, e de fontes vedadas (titulares de cargos na administração pública, detentores de funções de direção ou chefia), no valor de R$ 15.126,21. A decisão determinou o recolhimento da importância de R$ 20.262,21 ao Tesouro Nacional, acrescida de multa no patamar de 10%.

No apelo (fls. 186-196), os recorrentes sustentam que (a) os valores se referem a doações feitas por filiados do partido; (b) com a alteração introduzida pela Lei n. 13.488/2017, ficam permitidas as doações de filiados, pois estes são cidadãos com iguais direitos e deveres; (c) não houve má-fé da agremiação ou dos dirigentes responsáveis; (d) a multa imposta deve ser revista e adequada a patamares mínimos; (e) considerados os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, há elementos contábeis suficientes para um juízo de aprovação das contas com ressalvas. Requerem o conhecimento e o provimento do apelo.

Na presente instância, a Procuradoria Regional Eleitoral manifestou-se, preliminarmente, pela nulidade da sentença e pelo retorno dos autos à origem; como alternativa, entende deva ser aplicada, de ofício, por este Tribunal, a ordem de suspensão dos repasses de valores oriundos do Fundo Partidário pelo prazo de 1 ano. No mérito, posicionou-se pelo parcial provimento do recurso, no sentido de afastar a multa de 10% aplicada pelo juízo de 1º grau (fls. 205-220).

É o relatório.

VOTO

Preliminar

Nulidade da sentença por negativa de vigência a dispositivos.

A PRE entende, em alentada manifestação, que seria o caso de declarar-se a nulidade de sentença, com o efeito de retorno dos autos à origem. O argumento central é que o juízo a quo teria negado vigência às normas de regência aplicáveis ao feito sob exame – notadamente, o art. 36, incs. I e II, da Lei n. 9.096/1995, c/c o art. 46, incs. I e II, da Resolução TSE n. 23.432/2014, os quais preveem que, observadas as irregularidades de recebimento de valores oriundos de fontes vedadas ou de origem não identificada, é cabível a suspensão dos recursos do Fundo Partidário pelo prazo de 1 (um ano).

Entendo por não acolher a preliminar.

Explico.

Não houve omissão quanto aos consectários da conclusão, mas sim aplicação de consequência diversa – multa de 10% sobre o valor tido como irregular.

Ou seja, não se trata daquele entendimento da Corte, aliás superado, nos casos de omissão do magistrado de origem relativa às sanções aplicadas. A superação deu-se nos autos do RE n. 18-95, julgado em 02.5.2019, ocasião em que fixei meu posicionamento no sentido de que

soa absolutamente distanciado da lógica do razoável o retorno dos autos à origem, por decretação de nulidade, para que outra sentença seja proferida, a partir de recurso de quem será prejudicado pela reapreciação, mesmo porque, nos termos postos no voto e no parecer da Procuradoria Regional Eleitoral, há expressa menção à imperiosa aplicação das sobreditas sanções em se tratando de desaprovação de contas.

Para mim, não se está diante de causa de nulidade, muito menos a ensejar decretação de ofício, não me seduzindo as invocadas razões de ordem pública, tampouco tratar-se de matéria de ordem pública, pois se assim for considerado, em inúmeras situações haverão de ser declaradas nulidades outras, visto que, do ramo do Direito Público, o Eleitoral é - e evidentemente as regras que estatui também o são -, sem dúvida, do mais alto interesse público.

Não consigo aceitar a ideia da reformatio in pejus a que se sujeita o próprio recorrente.

A isso agrego, em contraposição aos argumentos logo acima mencionados, que não menos relevantes são os conceitos e preceitos de segurança jurídica, coisa julgada, preclusão e o de que à superior instância devolve-se o conhecimento daquilo que foi objeto de recurso, portanto, dos pontos em que a decisão originária foi atacada.

