RE - 1671 - Sessão: 21/09/2020 às 14:00

RELATÓRIO

Cuida-se de recurso eleitoral interposto pelo PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT) de SÃO LEOPOLDO contra a sentença do Juízo da 73ª Zona Eleitoral, a qual desaprovou as contas da agremiação, referentes à movimentação financeira do exercício de 2018, em virtude do recebimento de recursos de fonte vedada. A decisão também determinou o recolhimento ao Tesouro Nacional da importância de R$ 3.850,00, bem como a suspensão da distribuição ou do repasse de recursos do Fundo Partidário pelo período de 1 (um) ano (fls. 102-103v.).

Em seu recurso (fls. 106-111), preliminarmente, o partido afirma que requereu a produção de prova testemunhal, pleito não analisado pelo juízo a quo, o que ensejaria a desconstituição da sentença. No mérito, defende que os contribuintes considerados autoridades são filiados à agremiação. Argumenta que a filiação partidária é situação fática, sendo a informação à Justiça Eleitoral “mera formalidade”. Aduz tratar-se de vínculo estabelecido entre o filiado e o partido, que o sistema de filiação partidária apenas gerencia as informações registradas pelas agremiações, não sendo constitutivo da relação estabelecida. Requer o conhecimento e o provimento do recurso para a aprovação das contas. Juntou documentos (fls. 112-124).

Nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral opinou pelo conhecimento e desprovimento do recurso (fls. 130-134v.).

É o relatório.

VOTO

O recurso é tempestivo, pois interposto em 16.9.2019 (segunda-feira), sendo que a intimação da sentença mediante publicação no DEJERS foi realizada em 12.9.2019 (quinta-feira).

Presentes os demais requisitos, merece conhecimento.

No caso dos autos, o recorrente teve suas contas partidárias do exercício de 2018 julgadas desaprovadas em razão do recebimento de valores oriundos de fontes vedadas, consistentes em doações realizadas por detentores de cargos demissíveis ad nutum, de chefia e de direção, no montante de R$ 3.850,00 (três mil, oitocentos e cinquenta reais).

À análise.

Preliminar de Nulidade – requerimento de produção de prova testemunhal

O recorrente aduz ter requerido produção de prova testemunhal, pleito este que não teria sido analisado pelo juízo a quo, o que daria ensejo à desconstituição da sentença.

Não procede.

Os termos do pedido constante na peça de defesa do recorrente são os seguintes: “Quanto à produção de provas, requer a juntada da presente manifestação e documentos que a acompanham. Subsidiariamente, requer a produção de prova testemunhal” (fls. 86-88).

A magistrada assim consignou ao proferir a decisão de mérito:

Não merece prosperar a alegação do Partido. conforme certidão (fls 97-100) os contribuintes não estão devidadmente filiados. A filiação partidária deve ser feita exclusivamente pelo sistema filiaweb disponibilizado pelo TSE, não bastando constar nos registros internos da agremiação. (sic – fls. 102-103v.).

Embora não tenha manifestado expressamente o indeferimento da produção da prova testemunhal, a julgadora, por exclusão, afirmou a inaptidão da prova que o requerente pretendia produzir, ao decidir que a “filiação partidária deve ser feita exclusivamente pelo sistema filiaweb”.

Ora, ao expor o entendimento de que o meio de prova a ser considerado para fins de verificação da filiação partidária é, forma exclusiva, o registro no sistema de dados mencionado, torna irrelevante a realização de outros atos processuais, podendo ser considerado subentendido o indeferimento do pleito de oitiva de testemunhas.

Tal posicionamento encontra amparo no art. 370, parágrafo único, do Código de Processo Civil, visto que o juiz, como gestor do processo, deve zelar pela sua eficiência e razoável duração, tendo o dever-poder de indeferir a produção de provas inúteis e protelatórias.

Dessa forma, a prova testemunhal foi considerada pela julgadora como incapaz de comprovar as alegações da parte.

Assim, tenho que a sentença não está maculada por nulidade que comprometa a validade do processo.