Desimportando discussões doutrinárias ou acadêmicas sobre tratar-se de coisa julgada material ou formal, para mim é certo que a decisão, no que não foi atacada, está coberta pelo manto da imutabilidade, restando preclusa a rediscussão destes, por imperativo de segurança jurídica e em atenção aos mais elevados princípios constitucionais que vedam a reforma de decisões judiciais em prejuízo à parte, não havendo recurso hábil a tanto.

Por tudo isso, Senhor Presidente, desacolhendo o douto parecer ministerial, voto pelo enfrentamento da questão meritória objeto da irresignação recursal, mantendo-se nesta instância o processo a que se refere, sem o reconhecimento de qualquer nulidade processual.

Reafirmando a tese consagrada naquele julgamento, também no caso dos autos, a alegação de nulidade da sentença deve ser afastada.

A imposição de sanção diversa da prevista no regulamento aplicável não deve ensejar a decretação de nulidade do feito, sobretudo quando não há recurso interposto nesse sentido.

Rejeito, assim, a preliminar de nulidade.

Mérito

A análise da documentação juntada pela agremiação partidária revelou uma série de doações realizadas por ocupantes de cargos tidos como “autoridades”, definidos como fontes vedadas pelo art. 12, inc. XII e § 2º, da Resolução TSE n. 23.432/2014.

À guisa de introdução, saliento: diversamente do sustentado pelo prestador, desde o advento da Resolução TSE n. 22.585/2007, o alcance do termo “autoridades públicas”, para fins de doações eleitorais, restou pacificado.

Por oportuno, reproduzo ementa da Consulta que deu origem à Resolução:

Partido político. Contribuições pecuniárias. Prestação por titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta. Impossibilidade, desde que se trate de autoridade.

Resposta à consulta, nesses termos. Não é permitido aos partidos políticos receberem doações ou contribuições de titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta, desde que tenham a condição de autoridades.

(CONSULTA n. 1428, Resolução n. 22585 de 06.9.07, Relator Min. JOSÉ AUGUSTO DELGADO, Relator designado Min. ANTONIO CESAR PELUSO, Publicação: DJ – Diário de Justiça, Data: 16.10.07, p. 172.)

E a exegese foi mantida na Resolução TSE n. 23.432/2014, sendo incabíveis os argumentos defensivos de que a Lei n. 13.488/2017 foi editada para dirimir controvérsias.

O diploma invocado no recurso veio, sim, para retirar um impedimento e, ao interpretá-lo, este Tribunal já se posicionou pela irretroatividade de suas disposições, no ponto em que, alterando a redação do art. 31 da Lei n. 9.096/1995, passou a possibilitar doações de pessoas físicas filiadas a partidos políticos, ainda que ocupantes de cargos demissíveis ad nutum:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS ANUAL. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO DE 2015. PRELIMINAR. MANUTENÇÃO DOS DIRIGENTES PARTIDÁRIOS NO POLO PASSIVO. ILEGITIMIDADE NÃO CONFIGURADA. MÉRITO. RECEBIMENTO DE DOAÇÕES DE FONTES VEDADAS. ALTERAÇÃO LEGISLATIVA. PERMITIDA A CONTRIBUIÇÃO DE FILIADOS. INAPLICABILIDADE AO CASO CONCRETO. APLICAÇÃO DA LEGISLAÇÃO VIGENTE À ÉPOCA DOS FATOS. PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA. MANUTENÇÃO DO JUÍZO DE IRREGULARIDADE DA DOAÇÃO. REDUÇÃO DO PRAZO DE SUSPENSÃO DO RECEBIMENTO DAS QUOTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. PARCIAL PROVIMENTO.

(...)

3. A Lei n. 13.488/17, publicada em 06.10.17, alterou a redação do art. 31 da Lei n. 9.096/95 - Lei dos Partidos Políticos -, excluindo a vedação de doação de pessoa física que exerça função ou cargo público demissível ad nutum, desde que filiada ao partido beneficiário.

4. Inaplicabilidade ao caso concreto. Incidência da legislação vigente à época dos fatos. Prevalência do princípio da segurança jurídica e da paridade de armas no processo eleitoral, em detrimento da aplicação pontual da retroatividade in bonam partem. Manutenção do juízo de irregularidade das contribuições advindas de cargos demissíveis ad nutum, ainda que os contribuintes sejam filiados à agremiação.