Ademais, sequer é possível afirmar a existência de prejuízo, uma vez que o recorrente não trouxe fundamento fático que demonstrasse a imprescindibilidade da colheita da prova testemunhal para o esclarecimento da questão, a qual poderia ser suficientemente suprida por prova documental. Aliás, mesmo em tese, é possível perceber que a prova testemunhal, acaso produzida e favorável ao recorrente, não teria o efeito de comprovar as filiações sob exame.

Dito de outro modo, a oitiva de testemunhas é, mesmo hipoteticamente, inócua à pretensão de comprovação almejada pela parte e, apenas em virtude de tal circunstância, já se nota que, realmente, não deveria ser produzida.

Portanto, também pela ausência de prejuízo ao recorrente, pressuposto essencial para a declaração de nulidade, impõe-se a rejeição da preliminar.

Do conhecimento dos documentos juntados com o recurso

O recorrente junta documentos com o recurso para o fim de comprovar a filiação partidária dos doadores (fls. 112-124).

O parecer conclusivo constatou “a existência de contribuintes intitulados autoridades, os quais se enquadram na vedação prevista no art. 12, inciso IV, da Resolução TSE 23.546/2017” (fls. 78-79), e que o partido foi intimado para oferecer defesa (fl. 84), ocasião em que se manifestou e juntou documentos (fls. 86-96).

Ora, o recorrente teve ciência do apontamento, e sobre ele se manifestou. Ademais, em face da viabilidade de que os documentos tivessem vindo aos autos antes da prolação da sentença, não é possível enquadrá-los no conceito de “documentos novos”. Há que se reconhecer a preclusão, em consonância com o atual posicionamento do Tribunal Superior Eleitoral acerca da inadmissibilidade de documentos juntados intempestivamente.

Aquela Corte fixou que apenas circunstância excepcional, obstativa da juntada em momento oportuno, impede a ocorrência da preclusão, considerada a natureza jurisdicional do processo de prestação de contas, a qual impossibilita que se reabra a fase de diligências quando o partido político intimado para sanar as falhas não o fez tempestivamente.

Nesse sentido, menciono os seguintes precedentes: Recurso Especial Eleitoral n. 2123, Rel. Min. Tarcisio Vieira De Carvalho Neto, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 199, Data: 14.10.2019, p. 58; Prestação de Contas n. 31449, Rel. Min. Admar Gonzaga, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Data: 29.5.2019; Prestação de Contas n. 29106, Rel. Min. Edson Fachin, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 116, Data: 19.6.2019, pp. 14-16.

Assim, deixo de conhecer os documentos que acompanharam o recurso.

Mérito

Trata-se da prestação de contas do exercício de 2018 do PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT) de SÃO LEOPOLDO, na qual foi verificada a existência de contribuições oriundas de fonte vedada.

As doações glosadas atingiram o montante de R$ 3.850,00 (três mil, oitocentos e cinquenta reais) e foram realizadas por Bruno Alexandre Pereira, Coordenador da Secretaria de Obras, Julian Marco Almeida, Chefe de Departamento, e Henri Marcelo dos Santos Figueiredo, Superintendente de Comunicação, todos ocupantes de cargos em comissão no município de São Leopoldo (fl. 77 e v.), e que não têm filiação partidária registrada, nos períodos das doações, nos assentos da Justiça Eleitoral (fls. 98-100).

Ao tempo do exercício, assim dispunha a Lei n. 9.096/95:

Art. 31. É vedado ao partido receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive através de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

I - entidade ou governo estrangeiros;

II - entes públicos e pessoas jurídicas de qualquer natureza, ressalvadas as dotações referidas no art. 38 desta Lei e as proveniente do Fundo Especial de Financiamento de Campanha;

III - (revogado);

IV - entidade de classe ou sindical.

V - pessoas físicas que exerçam função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, ou cargo ou emprego público temporário, ressalvados os filiados a partido político.