(...)

6. Provimento parcial.

(TRE-RS; Recurso Eleitoral n. 14-97, Relator: Des. El. Luciano André Losekann, julgado em 04.12.2017, por unanimidade.) (Grifei.)

Dessarte, em relação ao exercício financeiro em análise – 2015, o tratamento jurídico deve observar a redação original do art. 31 da Lei dos Partidos Políticos, bem como as prescrições do art. 12, inc. XII e § 2º, da Resolução TSE n. 23.432/2014, que vedavam as contribuições.

Destaco a existência de rol não impugnado, constante nas fls. 115-116, enumerando lista das pessoas que, no decorrer do exercício, doaram valores ao PTB de CANOAS sob condição irregular, pois consideradas autoridades.

Em resumo: os argumentos defensivos revisitam questões pacificadas. No que toca à invocação do estatuto da legenda, basta salientar que o TSE, na CTA n. 35.664, de 5.11.15, entendeu que “Os estatutos partidários não podem conter regra de doação vinculada ao exercício de cargo, uma vez que ela consubstancia ato de liberalidade e, portanto, não pode ser imposta obrigatoriamente ao filiado”. (Relator Min. HENRIQUE NEVES DA SILVA, DJE de 02.12.2015, p. 57, unânime.)

Da mesma forma, questões como voluntariedade ou boa-fé não podem se sobrepor à vedação contida na norma de regência.

A ordem de recolhimento ao Tesouro Nacional do valor de R$ 15.126,21, em razão do recebimento de recursos de fonte vedada, é medida que se impõe.

A análise técnica também apurou a existência de movimentação financeira paralela à conta bancária, no valor de R$ 5.136,00, o que configuraria omissão de receitas e recursos de origem não identificada.

Sobre tal montante, o partido afirmou que o “valor de R$ 5.136,00 trata-se de doação do filiado conforme recibo em anexo, tendo transitado no Fundo de Caixa do Partido” (fl. 104), juntando dois recibos na quantia de R$ 2.568,00 cada, identificando contribuição espontânea de Gemelson Sperandio Pompeu no mês de março de 2015 (fls. 111-112).

Consigno, por necessário, que o donatário não está arrolado entre aqueles identificados como autoridades para fins de apuração do valor relativo às doações de fonte vedada, de forma que o apontamento não constitui bis in idem.

Como se percebe, a doação de R$ 5.136,00 deixou de transitar pela conta-corrente, o que impediu fosse identificada a origem dos recursos.

O trânsito obrigatório de recursos pela conta bancária, assim como a exigência de que as doações em recursos financeiros sejam efetuadas necessariamente por intermédio de cheque cruzado em nome do partido político ou por depósito bancário diretamente nessa conta, está previsto na Resolução TSE n. 23.434/14, verbis:

Art. 6º Os partidos políticos, em cada esfera de direção, deverão abrir contas bancárias para a movimentação financeira das receitas de acordo com a sua origem, destinando contas bancárias específicas para movimentação dos recursos provenientes:

I – do Fundo Partidário, previsto no inciso I do art. 5º desta resolução;

II – das "Doações para Campanha", previstas no inciso IV do art. 5º desta resolução; e

III – dos "Outros Recursos", previstos nos incisos II, III e V, do art. 5º desta resolução.

§ 1º A exigência de abertura de conta específica para movimentar os recursos de que tratam o caput e os incisos I, II e III deste artigo somente se aplica aos órgãos partidários que, direta ou indiretamente, recebam recursos do gênero.

[...]

Art. 7º As contas bancárias somente poderão receber doações ou contribuições com identificação do respectivo número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) ou no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ) do doador ou contribuinte.

[…]

DAS DOAÇÕES

Art. 8º As doações realizadas ao partido político podem ser feitas diretamente aos órgãos de direção nacional, estadual, distrital, municipal e zonal, que remeterão à Justiça Eleitoral e aos órgãos hierarquicamente superiores do partido o demonstrativo de seu recebimento e respectiva destinação, acompanhado do balanço contábil (Lei nº 9.096, de 1995, art. 39, § 1º).