O comando foi regulamentado pelo Tribunal Superior Eleitoral na Resolução n. 23.546/17:

Das Fontes Vedadas

Art. 12. É vedado aos partidos políticos e às suas fundações receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, doação, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive por meio de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

I - origem estrangeira;

II - entes públicos e pessoas jurídicas de qualquer natureza, ressalvadas as dotações orçamentárias do Fundo Partidário e do FEFC;

III - pessoa física que exerça atividade comercial decorrente de concessão ou permissão; ou

IV - autoridades públicas.

§ 1º Consideram-se autoridades públicas, para fins do inciso IV do caput, pessoas físicas que exerçam função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, ou cargo ou emprego público temporário, ressalvados os filiados a partido político.

§ 2º As vedações previstas neste artigo atingem todos os órgãos partidários, inclusive suas fundações, observado o disposto no § 2º do art. 20.

§ 3º Entende-se por doação indireta, a que se refere o caput, aquela efetuada por pessoa interposta que se inclua nas hipóteses previstas nos incisos.

Na hipótese, é incontroverso que as doações impugnadas foram recebidas de autoridades públicas, assentando-se a controvérsia na caracterização dos doadores na condição de filiados ao partido político destinatário.

O Tribunal Superior Eleitoral, a fim de dirimir conflitos relativos a essa questão específica, editou o enunciado da Súmula n. 20, com a seguinte redação:

A prova de filiação partidária daquele cujo nome não constou da lista de filiados de que trata o art. 19 da Lei nº 9.096/1995, pode ser realizada por outros elementos de convicção, salvo quando se tratar de documentos produzidos unilateralmente, destituídos de fé pública.

Portanto, o registro da filiação no banco de dados do Tribunal Superior Eleitoral, diferentemente do afirmado no recurso, confere caráter público e formaliza vinculação dos cidadãos aos partidos políticos.

De fato, o sistema disponibilizado pela Justiça Eleitoral tem como um dos objetivos possibilitar um eficiente gerenciamento das filiações pelos partidos políticos, mas vai além disso, dando publicidade aos vínculos e garantindo a segurança dos registros.

Documentos unilaterais não comprovam filiação.

Os documentos juntados no decorrer da instrução (lista de filiados – fls. 94-96), e mesmo aqueles que acompanharam o recurso (fls. 113-124), substanciam declarações do partido, de dirigentes, filiados e doadores. Aliás, o mesmo ocorreria com a eventual realização de oitiva de testemunhas, salvo situação excepcional a justificar a realização de tal ato.

Nenhum elemento com reconhecimento público ou comprovadamente produzido em data anterior à apresentação da prestação de contas foi juntado aos autos. Não há credibilidade da tese de que os doadores já estavam filiados à agremiação no exercício de 2018.

Ademais, gizo que as restrições acerca do ingresso de determinadas receitas nos cofres dos partidos políticos incidem objetivamente, bastando a ocorrência do aporte dos recursos, de forma que descabe indagar quanto ao caráter de liberalidade da doação ou de qualquer outra circunstância de cunho subjetivo em relação a essas receitas.

Desse modo, pela ausência de filiação partidária, as contribuições recebidas configuram recursos oriundos de fontes vedadas, nos termos do art. 12, § 1º, da Resolução TSE n. 23.546/17, devendo ser mantida a decisão a quo.

O recebimento de doações provenientes de fonte vedada no valor de R$ 3.850,00 é mácula que representa 3,79% do total arrecadado pela agremiação no período, visto que a receita do exercício correspondeu a R$ 101.453,93 (fl. 03).

Tal percentual permite a aprovação com ressalvas da contabilidade e, também, o afastamento da determinação de suspensão dos repasses oriundos do Fundo Partidário, prestigiado o postulado da proporcionalidade.

Ante o exposto, VOTO pela rejeição da preliminar, pelo não conhecimento dos documentos que acompanharam o recurso e, no mérito, pelo parcial provimento, a fim de aprovar as contas com ressalvas, afastar a suspensão de repasses oriundos do Fundo Partidário, e manter a ordem de devolução ao Tesouro Nacional do valor de R$ 3.850,00 (três mil, oitocentos e cinquenta reais).