§ 1º As doações em recursos financeiros devem ser, obrigatoriamente, efetuadas por cheque cruzado em nome do partido político ou por depósito bancário diretamente na conta do partido político (Lei nº 9.096, de 1995, art. 39, § 3º).

§ 2º O depósito bancário previsto no § 1º deste artigo deverá ser realizado nas contas "Doações para Campanha" ou "Outros Recursos", conforme sua destinação, sendo admitida sua efetivação por qualquer meio de transação bancária no qual o CPF ou o CNPJ do doador seja obrigatoriamente identificado.

[...]

Do mesmo modo, a subtração do trânsito dos valores pela conta bancária impede a verificação do CPF do doador, de modo que as quantias envolvidas passam a constituir recursos de origem não identificada, nos termos do art. 13, parágrafo único, da norma de regência.

Como consectário, esses recursos são considerados de origem não identificada e devem ser restituídos ao erário, consoante a mencionada resolução:

Art. 14. O recebimento direto ou indireto dos recursos previstos no art. 13 desta resolução sujeitará o órgão partidário a recolher o montante ao Tesouro Nacional, por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU), até o último dia útil do mês subsequente à efetivação do crédito em qualquer das contas bancárias de que trata o art. 6º desta resolução, sendo vedada a devolução ao doador originário.

Assim, irretocável a sentença em relação à apuração de valores oriundos de fonte vedada, no valor de R$ 15.126,21, e de origem não identificada, na quantia de R$ 5.136,00.

O total arrecadado pelo partido, no exercício de 2015, foi de R$ 71.710,28 (fl. 26), de forma que as falhas reconhecidas na contabilidade atingiram 28,25% da receita, mostrando-se correto o juízo de desaprovação e a determinação de recolhimento da importância aos cofres públicos.

Nesse sentido, reproduzo ementa de julgado de minha relatoria:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2015. DESAPROVAÇÃO. RECEBIMENTO DE RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. RECOLHIMENTO DO MONTANTE IRREGULAR AO TESOURO NACIONAL. REDUÇÃO DO PRAZO DE SUSPENSÃO DO REPASSE DE QUOTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. PARCIAL PROVIMENTO.

1. Arrecadação de recursos em desacordo com o disposto no art. 7º da Resolução TSE n. 23.432/14. Origem não identificada. Recolhimento ao Tesouro Nacional, nos termos do art. 13 e art. 14, caput, da Resolução TSE n. 23.432/14.

2. O descumprimento da formalidade poderia ser relevado caso o partido apresentasse prova confiável, e não listas produzidas unilateralmente, com dados das contribuições e comprovantes de depósitos de cheques sem identificação, documentos que não comprovam a origem dos recursos.

3. O valor absoluto da irregularidade e o percentual de impacto nas contas de 25,2% possibilitam a aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade para reduzir para três meses o prazo de suspensão do repasse de quotas do Fundo Partidário.

4. Provimento parcial.

(Processo n. 24-33, julgado em 10.6.19.)

De outro vértice, verifico que não foi imposta a sanção de suspensão do Fundo Partidário, penalidade prevista na legislação aplicável ao exercício.

Contudo, como já discorrido quando da análise da preliminar de nulidade, não há como, em juízo recursal, diante da ausência de pedido nesse sentido, proceder à fixação do sancionamento de suspensão do Fundo Partidário.

Ante o exposto, VOTO por rejeitar a preliminar de nulidade da sentença e o pedido de aplicação, de ofício, de ordem de suspensão de quotas do Fundo Partidário e, no mérito, por dar parcial provimento ao recurso, tão somente para afastar a multa aplicada pelo juízo de origem, mantidas a desaprovação das contas e a determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional do montante de R$ 20.262,21 (vinte mil, duzentos e sessenta e dois reais e vinte e um centavos), nos termos da fundamentação.